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aurelius

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Olhar para o Crucificado

aureliano, 13.09.17

exaltação da santa cruz.jpg

Exaltação da Santa Cruz [14 de setembro de 2017]

[Jo 3,13-17]

Esta festa é celebrada pela Igreja desde tempos remotos (século IV). A Igreja Oriental celebra-a com a mesma solenidade da Páscoa. Tamanho o significado desta celebração! E, por isso mesmo, seria bom conhecermos um pouquinho da história.

O imperador Constantino mandara construir duas basílicas: uma sobre o Gólgota, onde Jesus fora crucificado, e outra sobre o Sepulcro do Cristo Ressuscitado. E a dedicação destas igrejas se realizou no dia 13 de setembro de 335. No dia seguinte, 14 de setembro, o bispo de Jerusalém levantou uma relíquia da Santa Cruz apresentando-a ao povo para veneração. Daí deriva o nome de ‘Exaltação da Santa Cruz’. Porém, todos sabemos bem que a veneração litúrgica da Cruz se dá na Sexta-Feira Santa.

Com esses elementos da história podemos entender por que se coloca a cruz junto ao altar para a celebração da Eucaristia. Somos remetidos ao fato de Moisés ter levantado a Serpente de bronze no deserto. Aqueles que olhavam para este símbolo sagrado ficavam curados das mordeduras das serpentes (cf. Nm 21,4-9). Agora, porém, temos o Cristo, levantado da terra para atrair todos a si e curá-los de todo pecado (Jo 12,32).

O uso da cruz sacralizou todos os cantos da terra. Mesmo nas repartições públicas seu uso tornou-se obrigatório. O que parece-me questionável, pois Cristo não pode ser testemunha nem muito menos abençoar os crimes e fraudes sórdidos  que, com frequência, se realizam nesses espaços. A cruz é um símbolo que nos remete ao ensinamento de Jesus: amar até o fim (Jo 13,1). Ainda assim, é muito bom que tenhamos a cruz em nossa casa. Há muitos católicos que estão trocando o símbolo do Crucificado por decorações paganizadas ou desprovidas de sentido que não levam a lugar nenhum, ou mesmo desviam do caminho do Divino Mestre.

Deve-se levar em conta, também, a sociedade presentista e hedonista em que vivemos. Como falar em cruz numa sociedade que busca, apaixonadamente, o conforto, o comodismo, o máximo de bem-estar? Que sentido tem a fé cristã, a cruz para essa cultura? Será que não seremos interpretados como alguém que exalta o sofrimento, a dor, como masoquistas doentes?

Escrevendo aos Coríntios, Paulo menciona sua fraqueza e fragilidade associadas e fortalecidas, paradoxalmente, pela cruz de Cristo: “Pois não quis saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado” (1Cor 2,2).

Certamente não é o sofrimento, a dor que nos salvam. O que nos salva é o amor de Deus manifestado em Jesus de Nazaré que entregou sua vida por nós. Sua Encarnação, sua descida até nós nos trouxe a salvação. O rebaixamento de Cristo não está em ter-se tornado um de nós, assumindo nossa carne mortal, mas em ter-se feito servo obediente: “Ele, existindo na forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano... fazendo-se obediente até à morte” (Fl 2,6.8). Essa forma de vida assumida por Jesus é que tornou-se salvadora da humanidade. Então saímos de cena, do centro, e cedemos o lugar a Jesus.

O relato do evangelho de hoje está no contexto do diálogo com Nicodemos. Jesus faz uma catequese batismal. Ele pertence ao âmbito de Deus. É o Filho de Deus. Levantado da terra torna-se um sinal da salvação, do amor de Deus, como a Serpente de bronze levantada por Moisés no deserto. A salvação não vem de baixo, do ser humano, mas do alto, da Graça de Deus. O dom da vida de Jesus na cruz é sinal do amor de Deus por nós. Sua entrega manifesta a glória de Deus, deixa transparecer o ser de Deus que é amor (1Jo 4,8-9).

Para o cristão a cruz deve ser um sinal de salvação, de seguimento e fidelidade a Jesus. “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). A partir do Cristo Crucificado o mundo não tem mais o mesmo significado: “O mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gl 6,16). O sentido do mundo está marcado agora pela cruz de Cristo, vida doada em amor até o fim: “Sabendo Jesus que a sua hora tinha chegado, a hora de passar deste mundo para o Pai, ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até o extremo” (Jo 13,1).

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Acompanhemos, atentamente, essa reflexão contemplativa de Pe. Pagola:

“Nesses braços estendidos que já não podem mais abraçar os meninos e nessas mãos que já não podem mais acariciar os leprosos nem abençoar os enfermos, nós, cristãos, contemplamos a Deus com seus braços abertos para acolher, abraçar e sustentar nossas pobres vidas, marcadas por tantos sofrimentos.

Nesse rosto apagado pela morte, nesses olhos que já não podem olhar com ternura as prostitutas, nessa boca que já não pode gritar sua indignação pelas vítimas de tantos abusos e injustiças, nesses lábios que não podem pronunciar seu perdão aos pecadores, Deus nos está revelando, como em nenhum outro gesto, seu amor insondável à Humanidade.

Por isso, ser fiel ao Crucificado não é buscar cruzes e sofrimentos, mas viver como ele em uma atitude de entrega e solidariedade, aceitando, se é necessário, a crucificação e os males que nos podem vir como consequência. Esta fidelidade ao Crucificado não é dolorida, mas esperançosa. A uma vida ‘crucificada’, vivida com o mesmo espírito de amor com que viveu Jesus, somente se lhe espera a ressurreição” (Pe. José Antônio Pagola).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Um Deus crucificado

aureliano, 18.03.16

Domingo de Ramos [20 de março de 2016]

[Lc 9,28-40;22,14 – 23,56]

Estamos entrando na Semana Santa! Esta Semana passou a ser celebrada com a intenção de rememorar a Paixão do Senhor. Na Idade Média ela tomou corpo e fôlego, sobretudo pela tentativa de reviver o episódio da Paixão do Senhor descrito pelos evangelistas. Esta semana era até chamada de Semana Dolorosa, pelo fato de se dramatizarem os sofrimentos de Cristo.

Parece simples, mas o conhecimento desse dado histórico é interessante porque pode nos ajudar a entender o porquê das vias sacras e outras representações da Paixão do Senhor. Ficaremos então atentos para não nos perdermos nos folclores e dramatizações, mas adentrarmos mais profundamente no Mistério profundo da entrega de Jesus, manifestação do amor do Pai, e nos atermos ao Mistério fundante de nossa fé cristã, a Ressurreição do Senhor, vitorioso sobre o pecado e a morte.

Este domingo se chama, na verdade, Domingo da Paixão nos Ramos. Jesus entra triunfante em Jerusalém para sofrer a Paixão. Portanto celebramos dois acontecimentos: a aclamação de Jesus como o “Bendito que vem em nome do Senhor”, e a contemplação de sua Paixão. É o único domingo do ano em que a Igreja celebra a Paixão propriamente dita de Jesus, proclamando no Evangelho os relatos da Paixão.

Jesus pediu aos discípulos para buscar um jumentinho. Deviam dizer aos interrogantes: “O Senhor precisa dele”. O Senhor quer também precisar de nós. Somos os “jumentinhos” do Senhor. Nós temos nos colocado à disposição dele? Ou costumamos “empacar”?

Ainda mais: as pessoas espalhavam roupas e ramos pelo caminho aclamando a Jesus. E nós? Aplaudimos Jesus até à sua Ressurreição? Temos dado algo de nós para Jesus passar? Notamos que ele passa diante de nós no irmão que sofre?

Algumas considerações:

No Crucificado vemos, não somente um inocente condenado, mas nele, nós cristãos, contemplamos todas as vítimas do preconceito, da maldade e da injustiça de todos os tempos. Na cruz com Jesus estão as vítimas da fome, as crianças abandonadas e exploradas, as mulheres maltratadas, os explorados por nosso bem-estar, os esquecidos por nossa Igreja, os espoliados pela cultura da corrupção descarada.

Esse Deus crucificado não é o Deus controlador, que está em busca de honra e glória. Não! É o Deus paciente e humilde que respeita a liberdade de seus filhos e lhes quer sempre o bem, a felicidade e a alegria. Não é um Deus vingativo, justiceiro. Mas um Deus que manifesta sempre o perdão e a misericórdia.

Nós cristãos continuamos a celebrar o Deus crucificado porque vemos nele o Deus “louco” de amor por todos nós. Ele é a força que sustenta nossa esperança e nossa luta pela justiça e pela paz. Acreditamos que Deus não passa ao largo de nossas lágrimas, sofrimentos, lutas e fracassos. Ele está no calvário de nossa existência. A cruz erguida entre as nossas cruzes nos lembra que Deus sofre conosco.

Nesta semana a Igreja nos convida a contemplar Jesus que oferece sua vida como dom ao Pai. Ele não vai à cruz porque gosta de sofrer ou porque quer morrer. Jesus não é nenhum suicida! A paixão e sofrimento por que passa são conseqüências de sua fidelidade ao Pai. A contemplação de Cristo na cruz deveria nos levar a agradecer ao Pai por nos ter dado Jesus como Salvador. O Pai olha para seu Filho, vítima da maldade humana, como a olhar para todos aqueles que são injustiçados, vitimados por uma sociedade que sacrifica, particularmente, os jovens.

Jesus continua passando pelas nossas ruas e praças. Por vezes aplaudimos Jesus em uma celebração ou culto, depois o insultamos no rosto do desvalido! Isso é muito grave! Precisamos de um sério exame de consciência nesta Semana Santa.

Portanto, a celebração da entrada de Jesus em Jerusalém deve valorizar não tanto os ramos, mas o mistério expresso pela procissão que proclama a realeza messiânica de Cristo.

Campanha da Fraternidade: “Seria bom se todos pudessem dizer: Na minha casa tem tudo. O terreno da minha casa é legalizado, ninguém virá despejar-me. Não há esgoto a céu aberto na rua onde moro e a coleta de lixo é feita todos os dias. Minha casa é limpa. A qualidade do material utilizado no teto, no piso e no banheiro não é de luxo, mas é bom. A água encanada de boa qualidade chega até à torneira da pequena cozinha. Temos energia, canais de televisão. É fácil ter transporte bom, barato e de qualidade, correio e telefone. Assim, me sinto uma pessoa respeitada, a quem são garantidos os direitos fundamentais para viver com dignidade” (Texto-Base, 113). – Hoje é dia da coleta nacional da Campanha da Fraternidade!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN