Estar preparado: correr o risco
33º Domingo do Tempo Comum [19 de novembro de 2017]
[Mt 25,14-30]
Estamos diante de uma parábola que causa estranheza à primeira vista. Um patrão ambicioso que vai viajar e entrega uma quantia de dinheiro a alguns de seus empregados para que eles façam esse dinheiro multiplicar. A atitude com o terceiro empregado revela que esse patrão ambicioso que se enriquece às custas dos empregados: “Tu sabias que colho onde não plantei e ceifo onde não semeei”. E sua atitude violenta com o empregado “medroso”, denominado por ele de “mau e preguiçoso” produz uma impressão ruim dentro da gente.
Em primeiro lugar é preciso considerar que é uma parábola, com os limites das comparações. Depois, uma parábola que tem como pano de fundo os escribas e fariseus e a comunidade de Mateus proveniente do judaísmo. Mateus pretende mostrar aos escribas e fariseus que não basta o cumprimento da Lei, mas é preciso viver de modo vigilante e criativo, correndo risco de “perder a vida” para ganhá-la. Aos judeu-cristãos que, certamente, começaram a se acomodar, esperando para breve a vinda do Senhor Jesus, com dificuldade em viver a proposta do Evangelho, permanecendo fechados num sistema religioso legalista e excludente, Mateus está lembrando a necessidade da vigilância produtiva: é preciso colocar os dons a serviço da comunidade, assumindo assim a grande causa de Jesus que foi a vida fraterna, o lava-pés “para que todos tenham vida” (Jo 10,10).
A parábola não pode ser interpretada na lógica capitalista como se estivesse legitimando produção econômica. Ela quer ajudar a comunidade a sair da “zona de conforto”, de uma vida fechada, egoísta, comodista para atitudes de serviço e generosidade a fim de que aqueles que não contam na sociedade sejam incluídos. Jesus não quer ninguém de fora.
Para isso ele quer contar com nossa participação na obra da “salvação” da humanidade. Quando ‘arriscamos’ nossa vida, à semelhança de Jesus, estamos vivendo a Eucaristia que celebramos: “Isto é o meu corpo que é dado por vós”. Deus não tem o hábito de transtornar as leis da natureza, fazendo ‘milagres’ a toda hora. Ele quer agir no mundo através de nós pela força do Espírito Santo.
Deixemos Deus agir em nós e empreguemos nossa diligência em fazer multiplicar os dons que Ele nos deu, como a mulher virtuosa (sabedoria) da primeira leitura: “Abre suas mãos ao necessitado e estende suas mãos ao pobre” (Pr 3, 20). Assumir a causa de Deus é torná-la nossa. Então nossa vida será uma constante preparação para a “prestação de contas” que o Pai pedirá de nós um dia. Julgamento que terá como critério absoluto a misericórdia.
Ademais, podemos concluir da parábola que, ao elogiar os dois primeiros servos que arriscaram a sorte para fazer o talento multiplicar-se, e ao reprovar o terceiro que teve medo e enterrou o talento, Jesus se opõe à postura de escravo que faz somente o que foi estabelecido (a mentalidade rabínica em relação à Lei). O discípulo de Jesus deve assumir uma postura de risco, de liberdade, de sair de suas próprias seguranças, fazendo valer os seus dons como presente de Deus e se esforça para fazê-los multiplicarem-se. O Reino de Deus pressupõe iniciativa, criatividade, saída de si, risco. Somente assim ele é capaz de crescer e produzir frutos.
Assumir a obra de Cristo é a única preparação válida para sua nova vinda, vivendo cada dia como se fosse o último.
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“TIVE MEDO E ESCONDI TEU TALENTO”
Esse terceiro empregado a quem foi confiada menor quantia e que reagiu de modo diferente dos outros dois, merece mais algumas considerações. A pergunta que se coloca é: “Por que ele não fez render o talento recebido, à semelhança dos outros?” – Ele mesmo responde: “Sabia que tu és um homem duro, que colhes onde não semeaste e recolhes onde não plantaste. Por isso tive medo e fui esconder teu talento na terra. Eis aqui, toma o que te pertence” (Mt 25,24-25). Esse relato faz lembrar Adão depois do pecado: “Ouvi teu passo no jardim, tive medo porque estou nu e me escondi” (Gn 3,10).
Quero me ater àquela palavra do empregado: “Tive medo”. À primeira vista parece que Jesus está ameaçando seus discípulos com essa parábola. Quase metade do texto se destina a narrar o ocorrido com esse empregado. Por isso vale a pena nos debruçarmos um pouco sobre a atitude do patrão e do empregado.
Olhando mais de perto, notamos o medo muito presente no coração humano diante daquelas situações que o ultrapassam. Vejamos: medo de adoecer, medo de sofrer, medo de morrer, medo de ir para o inferno, medo de perder o céu, medo de ser castigado, medo de mau-olhado, medo de feitiço, medo de “encosto”, medo de macumba, medo de... São realidades referentes à sua relação com um poder que o ultrapassa.
Claro que precisamos distinguir uma relação de medo doentio com o sagrado e o “Timor Dei” (Temor de Deus) (Sl 111,10; Pr 1,7) que denota profundo respeito e reconhecimento de Deus como Senhor, Criador e Pai a quem devemos amar e servir de todo coração.
O fato é que o servo da parábola agiu movido pelo medo. Faltou-lhe atitude de amor, de gratuidade, de arriscar-se. Demonstra que não amava o seu senhor. Não teve coragem de correr o risco. Não se empenhou em nada. Na verdade, aquele medo parece mais preguiça e comodismo. Para não sair de si, para não trabalhar, “enterra o talento”. Recebe por isso a repreensão do patrão: “Servo mau e preguiçoso” (Mt 25,26).
Uma religião vivida na base do medo, de proselitismo, numa relação de “toma lá, dá cá” parece não corresponder à proposta do Reino de Deus trazido por Jesus. Pois a entrada de Deus em nossa história foi exatamente para estabelecermos com Ele uma nova relação, uma relação filial, de gratuidade, de generosidade, de serviço amoroso a exemplo de Jesus: “Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, vós o façais” (Jo 13,15).
A Escritura nos exorta: “Deus não nos deu um espírito de medo, mas um espírito de força, de amor e de sobriedade” (2Tm 1,7). E quantas vezes o Divino Mestre proclamou: “Não tenhais medo!” (Mt 14,27 e correlatos).
A afirmação de um historiador social contemporâneo faz a gente pensar: “O medo enche muito mais as igrejas do que o amor”. Certamente isso não significa que, necessariamente, nossas igrejas se enchem de pessoas movidas pelo medo. Penso que não. Mas há muita gente que frequenta cultos e orações à cata de milagres, de proteção contra isso ou aquilo, ou com medo de algum castigo ou punição divina. Há muita superstição nas rezas e cultos, e muitos charlatães aproveitando-se do medo ou da boa-fé das pessoas simples.
A participação na vida da comunidade de fé deve ir se depurando, amadurecendo de tal maneira que nossa participação tenha como motivação a bondade de Deus, seu amor por nós, a entrega de seu Filho pela nossa salvação. Ainda que Ele não tivesse nada a nos oferecer, queremos amá-Lo e servi-Lo. E, consequentemente, colocarmos nosso “talento” a serviço da construção de um mundo mais irmão para a Glória do Pai e o bem de todas as pessoas.
Podemos concluir, portanto, que o grave problema daquele terceiro servo foi o fechamento, o medo de arriscar-se, o egoísmo que o levou a “enterrar” o dom que recebera: “Quem vive para si, empobrece o seu viver. / Quem doar a própria vida, vida nova há de colher”.
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19 DE NOVEMBRO: JORNADA MUNDIAL DOS POBRES
“Não amemos com palavras, mas com obras” (1Jo 3,18).
“Se realmente queremos encontrar Cristo, é preciso que toquemos o seu Corpo no corpo chagado dos pobres, como resposta à comunhão sacramental recebida na Eucaristia. O Corpo de Cristo, repartido na sagrada liturgia, deixa-se encontrar pela caridade partilhada no rosto e na pessoa dos irmãos e irmãs mais frágeis.
(...) A sua mão estendida para nós é também um convite a sairmos das nossas certezas e comodidades e a reconhecermos o valor que a pobreza encerra em si mesma.
(...) A pobreza tem o rosto de mulheres, homens e crianças explorados para vis interesses, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e do dinheiro.
(...) Este dia pretende estimular, em primeiro lugar, os crentes, para que reajam à cultura do descarte e do desperdício, assumindo a cultura do encontro.
(...) Deus criou o céu e a terra para todos; foram os homens que, infelizmente, ergueram fronteiras, muros e recintos, traindo o dom originário destinado à humanidade sem qualquer exclusão.
(...) Como ensina a Sagrada Escritura (cf. Gn 18,3-5; Hb 13,2), acolhamo-los como hóspedes privilegiados à nossa mesa, poderão ser mestres que nos ajudam a viver de maneira mais coerente a fé.
(...) O Pai-Nosso é uma oração que se exprime no plural: o pão que se pede é “nosso”, e isto implica partilha, coparticipação e responsabilidade comum.
(...) Partilhar com os pobres permite-nos compreender o Evangelho na sua verdade mais profunda. Os pobres não são um problema: são um recurso acessível, uma forma concreta para acolher e viver a essência do Evangelho” (Papa Francisco, 13/062017).
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN