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aurelius

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Seguimento a Jesus

aureliano, 24.06.22

13º Domingo do TC - C - 26 de junho.jpg

13º Domingo do Tempo Comum [26 de junho de 2022]

[Lc 9,51-62]

O evangelho de Lucas descreve Jesus numa longa caminhada para Jerusalém. Ali ele vai entregar sua vida. Ressuscitado, enviará seus discípulos para a missão até os confins da terra. Sua missão terrestre termina em Jerusalém. E a missão da Igreja (recebida de Jesus) também começa aí.

No relato do evangelho do domingo passado (Lc 9, 18-24) vimos o diálogo sobre a identidade de Jesus, a predição de sua paixão e o convite ao discipulado com a cruz. Continuando o relato, notamos que Jesus, a partir de então, não será mais apresentado como “profeta”, pois agora sabem que ele é o “Cristo de Deus”. A partir de agora surgirão as resistências e rejeições às suas ações e palavras.

Dizer que Jesus tomou a “firme decisão” (“endureceu a face”, numa tradução literal) de subir a Jerusalém, indica que ele previa que, para ser fiel ao Pai, precisava decidir por Ele, estar disposto a enfrentar a perseguição, a cruz, a morte. O prenúncio da resistência já se manifesta na rejeição que os samaritanos fazem aos seus enviados.

Se no Primeiro Testamento aparece a figura de um Deus que castiga seus opositores, aqui é clara a nova compreensão que Jesus deseja incutir em seus discípulos. Eles querem empregar a Lei do Talião: “Senhor queres que mandemos descer fogo do céu para destruí-los?”. Agora, em Jesus, é preciso “oferecer a outra face”. Não se pode pedir a destruição dos opositores num uso e abuso de poder. Na dinâmica de Jesus o poder está sempre a serviço da paz e da fraternidade.

Nestes primeiros versículos Jesus nos ensina que o cumprimento da vontade do Pai implica firmeza na decisão. As correntes contrárias são muito mais fortes do que nós. Se não firmarmos o rosto na direção de Deus, dispostos a “bofetões e cusparadas” (cf. Is 50,6), certamente vamos desanimar, ou entrar nas ondas do mal. Jesus não está interessado em mais seguidores, mas seguidores comprometidos, capazes de renunciar às falsas seguranças do dinheiro e do poder e se entregarem ao serviço do Reino de Deus.

No caminho para Jerusalém aparecem três situações que merecem ser contempladas:

  1. Alguém quer seguir a Jesus. Sua resposta é radical: “O Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. Jesus não oferece bem-estar a seus seguidores. Quem estiver em busca de segurança, de dinheiro, de reconhecimento, de fama, de sucesso não serve para segui-lo. A religião trazida por Jesus não é lugar de refúgio contra os males do mundo, mas um espaço de encontro e de intimidade com o Senhor que nos toma pela mão e nos coloca em vulnerabilidade para que “todos tenham vida” (Jo 10,10). É na fraqueza que a força se manifesta (cf. 2Cor 12,9). Todos sabemos aonde levam os apegos excessivos aos bens e às pessoas: desencontro, rixa, assassinato, guerra, ódio, divisão, pranto e lágrima.
  2. Nesta outra cena Jesus é quem chama: “Segue-me”. Mas o moço queria primeiro enterrar o pai. A resposta de Jesus é desconcertante: “Deixe que os mortos enterrem seus mortos; mas tu vai anunciar o Reino de Deus”. Jesus alerta para aquelas situações de apego à família quando esta é empecilho para o serviço ao Reino de Deus. Ninguém deve retardar ou frear o serviço de Deus. Os “mortos”, aqueles que vivem em função de si mesmos, não podem impedir o serviço à vida. Aqui há um aceno à primeira leitura: Eliseu pediu para “beijar o pai e a mãe” e depois seguir a Elias (cf. 1Rs 19,20). Jesus radicaliza: o Reino de Deus não admite adiamento, procrastinação.
  3. Nesta terceira cena, outro se oferece para segui-lo, mas com a condição de, primeiro, despedir-se dos seus familiares. A resposta de Jesus mostra que, para segui-lo, é preciso olhar para frente: “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus”. Por vezes é preciso contrariar os próprios familiares para nos mantermos fiéis ao Evangelho. Este deve ser a regra máxima de nossa vida: nos negócios, na relação com o dinheiro, na construção da família, nas relações de trabalho, nas relações de amizade, nas opções políticas. Este relato remete-nos também à primeira leitura de hoje, pois faz referência à lavra de terra com junta de bois (1Rs 19,19). Jesus vai além: não usa da violência de Eliseu que sacrificou os bois e nem permite que primeiro se despeça dos familiares. Ou seja, é preciso olhar para frente, ter audácia para seguir os passos de Jesus. É a necessidade de superação de uma religião estática, presa ao passado. Um olhar para frente, com criatividade, com esperança.

O relato do evangelho deste domingo nos faz notar que Jesus desejou constituir um grupo de discípulos. Não se preocupa em ensinar-lhes doutrina, mas torná-los seus seguidores. A profissão deles de agora em diante é a de serem anunciadores de um novo modo de vida. Por isso devem abandonar o modo de vida anterior. Ao sentir-se chamado, cada um deve tomar uma decisão firme. A primeira atitude é a profissão de fé, o reconhecimento de que Jesus é o “Cristo de Deus”. Uma vez que Jesus é reconhecido como Aquele em quem depositamos nossa fé (cf. 2Tm 1,12), o discípulo deve se desprender dos bens materiais, do prazer mundano, do poder pelo poder, do apego ao dinheiro, da busca de si mesmo  para viver a liberdade dos filhos de Deus: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1.13).

Somente pela ruptura com as forças do mal: a mentira, o ódio, o preconceito, o mundanismo perverso, a sede do poder, a mentira se é capaz de gerar um seguimento comprometido, uma liberdade verdadeira, um discipulado autêntico, uma fé cristã genuína, uma Igreja fiel a Jesus.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

É cristão quem segue a Jesus

aureliano, 21.08.21

21º Domingo do TC - B - 22 de agosto.jpg

21º Domingo do Tempo Comum [22 de agosto de 2021]

   [Jo 6,60-69]

Durante os cinco últimos domingos refletimos e rezamos o capítulo sexto de João. Hoje chegamos ao final. Jesus veio, como que, preparando seus discípulos para viverem um modo novo, uma vida nova. Desde a partilha do pão no deserto até à radicalidade de fazer-se pão para os demais, como Jesus, o Pão da vida. Esse é o projeto de Jesus. Uma vez eucaristizados devemos ser eucaristizantes.

No final notamos dois grupos de discípulos: os que creram nele e os que não creram. Os que se deixaram atrair pelo Pai e os que preferiram os projetos mundanos. Os que optaram pela “carne” e os que seguiram as inspirações do “espírito”. E o grupo dos que “voltaram atrás” era grande: “Muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66).

Interessante notar que Jesus não se deixa abalar pelo abandono daqueles que preferem seguir outros caminhos, ou, seus próprios caminhos: “Então Jesus disse aos doze: ‘Vós também vos quereis ir embora?’” (Jo 6,67). Jesus não admite meio termo. Não é possível servir a dois senhores, “servir a Deus e ao dinheiro” ao mesmo tempo (cf. Mt 6,24). Os discípulos precisariam tomar uma decisão. Jesus não se satisfaz com uma busca inconsequente, descomprometida, curiosa e interesseira. Deviam tomar uma decisão firme e resoluta. Ter a coragem de andar nas pegadas do Mestre: à semelhança dele, entregar-se pela salvação do mundo.

“Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6,60). Jesus não contemporiza com ninguém. Ter fé em Jesus é comprometer-se com ele. É abandonar a vida mundana que se pauta na preocupação com a conta gorda no banco, com o sucesso, com o reconhecimento social, com o acúmulo de bens e com altos salários, com festas e passeios sem medida, com falta de ética, de verdade e de honestidade. É preciso romper com essa mentalidade para seguir Jesus. O compromisso com Jesus se manifesta na preocupação com os mais necessitados, com os abandonados, com a partilha dos bens da criação, com os benefícios que as políticas públicas lhes devem assegurar. Fé em Jesus leva a comprometer-se com a família, a aliviar os sofrimentos dos doentes, a acolher e amar as crianças, a socorrer e confortar os idosos. Em solidariedade e comprometimento com os “sobrantes” da sociedade.

As palavras de Josué, na primeira leitura da liturgia desse domingo, devem ecoar forte dentro de nós nestes tempos difíceis em que cada um escolhe aquilo que mais lhe agrada e interessa, em detrimento da ética, do respeito, do cuidado pela vida: “Se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses a quem vossos pais serviram na Mesopotâmia, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (Js 24,15).

Servir ao Senhor não se resume em frequentar o templo, ir a um culto ou celebração, fazer esse ou aquele ato de bondade. Não. Servir ao Senhor significa assumir uma postura de vida que se pauta pela vida de Jesus de Nazaré. No templo celebramos uma realidade que buscamos viver com a graça de Deus. Aquilo que experimentamos durante a semana, colocamos no altar do Senhor como comunidade de fé reunida. Relativamente ao bem que fazemos, pode ser que haja aí mais vaidade e troca de favores do que um serviço generoso e despojado:               “Ainda que distribuísse todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse o meu corpo às chamas, se não tivesse caridade, isso nada me adiantaria” (1Cor 13,3).

A abertura ao Pai é imprescindível para se assumir uma nova postura na vida que se fundamenta na fé. O batismo que nos torna novas criaturas nos introduz no coração do Pai, nos dá a vida divina (eterna). A humildade, a simplicidade, a abertura de coração, a sensibilidade ao outro são virtudes e qualidades que precisam ser cultivadas para que vivamos de acordo com a vida divina infundida em nós no batismo. “Ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai” (Jo 6,65).

“A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Essa confissão de fé de Pedro nos ajuda a refletir na verborréia que deparamos no nosso mundo. Mesmo dentro da Igreja usamos de uma multiplicidade de palavras e de normas que dizem pouco ou quase nada ao nosso povo. É preciso saber se estamos sendo coerentes com o que dizemos, com o que pregamos. Precisamos nos examinar sobre o que dizem para nós, eclesiásticos, as palavras de Jesus.  Pois nEle as palavras brotavam de dentro, de uma vida de intimidade com o Pai. Não eram palavras vazias, enganosas, ideologizadas, mentirosas. Nosso maior serviço aos irmãos hoje é colocá-los em contato, não com nossas palavras, mas com as palavras de Jesus. Elas sim são “espírito e vida” (Jo 6,63).

A pergunta que Jesus fez aos discípulos em crise deve continuar ecoando dentro de nós: “E vós, não quereis também partir?” (Jo 6,67). É uma chamada a sair de uma fé de tradição para uma fé de decisão e adesão. E nossa decisão deve ser por Jesus. Ninguém deve ocupar o lugar dele em nosso coração. Enquanto estivermos frequentando a igreja por motivações egoístas ou para agradar a alguém, estamos colocando em xeque nossa continuidade e maturidade na fé. Nossa participação na comunidade deve ser motivada pelo bem que nos faz, tornando-nos pessoas boas para que possamos fazer o bem.

-------------xxxxx-------------

AS CRISES DO CAMINHO

Olhando ainda mais de perto o relato da liturgia de hoje podemos considerar também a situação de crise em que vivemos e sua importância para ajudar a crescer e a purificar o caminho.

Uma pergunta que precisa ser colocada é: O que nos motiva a permanecer na Igreja? Qual é a razão pela qual continuamos a participar, a celebrar, a colaborar?

À palavra de Jesus “Vós também vos quereis ir embora?”, Pedro faz definitivamente uma profissão de fé: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,67-69).

Dúvidas e incertezas são realidades inerentes à vida humana. Por isso disse o divino Mestre: “Entre vós há alguns que não crêem” (Jo 6,64). Decepções, desencantos, fragilidades, desencontros, apegos, fechamentos, arrogância são elementos que produzem dúvidas. Ter visto e se encontrado com Jesus ainda não garante a fé. Alguém pode conhecer tudo acerca do evangelho, da vida de Jesus e da Igreja e não ter fé. Esta é fruto de um encontro amoroso entre a bondade de Deus que vem ao nosso encontro e de nossa resposta livre de acolhida a essa bondade que ele revelou em Jesus de Nazaré. Essa resposta vivida, concretizada no cotidiano conduz à salvação.

A resposta de Pedro nos diz que não há saída possível. Quem tem palavras de vida eterna é o próprio Cristo, Filho do Deus vivo.

Somente um encontro profundo com o Senhor poderá transformar nossa vida, gerar em nós aquela convicção que nada neste mundo poderá tirar. Vale lembrar aquelas palavras do Papa Francisco que podem ajudar nesse caminho de seguimento a Jesus: “Todos os cristãos, em qualquer lugar e situação que se encontrem, estão convidados a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de procurá-lo dia a dia, sem cessar. (...) Não me cansarei de repetir estas palavras de Bento XVI que nos levam ao centro do Evangelho: ‘Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo’” (EG, 3 e 7).

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Escolher a Cristo, Pão que alimenta e Palavra que liberta

aureliano, 24.08.18

21º domingo do TC 26 de agosto.jpg

21º Domingo do Tempo Comum [26 de agosto de 2018]

[Jo 6,60-69]

Durante os cinco últimos domingos refletimos e rezamos o capítulo sexto de João. Hoje chegamos ao final. Jesus veio, como que, preparando seus discípulos para viverem um modo novo, uma vida nova. Desde a partilha do pão no deserto até à radicalidade de fazer-se pão para os demais, como Jesus, o Pão da vida. Esse é o projeto de Jesus. Uma vez eucaristizados devemos ser eucaristizantes.

No final notamos dois grupos de discípulos: os que creram nele e os que não creram. Os que se deixaram atrair pelo Pai e os que preferiram o projeto do mundo. Os que optaram pela “carne” e os que seguiram as inspirações do “espírito”. E o grupo dos que “voltaram atrás” era grande: “Muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66).

Interessante notar que Jesus não se deixa abalar pelo abandono daqueles que preferem seguir outros caminhos, ou, seus próprios caminhos: “Então Jesus disse aos doze: ‘Vós também vos quereis ir embora?’” (Jo 6,67). Jesus não admite meio termo. Não é possível servir a dois senhores, “servir a Deus e ao dinheiro” ao mesmo tempo (cf. Mt 6,24). Os discípulos precisariam tomar uma decisão. Jesus não se satisfaz com uma busca inconsequente, descomprometida, curiosa e interesseira. Deviam tomar uma decisão firme e resoluta. Ter a coragem de andar nas pegadas do Mestre: à semelhança dele, entregar-se pela salvação do mundo.

“Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6,60). Jesus não contemporiza com ninguém. Ter fé em Jesus é comprometer-se com ele. É abandonar a vida mundana que se pauta na preocupação com a conta gorda no banco, com o sucesso, com o reconhecimento social, com o acúmulo de bens e com altos salários, com festas e passeios sem medida, com falta de ética, de verdade e de honestidade. É preciso romper com essa mentalidade para seguir Jesus. O compromisso com Jesus se manifesta na preocupação com os mais necessitados, com os abandonados, com a partilha dos bens da criação, com os benefícios que as políticas públicas lhes devem assegurar. Fé em Jesus leva a comprometer-se com a família, a aliviar os sofrimentos dos doentes, a acolher e amar as crianças, a socorrer e confortar os idosos. Em solidariedade e comprometimento com os “sobrantes” da sociedade.

As palavras de Josué, na primeira leitura da liturgia desse domingo, devem ecoar forte dentro de nós nestes tempos difíceis em que cada um escolhe aquilo que mais lhe agrada e interessa, em detrimento da ética, do respeito, do cuidado pela vida: “Se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses a quem vossos pais serviram na Mesopotâmia, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (Js 24,15).

Servir ao Senhor não se resume em frequentar o templo, ir a um culto ou celebração, fazer esse ou aquele ato de bondade. Não. Servir ao Senhor significa assumir uma postura de vida que se pauta pela vida de Jesus de Nazaré. No templo celebramos uma realidade que buscamos viver com a graça de Deus. Aquilo que experimentamos durante a semana, colocamos no altar do Senhor como comunidade de fé reunida. Relativamente ao bem que fazemos, pode ser que haja aí mais vaidade e troca de favores do que um serviço generoso e despojado: “Ainda que distribuísse todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse o meu corpo às chamas, se não tivesse caridade, isso nada me adiantaria” (1Cor 13,3).

A abertura ao Pai é imprescindível para se assumir uma nova postura na vida que se fundamenta na fé. O batismo que nos torna novas criaturas nos introduz no coração do Pai, nos dá a vida divina (eterna). A humildade, a simplicidade, a abertura de coração, a sensibilidade ao outro são virtudes e qualidades que precisam ser cultivadas para que vivamos de acordo com a vida divina infundida em nós no batismo. “Ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai” (Jo 6,65).

“A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Essa confissão de fé de Pedro nos ajuda a refletir na verborréia que deparamos no nosso mundo. Mesmo dentro da Igreja usamos de uma multiplicidade de palavras e de normas que dizem pouco ou quase nada ao nosso povo. É preciso saber se estamos sendo coerentes com o que dizemos, com o que pregamos. Precisamos nos examinar sobre o que dizem para nós, eclesiásticos, as palavras de Jesus.  Pois nEle as palavras brotavam de dentro, de uma vida de intimidade com o Pai. Não eram palavras vazias, enganosas, ideologizadas, mentirosas. Nosso maior serviço aos irmãos hoje é colocá-los em contato, não com nossas palavras, mas com as palavras de Jesus. Elas sim são “espírito e vida” (Jo 6,63).

A pergunta que Jesus fez aos discípulos em crise deve continuar ecoando dentro de nós: “E vós, não quereis também partir?” (Jo 6,67). É uma chamada a sair de uma fé de tradição para uma fé de decisão e adesão. E nossa decisão deve ser por Jesus. Ninguém deve ocupar o lugar dele em nosso coração. Enquanto estivermos frequentando a igreja por motivações egoístas ou por causa de alguém, estamos colocando em xeque nossa continuidade e maturidade na fé. Nossa participação na comunidade deve ser motivada pelo bem que nos faz, tornando-nos pessoas boas para que possamos fazer o bem.

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AS CRISES DO CAMINHO

Olhando ainda mais de perto o relato da liturgia de hoje podemos considerar também a situação de crise em que vivemos e sua importância  para ajudar a crescer e a purificar o caminho.

Uma pergunta que precisa ser colocada é: O que nos motiva a permanecer na Igreja? Qual é a razão pela qual continuamos a participar, a celebrar, a colaborar?

A resposta de Pedro diante da palavra de Jesus: “Vós também vos quereis ir embora?” foi definitivamente uma profissão de fé: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,67-69).

Dúvidas e incertezas são realidades constitutivas do ser humano. Por isso disse o divino Mestre: “Entre vós há alguns que não crêem” (Jo 6,64). Decepções, desencantos, fragilidades, desencontros, apegos, fechamentos, arrogância são elementos que produzem dúvidas. Ter visto e se encontrado com Jesus ainda não garante a fé. Alguém pode conhecer tudo acerca do evangelho, da vida de Jesus e da Igreja e não ter fé. Esta é fruto de um encontro amoroso entre a bondade de Deus que vem ao nosso encontro e de nossa resposta livre de acolhida a essa bondade que ele revelou em Jesus de Nazaré. Essa resposta vivida, concretizado no cotidiano conduz à salvação.

A resposta de Pedro nos diz que não há saída possível. Quem tem palavras de vida eterna é o próprio Cristo, Filho do Deus vivo.

Somente um encontro profundo com o Senhor poderá transformar nossa vida, gerar em nós aquela convicção que nada neste mundo poderá tirar. Trago aqui umas palavras do Papa Francisco que podem ajudar nesse caminho de seguimento a Jesus: “Todos os cristãos, em qualquer lugar e situação que se encontrem, estão convidados a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de procurá-lo dia a dia, sem cessar. (...) Não me cansarei de repetir estas palavras de Bento XVI que nos levam ao centro do Evangelho: ‘Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo’” (EG, 3 e 7).

*Nosso abraço carinhoso e cheio de gratidão às/os catequistas que abraçam com tanto amor e fé a tarefa de "fazer o amor de Deus ecoar nos corações dos catequizandos". Vocês são a alma de nossas comunidades. Sua dedicação, seu entusiasmo, sua generosidade enriquecem a Igreja, animam os fiéis, alegram as famílias, encantam a todos. Maria, nossa Boa Mãe, a primeira catequista de Jesus, lhes inspire palavras acertadas nas horas incertas e os  encoraje nas horas atribuladas. Um abraço fraterno, agradecido e afetuoso.

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Decisão e Seguimento

aureliano, 24.06.16

13º Domingo do Tempo Comum [26 de junho de 2016]

[Lc 9,51-62]

O evangelho de Lucas descreve Jesus numa longa caminhada para Jerusalém. Ali ele vai entregar sua vida. Ressuscitado, enviará seus discípulos para a missão até os confins da terra. Sua missão terrestre termina em Jerusalém. E a missão da Igreja (recebida de Jesus) também começa aí.

No relato do evangelho do domingo passado (Lc 9, 18-24) vimos o diálogo sobre a identidade de Jesus, a predição de sua paixão e o convite ao discipulado com a cruz. Continuando o relato, notamos que Jesus, a partir de então, não será mais apresentado como “profeta”, pois agora sabem que ele é o “Cristo de Deus”. A partir de agora surgirão as resistências e rejeições às suas ações e palavras.

Dizer que Jesus tomou a “firme decisão” (“endureceu a face”, numa tradução literal) de subir a Jerusalém, indica que ele previa que, para ser fiel ao Pai, precisava decidir por Ele, estar disposto a enfrentar a perseguição, a cruz, a morte. O prenúncio da resistência já se manifesta na rejeição que os samaritanos fazem aos seus enviados.

Se no Primeiro Testamento aparece a figura de um Deus que castiga seus opositores, aqui é clara a nova compreensão que Jesus deseja incutir em seus discípulos. Eles querem empregar a Lei do Talião: “Senhor queres que mandemos descer fogo do céu para destruí-los?”. Agora, em Jesus, é preciso “oferecer a outra face”. Não se pode pedir a destruição dos opositores num uso e abuso de poder. Na dinâmica de Jesus o poder está sempre a serviço da paz e da fraternidade.

Nestes primeiros versículos Jesus nos ensina que o cumprimento da vontade do Pai implica firmeza na decisão. As correntes contrárias são muito mais fortes do que nós. Se não firmarmos o rosto na direção de Deus, dispostos a “bofetões e cusparadas” (cf. Is 50,6), certamente vamos desanimar, ou entrar nas ondas do mal. Jesus não está interessado em mais seguidores, mas seguidores comprometidos, capazes de renunciar às falsas seguranças do dinheiro e do poder e se entregarem ao serviço do Reino de Deus.

No caminho para Jerusalém aparecem três situações que merecem ser contempladas:

  1. Alguém quer seguir a Jesus. Sua resposta é radical: “O Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. Jesus não oferece bem-estar a seus seguidores. Quem estiver em busca de segurança, de dinheiro, de reconhecimento, de fama, de sucesso não serve para segui-lo. A religião trazida por Jesus não é lugar de refúgio contra os males do mundo, mas um espaço de encontro e de intimidade com o Senhor que nos toma pela mão e nos coloca em vulnerabilidade para que “todos tenham vida” (Jo 10,10). É na fraqueza que a força se manifesta (cf. 2Cor 12,9). Todos sabemos aonde leva os apegos excessivos aos bens e às pessoas: desencontro, rixa, assassinato, guerra, ódio, divisão, pranto e lágrima.
  2. Nesta outra cena Jesus é quem chama: “Segue-me”. Mas o moço queria primeiro enterrar o pai. A resposta de Jesus é desconcertante: “Deixe que os mortos enterrem seus mortos; mas tu vai anunciar o Reino de Deus”. Jesus alerta para aquelas situações de apego à família quando esta é empecilho para o serviço ao Reino de Deus. Ninguém deve retardar ou frear o serviço de Deus. Os “mortos”, aqueles que vivem em função de si mesmos, não podem impedir o serviço à vida. Aqui há um aceno à primeira leitura: Eliseu pediu para “beijar o pai e a mãe” e depois seguir a Elias (cf. 1Rs 19,20). Jesus radicaliza: o Reino de Deus não admite adiamento, procrastinação.
  3. Nesta terceira cena, outro se oferece para segui-lo, mas com a condição de, primeiro, despedir-se dos seus familiares. A resposta de Jesus mostra que, para segui-lo, é preciso olhar para frente: “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus”. Por vezes é preciso contrariar os próprios familiares para nos mantermos fiéis ao Evangelho. Este deve ser a regra máxima de nossa vida: nos negócios, na relação com o dinheiro, na construção da família, nas relações de trabalho, nas relações de amizade, nas opções políticas. Este relato remete-nos também à primeira leitura de hoje, pois faz referência à lavra de terra com junta de bois (1Rs 19,19). Jesus vai além: não usa da violência de Eliseu que sacrificou os bois e nem permite que primeiro se despeça dos familiares. Ou seja, é preciso olhar para frente, ter audácia para seguir os passos de Jesus. É a necessidade de superação de uma religião estática, presa ao passado. Um olhar para frente, com criatividade, com esperança.

O relato do evangelho deste domingo nos faz notar que Jesus desejou constituir um grupo de discípulos. Não se preocupa em ensinar-lhes doutrina, mas torná-los seus seguidores. A profissão deles de agora em diante é a de serem anunciadores de um novo modo de vida. Por isso devem abandonar o modo de vida anterior. Ao sentir-se chamado, cada um deve tomar uma decisão firme. A primeira atitude é a profissão de fé, o reconhecimento de que Jesus é o “Cristo de Deus”. Uma vez que Jesus é reconhecido como Aquele em quem o discípulo deposita sua fé (cf. 2Tm 1,12), este deve se desprender dos bens materiais, do prazer mundano, do poder pelo poder, do apego ao dinheiro, da busca de si mesmo  para viver a liberdade dos filhos de Deus: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1.13).

Somente pela ruptura com as forças do mal: a mentira, o ódio, o preconceito, o mundanismo perverso, a sede do poder, se é capaz de gerar um seguimento comprometido, uma liberdade verdadeira, um discipulado autêntico, uma fé cristã genuína, uma Igreja fiel a Jesus.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN