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aurelius

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Não basta admirar, é preciso seguir Jesus

aureliano, 23.08.24

21º Domingo do TC - B - 22 de agosto.jpg

21º Domingo do Tempo Comum [25 de agosto de 2024]

   [Jo 6,60-69]

Durante os cinco últimos domingos refletimos e rezamos o capítulo sexto de João. Hoje chegamos ao final. Jesus veio, como que, preparando seus discípulos para viverem um modo novo, uma vida nova. Desde a partilha do pão no deserto até à radicalidade de fazer-se pão para os demais, como Jesus, o Pão da vida. Esse é o projeto de Jesus. Uma vez eucaristizados devemos ser eucaristizantes.

No final notamos dois grupos de discípulos: os que creram nele e os que não creram. Os que se deixaram atrair pelo Pai e os que preferiram os projetos mundanos. Os que optaram pela “carne” e os que seguiram as inspirações do “espírito”. E o grupo dos que “voltaram atrás” era grande: “Muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66).

Interessante notar que Jesus não se deixa abalar pelo abandono daqueles que preferem seguir outros caminhos, ou, seus próprios caminhos: “Então Jesus disse aos doze: ‘Vós também vos quereis ir embora?’” (Jo 6,67). Jesus não admite meio termo. Não é possível servir a dois senhores, “servir a Deus e ao dinheiro” ao mesmo tempo (cf. Mt 6,24). Os discípulos precisariam tomar uma decisão. Jesus não se satisfaz com uma busca inconsequente, descomprometida, curiosa e interesseira. Deviam tomar uma decisão firme e resoluta. Ter a coragem de andar nas pegadas do Mestre: à semelhança dele, entregar-se pela salvação do mundo.

“Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6,60). Jesus não contemporiza com ninguém. Ter fé em Jesus é comprometer-se com ele. É abandonar a vida mundana que se pauta na preocupação com a conta gorda no banco, com o sucesso, com o reconhecimento social, com o acúmulo de bens e com altos salários, com festanças sem medida, com falta de ética, de verdade e de honestidade. É preciso romper com essa mentalidade para seguir Jesus. O compromisso com Jesus se manifesta na preocupação com os mais necessitados, com os abandonados, com a inclusão dos descartados, com a partilha dos bens da criação, com os benefícios que as políticas públicas lhes devem assegurar. Fé em Jesus leva a comprometer-se com a família, a aliviar os sofrimentos dos doentes, a acolher e amar as crianças, a socorrer e confortar os idosos. Em solidariedade e comprometimento com os “sobrantes” da sociedade.

As palavras de Josué, na primeira leitura da liturgia desse domingo, devem ecoar forte dentro de nós nestes tempos difíceis em que cada um escolhe aquilo que mais lhe agrada e interessa, em detrimento da ética, do respeito, do cuidado pela vida: “Se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses a quem vossos pais serviram na Mesopotâmia, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (Js 24,15).

Servir ao Senhor não se resume em frequentar o templo, ir a um culto ou celebração, fazer esse ou aquele ato de bondade. Não. Servir ao Senhor significa assumir uma postura de vida que se pauta pela vida de Jesus de Nazaré. No templo celebramos uma realidade que buscamos viver com a graça de Deus. Aquilo que experimentamos durante a semana, colocamos no altar do Senhor como comunidade de fé reunida. Relativamente ao bem que fazemos, pode ser que haja aí mais vaidade e troca de favores do que um serviço generoso e despojado: “Ainda que distribuísse todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse o meu corpo às chamas, se não tivesse caridade, isso nada me adiantaria” (1Cor 13,3).

A abertura ao Pai é imprescindível para se assumir uma nova postura na vida que se fundamenta na fé. O batismo que nos torna novas criaturas nos introduz no coração do Pai, nos dá a vida divina (eterna). A humildade, a simplicidade, a abertura de coração, a sensibilidade ao outro são virtudes e qualidades que precisam ser cultivadas para que vivamos de acordo com a vida divina infundida em nós no batismo. “Ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai” (Jo 6,65).

“A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Essa confissão de fé de Pedro nos ajuda a refletir na verborréia que deparamos no nosso mundo. Mesmo dentro da Igreja usamos de uma multiplicidade de palavras, de músicas e de normas que dizem pouco ou quase nada sobre a conversão e a adesão a Jesus. É preciso saber se estamos sendo coerentes com o que dizemos, com o que pregamos, mesmo com os hinos que cantamos. Precisamos nos examinar sobre o que dizem para nós, eclesiásticos, as palavras de Jesus.  Pois nEle as palavras brotavam de dentro, de uma vida de intimidade com o Pai. Não eram palavras vazias, enganosas, ideologizadas, mentirosas. Nosso maior serviço aos irmãos hoje é colocá-los em contato, não com nossas palavras, mas com as palavras de Jesus. Elas sim são “espírito e vida” (Jo 6,63).

A pergunta que Jesus fez aos discípulos em crise deve continuar ecoando dentro de nós: “E vós, não quereis também partir?” (Jo 6,67). É uma chamada a sair de uma fé de tradição para uma fé de decisão e adesão. E nossa decisão deve ser por Jesus. Ninguém deve ocupar o lugar dele em nosso coração. Enquanto estivermos frequentando a igreja por motivações egoístas ou para agradar a alguém ou para cumprimento de uma lei, estamos colocando em xeque nossa continuidade e maturidade na fé. Nossa participação na comunidade deve ser motivada pelo amor que temos ao Criador, pelo bem que nos faz e pela possibilidade de nos tornarmos pessoas melhores e realizemos o bem por onde passarmos. Uma celebração ou oração que não nos transforma, não nos muda a partir do dentro precisa ser revista, questionada.

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AS CRISES DO CAMINHO

Olhando ainda mais de perto o relato da liturgia de hoje podemos considerar também a situação de crise em que vivemos e sua importância para ajudar a crescer e a purificar o caminho.

Uma pergunta que precisa ser colocada é: O que nos motiva a permanecer na Igreja? Qual é a razão pela qual continuamos a participar, a celebrar, a colaborar?

À palavra de Jesus “Vós também vos quereis ir embora?”, Pedro faz definitivamente uma profissão de fé: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,67-69).

Dúvidas e incertezas são realidades inerentes à vida humana. Por isso disse o divino Mestre: “Entre vós há alguns que não crêem” (Jo 6,64). Decepções, desencantos, fragilidades, desencontros, apegos, fechamentos, arrogância são elementos que produzem dúvidas. Ter visto e se encontrado com Jesus ainda não garante a fé. Alguém pode conhecer tudo acerca do evangelho, da vida de Jesus e da Igreja e não ter fé. A pessoa pode ser padre, catequista, pertencer ao ministério de música, freqüentar grupos religiosos, participar de pastorais, mas não ser pessoa de fé. Esta é fruto de um encontro amoroso entre a bondade de Deus que vem ao nosso encontro e de nossa resposta livre de acolhida a essa bondade que ele revelou em Jesus de Nazaré. Uma resposta cotidiana que se traduz na conversão do coração, na busca de assumir na própria vida os gestos e palavras de Jesus: configurar-se a Cristo. Essa resposta vivida, concretizada no cotidiano conduz à salvação.

A resposta de Pedro nos diz que não há saída possível. Quem tem palavras de vida eterna é o próprio Cristo, Filho do Deus vivo.

Somente um encontro profundo com o Senhor poderá transformar nossa vida, gerar em nós aquela convicção que nada neste mundo poderá tirar. Vale lembrar aquelas palavras do Papa Francisco que podem ajudar nesse caminho de seguimento a Jesus: “Todos os cristãos, em qualquer lugar e situação que se encontrem, estão convidados a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de procurá-lo dia a dia, sem cessar. (...) Não me cansarei de repetir estas palavras de Bento XVI que nos levam ao centro do Evangelho: ‘Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo’” (EG, 3 e 7).

*Neste dia dedicado às(aos) catequistas, queremos abraçar a todos(as) pelo serviço generoso de fazer ecoar o amor de Deus no coração de nossas crianças e jovens. Continuem firmes nesse caminho, pois mais do que busca de realização pessoal, vocês estão ajudando nossas famílias a encontrar Aquele que dá o verdadeiro sentido à vida. Jamais abandonem a Palavra de Deus que é fonte viva e eficaz para sua vida, em primeiro lugar, e para os catequizandos. Vale a pena “perder o tempo” (a vida) para doá-lo em favor de nossas crianças e jovens. Deus fortaleça cada catequista, sobretudo nesse tempo de pandemia em que se faz necessário muita criatividade e um jeito novo para tocar o coração dos catequizandos. Diz o Papa Francisco: “Quem é o catequista? É aquele que guarda e alimenta a memória de Deus; guarda-a em si mesmo e sabe despertá-la nos outros”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Batismo: conversão e compromisso

aureliano, 07.01.22

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Batismo do Senhor [09 de janeiro de 2022]

[Lc 3,15-16.21-22]

Com a festa do Batismo de Jesus, a Igreja encerra o tempo do Natal. O Batismo de Jesus é mais uma Epifania: manifestação de Jesus como o “filho amado” do Pai. Ele é quem levará a termo o projeto de Deus, por isso exige de João “cumprir toda a justiça”.

Se Jesus é o Filho de Deus, por que quer ser batizado? Que significa o batismo de Jesus?

O batismo de João é um batismo de conversão, um rito de purificação que prepara “os caminhos do Senhor”. Desde a concepção de Jesus, João Batista esteve a ele relacionado. Agora aparece nos inícios de sua vida pública, anunciando a conversão à prática da justiça como caminho para remover o pecado.

Quando Jesus, diante da recusa de João em batizá-lo, insiste em que se deve cumprir “toda a justiça”, ele está mostrando que veio para realizar o plano da salvação que o Pai preparou para a humanidade; veio cumprir a vontade do Pai num amor incondicional à humanidade, que culmina com a cruz. Também se expressa aqui o que o batismo simboliza para Jesus: mergulho na condição humana, menos o pecado. No entendimento dos Santos Padres da Igreja, esse gesto de Jesus santifica as águas do batismo. Assim Jesus santifica todas as atividades humanas, toda a criação com sua “descida” no batismo à nossa condição humana.

A festa do Batismo de Jesus deve nos levar a refletir sobre o nosso batismo. Este não significa meramente o perdão dos pecados, como o de João, nem uma bênção ou coisa semelhante. Batismo cristão é a participação no batismo de Cristo e na sua missão como Servo de Deus, no Espírito. Ser batizado é tornar-se servidor dos irmãos e irmãs dentro de uma comunidade cristã. É seguimento a Jesus que, “ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder, andou por toda parte fazendo o bem e curando a todos que estavam dominados pelo diabo” (At 10, 37-38).

Vamos rezar um pouco nosso batismo, rever nossos compromissos batismais, nossa vida em comunidade, nossa prática da justiça e da bondade. Seria bom que todo batizado soubesse o dia de seu batismo e o celebrasse. O Pe. Júlio Maria, fundador de nossa Congregação, Missionários Sacramentinos, dava mais ênfase ao dia do seu batismo do que ao do seu natalício. Penso que pode ser uma experiência a nos ajudar a revitalizar em nós o espírito missionário e comprometido próprios do batismo cristão.

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BATISMO: VIVER SEGUNDO O ESPÍRITO

A festa do Batismo do Senhor quer nos ajudar a pensar e a rezar o nosso batismo, nossa consagração radical que o Senhor fez de cada um de nós. Ao consagrar-nos exclama como fizera ao seu próprio Filho: “Este é meu filho amado”.

O evangelho deixa entrever dois aspectos muito interessantes da vida de Jesus: sua relação com Deus e sua solidariedade com o povo. Havia uma expectativa geral em torno do Messias. A Palestina passava por uma opressão muito grande por parte do poder romano. Pipocavam movimentos messiânicos. Esta é a razão da confusão que povo fazia a respeito de João e de Jesus.

João, um homem cheio de Deus, não se deixou levar pela vaidade e declarou: “Virá aquele que é mais forte do que eu... Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”. Reconhece em Jesus o enviado do Pai que realiza um batismo que comunica a vida nova na força do Espírito Santo. Pregava um “batismo de conversão”.

O primeiro aspecto a ser ressaltado no relato de hoje é a solidariedade de Jesus com o povo. Por que Jesus quis ser batizado? Ele já não é o Filho de Deus? – Jesus se faz solidário com a humanidade. Entra, humildemente, na fila dos pecadores e pede a João o batismo de conversão. Não que ele precisasse desse rito, mas quer cumprir em tudo a vontade do Pai e sua missão. É o “Servo do Senhor”. “Não quebra a cana rachada nem apaga um pavio que ainda fumega; mas promoverá o julgamento para obter a verdade” (Is 42,3).

O batismo cristão não é um rito para nos afastar do mundo, mas nos reenvia renovados para fazermos o novo acontecer. Nós cristãos precisamos lançar um olhar mais profundo e contemplativo sobre essa atitude de Jesus e criarmos coragem para nos lançarmos, de modo novo, a partir do batismo que nos consagra radicalmente ao Pai, para sermos uma presença de Igreja solidária no meio do povo. Ajudar o povo a fazer um caminho de conversão, de reencantamento por Jesus Cristo, de paixão pelo Reino, de coragem para enfrentar os promotores da violência e da morte, na construção de uma sociedade de paz e de mais vida.

Rezemos um pouco mais nosso batismo. Que diferença faz ser batizado ou não? Que diferença faz crer ou não crer? O batismo que você recebeu quando criança interfere em suas atitudes, em seu modo de viver, de se relacionar, de lidar com o poder e com dinheiro? Como você tem vivido sua vida de oração? Reserva algum tempo para a intimidade com o Pai? Procura ser solidário com os pequenos e pobres, com os doentes e pecadores? – João Batista ainda não descobrira a relação misericordiosa e afável com os debilitados e marginalizados. Ele encerra a Primeira Aliança. Jesus, numa atitude reveladora da bondade do Pai, acolhia os pecadores e os perdoava, aproximava-se dos doentes e os curava, abençoava as crianças, acolhia e valorizava as mulheres. Enfim, mostrou um Deus que se aproxima para salvar.

E você, que foi batizado/consagrado, iluminado pela Palavra, orientado e instruído acerca da bondade de Deus que deve ser expressa em sua vida, como tem se colocado diante daqueles que Deus colocou no seu caminho? Você se considera filho/a de Deus? Vive como filho/a amado? O que lhe falta para ser mais fiel ao seu batismo?

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A POMBA E O ESPÍRITO SANTO

“... e ele viu o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corporal, como pomba” (Lc 3,22). O que esse relato quer dizer? Por que a iconografia cristã representa o Espírito Santo em forma de pomba? Vamos tentar compreender esse relato.

A gente precisa ir aprendendo a ler e rezar as Sagradas Escrituras relacionando os textos. Essa perícope de Mateus está relacionada com alguns textos do Antigo Testamento. Vejamos.

Bem no início da Sagrada Escritura lemos no relato da Criação que “o vento de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1,2). O talmude babilônico – uma espécie de interpretação dos rabinos ao texto bíblico - diz mais: “O Espírito de Deus pairava sobre a face das águas, como uma pomba que paira sobre os seus filhotes sem tocá-los”. Esse relato de Gênesis faz antever, de algum modo, o que Cristo Salvador realizará com sua vida salvadora. Os acontecimentos que se deram ao redor de sua vida no Jordão prenunciam a nova Criação da humanidade. O batismo trazido por Jesus nos recria, nos faz nascer de novo (cf. Jo 3,5-7).

Outro relato que não pode ser omitido é o do dilúvio. Noé enviou uma pomba para certificar-se se as águas haviam baixado. A pomba trouxe no bico um ramo de oliveira (cf. Gn 8,11). Esse relato está diretamente relacionado ao batismo de Jesus, uma vez que o dilúvio, no entendimento dos Santos Padres, prefigurava a destruição do pecado e a salvação pelas águas do batismo. Aqui aparecem claramente essas duas realidades retratadas por Mateus no batismo de Jesus: as águas e a pomba.

Portanto, é preciso ficar claro que o Espírito Santo não é uma pomba. O fato de a arte cristã retratar o Espírito Santo em forma de pomba tem estreita relação com esses relatos bíblicos. Lucas diz desceu em “forma corporal, como uma pomba”. Ou seja, como a pomba bate as asas e faz correr um vento suave ao pousar, aquele vento produzido pelas asas da pomba pousando assemelha-se ao Espírito que “paira” sobre a criação, sobre Jesus, sobre nós, sobre a Igreja, sobre as oferendas em santificação. É o Hálito santo de Deus. A Divina Ruah.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

No caminho de Jesus

aureliano, 02.09.16

23º Domingo do Tempo Comum [04 de setembro de 2016]

[Lc 14, 25-33]

No caminho para Jerusalém não há meio termo. Para seguir a Jesus é preciso tomada de decisão radical. Não é suficiente acompanhar as multidões. Fé cristã não é imbuir-se de uma ideia, não é adesão a uma ideologia, mas trata-se de adesão e seguimento a uma pessoa concreta: Jesus de Nazaré. Para isso é preciso fazer opção. Não se pode servir a dois senhores (cf. Mt 6,24).

A renúncia aos apegos familiares e a tomada da cruz de cada dia são elementos constitutivos da vida cristã e não somente para as pessoas que assumem a Vida Consagradas. Porém vamos tentar compreender melhor o que é isso.

Ser cristão é uma Graça de Deus. Mas também é uma opção por Cristo, opção radical, renovada todos os dias. O Reino anunciado por Jesus precisa ser prioridade na vida do cristão. As relações familiares devem também estar a serviço deste Reino. Sempre que houver intervenção da família contrariando os interesses do Reino, é necessário refazer o caminho e re-optar, voltar ao primeiro amor (cf. Ap 2,4). Na vida cristã, o “investimento” tem que ser total. A fé cristã não comporta meias-medidas. A prioridade do cristão que assumiu uma vida familiar não são os filhos, a mulher, o marido ou os pais, mas o Reino de Deus. Em outras palavras, aqueles valores e princípios vividos e propostos por Jesus devem ser a bússola da vida familiar.

A renúncia traz como consequência a cruz. E o que significa carregar a cruz? Aqui precisamos nos deter aqui um pouquinho, pois há equívocos no entendimento dessa palavra de Jesus. Alguns entendem “carregar a cruz” como fazer duras penitências, jejuns, buscar sofrimentos e padecimentos. Outra compreensão muito comum é interpretar a cruz como aceitação das dores e intempéries da vida. Na medida que a pessoa acolhe pacientemente as dificuldades inerentes à vida humana, tais como desencontros, fracassos, doenças, incompreensões, enfretamentos de situações injustas, a acolhida e socorro aos que sofrem etc, está levando a cruz com Jesus.

Bem. O que dissemos até agora é uma possibilidade de interpretação, talvez a mais comum. Porém, para dizer de modo estritamente cristão e evangélico, “carregar a cruz” ainda não é isso. É mais. Muito embora se possa captar no sofrimento cotidiano um conteúdo cristão quando abraçado em Cristo.

Para se entender o que significa “carregar a cruz” precisamos fazer uma viagem histórico-teológica. O que foi “carregar a cruz” para Jesus? Segundo o costume romano, aquele que carregava a cruz era um condenado por algum crime considerado grave cujo título era levado ao pescoço e atravessava a cidade levando o instrumento de sua execução. Desse modo era mostrado como culpado para toda a sociedade, era excluído, considerado indigno de continuar vivendo entre os seus. Foi o que aconteceu a Jesus.

Então “carregar a cruz” significa perfazer o caminho que fez Jesus: sofrer, com coragem, as rejeições, perseguições, condenações, humilhações infligidas pela sociedade e pelos próprios amigos e familiares, provocadas por causa da fidelidade a Deus e ao Evangelho. Esse é o caminho de Jesus. Por isso pressupõe opção clara e decisão firme.

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FÉ VERDADEIRA COMPROMETE O DISCÍPULO

O Evangelho de Lucas descreve Jesus caminhando para Jerusalém. Lá seria o lugar da sua morte, mas também, o marco da comunidade cristã de onde partiria para o mundo, anunciando que aquele que morreu crucificado, ressuscitou, está vivo no meio da comunidade.

O discípulo de Jesus deve também percorrer esse caminho porque “o discípulo não é maior do que o mestre”. E assim como Jesus enfrentou a cruz por causa de sua fidelidade ao Pai, o discípulo também deve fazer os devidos cortes na vida para chegar à ressurreição, colocando Deus como o absoluto de sua vida.

Quando lançamos um olhar para a proposta de Jesus e nos deparamos com uma sociedade  em que fazem do cristianismo um ‘supermercado da fé’, é preciso identificar aí uma contradição. Não é possível crer em Jesus e não se comprometer com o caminho que ele fez. Se por um lado Jesus propõe um sair de si num total desprendimento, fazendo-se dom para os outros, por outro, faz muito sucesso a proposta enganadora e sedutora de uma fé que busca responder às necessidades imediatas, resolver problemas, construindo um deus à própria imagem e semelhança.

É preciso voltar nosso olhar para a proposta de Jesus: “odiar (desapegar-se) pai e mãe, mulher, filhos, irmãos e irmãs e até a própria vida”, “carregar a própria cruz” e “ir atrás de Jesus”. É uma opção que supõe renúncias, riscos e caminho a ser percorrido.

“Odiar pai e mãe” não pode ser entendido como ‘querer mal’; é um hebraísmo que significa desapego total. Em outras palavras: os afetos familiares não podem ser preferidos à proposta de Jesus (cf. Lc 9,57.62). O Reino que Jesus veio anunciar deve ocupar o primeiro lugar na vida do discípulo. Inclusive o casamento, a vida familiar só tem sentido na dinâmica do Reino de Deus. Casar-se, constituir família em busca apenas de bem-estar, para enriquecimento material, para gozar a vida, não faz sentido para o discípulo de Jesus. A vida afetiva na família deve ser também um instrumento e sinal do Reino de Deus. Este deve ocupar o primeiro lugar. Não deixar-se escravizar por nada: nem pelos bens nem pelos parentes nem por qualquer outra coisa. “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

Partindo dessa compreensão do texto bíblico podemos afirmar que crer em Jesus é encarar o desafio de amar sem medida, até o fim, porque ele “nos amou até o fim” (cf. Jo 13,1). Não dá para começar a construção e abandonar a empreitada. É preciso continuar.

Seguir Jesus, ser seu discípulo requer comprometimento pessoal. Não basta ser ‘maria-vai-com-as-outras’. É preciso que, como Jesus, o discípulo se comprometa pessoalmente com sua fé e abrace as conseqüências desse seu comprometimento. “Qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo”.

*Estamos no mês da Bíblia. Quem sabe você poderia fortalecer ainda mais seu amor à Palavra de Deus, fazendo a leitura orante, participando com mais entusiasmo dos grupos de reflexão e círculos bíblicos, alimentando nos seus filhos, na sua família o amor e o encantamento pela Palavra de Deus?! Hoje há muita facilidade de se acompanhar a liturgia diária pela internet. Antes de ir para o trabalho, poderia dar uma lida no evangelho do dia, no salmo... Ou mesmo fazer o compromisso de ler Miquéias, livro do mês da bíblia deste ano. São apenas sete capítulos. Vamos nesta?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN