Oração, Jejum e Esmola: um sentido de vida
Quarta-feira de Cinzas [05 de março de 2025]
[Mt 6,1-6.16-18]
Não nos é dado saber com certeza data e local precisos do surgimento da Quaresma na vida litúrgica da Igreja. O que sabemos é que ela foi se formando progressivamente. Estava entranhada na consciência dos cristãos a necessidade de dedicar um tempo em preparação à celebração da Páscoa do Senhor. As primeiras alusões a um período pré-pascal estão registradas lá pelo século IV. Consta também que, na Quinta-Feira Santa, acontecia a reconciliação dos pecadores; e que na Vigília Pascal se realizavam os batizados dos catecúmenos (aqueles que estavam preparados para o batismo). Esses dois costumes, vividos desde a antiguidade da fé cristã, vem mostrar que esse tempo nos remete à renovação das promessas batismais ou preparação para o batismo e a práticas penitenciais que nos levem a uma conversão profunda do coração.
A propósito desse elemento da história, o Concílio Vaticano II recomenda: “Tanto na liturgia quanto na catequese litúrgica, esclareça-se melhor a dupla índole quaresmal, que, principalmente pela lembrança ou preparação do batismo e pela penitência, fazendo os fiéis ouvirem com mais frequência a Palavra de Deus e entregarem-se à oração, os dispõe à celebração do Mistério Pascal. Por isso, utilizem-se com mais abundância os elementos batismais próprios da liturgia quaresmal; segundo as circunstâncias, restaurem-se certos elementos da tradição anterior. Diga-se o mesmo dos elementos penitenciais” (SC 109).
É bom entender que a Quaresma não é um tempo de práticas penitenciais ultrapassadas, mas é um tempo de experiência de um Deus que está vivo no nosso meio e quer que todos vivam: “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). Um tempo em que somos chamados a participar dos sofrimentos de Cristo para participarmos também de sua glória (cf. Rm 8,17). O acento não está, portanto, nas práticas de penitência, mas na graça santificadora do Senhor que nos convida todos os dias à conversão.
Por possuir um caráter fundamentalmente batismal, a Quaresma nos convida a entrar numa dinâmica de permanente conversão para nos mantermos no caminho encetado pelo batismo. Mortos com Cristo, ressuscitamos com ele para uma vida nova. Quem ressuscitou com Cristo busca as “coisas do alto”. Compromete-se com a vida de todas as pessoas, particularmente com aqueles que não contam, que não são visíveis aos olhos da sociedade, os “sobrantes”.
As três práticas propostas pela Igreja, com raiz na tradição judaica são a oração, o jejum e a esmola. Elas nos ajudam no processo de conversão.
O JEJUM quer nos ajudar a deixar de lado o consumismo proposto por uma sociedade governada por ricos e poderosos que querem ganhar sempre mais à custa dos pobres. Querem arrancar o pouco que o pobre tem. Neste tempo é bom a gente aprender a viver com pouco, a reaproveitar as coisas, a levar uma vida mais simples, mais sóbria. Não se trata de passar necessidade ou fome, pois não é isso que Deus quer. Mas a gente pode viver de modo mais simples sem entrar no modismo da sociedade consumista que mata e exclui. Mais do que jejuar, talvez fosse muito proveitoso evitar o desperdício, jogar o lixo na lixeira, manter limpo os espaços públicos; cuidar das fontes e rios; usar a água tratada com mais consciência, como dom do Pai; reutilizar resíduos e água; preocupar-se e solidarizar-se com quem passa necessidade; superar toda forma de violência; ser mais terno e comedido nas palavras; evitar ofender, maldizer; ser mais paciente no trânsito; tomar as dores e defender aqueles que sofrem violência; promover a paz através do diálogo, da tolerância e do respeito às diferenças; maior empenho por uma educação que leve em conta a totalidade da pessoa humana; lutar por um sistema de saúde que trabalhe preventivamente e que cuide com zelo e responsabilidade dos doentes etc. Trata-se de um ‘esvaziar-se’ para encher-se dos sentimentos de Jesus; encher-se da bondade de Deus.
A ESMOLA quer despertar-nos para a solidariedade com os mais pobres. Uma conversão que nos torne capazes de partilhar com os outros os bens e os dons que temos. Que nos mobilize pelas causas justas, em favor dos menores, dos ‘invisíveis’, sem voz nem vez. É a luta contra a ganância que faz tantas vítimas em nosso meio. A esmola nos tira de nós mesmos e nos remete em direção dos irmãos pelo gesto da partilha solidária. Não se trata apenas de darmos algo de nós, mas darmo-nos a nós mesmos. A visita a um doente, idoso, pobre é um bom gesto que ajuda no processo de conversão. É a oferta do tempo que temos para nós e que doamos a alguém. A esmola ajuda a quebrar nosso orgulho, nos dispõe ao desapego dos bens e à partilha, nos aproxima de Deus. “Dar esmola é oferecer um sacrifício de louvor” (Eclo 35,2). E ainda diz a Escritura: “Quem dá a um pobre empresta a Deus, quem lho retribuirá senão ele?” (Pr 19,17).
A ORAÇÃO nos coloca numa profunda comunhão com o Pai. Sem uma vida orientada pela oração não podemos construir um mundo de acordo com o sonho de Deus. E a oração verdadeira é aquela que nos coloca em sintonia com o querer de Deus, que nos move em direção aos pobres e sofredores. Ele veio “para que todos tenham vida”. Aproveitar esse tempo para reforçar a leitura orante da bíblia. Rezar todos os dias algum texto bíblico! Oramos não porque Deus desconhece nossas necessidades, mas porque queremos nos entregar a Ele e descobrir a melhor forma de servi-lo nos irmãos. A Leitura Orante ilumina nosso caminho, nossa vida. Como reza um prefácio da Liturgia Eucarística: “Ainda que nossos louvores não vos sejam necessários, vós nos concedeis o dom de vos louvar. Eles nada acrescentam ao que sois, mas nos aproximam de vós” (Prefácio Comum, IV). Oramos para nos colocarmos na presença de Deus gratuitamente, generosamente. Talvez fosse bom redistribuir o tempo despendido às redes sociais: não deixar que os bate-papos e diversões da internet e séries de TV roubem o tempo da oração.
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A Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema: “Fraternidade e Ecologia Intetral”, com o lema: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Vejamos alguns números que nos ajudam a perceber a importância da temática:
“Novamente, Deus nos chama a vivenciar a Quaresma. Desta vez, porém, com um apelo especial a louvá-lo pela beleza da criação, e fazer um caminho decidido de conversão ecológica e a vivenciar a Ecologia Integral. É preciso despertar para “a grandeza, a urgência e a beleza do desafio” de cuidar da Casa Comum (LS, n. 15). Assim, renovados pela força do Espírito Santo, aprendemos a falar “a língua da fraternidade e da beleza na nossa relação com o mundo” criado (LS, n. 11). Então, ao nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe, brotarão do encantamento a sobriedade e a generosidade (cf. LS, n. 11). No dizer do Papa Francisco, “o mundo é algo mais do que um problema a resolver; é um mistério gozosos que contemplamos na alegria e no louvor” (LS, n. 12). (Texto-Base, n. 5).
“Colaborar com pastorais, redes eclesiais e educacionais, organizações da sociedade civil, assumindo soluções concretas em defesa da nossa Casa Comum e dos mais pobres e vulneráveis.
Adotar um estilo de vida profundamente crítico e afastado do consumismo e mais focado em valores duradouros e definitivos, cientes de que o ato de comprar e consumir não é apenas econômico, mas um ato com exigentes implicações morais.
Priorizar a compra de produtos locais, orgânicos, vindos da agricultura familiar e agroecológica.
Optar por formas de transporte mais sustentáveis, como o transporte público e a mobilidade ativa, a carona solidária, a bicicleta e a caminhada” (Texto-Base, 156 A).
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN