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Viver como ressuscitados

aureliano, 17.04.21

3º Domingo da Páscoa - A - 26 de abril.jpg

3º Domingo da Páscoa [18 de abril de 2021]

[Lc 24,35-48]

Crer na ressurreição de Jesus não é algo fácil, que acontece de um dia para outro. Quando falo de ‘crer na’, quero dizer entregar-se confiante a Cristo e assumir uma postura de vida cada vez mais parecida com a de Jesus. Isso é que é ‘ter fé’. Não é crer na narrativa do evangelho como um fato jornalístico, histórico, literário etc. Mas crer que esse acontecimento muda minha história, nossa história. Abre-nos um novo horizonte de vida e de compreensão da realidade. Um acontecimento que, vivido, constrói um mundo mais humano e justo.

A comunidade estava assustada, perdida, sem saber o que fazer. Dois discípulos chegam e começam a contar a experiência que tiveram: “O que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão”.

O próprio Jesus se manifesta a eles com o dom da paz. Mas ainda pensavam que fosse um fantasma. Porém Jesus continua insistindo, comendo do peixe, mostrando-lhes as mãos e os pés. Ou seja, quer lhes dizer que é ele mesmo, o mesmo que havia caminhado com eles pela Palestina e que tinha sido pregado na cruz.

Somente depois de lhes explicar as Escrituras é que “abriu a inteligência deles” (Lc 24,45). As Escrituras aquecem o coração e iluminam a mente. No caminho de Emaús, Jesus explicava-lhes as Escrituras. Depois disseram: “Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24, 32). A tristeza não lhes fechou o coração, pois havia neles um sincero desejo de seguimento. É importante alimentar o bom desejo no coração: é porta de entrada para Deus.

Não podemos perder de vista aqui a menção ao “caminho”. É um conceito que lembra a itinerância durante a qual o ser humano vai aprendendo a caminhar, a entender o sentido da vida, vai amadurecendo sua experiência de fé. É lugar também de encruzilhadas, de curvas, de tropeços etc. É lugar de riscos, de ameaças, de tentações, de seduções, de decisões. A ‘Resposta’ (Jesus) se aproxima, entra na conversa, anima, ilumina a mente e ajuda a enxergar. É preciso estar atento aos ‘sinais’ de Deus no caminho.

Ninguém nasce pronto. Ninguém está acabado, mas faz processo de aprendizado, de discipulado, de experiência de Deus. Por isso os discípulos estavam ainda com medo e perturbados. Ainda estavam a caminho. Estavam na itinerância da fé.

Assim acontece conosco. No princípio nasce um desejo. Depois esse desejo começa a amadurecer na simplicidade e na humildade. E perguntamos com os discípulos: ‘Será verdade um mistério tão grande?’. É algo que está muito acima de nós, é muito maior do que nós. Por isso mesmo nos toma, nos envolve, nos fascina, nos encanta, nos atrai.

Então nos tornamos discípulos missionários. É Jesus que nos faz “testemunhas de tudo isso”. A iniciativa é dele. A resposta é nossa. Se nos deixamos instruir por ele, se nos deixamos perdoar por ele, se nos deixamos converter, a força dele nos faz seus discípulos missionários.

Nossa fraqueza não será mais obstáculo para a ação dele em nós. Ele fará de nós instrumentos de conversão e salvação da humanidade. Nosso povo não quer saber de mestres, de palavras, de ensinamentos vazios, mas de testemunho. É preciso mostrar ao mundo nossa alegria de crer em Jesus, nossa firmeza em seu ensinamento, nossa vida coerente com o que dizemos crer, nosso olhar de misericórdia sobre o pobre e indefeso. O mundo quer e precisa de testemunhas mais do que de mestres. Dizia o Papa São Paulo VI: “Por força deste testemunho sem palavras, estes cristãos fazem aflorar no coração daqueles que os vêem viver, perguntas indeclináveis: Por que é que eles são assim? Por que é que eles vivem daquela maneira? O que é – ou quem é – que os inspira? Por que é que eles estão conosco?  (EN, 21).

Nota importante: A expressão “era preciso” do evangelho de hoje e presente em muitos outros textos evangélicos, precisa ser bem entendida. Muitos pensam tratar-se de um destino, uma predeterminação do Pai de que Jesus tinha de morrer violentamente. Um determinismo absoluto como se Deus fosse um sado-masoquista que tem prazer em ver a pessoa sofrer. Isso dá margem a uma ideia errônea de Deus e negaria a liberdade em Jesus. Trata-se de um modo de compreender a história da salvação. Jesus compreende como um apelo à obediência ao plano de Deus ao qual ele quer manter-se fiel até o fim: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Essa fidelidade lhe acarretou o sofrimento, a perseguição, a morte.

A essa vontade salvífica de Deus está submetida também a comunidade dos discípulos. Eles também enfrentarão sofrimento e morte por causa da fé comprometida com o Reino inaugurado por Jesus. O que conta aqui é que o Pai é o garante da realização da salvação, por isso não abandona seu Filho na morte, mas o ressuscita. O mesmo faz com todos aqueles que vivem como ele viveu. Isso é ressurreição!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Presença que afasta o medo... Tocar e curar os feridos na alma

aureliano, 26.04.19

2º Domingo da Páscoa - C - 28 de abril.jpg

2º Domingo da Páscoa [28 de abril de 2019]

[Jo 20,19-31]

“Era noite e as portas estavam fechadas por medo”. Não nos pode passar despercebida essa realidade vivida pelos discípulos logo após a tragédia do Calvário. Para eles não havia luz: era noite. Não tinham horizonte. Não podiam vislumbrar novas possibilidades. Aquele em quem depositaram sua confiança ‘fracassara’ na cruz.

As portas estavam fechadas. A missão lhes era impossível. Não tinham coragem de sair.  Portas fechadas para que ninguém entrasse. Também ninguém podia se beneficiar da ação deles, pois se prenderam dentro da casa. Quem está de portas fechadas não sai nem permite alguém entrar. No Apocalipse lemos aquelas provocadoras palavras: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele” (Ap 3,20). Comunidade cristã, discípulo de Jesus não combina com porta fechada. Aliás, o Papa Francisco tem alertado para nossos templos católicos com portas fechadas: “A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai. Um dos sinais concretos dessa abertura é ter, por todo lado, igrejas com portas abertas” (EG, 47).

E o medo? Realidade terrível! Esse sentimento paralisa as pessoas. Impede que se façam boas ações. Muitas vezes reduz a pessoa dentro de seu eu, tornando-a ensimesmada, autocentrada, idiota. O medroso não arrisca. Mantém a porta fechada. Investe em sua própria segurança, por vezes em detrimento dos demais. O medo não permite amar. Impede de amar o mundo como Jesus amou. Não lhe confere o ‘sopro’ da vida e da esperança. A posse e o porte de armas preconizados pelo atual governo brasileiro que se diz cristão, chocam-se frontalmente com a proposta de Jesus: faz crescer o medo e alimenta o ódio, a vingança e a violência.

Eis que Jesus entra na casa. Para ele não há noite nem portas fechadas, muito menos, medo. Ele vem libertar os discípulos desses males que emperram a missão que lhes confiara. Não lhes impõe as mãos nem lhes dá a bênção, como sói fazer aos doentes. Jesus sopra sobre eles o sopro da força que vence o medo e lhes comunica a esperança. O sopro santo que tira o pecado e os envia em missão. As portas então se abrem, o medo se dissipa, pois a Luz venceu a escuridão que os envolvia.

É Jesus ressuscitado que salva a Igreja. É ele que vence o medo que nos envolve e paralisa. É ele que abre as portas do egoísmo e da indiferença. É ele que dá a esperança. Na força dele realizamos a missão. Cremos que ele continua vivo em nosso meio. Conhecedor de nossa fragilidade, ele continua a nos dizer: “Recebei o Espírito Santo”.

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ACOMUNIDADE BROTA E SE ALIMENTA DO RESSUSCITADO

O evangelho narra a aparição de Jesus aos Apóstolos no dia da Páscoa, primeiro dia da semana, e o episódio de Tomé oito dias depois. Por isso chamamos domingo o primeiro dia da semana: o dia do Senhor. É o dia da Ressurreição de Jesus, dia da Criação, dia do descanso do Homem/Mulher criados por Deus. Dia em que a comunidade cristã se reúne para dar graças ao Pai na celebração eucarística ou no culto dominical.

O relato mostra que aquele que ressuscitou é o mesmo que foi crucificado. Por isso o Ressuscitado mostra a Tomé as marcas da paixão. Tomé representa a comunidade que duvida e que depois acredita. Aqueles que devem crer no testemunho dos apóstolos. Se no início a comunidade é acometida pelo medo, agora é tomada pelo novo vigor e alegria de crer no Cristo ressuscitado, presente em seu meio.

“Bem-aventurados os que crerem sem terem visto”. Em vez de provas palpáveis, nos é transmitido o testemunho escrito das testemunhas oculares de tudo quanto Jesus fez e ensinou. Vivemos num mundo em que se exigem provas para acreditar. Muitos correm atrás de “milagres”. Se para acreditar precisamos de provas, de sinais do céu, restar-nos-ia acreditar em quê? Nossa fé não vem de provas palpáveis, mas das “testemunhas designadas por Deus” (At 10, 41). Nós acreditamos naquilo que elas acreditaram. Sabemos que seremos felizes se crermos sem ter visto.

Acreditamos na comunidade que os Apóstolos fundaram a partir da fé na ressurreição. É nesta comunidade que somos iniciados na fé, no discipulado. “A fé e o tesouro da mensagem evangélica são realidades que não se recebem pessoalmente, mas através da comunidade. A iniciação cristã pressupõe uma comunidade de fé” (Dom A. Possamai). Não é possível ser cristão sem estar inserido numa comunidade de fé. Nossa fé não é privada, mas apostólica e eclesial. “Para ser fiel a Cristo não basta orar e celebrar; é preciso fazer o que ele fez: repartir a vida com os irmãos. Crer não é somente aceitar verdades. É agir segundo a verdade do ser discípulo e seguidor de Cristo” (Pe. J. Konings).

Mais. Enquanto Tomé não fizera o encontro com o Senhor Ressuscitado tocando-lhe a chaga, não acreditara naquele a quem seguira por anos. O texto não diz que Tomé tocou a chaga do Mestre, mas permite perceber que ele a vira: “Estende tua mão e põe-na no meu lado... Porque viste, creste...” (Jo 20,27.29). Concluímos que, somente aquele que “tocar” a chaga do Ressuscitado poderá fazer uma profissão de fé que brota de dentro, isto é, verdadeira e comprometida. E que “chaga” é esta? Os pobres, preferidos do Senhor com quem ele se identifica: “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Em outras palavras: quem diz crer em Jesus Ressuscitado e não o reconhece (“toca”) nos pobres e sofredores, mostra uma fé cristã imatura e inadequada. E se Tomé representa a comunidade cristã, o que foi dito vale para a comunidade que se diz cristã, mas não “toca” os pobres.

A propósito ainda de Tomé, esta figura controvertida do evangelho de João, podemos afirmar que suas dúvidas e objeções transformaram-se em bênçãos para nós. Quando na Ceia Jesus afirmou: “Para onde eu vou, vós já conheceis o caminho”, Tomé intervém: “Senhor, não sabemos para onde vais; como podemos conhecer o caminho?” Esta objeção de Tomé arrancou de Jesus uma das mais sublimes palavras do evangelho: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,4-6). São Gregório Magno, a propósito de Tomé, escreveu em uma de suas homilias: “A incredulidade de Tomé foi para nós mais útil do que a fé dos discípulos que haviam acreditado”. Suas dúvidas fortaleceram a fé na ressurreição.

Mais um pouquinho de Tomé. O Mestre, naquele encontro com seu apóstolo “incrédulo”, faz com que eleve seu nível de fé. Restabelecido pela presença do Ressuscitado, Tomé pronuncia aquelas palavras que ainda nenhum apóstolo atrevera a dizer, ao menos que se tenha registrado nos Evangelhos, a respeito de Jesus: “Meu Senhor e meu Deus”.

Peçamos ao Senhor que nos ajude na nossa pouca fé para que as sombras da dúvida, as incertezas e mesmo a perseguição ou o fracasso não nos dominem impedindo de levar a alegria da boa nova àqueles que jazem no desencanto, na desesperança, no isolamento. A experiência do encontro com o Ressuscitado deu novo vigor à comunidade para que pudesse continuar a missão entregue por Jesus. E, já que não podemos “tocar” ou “ver” as chagas do Ressuscitado, Ele, como fizera ao leproso que lhe suplicara: “Senhor, se queres podes curar-me”, ao que responde: “Quero; fica curado!” (cf. Mt 8,2-3), toque e cure nossas chagas, incontestavelmente diversas das suas, pois produzidas pelo pecado e não pelo amor. Que a Eucaristia que celebramos, encontro com o Ressuscitado, nos liberte do medo, nos encha de alegria e de ardor para partilharmos com os mais necessitados o pão, a palavra, o afeto, a acolhida, a solidariedade, o perdão.

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UM ENCONTRO QUE TRANSFORMA

O evangelho deste domingo nos convida a lançar um olhar sobre nossas assembleias dominicais: como celebramos e que sentido continua tendo o domingo para nós cristãos? As celebrações não precisam de teatros e shows para “atrair” as pessoas. Nem se destinam a isso! Precisamos de celebrações que ajudem os fiéis a fazer uma verdadeira experiência de Deus. E o domingo, o dia do Senhor, dia do descanso, dia da Criação, dia da Ressurreição, precisa recuperar seu sentido na vida do cristão.

Vivemos um tempo de crise sem precedentes na história da Igreja. Também a trajetória política e econômica de nosso País nos desencanta e entristece. Se não nos voltarmos para Jesus Cristo, realizando um encontro profundo com ele, um encontro capaz de renovar nossas estruturas mentais, de romper as dobras de nosso coração, não se manterá viva na história a memória de Jesus Ressuscitado. Pois há motivos de sobra para nos desacorçoarmos e desistirmos de nossa missão profética na história. Assim a Igreja ficaria omissa na sua missão de continuadora e atualizadora, pela força do Espírito Santo, dos gestos e palavras de Jesus.

O encontro com Jesus ressuscitado transformou a vida dos discípulos. E Tomé foi movido por aquela alegria contagiante de seus companheiros que lhe disseram: “Vimos o Senhor!” Embora tenha, inicialmente, relutado a crer, a fé dos seus irmãos o motivou a continuar dentro da comunidade. E Jesus lhe confirma a fé. Nossa presença e atuação dentro da comunidade de fé devem ser de encorajamento, encantamento, fortalecimento, estímulo para aqueles que participam. Jamais de decepção, de afastamento, de aborrecimento.

Tomé duvidou. O relato tem duas intenções: primeiro, quer mostrar que fora da comunidade é muito difícil se crer e se salvar; segundo, esse relato quer dizer que é preciso crer no testemunho dos discípulos. Não é preciso ver para crer. Confirma o que ocorreu ao discípulo que Jesus amava: viu o túmulo vazio e creu (cf. Jo 20,8). Sem ter visto o Senhor ressuscitado, acreditou. Quem ama, crê. Isso veio desfazer uma mentalidade crescente, na época, que todos os que quisessem aderir à fé cristã precisavam “ver” o Ressuscitado. De ora em diante se confirmou: “Bem-aveturados os que creram sem terem visto”.

Ainda um elemento que não pode ser esquecido no relato de hoje é o dom da Paz que Jesus dá aos discípulos e o dom do Perdão, grande presente pascal. A alegria da comunidade é experimentar, em meio ao medo da perseguição das autoridades judaicas, a paz que brota do coração amoroso de Cristo. E Jesus, sabendo das fraquezas humanas e dos pecados que daí provinham, oferece a “segunda tábua de salvação”, o sacramento da Reconciliação: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados”.

Mais do que nunca é urgente reafirmar nossa fé no Ressuscitado e na sua presença em nosso meio. Não se trata de pregar, de falar, de tentar convencer com afirmações doutrinais apenas, num proselitismo fanático. Isso vale muito pouco para o mundo em que vivemos. É preciso fazer experiência de um encontro verdadeiro. É notável quando uma comunidade está verdadeiramente imbuída do espírito de Jesus Ressuscitado. Ela procura viver como Jesus viveu: sabe escutar, tem sensibilidade, está atenta ao mais sofrido e necessitado. Não se rege por normas e leis, mas pela misericórdia. Não tem medo de enfrentar dificuldades e perseguições por causa de Cristo e em defesa dos pequenos e sofredores. Essa comunidade não se deixa levar pelo medo nem pela mania de grandeza nem pela ganância do dinheiro, do poder e da competição. Ela manifesta, no seu agir, o agir de Cristo. A comunidade se torna um espaço em que se experimenta a presença viva do Ressuscitado.

Sem a força do Cristo ressuscitado continuaremos com medo e de portas fechadas. Se não buscarmos nele a força e orientação de como lidar com os desafios atuais, não conseguiremos alimentar a esperança daqueles que ainda permanecem em nossas comunidades e, muito menos, atingiremos os ‘de fora’.

A paz, o perdão e a alegria são frutos da ressurreição. Quando participamos das celebrações e atividades de nossas comunidades precisamos voltar para casa mais animados, mais apaixonados por Jesus Cristo, mais confiantes, mais seguros de que estamos no caminho certo, mais vibrantes em nossa fé, mais confortados pela Palavra e pela Eucaristia, mais dispostos a colaborar e construir fraternidade. Se isso não estiver acontecendo, precisamos rever nossas celebrações, nossas comunidades e nossa vida.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Crer em Jesus, o Pão da vida

aureliano, 10.08.18

19º Domingo do Tempo Comum [12 de agosto de 2018]

   [Jo 6,41-51]

Continuamos refletindo o capítulo sexto do evangelho de João. Neste capítulo Jesus se apresenta como o “Pão da Vida”. Os judeus reagem a essa revelação de Jesus e, consequentemente, não se deixam “atrair” pelo Pai à fé no seu Filho querido.

Por que não se abrem à Boa Nova? Porque estão fechados em si mesmos. Têm medo de abandonar a estrutura fria, pétrea, ritualista que haviam criado. Uma espécie de redoma que os protege. O novo trazido por Jesus os ameaça. Exatamente porque mexe com as estruturas fixas e comodistas que haviam criado em torno da Lei e do Templo.

Não cabia na mentalidade deles que a Encarnação do Mistério insondável de Deus se desse num homem simples, de Nazaré, filho de Maria e de José: “Não é ele o filho de José?”. Sem uma atitude de simplicidade, de abertura, de humildade, de entrega não é possível acreditar em Jesus. É preciso deixar-se “atrair pelo Pai”. A fé é dom de Deus e não constructo humano. É deixar-se tocar pelo “encontro com uma Pessoa, com um Mistério que dá novo horizonte e sentido à vida” (Bento XVI).

A vida eterna se alcança por meio dessa fé. E vida eterna não é simplesmente algo para além da morte nem continuação dessa vida. É a experiência de uma existência vivida em Deus já neste mundo. E que continua de modo novo e pleno na eternidade. Fé é adesão a Jesus Cristo. É o comprometimento com sua vida, seu ensinamento. Dá coragem de enfrentar o que ele enfrentou: “As forças da morte, a injustiça e a ganância do ter, presentes naqueles que impedem ao pobre viver”.

O profeta Elias, de quem fala a primeira leitura (1Rs 19,4-8), enfrentou essa realidade: defensor da fé de Israel, protetor dos pobres (a vinha de Nabot), profeta de Deus: foi perseguido. Foge com medo da perseguição e entra numa situação de dor, de angústia profunda, de desânimo, pois se sente sozinho, talvez por confiar muito nas próprias forças. Pede a morte. Mas o Senhor não o abandona. Dá-lhe o pão para que caminhe e busque em Deus a força para prosseguir sua missão.

A fé cristã é, pois, comprometedora. Ela nos coloca, por vezes, face a face com a morte. Possuir a vida eterna é lutar, desde já, para que todos tenham vida. Para que o Pão da
Vida esteja na mesa e no coração dos mais pobres. Comer do pão, que é o próprio Jesus presente na Eucaristia e na Palavra, garante vida eterna. O corpo de Jesus doado na Eucaristia mostra como ele se entrega, se doa. E quando comungamos (do Pão e/ou da Palavra) estamos dizendo que nos comprometemos com tudo o que Jesus fez e ensinou. Aquele “amém” pronunciado como resposta à palavra do ministro quando nos diz: “o Corpo de Cristo”, significa: “Eu creio”, “Eu me comprometo”, “Eu também quero doar minha vida”.

Comer o Pão da Vida significa nos comprometermos a doar também um pão de vida. Não nos é desconhecido que a própria religião pode prometer um pão de morte. Quanta gente sendo enganada por líderes religiosos prometendo prosperidade, cura, emprego, milagres! Fazendo campanha eleitoreira em nome da religião! É um pão de morte porque de desilusão, de fantasia, de enganação. Jesus promete um alimento que “perdura para a vida eterna”. Ele é o pão do céu: “Quem dele comer nunca morrerá”. Este Pão que alimenta e revigora, deve fazer brotar melhores condições de vida ao redor de quem dele participa.

Deixemo-nos atrair pelo Pai para que Jesus seja realmente nossa fonte de vida. Para que nossa vida seja marcada verdadeiramente por ele. Para que nossas decisões, nossas atitudes, nossos relacionamentos se inspirem nele. Para que busquemos, acima de tudo, o bem das pessoas e não usemos delas em proveito próprio. Foi isso que Jesus fez. É o que o cristão deve fazer.

Santo Agostinho dizia: "Dois amores construíram duas cidades: o amor a si mesmo, dizendo que queria contentar a Deus, construiu a cidade da Babilônia, isto é, aquela do mundo e da imoralidade; o amor a Deus, ainda que para contentar a si mesmo, construiu a cidade de Deus". Isso significa que o amor de si mesmo, o egoísmo, destrói a vida. O amor pelo próximo é construção de vida. É doação, é saída de si. Todo amor-doação é gerador de nova vida. Foi o que Jesus fez e pediu que fizéssemos: “Amai-vos como eu vos amei”.

*Neste dia em que celebramos o Dia dos Pais, pensemos um pouco na responsabilidade de ser pai: ser colaborador do ato criador de Deus Pai. O pai da terra é representante do Pai do céu. Deve, pois, amparar, zelar, educar, acompanhar a vida de seus filhos. Não basta colocar filho no mundo. É preciso formar para a vida. Pai não é aquele que gera, mas aquele que educa. Essa história de que basta dar “pensão alimentícia” é irresponsabilidade, falta de compromisso e de amor ao ser humano que tem direito a ter um pai que ama, que forma, que educa, que limita, que se doa. Pensemos e rezemos também pelos pais presidiários, desempregados, doentes, refugiados, impossibilitados de participar da vida dos filhos. Pensemos ainda nos filhos que não têm ou não tiveram a oportunidade de ter um pai presente, solícito, amoroso, que lhe dê firmeza e rumo para a vida. Há muita dor que precisa de alento, de solidariedade.

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Crer no Ressuscitado

aureliano, 13.04.18

3º domingo da Páscoa - 15 de abril.jpg

3º Domingo da Páscoa [15 de abril de 2018]

[Lc 24,35-48]

Crer na ressurreição de Jesus não é algo fácil, que acontece de um dia para outro. Quando falo de ‘crer na’, quero dizer entregar-se confiante a Cristo e assumir uma postura de vida cada vez mais parecida com a de Jesus. Isso é que é ‘ter fé’. Não é crer na narrativa do evangelho como um fato jornalístico, histórico, literário etc. Mas crer que esse acontecimento muda minha história, nossa história. Abre-nos um novo horizonte de vida e de compreensão da realidade. Um acontecimento que, vivido, constrói um mundo mais humano e justo.

A comunidade estava assustada, perdida, sem saber o que fazer. Dois discípulos chegam e começam a contar a experiência que tiveram: “O que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão”.

O próprio Jesus se manifesta a eles com o dom da paz. Mas ainda pensavam que fosse um fantasma. Porém Jesus continua insistindo, comendo do peixe, mostrando-lhes as mãos e os pés. Ou seja, quer lhes dizer que é ele mesmo, o mesmo que havia caminhado com eles pela Palestina e que tinha sido pregado na cruz.

Somente depois de lhes explicar as Escrituras é que “abriu a inteligência deles” (Lc 24,45). As Escrituras aquecem o coração e iluminam a mente. No caminho de Emaús, Jesus explicava-lhes as Escrituras. Depois disseram: “Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24, 32). A tristeza não lhes fechou o coração, pois havia neles um sincero desejo de seguimento. É importante alimentar o bom desejo no coração: é porta de entrada para Deus.

Não podemos perder de vista aqui a menção ao “caminho”. É um conceito que lembra a itinerância durante a qual o ser humano vai aprendendo a caminhar, a entender o sentido da vida, vai amadurecendo sua experiência de fé. É lugar também de encruzilhadas, de curvas, de tropeços etc. É lugar de riscos, de ameaças, de tentações, de seduções, de decisões. A ‘Resposta’ (Jesus) se aproxima, entra na conversa, anima, ilumina a mente e ajuda a enxergar. É preciso estar atento aos ‘sinais’ de Deus no caminho.

Ninguém nasce pronto. Ninguém está acabado, mas faz processo de aprendizado, de discipulado, de experiência de Deus. Por isso os discípulos estavam ainda com medo e perturbados. Ainda estavam a caminho. Estavam na itinerância da fé.

Assim acontece conosco. No princípio nasce um desejo. Depois esse desejo começa a amadurecer na simplicidade e na humildade. E perguntamos com os discípulos: ‘Será verdade um mistério tão grande?’. É algo que está muito acima de nós, é muito maior do que nós. Por isso mesmo nos toma, nos envolve, nos fascina, nos encanta, nos atrai.

Então nos tornamos discípulos missionários. É Jesus que nos faz “testemunhas de tudo isso”. A iniciativa é dele. A resposta é nossa. Se nos deixamos instruir por ele, se nos deixamos perdoar por ele, se nos deixamos converter, a força dele nos faz seus discípulos missionários.

Nossa fraqueza não será mais obstáculo para a ação dele em nós. Ele fará de nós instrumentos de conversão e salvação da humanidade. Nosso povo não quer saber de mestres, de palavras, de ensinamentos vazios, mas de testemunho. É preciso mostrar ao mundo nossa alegria de crer em Jesus, nossa firmeza em seu ensinamento, nossa vida coerente com o que dizemos crer, nosso olhar de misericórdia sobre o pobre e indefeso. O mundo quer e precisa de testemunhas mais do que de mestres. Dizia Paulo VI: “Por força deste testemunho sem palavras, estes cristãos fazem aflorar no coração daqueles que os vêem viver, perguntas indeclináveis: Por que é que eles são assim? Por que é que eles vivem daquela maneira? O que é – ou quem é – que os inspira? Por que é que eles estão conosco?  (EN, 21).

Nota importante: A expressão “era preciso” do evangelho de hoje e presente em muitos outros textos evangélicos, precisa ser bem entendida. Muitos pensam tratar-se de um destino, uma predeterminação do Pai de que Jesus tinha de morrer violentamente. Um determinismo absoluto como se Deus fosse um masoquista que tem prazer em ver a pessoa sofrer. Isso dá margem a uma ideia errônea de Deus e negaria a liberdade em Jesus. Trata-se de um modo de compreender a história da salvação. Jesus compreende como um apelo à obediência ao plano de Deus ao qual ele quer manter-se fiel até o fim: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Essa fidelidade lhe acarretou o sofrimento, a perseguição, a morte.

A essa vontade salvífica de Deus está submetida também a comunidade dos discípulos. Eles também enfrentarão sofrimento e morte por causa da fé comprometida com o Reino inaugurado por Jesus. O que conta aqui é que o Pai é o garante da realização da salvação, por isso não abandona seu Filho na morte, mas o ressuscita. O mesmo faz com todos aqueles que vivem como ele viveu. Isso é ressurreição!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN