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Quaresma: conversão para vencer o mal

aureliano, 16.02.24

1º domingo da quaresma - B.jpg

1º Domingo da Quaresma [18 de fevereiro de 2024]

[Mc 1,12-15]

Estamos iniciando a Quaresma. Como nosso processo catequético é bastante fraco, certamente muitas pessoas não sabem o que significa esse tempo litúrgico da Igreja. O termo quaresma nos remete ao número quarenta, pleno de significado na Sagrada Escritura. Encontramos Jesus que passa quarenta dias e quarenta noites no deserto preparando-se para a missão que o Pai lhe confiara. Assemelha-se a Moisés que jejuou durante quarenta dias e quarenta noites no monte Horeb (Ex 24, 18; 34, 28; Dt 9,11). Também Elias, alimentado pelo pão do céu caminhou quarenta dias e quarenta noites até o monte que o Senhor lhe indicara (1Rs 19,8). Outro elemento significativo foi a peregrinação do povo de Israel durante quarenta anos no deserto, rumo à terra prometida (Dt 2,7), alimentado e assistido pelo Senhor.

O evangelho de Marcos, mais resumido do que os outros, tem como propósito responder à pergunta: “Quem é Jesus?”. No início o Pai confirma: “Tu és o meu Filho bem amado” (Mc 1,11). No final, o centurião reconhece: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus” (Mc 15, 39). Portanto, os discípulos podem acreditar nele, segui-lo com confiança, pois ele é o Filho de Deus que veio salvar a humanidade.

Jesus deve enfrentar as forças do mal. Por isso é conduzido pelo Espírito Santo ao deserto a fim de se preparar para essa grande missão. À semelhança do povo de Israel no deserto que foi tentado muitas vezes, Jesus resume em sua pessoa essa caminhada e experiência, vencendo, pela sua fidelidade, as tentações do maligno, garantindo assim, aos que crêem na sua Palavra, a ressurreição e a vida, a Terra Prometida.

Nessa caminhada quaresmal acompanhemos Jesus na sua entrega por nós. É tempo de reafirmar a fé e o compromisso batismais. As primeiras palavras de Jesus no evangelho de Marcos nos devem acompanhar ao longo deste tempo de preparação para a Páscoa: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no evangelho” (Mc 1,15). Conversão e entrega confiante à Boa Nova é a meta do cristão.

Conversão, do grego metanoia: meta significa revolução, inversão de caminho; noia signfica mente, pensamento. Então conversão nos convida a tomar um caminho novo a partir de Jesus Cristo. Zaqueu assumiu caminho novo a partir do encontro com Jesus Cristo: devolveu o que havia roubado e distribuiu com os pobres parte de seus bens (cf. Lc 19,1-10). A pecadora que encontrara Jesus na casa de Simão deixou para trás sua vida de pecado a partir da experiência do amor de Deus que ela encontrara em Jesus Mestre (cf. Lc 7,36-50). Então, conversão é deixar aquelas realidades de pecado, de maldade, de fofoca, de mentira, de palavras agressivas, de gestos ofensivos, de ganância pelos bens e sucesso, de conluio para prejudicar a outros, de fuga das responsabilidades, de preguiça em servir, de busca de satisfação dos instintos egoístas, de bebedeiras e noitadas, de amizades perversas, de fechamento às propostas da Igreja. Precisamos rever nossa vida, nossa entrega, nossa disponibilidade para servir generosamente. É tempo de conversão. O sino que nos convida à conversão vai nos chamar a participar da despedida de alguém. Um dia inevitavelmente tocará para nossa partida! O tempo se cumpriu! É tempo de conversão!

São João diz que “a vitória que vence o mundo é a nossa fé” (1 Jo 5,4). Esta é dom recebido no batismo. Ninguém crê no evangelho a partir de suas próprias forças, mas pelo dom de Deus recebido no batismo. Ensina Bento XVI: “Ao início do ser cristão, não está uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, dessa forma, o rumo decisivo” (Deus é Amor, n. 01).

Nesse tempo quaresmal a Igreja nos convida a rever nossa caminhada de batizados, de comprometimento com a pessoa de Jesus e com a Igreja. Convida a olhar onde estamos na caminhada cristã. Em que precisamos nos converter para vivermos uma fé de verdade: reta, sincera, comprometida. Convida-nos a verificar quais são as tentações que mais nos acometem e nas quais mais caímos. Coloca em nossas mãos os recursos que nos fortalecem contra o espírito do mal.

A vida de Jesus foi marcada pelas tentações do maligno que queria fazê-lo desviar-se da vontade do Pai. Também nós somos acometidos por todo tipo de tentação que nos quer desviar do caminho de Jesus. Sozinhos não damos conta do mal. Mas com a força de Deus podemos vencê-lo. Então busquemos nesta fonte inesgotável as energias e o sustento que nos colocam em permanente estado de conversão a uma vida sempre mais parecida com a vida do Mestre Jesus.

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O DESERTO

“O Espírito levou Jesus para o deserto” (Mc 1,12). O deserto, na Sagrada Escritura, é um categoria teológica. É um lugar de oração, de encontro e escuta de Deus, mas também um lugar de provas e tentações: “Aí Jesus foi tentado por Satanás”.

É importante considerar que Jesus foi ‘levado’. Ele não foi por conta própria, por si mesmo. Também, nós cristãos, somos levados para o deserto da vida, para situações de incompreensão, de falta de fé, de desprezo da religião, ou mesmo de crises pessoais de fé e de sentido de vida. Quantas vezes somos questionados a respeito da religião e da fé! Qual é mesmo o sentido de participar de uma comunidade, de realizar essa ou aquela expressão de fé? Esses embates ajudam a amadurecer nossa fé: oportunidade de passar de uma fé infantil a uma fé adulta, responsável, comprometida.

No evangelho, Satanás é o mesmo que Adversário, Inimigo de Deus. Aquele que age sempre contra o bem e a justiça. Acompanhando o noticiário sobre a corrupção generalizada no nosso País, a disseminação do ódio (até mesmo dentro da Igreja, nas famílias e nas religiões), notamos a ação de Satanás, o Adversário, que leva o ser humano a agir egoisticamente, lesando o Estado, a comunidade, os pobres, por vezes a própria família, gerando divisão e discórdia. E sem peso de consciência! Sem nenhum escrúpulo.

A corrupção que não está somente nos altos escalões de governos e empresas, mas que se repete, guardadas as proporções, nos pequenos espaços e negócios de família, de vizinho, de trabalho, está instalada nas estruturas sociais. Vivemos uma espécie de cultura da corrupção e desonestidade. Para nossa tristeza, a afirmação “sem desonestidade não se pode sobreviver nesse País”, ganha força cada vez maior.

O deserto pode ser, pois, a escola, o ambiente de trabalho, a rua, a política, os espaços esportivos, o shopping, o roçado, até mesmo a comunidade eclesial. Enfim, aquelas realidades que podem nos aproximar de Deus bem como nos afastar dele. Espaços em que somos postos à prova.

O que importa é não perdermos de vista o Espírito Santo que nos leva ao deserto e que nos fortalece no combate contra o mal. Se no deserto havia os ‘animais selvagens’, ou seja, aquelas tentações que sempre ameaçam o projeto de Jesus, havia também os ‘anjos’ que o serviam, ou seja, o cuidado e carinho de Deus Criador para com aqueles que lhe são fiéis na prova. Importa crer que o Senhor não nos abandona jamais! Na força dele vencemos as forças do mal.

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Campanha da Fraternidade 2024

“O amor social se traduz em atos de caridade que criam instituições mais sadias e estruturas mais solidárias. Estruturar a sociedade, por exemplo, ‘de modo que o próximo não venha a se encontrar na miséria’ é um ato de caridade que, segundo o Papa, tem a conotação de ‘amor político’. A política é o mais alto grau da caridade, afinal dar de comer a um desempregado é expressão de amor, mas assegurar o direito de trabalho a muitos, pela ação política, é expressão intensa de amor, porque os emancipa e os dignifica. Embora a caridade política englobe a todos, ‘o núcleo do autêntico espírito da política’ é o ‘amor preferencial pelos últimos’. Por isso, o Papa Francisco propõe à humanidade, particularmente às lideranças religiosas e políticas, a construção da cultura do diálogo, da reconciliação e da paz, atuando juntos em favor do bem comum e a promoção dos mais pobres” (Texto-Base, 21).

“‘Todos os homens devem estar livres de coração, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência (...) O direito à liberdade religiosa se fundamenta na própria dignidade da pessoa humana, que a Palavra revelada de Deus e a própria razão dão a conhecer’ (Vaticano II, DH, 2).  Precisamos estar atentos: entre os cristãos, que deveriam ser conhecidos pelo amor mútuo (cf. Jo 13,35), têm sido difundidas palavras e atitudes de difamação, perseguição, calúnia e ódio, estabelecendo relações de inimizade a partir das quais uma pessoa se vê como maior e melhor que a outra. Entre nós não deve ser assim, ensina-nos Jesus (cf. Mt 20,26)” (Texto-Base, 36).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

João Batista: uma voz que ilumina

aureliano, 15.12.23

3º Domingo do Advento - B - 13 de dezembro.jpg

3º Domingo do Advento [17 de dezembro de 2023]

[Jo 1,6-8.19-28]

No domingo passado, Marcos mostrava João Batista convidando à conversão. Proclama a chegada do Reino de Deus. Para isso é preciso assumir um caminho novo, pelo batismo de conversão. Já o evangelho de João, neste domingo, mostra João Batista dando testemunho. Este evangelista evita a categoria ‘Reino’; prefere ‘vida eterna’. Deus não se manifesta naquilo que o mundo chama reino no sentido de poder dominador e opressor, mas em Jesus mesmo: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9). Quando Jesus perdoa, acolhe, cura, senta-se à mesa com os pecadores, ensina, liberta, toca os doentes, passa a noite em oração, ensina a rezar etc. ele irrompe o Reinado de Deus.

João Batista se coloca como o que veio dar testemunho. “Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, para que todos chegassem à fé por meio dele” (Jo 1,7). Ele não é a luz do mundo, mas apenas uma lâmpada provisória, uma voz que clama no deserto. E faz uma provocação: “No meio de vós está quem vós não conheceis” (Jo 1,26).

Essa palavra do Batista nos provoca a pensar em nossa vida cristã. Será que Jesus continua entre nós como um ‘ilustre desconhecido’? Somos convidados a redescobri-lo. É interessante notar que João Batista fala de luz: ele veio dar testemunho da luz. E a luz brilhou nas trevas, mas as trevas não o reconheceram (cf. Jo 1,5). Estamos com o sol brilhando no meio de nós, mas continuamos sem enxergar. Há alguma ‘catarata’ impedindo nossa visão. Precisaríamos identificar, dar nome a esse mal na vista que não nos deixa ‘conhecer’, isto é, entrar em intimidade com aquele que está no meio de nós como luz.

A cobiça de ter sempre mais, de dominar os outros, de ganhar de todos, de ser sempre o primeiro, de ter sucesso a qualquer custo; o ciúme, a inveja, a ganância, a insensibilidade, a fofoca, o preconceito, a indiferença diante de quem sofre, a mentira, a preguiça, o comodismo são males que não nos deixam ‘conhecer’ Aquele que está no meio de nós. Obscurecem nossa vontade e inteligência.

A conseqüência de tudo isso é a ausência da alegria que o Senhor veio nos trazer com sua vinda ao mundo. A Boa Nova traz a alegria por si mesma, pois anuncia a libertação dos oprimidos, a cura dos enfermos, a recuperação da vista aos cegos. É o “Ano da graça do Senhor” (cf Is 61,1; Lc 4,18). Um Deus que nos ama tanto que dá sua vida para que tenhamos mais vida.

Enquanto pensarmos que alegria consiste em passar o réveillon na praia de Copacabana ou de Iracema ou do Futuro, ou num hotel cinco estrelas ou coisa do tipo, estaremos distantes de ‘conhecer’ aquele que está no meio de nós, no pobre que estende a mão, que clama por socorro, que pede um pedaço de pão; de crianças e idosos ameaçados pela fome, pela violência, pelo abandono. Certa ocasião, visitando um Lar de Idosos, perguntei a um senhor: “A família tem vindo visitá-lo?”. Ele respondeu de pronto: “Não. Eles estão bem de vida. Têm carro, apartamento, bom emprego. Estão bem. Não vêm me visitar, não!”. E não disse mais nada. E nem carecia dizê-lo.

Em um dos prefácios do Advento a Igreja reza assim: “Agora e em todos os tempos, ele vem ao nosso encontro, presente em cada pessoa humana, para que o acolhamos na fé e o testemunhemos na caridade, enquanto esperamos a feliz realização de seu Reino”. Uma amostra de que a Igreja sempre acreditou que o Senhor vem ao nosso encontro na pessoa dos pequenos e sofredores. Se não o reconhecermos aí, certamente não seremos reconhecidos quando Ele vier em sua glória: “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 24,40)

‘Conhecer’ Aquele que está no meio de nós é decisivo para a celebração de um Natal que faça jus a esse nome. É viver a palavra de Paulo: “Estai alegres! Rezai sem cessar. Dai graças em todas as circunstâncias, porque essa é a vosso respeito a vontade de Deus em Jesus Cristo” (1Ts 5,17-18).

Não se trata de “conhecer” racionalmente. Trata-se de conhecer com o coração. Em outras palavras, ter convicção, acreditar (credere=cor dare) em Jesus, entregar o coração. Posso saber tudo a respeito de Jesus e da Sagrada Escritura. Mas se esse conhecimento não se torna convicção de fé dentro de mim, não me transforma por dentro, não me faz ser melhor, então, do ponto de vista da fé, é um conhecimento vazio, pois não tem incidência sobre meu cotidiano, minhas escolhas e decisões. Esse tipo de conhecimento é o que o Papa Francisco chama de “tentação do gnosticismo: uma série de conhecimentos e raciocínios que supostamente confortam e iluminam, mas, em última instância, a pessoa fica enclausurada na imanência da sua própria razão e dos seus sentimentos” (GE, 36). É medir a elevação espiritual e avanço no caminho da fé pela quantidade de dados e conhecimentos que se consegue acumular. Seu perigo mortal é o afastamento da Encarnação (1Jo 4,2-3), mistério que celebramos no Natal do Senhor. Como se quiséssemos nos salvar pelo conhecimento, pela razão, pela doutrina, descartando a Graça salvadora que se manifestou em Jesus de Nazaré.

O testemunho de João é verdadeiro porque não é dado por algum interesse pessoal, mas pelo cumprimento de uma missão divina. “Eu não sou o Messias. Sou a voz que clama no deserto: aplainai o caminho do Senhor” (cf. Jo 1,19.23). Sua pregação fala alto porque sai da boca de alguém que vive o que fala. Por isso penetra o coração das pessoas e incomoda até mesmo as autoridades do templo.

Ainda mais. João Batista se coloca como servidor de Deus. Ele se define simplesmente como uma “voz”. Algo passageiro, invisível. Conclama à conversão, mas não aparece. Esse espírito de humildade de João Batista que jamais pretendeu assumir um lugar que seus admiradores sugeriam que assumisse, nos ajuda a rever nossa postura diante da fama, do sucesso, das oportunidades de ocuparmos lugar de honra social. Na perspectiva cristã, não pode existir lugar e posto de honra, de poder pelo poder: qualquer cargo ou posto deve ser ocupado na dimensão do serviço.

Nossa preparação para o Natal está levando em conta o testemunho de João Batista? Estamos nos abrindo para ‘conhecer’ melhor Aquele que já está no meio de nós? Nossa vida é um facho de luz a iluminar aqueles que vivem na escuridão? Buscamos a alegria verdadeira brotada do coração de Deus no serviço aos pequeninos? Com que objetivo ocupamos ou buscamos cargos e encargos sociais, políticos e religiosos?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Quaresma: conversão para vencer o mal

aureliano, 20.02.21

1º Domingo da Quaresma [21 de fevereiro de 2021]

[Mc 1,12-15]

Estamos iniciando a Quaresma. Talvez muitos de nossos jovens não saibam o que significa esse tempo litúrgico da Igreja. O termo quaresma nos remete ao número quarenta, pleno de significado na Sagrada Escritura. Encontramos Jesus que passa quarenta dias e quarenta noites no deserto preparando-se para a missão que o Pai lhe confiara. Assemelha-se a Moisés que jejuou durante quarenta dias e quarenta noites no monte Horeb (Ex 24, 18; 34, 28; Dt 9,11). Também Elias, alimentado pelo pão do céu caminhou quarenta dias e quarenta noites até o monte que o Senhor lhe indicara (1Rs 19,8). Outro elemento significativo foi a peregrinação do povo de Israel durante quarenta anos no deserto, rumo à terra prometida (Dt 2,7), alimentado e assistido pelo Senhor.

O evangelho de Marcos, mais resumido do que os outros, tem como pergunta de fundo: “Quem é Jesus?”. No início o Pai confirma: “Tu és o meu Filho bem amado” (Mc 1,11). No final, o centurião reconhece: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus” (Mc 15, 39).

Jesus deve enfrentar as forças do mal. Por isso é conduzido pelo Espírito Santo ao deserto a fim de se preparar para essa grande missão. À semelhança do povo de Israel no deserto que foi tentado muitas vezes, Jesus resume em sua pessoa essa caminhada e experiência, vencendo, pela sua fidelidade, as tentações do maligno, garantindo assim, aos que crêem na sua Palavra, a ressurreição e a vida, a Terra Prometida.

Nessa caminhada quaresmal acompanhemos Jesus na sua entrega por nós. É tempo de reafirmar a fé e o compromisso batismais. As primeiras palavras de Jesus no evangelho de Marcos nos devem acompanhar ao longo deste tempo de preparação para a Páscoa: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no evangelho” (Mc 1,15).

São João diz que “a vitória que vence o mundo é a nossa fé” (1 Jo 5,4). Esta é dom recebido no batismo. Ninguém crê no evangelho a partir de suas próprias forças, mas pelo dom de Deus recebido no batismo. Ensina Bento XVI: “Ao início do ser cristão, não está uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, dessa forma, o rumo decisivo” (Deus é Amor, n. 01).

Nesse tempo quaresmal a Igreja nos convida a rever nossa caminhada de batizados, de comprometimento com a pessoa de Jesus e com a Igreja. Convida a olhar onde estamos na caminhada cristã. Em que precisamos nos converter para vivermos uma fé de verdade: reta, sincera, comprometida. Convida-nos a verificar quais são as tentações que mais nos acometem e nas quais mais caímos. Coloca em nossas mãos os recursos que nos fortalecem contra o espírito do mal.

A vida de Jesus foi marcada pelas tentações do maligno que queria fazê-lo desviar-se da vontade do Pai. Também nós somos acometidos por todo tipo de tentação que nos quer desviar do caminho de Jesus. Sozinhos não damos conta do mal. Mas com a força de Deus podemos vencê-lo. Então busquemos nesta fonte inesgotável as energias e o sustento que nos colocam em permanente estado de conversão a uma vida sempre mais parecida com a vida do Mestre Jesus.

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O DESERTO

“O Espírito levou Jesus para o deserto” (Mc 1,12). O deserto, na Sagrada Escritura, é um categoria teológica. Ao mesmo tempo que é um lugar de oração, de encontro e escuta de Deus, é também um lugar de provas e tentações: “Aí Jesus foi tentado por Satanás”.

É importante considerar que Jesus foi ‘levado’. Ele não foi por conta própria, por si mesmo. Também, nós cristãos, somos levados para o deserto da vida, para situações de incompreensão, de falta de fé, de desprezo da religião, ou mesmo de crises pessoais de fé e de sentido de vida. Quantas vezes somos questionados a respeito da religião e da fé! Qual é mesmo o sentido de participar de uma comunidade, de realizar essa ou aquela expressão de fé? Esses embates ajudam a amadurecer nossa fé: podemos passar de uma fé infantil a uma fé adulta, responsável, comprometida.

No evangelho, Satanás é o mesmo que Adversário, Inimigo de Deus. Aquele que age sempre contra o bem e a justiça. Acompanhando o noticiário sobre a corrupção generalizada no nosso País, a disseminação do ódio (até mesmo dentro da Igreja e nas religiões), notamos a ação de Satanás, o Adversário, que leva o ser humano a agir egoisticamente, lesando o Estado, a comunidade, os pobres, por vezes a própria família, gerando divisão e discórdia. E sem peso de consciência! Sem nenhum escrúpulo.

A corrupção que não está somente nos altos escalões de governos e empresas, mas que se repete, guardadas as proporções, nos pequenos espaços e negócios de família, de vizinho, de trabalho, está instalada nas estruturas sociais. Vivemos uma espécie de cultura da corrupção. Para nossa tristeza, a afirmação “sem desonestidade não se pode sobreviver nesse País”, ganha força cada vez maior.

O deserto pode ser, pois, a escola, o ambiente de trabalho, a rua, a política, os espaços de jogos, o shopping, o roçado, até mesmo a comunidade eclesial. Enfim, aquelas realidades que podem nos aproximar de Deus bem como nos afastar dele.

O que importa é não perdermos de vista o Espírito Santo que nos leva ao deserto e que nos fortalece no combate contra o mal. Se no deserto havia os ‘animais selvagens’, ou seja, aquelas tentações que sempre ameaçam o projeto de Jesus, havia também os ‘anjos’ que o serviam, ou seja, o cuidado e carinho de Deus Criador para com aqueles que lhe são fiéis na prova. Importa crer que o Senhor não nos abandona jamais! Na força dele vencemos as forças do mal.

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Campanha da Fraternidade 2021

“São muitas as cruzes presentes em nosso país”, nos lembra a Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano. A violência tem crescido muito. As mulheres são um dos grupos mais atingidos. Chacinas de pessoas em vulnerabilidade social. Sem falar das agressões ao meio ambiente: “O modo capitalista de produção, consumo e descarte, põe em risco a casa comum” (Texto-Base, 75).

“A fé em Jesus Cristo é o vínculo que une a comunidade e garante que experimentemos os sinais do Reino de Deus entre nós: o amor, a benevolência, o perdão, a liberdade e a graça (Ef 1,3-8). Para superar os conflitos oriundos das ameaças do contexto social mais amplo, a orientação é que pratiquem solidariedade mutua e compreendam que estão integrados ao edifício cuja pedra fundamental é Cristo. Por isso, as pessoas que compõem a comunidade precisam reconhecer-se como concidadãos e concidadãs do povo de Deus (Ef 2,19-20). Desse modo, os cristãos e as cristãs não devem esperar nada de espetacular, que não seja o humilde exercício da fé solidária e o serviço mútuo” (Texto-Base, 113).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Fidelidade em meio às tentações

aureliano, 28.02.20

1º Domingo da Quaresma - A - 1º de março.jpg

1º Domingo da Quaresma [1º de março de 2020]

[Mt 4,1-11]

O tempo da Quaresma nos remete aos quarenta anos de travessia do deserto pelo Povo de Israel. Tempo e lugar de provação, de cansaço, de dor, de carências e privações. Lugar de encontro com Deus e com o Diabo. Lugar de fortalecer as raízes no caminho do bem. Por que não dizer que o deserto é também o nosso cotidiano? As desordens da vida, as seduções, as provações, as aflições e desafios que a vida nos coloca são nosso deserto. A quem recorremos? Como lidamos? De que armas nos servimos? Por quem optamos? De que lado nos colocamos?

Jesus faz essa experiência: quarenta dias se preparando para a missão. Esse tempo representa toda a sua vida que foi tempo de prova, das tentações de um messianismo sectário, mas também de experiência do Pai a quem foi sempre fiel.

As tentações de Jesus são também as nossas. O tentador quer levá-lo a desviar-se do projeto do Pai. Primeiro sugere-lhe transformar a pedra em pão. Jesus não veio para si, mas para todos. Não veio fazer milagres; veio anunciar um Reino de partilha fundado na vivência da Palavra de Deus. Quem se alimenta da Palavra de Deus partilha, multiplica, solidariza-se. “Vê, sente compaixão e cuida da pessoa” (Lc 10,33-34). Não vive em função de si, mas do Reino do Pai.

A segunda tentação coloca Jesus no ponto mais alto do Templo sugerindo que ele se lance dali, pois os anjos o tomarão nas mãos. É a tentação da busca de prestígio pessoal, da fama, da ostentação de poder, de capricho próprio. É a tentação de deixar tudo por conta de Deus, de lançar-se na vida sem as devidas precauções, pensando que Deus deve fazer tudo por nós, sem nenhum esforço de nossa parte. Ou seja, não se pode jogar para Deus aquilo que é responsabilidade do ser humano. Essa tentação mostra explicitamente o uso da religião para busca de sucesso. Quanta gente anda atrás de promessa, de milagres, de adivinhações etc. Na verdade, cada um deveria assumir seu papel na sociedade. Como cristãos o Senhor nos chama a lançar sobre o mundo um olhar de misericórdia. Ele nos convida a deixarmos de buscar a nós mesmos, nosso bem-estar, nossos desejos realizados, nosso sucesso e voltarmos nosso olhar para fora, para o outro. O rosto do outro precisa me interpelar, me incomodar e me desacomodar. Essa foi a atitude que Jesus assumiu diante do Pai.  É diabólico organizar uma religião como um sistema de crenças e práticas para se conseguir segurança. Não se constrói um mundo mais humano refugiando-se cada um em sua religião. É preciso arriscar-se confiando em Deus, como Jesus.

A terceira e última tentação é a de servir ao projeto do diabo, abandonando o projeto de Deus em troca de poder e glória mundanos. São aquelas tentações que sofremos diante de possibilidade de ganhar mais dinheiro, de ter mais, de dominar mais, com prejuízo para muitos. É trocar o projeto do Pai pelo próprio projeto egoísta e consumista. É aquela situação que nos possibilita crescer dando prejuízo aos outros; que leva a abandonar a família, os filhos para vantagem pessoal, deixando muitos no sofrimento. É a exploração irresponsável da natureza com prejuízo para o meio ambiente: a terra geme dores de agonia. É também a troca de projetos de políticas públicas que tiram milhões da miséria, por projetos de políticas capitalistas que entregam bens e serviços nas mãos de banqueiros, latifundiários, empresários e políticos sem consciência que só pensam em tirar proveito dos espaços de poder.

Estão aí as tentações de Jesus que são também nossas. Ele as venceu todas pela força da Palavra, da oração, da comunhão profunda com o Pai. E nós? Quais são os instrumentos de que lançamos mão para vencer as tentações do poder, da glória, do consumismo? Como está nossa vida de oração? Que lugar ocupa a Palavra de Deus em nossa vida? Quanto tempo tiramos por dia para fazer oração? Quanto tempo reservamos para a comunidade, para o serviço gratuito, generoso? Quando nos ocorre uma tentação, que fazemos? De que nos valemos?

Quaresma é tempo de revisão de vida, de conversão, de convergir as forças para o “único necessário” (cf. Lc 10,42). É bom que cada um de nós verifique qual pecado precisa ser excluído de sua vida a fim de curar as feridas que por vezes provocou no coração e na vida dos irmãos.

*Campanha da Fraternidade 2020: “Na parábola dos trabalhadores da décima primeira hora (Mt 20,1-11), encontramos um exemplo de justiça restaurativa. Aquele que saiu à procura de trabalhadores para sua vinha contratou vários operários ao longo de todo o dia. No entardecer, na hora do pagamento, os primeiros a serem chamados pensam que, por merecimento, deveriam receber mais do que aqueles que chegaram ao findar do dia. Foi então que o dono da vinha surpreendeu a todos, pois para ele, não havia diferença. Todos receberam o mesmo valor pelo serviço prestado. Para o dono da vinha, as pessoas não são classificadas em razão do que podem render pelos serviços prestados. São classificas a partir de um amor que é graça radical que as considera, simplesmente, porque elas existem” (Texto-base, 127).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A tentação visa a desviar-nos do Caminho

aureliano, 08.03.19

1º Domingo da quaresma - C.jpg

1º Domingo da Quaresma [10 de março de 2019]

[Lc 4,1-13]

Estamos vivendo esse tempo rico de bênçãos e graças na Igreja. Tempo de revisão de vida, de exame de consciência, de retomada dos compromissos batismais. Quaresma lembra os quarenta anos de caminhada do Povo de Deus no deserto rumo à Terra Prometida. Lembra também os quarenta dias de jejum e oração vividos por Jesus no deserto.

O evangelho de hoje nos remete à situação de tentação vivida por Jesus. No final de um tempo profundamente marcado por Deus ele é tentado pelo diabo. No início parece até contraditório. Como é que a tentação pode ocorrer logo após um tempo forte de oração e jejum? O diabo não deveria estar bem longe? Pois é! A vida de Jesus vem nos mostrar que nunca estamos livres das tentações do maligno. Quanto mais próximos de Deus, mais tentados pelo diabo. A vida de oração não nos garante a isenção de tentações. Garante, sim, a força de Deus para enfrentarmos e vencermos o mal, como aconteceu com Jesus.

O relato das tentações de Jesus não é um relato jornalístico, como se alguém estivesse filmando ou descrevendo tudo o que estava acontecendo a Jesus. Não! É relato de um episódio que visa à catequese da comunidade. A experiência de Jesus é a experiência do discípulo que se compromete a seguir Jesus, mas enfrenta muitas tentações. Partindo deste princípio, podemos afirmar que, na verdade, Jesus não foi tentado somente em um dado momento, mas durante toda a sua vida o diabo buscou desviá-lo do cumprimento da vontade do Pai. O que importa é que ele sempre foi vencedor: nunca se deixou levar pelo diabo.

Primeira tentação: Quando Jesus sente fome o diabo se apresenta para que Jesus mude a pedra em pão: “Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se transforme em pão” (Lc 4,3). O diabo nos quer pegar em nosso ponto fraco. E também nas coisas mais cotidianas: sorrateiramente. Jesus recorre sempre à Palavra de Deus. Esta é o remédio eficaz contra as tentações: “Não só de pão vive o homem”. O pão é a necessidade primeira, básica. Mas comida não preenche o mais profundo do ser humano (cf. Rm 14,17). A vida em Deus é alimento imprescindível.

Ainda mais: o pão cotidiano precisa ser investido pelo Espírito. Dom José Tolentino, pregador do retiro para a Cúria Romana em 2018, dizia que se o “nosso pão for mais que pão, se ele se deixar atravessar pela Palavra que sai da boca de Deus, ele alcançará uma potência que o simples pão não tem, e poderá tornar-se alimento para muitas fomes” (Elogia da sede, p. 103).

Ademais, Jesus não veio para atender a ordens do diabo nem a interesses próprios, mas para fazer a vontade do Pai. Mais tarde multiplicará os pães para saciar a fome de uma multidão. - Como temos alimentado nosso espírito? Que temos lido? A que programas de televisão assistimos? Que sites acessamos? Como anda a ganância dentro de nós? Que ambientes temos frequentado em nosso lazer? Qual o nível de nosso comprometimento com as Políticas Públicas: participação nos Conselhos de Saúde, de Segurança, de Assistência Social, de Educação, Audiências Públicas, Câmara Municipal, Organizações que trabalham em favor dos mais pobres? A tentação é sempre fugir, deixar pra lá: “Isso não é problema meu!”. Mas se implica o bem, a saúde, a educação do meu irmão, implica também a mim. A gente costuma dizer como Caim quando o Senhor lhe pergunta pelo irmão: “Acaso sou eu o guarda do meu irmão?” (Gn 4,9).

A segunda tentação é a do “poder e glória”: “Eu te darei todo este poder com a glória destes reinos, porque ela me foi entregue e eu a dou a quem eu quiser. Por isso, se te prostrares diante de mim, toda ela será tua” (Lc 4,6-7). Essa tentação é terrível. Há muita gente ‘ajoelhada’ diante do diabo, como se estivesse diante de Deus, para conseguir “poder e glória”. Tem gente que ‘vende a alma para o diabo’ para conseguir sucesso, poder e dinheiro. Perde todas as referências éticas em troca do poder e do dinheiro. É uma das grandes tentações de nossos tempos. É a manipulação da religião para dominar, para enriquecer-se, para se ter sucesso. É servir-se da religião para conquistar bem-estar, prestígio, fama.

Nestes tempos em que a Igreja tem perdido prestígio e influência social, sofre fortemente a tentação de se aproximar do poder podre e corrupto dos grandes deste mundo. Jesus responde que somente a Deus devemos servir e adorar. E diante dos poderosos a Igreja precisa ser sempre profética.

Essa tentação se vence com a busca de um olhar compassivo e misericordioso sobre os irmãos mais necessitados. O serviço a Deus se dá nos ‘pequeninos’ do Reino. Todo cuidado é pouco, pois o diabo se traveste de ‘deus’ para enganar os dominados pela cobiça. Ou melhor, os cobiçosos colocam no diabo uma capa ‘divina’ para ‘subirem na vida’.

Há uma reflexão interessante também de Dom José Tolentino sobre essa tentação: “É como se Deus tivesse de se submeter às condições que consideramos necessárias para podermos acreditar nele. Se ele não cumpre essa proteção prometida, do modo que nós desejamos ver cumprida, as certezas da nossa fé vacilam. Se ele não satisfaz imediatamente as nossas múltiplas sedes, ficamos logo atordoados sem saber se ele está no meio de nós ou não (Cf. Êx 17,1-17). Nós queremos a nossa sede satisfeita para podermos acreditar. Jesus nos ensina a entregar o silêncio, o abandono e a sede como oração. Nós queremos amar a Deus por aquilo que ele nos dá. Aprendemos progressivamente, porém, como essa forma de ver se torna um lugar de tentação. Madre Teresa de Calcutá dizia: ‘Quero amar a Deus por aquilo que ele tira’” (Elogio da sede, p. 104-105).

A terceira tentação se dá no pináculo do templo de Jerusalém: “Se és o Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: ‘Ele dará ordem as seus anjos a teu respeito para que te guardem’” (Lc 4,9-10). É a tentação da vanglória, da ostentação, do desejo de aparecer, de jogar nossas responsabilidades nas mãos de Deus, do uso da religião para manipular as pessoas. Nessa tentação, a última cartada, o diabo busca desviar Jesus de sua missão com uma capa de cumprimento das Escrituras. Deus o ampararia e todo mundo iria acreditar nele. Jesus, porém, não se deixa levar por essa proposta. Mostra que a Deus não se deve tentar. Ou seja, não se pode jogar para Deus aquilo que é responsabilidade do ser humano. Essa tentação mostra explicitamente o uso da religião para busca de sucesso. Quanta gente anda atrás de promessa, de milagres, de adivinhações, de revelações etc. Na verdade, cada um deveria assumir seu papel na sociedade. Nesta tentação Jesus mostra que nunca colocará o Pai a serviço de si, mas se colocará sempre a serviço dos pequenos, lavando-lhes os pés, como realização do desejo do Pai.

 Como cristãos o Senhor nos chama a lançar sobre o mundo um olhar de misericórdia. Ele nos convida a deixarmos de buscar a nós mesmos, nosso bem-estar, nossos desejos realizados, nosso sucesso e voltarmos nosso olhar para fora, para o outro. O rosto do outro precisa me interpelar, me incomodar e me desacomodar. Essa foi a atitude que Jesus assumiu diante do Pai. É diabólico organizar uma religião como um sistema de crenças e práticas para se conseguir segurança. Não se constrói um mundo mais humano refugiando-se cada um em sua religião. É preciso arriscar-se confiando em Deus, como Jesus.

“O culto do poder faz do poder um ídolo, qualquer que ele seja. Torna o domínio e a posse a suposta fonte de felicidade e de sentido. - ‘O que faço do poder?’ ‘O que o poder faz de mim?’ - Há um risco enorme quando o poder nos afasta da Cruz. Quando ele deixa de ser um serviço aos irmãos e se torna delírio da autoafirmação e da  autorreferencialidade. Jesus se recusou determinantemente a ajoelhar-se diante de Satanás, mas ajoelhou-se voluntariamente diante dos discípulos para lavar-lhes os pés (cf. Jo 13,1-5). ( Tolentino em Elogio da sede, p. 106-107).

As tentações pelas quais passou Jesus são também nossas. É a tessitura do dia-a-dia da vida cristã. O empenho pelo bem tem como desafio a luta contra o mal. É a tentativa do diabo em arrancar de nós a Palavra. Quando não consegue esmorecer a pessoa, tenta sufocar a Palavra em seu coração, alimentando preocupações com prazeres e riquezas (cf. Lc 8,4-15). Quer nos desviar do Caminho.

Alimentemos em nós o espírito que animava Jesus. Ele teve a coragem de “perder” a sua vida por causa de nós. “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9,23-24). A Palavra de Deus guardada no coração e colocada em prática é a grande arma que o Pai nos deu para não nos deixarmos vencer pelas tentações do inimigo.

Você consegue identificar quais são as tentações que, na sua vida, buscam desviá-lo do seguimento de Jesus, do cumprimento da vontade do Pai?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Reconfigurar-nos à imagem do Filho

aureliano, 23.02.18

2º Domingo da Quaresma B.jpg

2º Domingo da Quaresma [25 de fevereiro de 2018]

 [Mc 9,2-10]

O finalzinho do capítulo 8 de Marcos relata as exigências do seguimento de Jesus: “Se alguém quer vir em meu seguimento, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Em seguida traz o relato da Transfiguração como a convidar o discípulo a dar uma ‘espiadinha’ no céu. É Jesus revelando sua glória a seus discípulos para que confiassem nele: é o Filho de Deus, Salvador.

No último domingo (1º da quaresma), acompanhamos Jesus, levado pelo Espírito ao deserto, sendo tentado pelo adversário do projeto salvífico e libertador do Pai. Na força do mesmo Espírito Jesus venceu o tentador. Aquele tempo de preparação para a sua missão foi árduo. Mas Jesus não se deixou abater. Venceu a tentação que queria desviá-lo da vontade do Pai.

Hoje Jesus sobe a montanha. Se no deserto ele passou pela tentação, aqui ele faz um encontro com o Pai. O Deserto é lugar da prova, da tentação: ouve-se a voz de Satanás. A Montanha é lugar do encontro com o Senhor: ouve-se a voz de Deus. Essa realidade nos remete à doutrina dos “dois caminhos” de que falava a Lei de Moisés: “Eu te proponho a vida ou a morte, a bênção ou a maldição. Escolhe, pois, a vida para que vivas” (cf. Dt 30, 15-20). E também aquela divisão interna que há dentro de nós e que fazia Paulo exclamar: “Querer o bem está ao meu alcance, não, porém, o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que eu quero, mas pratico o mal que não quero” (cf. Rm 7, 14-20).

Na montanha, Moisés e Elias se encontraram com Deus e receberam d’Ele as instruções para a sua missão. Por isso o evangelista apresenta essas duas figuras memoráveis do Primeiro Testamento. Moisés representa a Lei e a libertação do povo das mãos do Faraó. Elias representa o profetismo, pois libertou o povo da idolatria que oprimia Israel. Jesus aparece na cena como alguém superior a Moisés e Elias. As roupas brilhantes, o fato de eles estarem conversando com ele, tudo mostra Jesus como centro do relato. Isso significa que Jesus está para além dessas figuras proeminentes do passado: é o “Filho amado do Pai”.

Pedro gostou daquela amostragem do paraíso. Queria ficar por ali. “É bom ficarmos aqui. Façamos três tendas”. Representa o discípulo acomodado, que quer experimentar a Páscoa sem passar pela Sexta-feira da Paixão. Que quer fugir dos embates cotidianos, da luta cotidiana pelo Reino. Quer glória sem cruz. Não quer “descer” a montanha para a missão.

A voz do Pai identifica seu filho: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!”. É ele que veio oferecer sua vida pela salvação da humanidade. O Pai o entrega, como Abraão outrora entregou seu filho Isaac (cf. Gn 22, primeira leitura da missa de hoje). “Deus, com efeito, amou tanto o mundo que deu o seu Filho, o seu Único, para que todo homem que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). No batismo o Pai se dirige ao próprio filho: “Tu és o meu Filho bem amado” (Mc 1, 11). Aqui o Pai apresenta seu filho ao mundo: “Este é o meu Filho amado”. Aquele que fora consagrado e confirmado no batismo e no deserto, deve ser acreditado, seguido, ouvido. Por isso a insistência: “Escutai-o”. É preciso prestar atenção, ouvir com ouvido de discípulo, a cada manhã (cf. Is 50, 4-5; 55, 3).

“Olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles”. Isto é, os discípulos não têm outro mestre (nem Moisés nem Elias), a não ser Jesus: “Um só é o vosso mestre” (Mt 23, 10).

O relato da transfiguração do Senhor, na liturgia quaresmal, quer ajudar o discípulo de Jesus a firmar-se na fé n’Aquele que será contemplado sem figura de homem na cruz, reconhecendo-o como o Filho de Deus, cheio da beleza divina, por alguns momentos oculta no véu da carne, mas que será manifestada na glória do Pai.

O discípulo deve também, por sua vez, rezar sua própria transfiguração em Cristo. E trabalhar para que os rostos desfigurados pela dor e sofrimento produzidos por uma sociedade que exclui, discrimina e escraviza, que se pauta pela competição e que valoriza a pessoa pelo que tem e não pelo que é, sejam reconfigurados ao rosto do Cristo transfigurado. Na medida em que ajudamos os irmãos sofredores a minimizarem sua dor, estamos transfigurando seu rosto no Cristo ressuscitado.

O dar-se de Cristo pela salvação do mundo, mistério que celebramos em cada Eucaristia, nos move a sair do nosso egoísmo na direção de uma entrega mais generosa e gratuita, tornando mais visíveis os frutos da Eucaristia: fraternidade, simplicidade, alegria, generosidade, solidariedade, partilha, perdão.

Campanha da Fraternidade 2018: superar a violência social e familiar.

“A desigualdade gera violência. Isso não quer dizer que os excluídos reajam violentamente. Bem mais grave do que isso, o sistema econômico pautado na promoção da desigualdade produz violência, na medida em que favorece o bem-estar de uma pequena parcela enquanto nega oportunidades de desenvolvimento a milhões de pessoas. Não parece razoável esperar que haja tranqüilidade enquanto, sistematicamente, pessoas são marginalizadas. A injustiça social traz consigo a morte” (Texto-Base, n. 72).

“O Mapa da Violência registra que, no ano de 2014, diariamente, 405 mulheres demandaram atendimento médico em unidades de saúde por terem sofrido algum tipo de violência doméstica, sexual ou outras formas de agressão. A cada três vítimas de violência, duas eram mulheres. Quando se consideram as formas de violência não letal, os números são diversos, mas se mantém a mesma realidade que faz do lar um lugar preponderante para as agressões contra as mulheres” (Texto-Base, n. 86).

“Em todo o mundo, conforme revela a Organização Mundial da Saúde, aproximadamente, uma em cada seis pessoas (16%) com mais de 60 anos de idade já sofreu algum tipo de abuso. O agressor quase sempre é um familiar, notadamente filhos ou cônjuge. A obrigatoriedade da notificação dos maus tratos contra pessoas idosas é recente, mas os números vêm se avolumando a cada ano. Refletem, talvez, um maior esclarecimento” (Texto-Base, n. 91).

“Outro grupo que é vítima de violência dentro de casa é composto pelas crianças e adolescentes. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), não há dados que revelem a extensão dessa forma de violência. Muitas situações de agressão são naturalizadas e não chegam a ser nomeadas como casos de violência: são percebidas como práticas normais da educação e da convivência familiar. O abuso sexual, os ataques verbais ou físicos e a negligência constituem as formas de violência mais comuns enfrentadas por crianças e adolescentes no ambiente familiar” (Texto-Base, n. 92).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Quaresma: conversão para vencer o mal

aureliano, 16.02.18

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1º Domingo da Quaresma [18 de fevereiro de 2018]

[Mc 1,12-15]

Estamos iniciando a Quaresma. Talvez muitos de nossos jovens não saibam o que significa esse tempo litúrgico da Igreja. O termo quaresma nos remete ao número quarenta, pleno de significado na Sagrada Escritura. Encontramos Jesus que passa quarenta dias e quarenta noites no deserto preparando-se para a missão que o Pai lhe confiara. Assemelha-se a Moisés que jejuou durante quarenta dias e quarenta noites no monte Horeb (Ex 24, 18; 34, 28; Dt 9,11). Também Elias, alimentado pelo pão do céu caminhou quarenta dias e quarenta noites até o monte que o Senhor lhe indicara (1Rs 19,8). Outro elemento significativo foi a peregrinação do povo de Israel durante quarenta anos no deserto, rumo à terra prometida (Dt 2,7), alimentado e assistido pelo Senhor.

O evangelho de Marcos, mais resumido do que os outros, tem como pergunta de fundo: “Quem é Jesus?”. No início o Pai confirma: “Tu és o meu Filho bem amado” (Mc 1,11). No final, o centurião reconhece: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus” (Mc 15, 39).

Jesus deve enfrentar as forças do mal. Por isso é conduzido pelo Espírito Santo ao deserto a fim de se preparar para essa grande missão. À semelhança do povo de Israel no deserto que foi tentado muitas vezes, Jesus resume em sua pessoa essa caminhada e experiência, vencendo, pela sua fidelidade, as tentações do maligno, garantindo assim, aos que crêem na sua Palavra, a ressurreição e a vida, a Terra Prometida.

Nessa caminhada quaresmal acompanhemos Jesus na sua entrega por nós. É tempo de reafirmar a fé e o compromisso batismais. As primeiras palavras de Jesus no evangelho de Marcos nos devem acompanhar ao longo deste tempo de preparação para a Páscoa: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no evangelho” (Mc 1,15).

São João diz que “a vitória que vence o mundo é a nossa fé” (1 Jo 5,4). Esta é dom recebido no batismo. Ninguém crê no evangelho a partir de suas próprias forças, mas pelo dom de Deus recebido no batismo. Ensina Bento XVI: “Ao início do ser cristão, não está uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, dessa forma, o rumo decisivo” (Deus é Amor, n. 01).

Nesse tempo quaresmal a Igreja nos convida a rever nossa caminhada de batizados, de comprometimento com a pessoa de Jesus e com a Igreja. Convida a olhar onde estamos na caminhada cristã. Em que precisamos nos converter para vivermos uma fé de verdade: reta, sincera, comprometida. Convida-nos a verificar quais são as tentações que mais nos acometem e nas quais mais caímos. Coloca em nossas mãos os recursos que nos fortalecem contra o espírito do mal

A vida de Jesus foi marcada pelas tentações do maligno que queria fazê-lo desviar-se da vontade do Pai. Também nós somos acometidos por todo tipo de tentação que nos quer desviar do caminho de Jesus. Sozinhos não damos conta do mal. Mas com a força de Deus podemos vencê-lo. Então busquemos nesta fonte inesgotável as energias e o sustento que nos colocam em permanente estado de conversão a uma vida sempre mais parecida com a vida do Mestre Jesus.

 

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O DESERTO

“O Espírito levou Jesus para o deserto” (Mc 1,12). O deserto, na Sagrada Escritura, é um categoria teológica. Ao mesmo tempo que é um lugar de oração, de encontro e escuta de Deus, é também um lugar de provas e tentações: “Aí Jesus foi tentado por Satanás”.

É importante considerar que Jesus foi ‘levado’. Ele não foi por conta própria, por si mesmo. Também, nós cristãos, somos levados para o deserto da vida, para situações de incompreensão, de falta de fé, de desprezo da religião. Quantas vezes somos questionados a respeito da religião e da fé! Qual é mesmo o sentido de participar de uma comunidade, de realizar essa ou aquela expressão de fé? Esses embates ajudam a amadurecer nossa fé: podemos passar de uma fé infantil a uma fé adulta, responsável, comprometida.

No evangelho, Satanás é o mesmo que Adversário, Inimigo de Deus. Aquele que age sempre contra o bem e a justiça. Acompanhando o noticiário sobre a corrupção generalizada no nosso País, notamos a ação de Satanás, o Adversário, que leva o ser humano a agir egoisticamente, lesando o Estado, a comunidade, os pobres, por vezes a própria família. E sem peso de consciência! Corrupção que não está somente nos altos escalões de governos e empresas, mas que se repete, guardadas as proporções, nos pequenos espaços e negócios de família, de vizinho, de trabalho.

O deserto pode ser, pois, a escola, o ambiente de trabalho, a rua, a política, os espaços de jogos, o shopping, o roçado, até mesmo a comunidade eclesial. Enfim, aquelas realidades que podem nos aproximar de Deus bem como nos afastar dele.

O que importa é não perdermos de vista o Espírito Santo que nos leva ao deserto e que nos fortalece no combate contra o mal. Se no deserto havia os ‘animais selvagens’, ou seja, aquelas tentações que sempre ameaçam o projeto de Jesus, havia também os ‘anjos’ que o serviam, ou seja, o cuidado e carinho de Deus Criador para com aqueles que lhe são fiéis na prova.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

As tentações de Jesus são as nossas; suas armas são também as nossas

aureliano, 03.03.17

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1º Domingo da Quaresma [05 de março de 2017]

[Mt 4,1-11]

O tempo da Quaresma nos remete aos quarenta anos de travessia do deserto pelo Povo de Israel. Tempo e lugar de provação, de cansaço, de dor, de carências e privações. Lugar de encontro com Deus e com o Diabo. Lugar de fortalecer as raízes no caminho do bem.

Jesus faz também essa experiência: quarenta dias se preparando para a missão. Esse tempo representa toda a sua vida que foi tempo de prova, das tentações de um messianismo sectário, mas também de experiência do Pai a quem foi sempre fiel.

As tentações de Jesus são também as nossas. O tentador quer levá-lo a desviar-se do projeto do Pai. Primeiro sugere-lhe transformar a pedra em pão. Jesus não veio para si, mas para todos. Não veio fazer milagres; veio anunciar um Reino de partilha fundado na vivência da Palavra de Deus. Quem se alimenta da Palavra de Deus partilha, multiplica, solidariza-se. Não vive em função de si, mas do Reino do Pai.

A segunda tentação coloca Jesus no ponto mais alto do Templo sugerindo que ele se lance dali, pois os anjos o tomarão nas mãos. É a tentação da busca de prestígio pessoal, da fama, da ostentação de poder, de capricho próprio. É a tentação de deixar tudo por conta de Deus, de lançar-se na vida sem as devidas precauções, pensando que Deus deve fazer tudo por nós, sem nenhum esforço de nossa parte. Ou seja, não se pode jogar para Deus aquilo que é responsabilidade do ser humano. Essa tentação mostra explicitamente o uso da religião para busca de sucesso. Quanta gente anda atrás de promessa, de milagres, de adivinhações etc. Na verdade, cada um deveria assumir seu papel na sociedade. Como cristãos o Senhor nos chama a lançar sobre o mundo um olhar de misericórdia. Ele nos convida a deixarmos de buscar a nós mesmos, nosso bem-estar, nossos desejos realizados, nosso sucesso e voltarmos nosso olhar para fora, para o outro. O rosto do outro precisa me interpelar, me incomodar e me desacomodar. Essa foi a atitude que Jesus assumiu diante do Pai.  É diabólico organizar uma religião como um sistema de crenças e práticas para se conseguir segurança. Não se constrói um mundo mais humano refugiando-se cada um em sua religião. É preciso arriscar-se confiando em Deus, como Jesus.

A terceira e última tentação é a de servir ao projeto do diabo, abandonando o projeto de Deus em troca de poder e glória mundanos. São aquelas tentações que sofremos diante de possibilidade de ganhar mais dinheiro, de ter mais, de dominar mais, com prejuízo para muitos. É trocar o projeto do Pai pelo próprio projeto egoísta e consumista. É aquela situação que nos possibilita crescer dando prejuízo aos outros; que leva a abandonar a família, os filhos para vantagem pessoal, deixando muitos no sofrimento. É a exploração irresponsável da natureza com prejuízo para o meio ambiente: a terra geme dores de agonia. É também a troca de projetos de políticas públicas que tiram milhões da miséria, por projetos de políticas capitalistas quem entregam bens e serviços nas mãos de banqueiros, latifundiários, empresários e políticos sem consciência que só pensam em tirar proveito dos espaços de poder.

Estão aí as tentações de Jesus. Ele as venceu todas pela força da Palavra, da oração, da comunhão profunda com o Pai. E nós? Quais são os instrumentos de que lançamos mão para vencer as tentações do poder, da glória, do consumismo? Como está nossa vida de oração? Que lugar ocupa a Palavra de Deus em nossa vida? Quanto tempo tiramos por dia para fazer oração? Quanto tempo reservamos para a comunidade, para o serviço gratuito, generoso? Quando nos ocorre uma tentação, que fazemos? De que nos valemos?

Quaresma é tempo de revisão de vida, de conversão, de convergir as forças para o “único necessário” (cf. Lc 10,42). É bom que cada um de nós verifique qual pecado precisa ser excluído de sua vida a fim de curar as feridas que por vezes provocou no coração e na vida dos irmãos.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN