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O amor põe a vida em risco

aureliano, 23.10.20

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30º Domingo do Tempo Comum [25 de outubro de 2020]

[Mt 22,34-40]

Antes de qualquer consideração, gostaria de chamar a atenção para as palavras do evangelho: “A fim de pô-lo à prova”. No texto do domingo passado temos uma expressão parecida: “Fizeram um conselho para tramar como apanhá-lo por alguma palavra”. Vejam como os inimigos de Jesus buscam sempre situações embaraçosas, como são ardilosos para tentar desviar Jesus de seu caminho que é fazer a vontade do Pai!

O que aconteceu com Jesus acontece também conosco. Quando colocados à prova, de que lado ficamos? Como respondemos às situações embaraçosas? Quais são mesmo nossas convicções a respeito de Deus, de nossa fé, de nossa Igreja, de nossos princípios morais de justiça, de verdade, de honestidade, de lisura, de hombridade, de respeito pelos outros? Seria bom darmos uma olhadinha para a postura de Jesus! “Com os olhos fixos naquele que é o autor e realizador da fé, Jesus, que, em vez da alegria que lhe foi proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e se assentou à direita do trono de Deus. Considerai, pois, aquele que suportou tal contradição por parte dos pecadores, para não vos deixardes fatigar pelo desânimo. Vós ainda não resististes até o sangue em vosso combate contra o pecado!” (Hb 12,2-4).

O texto deste domingo relata uma situação de embaraço armada pelos fariseus a Jesus. Querem ver como Jesus resume a Lei, na qual eles contavam 613 prescrições: 248 mandamentos e 365 proibições, todos atribuídos a Moisés. Todos tinham o mesmo peso. Jesus, Sabedoria do Pai, aproxima estes dois mandamentos, amor a Deus (Dt 6) e ao próximo (Lv 19), formando assim como que dois gonzos de uma única porta.

A resposta de Jesus dá unidade a esses dois mandamentos. Não tem como amar a Deus sem amar o próximo, e vice-versa (1Jo 3,11-18). Não se conhece e nem se vive a vontade de Deus sem referência ao próximo. Quem ama a Deus procura conhecer sua vontade a respeito do próximo. Quem não admite Deus na sua vida coloca-se a si mesmo como senhor e deus. Por outro lado, se não se considera uma instância absoluta, Deus, não se consegue amar o próximo com amor de gratuidade. Assim, podemos cair na situação de amar-nos a nós mesmos no próximo: políticos ambiciosos, os que fazem o bem fazendo questão de anunciar aos quatro ventos o que fizeram; pessoas que fazem shows em cultos religiosos, que não buscam o louvor e a glória de Deus e o bem da comunidade, mas a autoafirmação, a fama, o sucesso, o dinheiro etc. São deuses de si mesmos!

O amor de que fala o texto de hoje não é um amor de sentimento, mas uma opção ética. Ou seja, a pessoa cheia de Deus, escolhe e decide orientar suas forças e energias para Deus e colocar-se sempre ao lado do mais necessitado, do mais fraco.

Nesse caminho de amor a Deus e ao próximo, o cristão sente-se interpelado a solidarizar-se com os mais pobres, pois é impossível amar a Deus a quem não se vê e não amar o próximo que se vê (cf. 1Jo 4, 20). E a verdadeira religião é dedicar-se aos necessitados (cf. Tg 1, 27). Porém não basta uma esmola, um prato de comida, um pão. Esse mandamento coloca o cristão na luta pela mudança das estruturas sociais, por políticas públicas que contemplem as reais necessidades de todos, sobretudo dos mais pobres. Para que todos tenham acesso aos mesmos bens da Criação, sem privilegiados e excluídos.

A propósito da destinação universal dos bens, ou seja, partindo da compreensão que Deus criou esse mundo para todos e não somente para alguns privilegiados, trago uma palavra inquietante do Papa Francisco na Carta Fratelli Tutti: “Nos primeiros séculos da fé cristã, vários sábios desenvolveram um sentido universal na sua reflexão sobre o destino comum dos bens criados. Isto levou a pensar que, se alguém não tem o necessário para viver com dignidade, é porque outrem se está a apropriar do que lhe é devido. São João Crisóstomo resume isso, dizendo que, ‘não fazer os pobres participar dos próprios bens, é roubar e tirar lhes a vida; não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos’. E São Gregório Magno di-lo assim: ‘Quando damos aos indigentes o que lhes é necessário, não oferecemos o que é nosso; limitamo-nos a restituir o que lhes pertence’” (FT, 119).

Uma pergunta inquietante: Para que amar a Deus? Para que serve a religião? Não basta amar o próximo, cuidar dele sem referência a Deus?  Em resposta podemos dizer que, para amar bem o irmão, devemos também amar a Deus, aderir a Ele, porque entendemos que Deus é o Absoluto, o que tem a última palavra, a última instância de nossa vida. E se não buscarmos ouvi-lo, corremos o risco de nos ocuparmos com o próximo em busca de nós mesmos com um amor pegajoso, interesseiro, sufocante, narcisista. Um humanitarismo frágil porque vazio de sentido absoluto. Deus é amor, a fonte do amor. Não há como amar de verdade, na gratuidade, na generosidade sem beber dessa fonte cristalina, originante, sem medida. Nossa medida sem referência à medida amorosa de Deus, será sempre pequena, mesquinha, egoísta.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

As consequências da fé batismal

aureliano, 14.06.19

Santíssima Trindade - 16 de junho, C.jpg

Domingo da Santíssima Trindade [16 de junho de 2019]

[Jo 16,12-15]

Celebramos hoje a Solenidade da Santíssima Trindade. Quase sempre, neste dia, ficamos presos a explicações intelectualizantes sobre a Santíssima Trindade. Numa tentativa de ‘explicar o inexplicável’. Ou seja, o Mistério de Deus em Três Pessoas deve ser crido e não explicado. Deve ser entendido, porém a partir do ‘mergulho’ (batismo) nele. No dizer de Santo Agostinho “é preciso crer para entender” (credo ut intelligam). Ultrapassa nossa inteligência humana e limitada, mas não a contradiz. É um mistério que nos envolve, nos fascina, nos encanta: tremendum et fascinans, (tremendo e fascinante), na expressão de Rudolf Otto. Não se trata de algo inacessível ou incognoscível. Mas trata-se de um mistério que nos ultrapassa, nos espanta e nos encanta. Enquanto não nos deixarmos tomar por ele para nele nos movermos e existirmos (cf. At 17,28), não conseguiremos compreendê-lo.

Desejo discorrer um pouco sobre a profissão de fé, realidade implícita ao batismo, sacramento que nos introduz na vida de Deus e na comunidade cristã. Professamos a fé através do Credo, todos os domingos na celebração eucarística; renovamo-la nas celebrações batismais; mas ainda não damos conta do que esta realidade significa e compromete nossa vida toda.

Imediatamente antes de derramar a água na cabeça daquele que vai ser batizado, o ministro o convida a fazer a promessa de ‘renúncia ao mal’ (conversão); em seguida o convida a professar a fé (“crês”). Por este ato a Igreja professa sua fé no Pai, no Filho, no Espírito Santo. Queremos ajudar a compreender o que isso significa em nossa vida.

Creio em Deus Pai todo poderoso: reafirmamos nossa fé em Deus que é nosso Pai, que nos criou e cuida de nós com carinho. Um Pai que não nos abandona. Mesmo quando passamos por sofrimentos e tribulações, por dificuldades que não compreendemos e que por vezes não buscamos nem merecemos, Ele está ao nosso lado. Ampara-nos com seu amor que nunca falha. Sua promessa jamais será tirada. Podemos dizer com confiança Pai nosso, isto é, Paizinho querido (Abbá)! Mesmo que estejamos naquelas situações de risco, de desespero, de desalento, de decepção, Ele está perto de nós, dentro de nós. Muitos o negam. Muitos quebram a aliança de amor que Ele fez conosco. Nossos filhos recusam seu amor. Mas Ele continua fiel e amoroso. Podemos confiar nele. Cremos nele!

Nesses tempos de destruição galopante do meio ambiente, é bom nos lembrarmos de que Deus Pai é o Criador de todas as coisas. Ele criou o mundo para que cuidemos dele, o cultivemos com respeito e amor. E pensemos em quem virá depois de nós. Os agrotóxicos sem medida, as mineradoras irresponsáveis, os desmatamentos desumanos, as poluições dos rios e dos lençóis freáticos são uma bofetada no rosto do Pai Criador. É destruição daquilo que Ele criou para todos. A terra não pertence a quem tem dinheiro. Ela foi criada para todos os seres vivos. É um dom do Pai para todos nós. Não tem dono. Deve ter cuidadores, cultivadores, zeladores.

Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor. Jesus, o Filho do Pai amado, nascido da Virgem Maria. É o presente de Deus para nós. Veio a esse mundo e entregou sua vida por nós. Mostrou-nos quem é o Pai. Seus gestos e palavras são expressão de que o Pai nos ama e quer nosso bem e nossa salvação. Devolve a saúde aos doentes, dá o perdão aos pecadores, acolhe a todos que vêm a ele em busca de conforto, de perdão e de paz. Tudo nele revela o rosto bondoso e maternal do Pai/Mãe que cuida de todos com carinho e amor. O Filho mostrou-nos o caminho da vida: é preciso amar sempre, até o fim, dar a vida. “Sede misericordiosos como o Pai é misericordioso”. Se nos esquecemos de Jesus, se o deixamos de lado, quem vai preencher o vazio do nosso coração? Somente Jesus pode preencher as profundezas e compreender as ‘dobras’ do nosso coração. Somente uma vida vivida de acordo com o ensinamento de Jesus pode ser verdadeiramente feliz. É a consequência do batismo.

Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida: é o mistério que celebramos no domingo de Pentecostes: o Espírito Santo foi derramado em nossos corações. Recebemos a missão de ‘fazer discípulos e de batizar’, porém com a força do Espírito Santo. Ele já nos foi dado. Está dentro de cada um de nós. É o amor do Pai e do Filho. É o “Vento” santo de Deus que nos coloca em movimento, como aconteceu à Virgem Maria que, uma vez inundada da força do alto, foi às pressas ajudar sua prima Isabel. Esse “Sopro” santo nos deixa leves, nos ajuda a abandonar as “obras da carne” para vivermos a “liberdade dos filhos de Deus”. É o “sopro” que nos perdoa, nos liberta, nos santifica, nos leva em direção àqueles que precisam de nós. É o Espírito de Deus que nos ajuda a vencer o espírito do mundo: o lucro a qualquer custo, a ganância, a mentira, a corrupção, a exploração, a preguiça, o comodismo. É o “Senhor doador da vida” que nos move a defender a vida sempre e em qualquer circunstância.

É nesta fé que fomos batizados. É esta a realidade que professamos e que somos chamados a viver. Não se trata, pois, de ‘segredos’ nem de ‘mistérios’, mas de um convite amoroso a vivermos essa fé trinitária, fazendo de nossa vida um hino de louvor à Trindade Santa: “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo para sempre. Amém”. Lembrados sempre do dizer de Santo Irineu de Lião: “A glória de Deus é o ser humano vivo. E a vida do ser humano é a visão de Deus”.

Santo Agostinho, tentando entender o Mistério da Santíssima Trindade, passeava pela praia e viu uma criança colocando água do mar num poço feito na areia. Brincou: “O mar nunca caberá aí”. Ao que a criança respondeu: “Assim também não vai caber na tua cabeça o mistério da Santíssima Trindade”. Pois bem, se não conseguimos colocar o mistério do amor de Deus em nossa cabeça, coloquemos nossa cabeça e nossa vida toda dentro desse mistério! Ou seja, deixemo-nos envolver pela Trindade Santa que nos habita para que nossa vida seja expressão de sua bondade no mundo.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Não chores!”

aureliano, 03.06.16

10º Domingo do Tempo Comum [05 de junho de 2016]

[Lc 7,11-17]

No relato do último domingo vimos alguém ir ao encontro de Jesus para lhe pedir a cura (Lc 7,1-10). Hoje vemos Jesus indo ao encontro da mãe viúva que leva seu filho único para o cemitério. Posturas diferentes de Jesus que revelam seu olhar misericordioso. Deixa-se sempre tocar pelo sofrimento humano.

Se o relato do evangelho do domingo passado quis mostrar que Jesus veio trazer a salvação para todos, o relato de hoje quer confirmar essa presença de Deus no meio do povo na pessoa de Jesus de Nazaré: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus visitou o seu povo” (Lc 7,16).

Esse texto precisa ser relacionado com a primeira leitura de hoje: 1Rs 17,17-24. Aí se conta que Elias, hospedado na casa da viúva de Sarepta, devolve à mãe o filho com vida: “Eis aqui o teu filho vivo”. A mulher exclama admirada e agradecida: “Agora vejo que és um homem de Deus, e que a palavra do Senhor é verdadeira em tua boca” (1Rs 17,24). A diferença entre esse fato e o de Jesus é que aqui Elias é reconhecido como um “homem de Deus”; e Jesus é reconhecido como “Senhor”. Acrescente-se ainda que, se Elias precisou de se inclinar três vezes sobre o corpo do menino, a Jesus bastou uma palavra: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te”. Remete-nos à Criação: “Deus disse: faça-se” (cf. Gn 1,3ss.). A Palavra criadora de Deus “se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).

Jesus é o “Profeta” esperado por Israel (Dt 18,15). Mais do que o Profeta, é o Filho de Deus, Deus mesmo visitando e libertando seu povo (cf. Lc 7,16; 1,68).

O evangelho fala de duas “multidões”. Enquanto uma formava um cortejo fúnebre, acompanhando a viúva desatinada, a outra acompanhava Jesus, o “Senhor” da vida. Enquanto uma multidão era tomada pelo pranto, pela dor, pelo desalento, a outra vislumbrava caminhos de esperança, de novos horizontes, de vida nova.

Eis que Jesus se depara com a multidão que caminha sem esperança e vê uma pobre viúva que chora a morte de seu filho. “Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: ‘Não chores’”. Jesus não caminha indiferente nem passa despercebido diante das lágrimas de uma pobre viúva que terá como herança o abandona à própria sorte, pois a única esperança de apoio que tinha lhe foi retirada: o filho único.

Esse relato quer mostrar que a “visita” de Deus é uma realidade na pessoa de Jesus de Nazaré. Seu gesto para com a viúva mostra o rosto misericordioso do Pai que se inclina a todos os homens e mulheres, particularmente aos sofredores e enxuga-lhes as lágrimas. É assim o Reino que Jesus veio revelar. Se observarmos as visitas que um governador ou prefeito ou presidente ou algum politiqueiro faz a um bairro ou cidade ou córrego, normalmente, os vemos procurando quem tem poder, quem tem influência, ou então está à cata de votos, de vantagens pessoais. Jesus faz diferente. Ele atenta para um cortejo fúnebre e se aproxima de uma viúva que sofre e chora. Ele vem curar sua dor. Vem curar as feridas do coração (cf. Is 61,1; Sl 147,3).

Talvez fosse bom pensarmos e refletirmos um pouco sobre nossas visitas, nossa presença junto ao povo. A quem buscamos? De quem nos aproximamos? O que temos feito para enxugar as lágrimas dos sofredores? Ainda mais: temos evitado fazer alguém derramar lágrimas por nossa causa? Uma palavra fora de propósito, um gesto ofensivo e arrogante, um desprezo, uma falta de acolhida e de compreensão num momento de dor ou de fraqueza, uma traição... Como temos nos posicionado diante das pessoas que sofrem?

A Igreja é mãe. Deve olhar com misericórdia os sofredores, os pobres, os aflitos, os doentes, os menores. Ela não deve ser motivo de dor, de sofrimento e de lágrimas para ninguém. Pelo contrário, deve ser motivo de alegria, deve enxugar as lágrimas, deve “devolver” a alegria aos que sofrem.

Quantos jovens “mortos” ou no caminho da morte, é oportuno pensarmos nas mães sofridas em conseqüência da “morte” de seus filhos! A sociedade do consumismo, do capitalismo selvagem, do hedonismo a qualquer custo, da corrupção descarada leva nossos jovens para o túmulo de uma vida sem sentido, provocando muita dor e lágrimas. O que podemos fazer para transformar essa realidade de morte em aurora de vida? O que Jesus nos ensina nesse relato de hoje? Que compromisso levo para minha semana?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN