O salto confiante da fé
30º Domingo do Tempo Comum [27 de outubro 2024]
[Mc 10,46-52]
Entender o que Jesus queria ensinar não foi tarefa fácil para seus discípulos. Os evangelhos mostram a dificuldade de compreensão por parte daqueles que ele chamara a seu seguimento a respeito da dinâmica do Reino de Deus.
No último domingo vimos Tiago e João disputando os primeiros lugares. Jesus, por sua vez, lhes dá a lição: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas entre vós não deve ser assim” (Mc 10,42-43). Os discípulos mantinham uma incompreensão em relação à missão messiânica de Jesus. Estavam cegos. O relato de hoje vem mostrar, no cego Bartimeu, o estado de cegueira dos discípulos.
Jesus está a caminho de Jerusalém, onde deve entrar triunfalmente, antes de morrer. O caminho é para a morte, mas a entrada é triunfal. Um triunfo que por um lado revela a messianidade de Jesus, e, por outro, o equívoco da multidão em relação à missão do Filho de Deus. O relato de Marcos, colocando essa situação do cego Bartimeu exatamente nessa altura do evangelho, reveste-se de um significado profundo: aquele cego representa os discípulos de Jesus e o “salto” (“deixando sua capa, levantou-se = deu um salto”) que precisam ainda dar, bem como a cegueira de que precisam se curar.
Para aquele homem tudo ao seu redor era noite. Não vê nada! Mas ele ‘ouve’ uma luz. Surge uma possibilidade. E quanto mais o repreendiam, mais ele gritava! E Jesus, ouvindo seus clamores diz: “Chamai-o”. Esse chamado de Jesus remete a tantos chamados que o Senhor faz. Esse homem não via, mas ouvia. Estava atento aos sinais do Senhor. Por isso ouviu o ‘chamado’. Em meio a tantas “vozes” mundanas, não é fácil distinguir qual é a voz de Jesus!
Interessante notar que, enquanto alguns o repreendiam, outros o animavam: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” Vejam a importância de se ter alguém que encoraje, que anime. Na comunidade é assim também: há pessoas que não querem o crescimento do irmão. Humilham, diminuem, marginalizam. Por outro lado, há também aqueles que transmitem esperança e coragem. É destes que precisamos nos aproximar. É nesses que devemos nos inspirar.
Os gestos realizados pelo cego revestem-se de uma riqueza maravilhosa! São três: “O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus”. O que isso significa? Aquele manto era o lugar em que o mendigo dormia, se sentava, recolhia as esmolas etc. Era sua “casa”. Jogar o manto é romper com o passado, com o comodismo. É deixar aquela vida medíocre de esmoler, de dependência e assumir sua própria vida. Mais. Ser cego, na cultura daquele tempo, era ser castigado por Deus. O cara não podia ler as Sagradas Escrituras. Não podia caminhar até o Templo ou à sinagoga. Então era tido como uma escória social, totalmente discriminado, marginalizado. E “saltar” em direção a Jesus significa deixar este estado de ‘homem velho’, na expressão de São Paulo, e assumir uma vida nova.
Vejam que ele salta ainda cego, antes de receber a cura. É o salto da fé. Esta nos coloca num estado de esperança, de confiança. É um salto no escuro! Mas sabendo que não se há de ser desamparado. Há Alguém que nos acolhe, nos ampara, não nos deixa cair e nos dá a vida nova. Este homem encontra a salvação por causa de sua fé.
O terceiro gesto, também é muito significativo. Complementa o segundo. “Foi até Jesus”. É o gesto da confiança, da simplicidade, da humildade, do caminho percorrido. Ele sabe que Jesus poderá dar-lhe a visão. Jesus era a única pessoa que poderia fazê-lo enxergar. E a palavra de Jesus unida à sua fé, devolveu-lhe a visão. Quem se aproxima de Jesus, deixando de lado as coisas, o desejo de posse, o comodismo, buscando assumir um caminho novo, certamente enxergará o mundo de uma forma nova, como Deus o vê. Enxergará o irmão!
E, finalmente, o coroamento. Aonde o evangelho quer chegar: “... ele foi seguindo Jesus pelo caminho”. Aquilo que faltava aos discípulos se realizou no cego Bartimeu. Os discípulos estavam como que cegos. Não conseguiam enxergar quem era Jesus. Estavam na procissão, mas não sabiam para quê. Os interesses escusos dos discípulos os colocavam em situação de trevas. Ainda mais: o medo e a falta de compreensão do projeto do Pai levavam-nos a ter atitudes egoístas e infantis.
O cego Bartimeu nos dá também a grande lição de que não podemos deixar passar a oportunidade da “passagem de Deus” pela nossa vida. Nem os opositores, nem o manto, nem a própria cegueira o impediram de lançar-se à busca de uma nova vida. Por isso foi salvo. A presença graciosa de Jesus transformou seu comodismo e seus medos em coragem, ousadia e nova visão de mundo. É o que acontece com quem se aproxima de Jesus e se deixa transformar por ele.
“Senhor, tu tens palavra de vida e de amor! Tu és a luz dos olhos meus! Brilhe essa luz nos passos meus seguindo os teus! Ajuda-me a deixar para trás o fechamento, os preconceitos, a dureza de coração e de mente. Abre meus olhos e meu coração ao teu amor para ajudar a tantas pessoas que vivem na escuridão da ganância e da mentira, da sede do poder e do ter, do desejo de fazer do semelhante um objeto em suas mãos. Dá-me um pouco de tua luz a fim de que, iluminado, possa também iluminar as situações de morte, de violência, de miséria, de insensibilidade, de indiferença e de mesquinhez que assolam nosso mundo. Jesus, tu és a luz, tu és o caminho, tu és a água viva que preenche o vazio do meu coração e me coloca em movimento de misericórdia e de perdão, de acolhida e de construção de um mundo mais justo humano e fraterno, na paz e no bem”.
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN