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aurelius

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Decisão e Seguimento

aureliano, 24.06.16

13º Domingo do Tempo Comum [26 de junho de 2016]

[Lc 9,51-62]

O evangelho de Lucas descreve Jesus numa longa caminhada para Jerusalém. Ali ele vai entregar sua vida. Ressuscitado, enviará seus discípulos para a missão até os confins da terra. Sua missão terrestre termina em Jerusalém. E a missão da Igreja (recebida de Jesus) também começa aí.

No relato do evangelho do domingo passado (Lc 9, 18-24) vimos o diálogo sobre a identidade de Jesus, a predição de sua paixão e o convite ao discipulado com a cruz. Continuando o relato, notamos que Jesus, a partir de então, não será mais apresentado como “profeta”, pois agora sabem que ele é o “Cristo de Deus”. A partir de agora surgirão as resistências e rejeições às suas ações e palavras.

Dizer que Jesus tomou a “firme decisão” (“endureceu a face”, numa tradução literal) de subir a Jerusalém, indica que ele previa que, para ser fiel ao Pai, precisava decidir por Ele, estar disposto a enfrentar a perseguição, a cruz, a morte. O prenúncio da resistência já se manifesta na rejeição que os samaritanos fazem aos seus enviados.

Se no Primeiro Testamento aparece a figura de um Deus que castiga seus opositores, aqui é clara a nova compreensão que Jesus deseja incutir em seus discípulos. Eles querem empregar a Lei do Talião: “Senhor queres que mandemos descer fogo do céu para destruí-los?”. Agora, em Jesus, é preciso “oferecer a outra face”. Não se pode pedir a destruição dos opositores num uso e abuso de poder. Na dinâmica de Jesus o poder está sempre a serviço da paz e da fraternidade.

Nestes primeiros versículos Jesus nos ensina que o cumprimento da vontade do Pai implica firmeza na decisão. As correntes contrárias são muito mais fortes do que nós. Se não firmarmos o rosto na direção de Deus, dispostos a “bofetões e cusparadas” (cf. Is 50,6), certamente vamos desanimar, ou entrar nas ondas do mal. Jesus não está interessado em mais seguidores, mas seguidores comprometidos, capazes de renunciar às falsas seguranças do dinheiro e do poder e se entregarem ao serviço do Reino de Deus.

No caminho para Jerusalém aparecem três situações que merecem ser contempladas:

  1. Alguém quer seguir a Jesus. Sua resposta é radical: “O Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. Jesus não oferece bem-estar a seus seguidores. Quem estiver em busca de segurança, de dinheiro, de reconhecimento, de fama, de sucesso não serve para segui-lo. A religião trazida por Jesus não é lugar de refúgio contra os males do mundo, mas um espaço de encontro e de intimidade com o Senhor que nos toma pela mão e nos coloca em vulnerabilidade para que “todos tenham vida” (Jo 10,10). É na fraqueza que a força se manifesta (cf. 2Cor 12,9). Todos sabemos aonde leva os apegos excessivos aos bens e às pessoas: desencontro, rixa, assassinato, guerra, ódio, divisão, pranto e lágrima.
  2. Nesta outra cena Jesus é quem chama: “Segue-me”. Mas o moço queria primeiro enterrar o pai. A resposta de Jesus é desconcertante: “Deixe que os mortos enterrem seus mortos; mas tu vai anunciar o Reino de Deus”. Jesus alerta para aquelas situações de apego à família quando esta é empecilho para o serviço ao Reino de Deus. Ninguém deve retardar ou frear o serviço de Deus. Os “mortos”, aqueles que vivem em função de si mesmos, não podem impedir o serviço à vida. Aqui há um aceno à primeira leitura: Eliseu pediu para “beijar o pai e a mãe” e depois seguir a Elias (cf. 1Rs 19,20). Jesus radicaliza: o Reino de Deus não admite adiamento, procrastinação.
  3. Nesta terceira cena, outro se oferece para segui-lo, mas com a condição de, primeiro, despedir-se dos seus familiares. A resposta de Jesus mostra que, para segui-lo, é preciso olhar para frente: “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus”. Por vezes é preciso contrariar os próprios familiares para nos mantermos fiéis ao Evangelho. Este deve ser a regra máxima de nossa vida: nos negócios, na relação com o dinheiro, na construção da família, nas relações de trabalho, nas relações de amizade, nas opções políticas. Este relato remete-nos também à primeira leitura de hoje, pois faz referência à lavra de terra com junta de bois (1Rs 19,19). Jesus vai além: não usa da violência de Eliseu que sacrificou os bois e nem permite que primeiro se despeça dos familiares. Ou seja, é preciso olhar para frente, ter audácia para seguir os passos de Jesus. É a necessidade de superação de uma religião estática, presa ao passado. Um olhar para frente, com criatividade, com esperança.

O relato do evangelho deste domingo nos faz notar que Jesus desejou constituir um grupo de discípulos. Não se preocupa em ensinar-lhes doutrina, mas torná-los seus seguidores. A profissão deles de agora em diante é a de serem anunciadores de um novo modo de vida. Por isso devem abandonar o modo de vida anterior. Ao sentir-se chamado, cada um deve tomar uma decisão firme. A primeira atitude é a profissão de fé, o reconhecimento de que Jesus é o “Cristo de Deus”. Uma vez que Jesus é reconhecido como Aquele em quem o discípulo deposita sua fé (cf. 2Tm 1,12), este deve se desprender dos bens materiais, do prazer mundano, do poder pelo poder, do apego ao dinheiro, da busca de si mesmo  para viver a liberdade dos filhos de Deus: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1.13).

Somente pela ruptura com as forças do mal: a mentira, o ódio, o preconceito, o mundanismo perverso, a sede do poder, se é capaz de gerar um seguimento comprometido, uma liberdade verdadeira, um discipulado autêntico, uma fé cristã genuína, uma Igreja fiel a Jesus.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Qual é o Jesus da minha fé: das estrelas ou do evangelho?

aureliano, 17.06.16

12º Domingo do Tempo Comum [19 de junho de 2016]

[Lc 9,18-24]

O terceiro evangelho (Lucas) narra uma grande caminhada de Jesus para Jerusalém. Em breve (13º domingo) a liturgia vai trazer o início desta caminhada. Para realizarem o discipulado seus seguidores devem reconhecer sua identidade como o Messias, Filho de Deus, e colocarem-se corajosos e confiantes em seu seguimento até à cruz.

No relato de deste domingo notamos três aspectos que compõem este texto: 1º) Após a oração, um diálogo messiânico com os discípulos. 2º) A predição da paixão. 3º) Um convite ao seguimento radical.

Em primeiro lugar notamos que, no evangelho de Lucas, Jesus sempre toma as decisões depois de um encontro profundo e amoroso com o Pai. Ao perguntar seus discípulos sobre a compreensão que tinham dele, ele o fez depois de um momento orante. Essa relação de intimidade de Jesus com o Pai nos ajuda a perceber a necessidade que temos de realizar, com frequência, esse encontro. Particularmente nos momentos decisivos de nossa história. Sem ele nossa vida cai no vazio, na falta de sentido, e no desvio do cumprimento da vontade do Pai.

Depois, notamos nesse diálogo, uma confusão na compreensão da identidade de Jesus. Nos relatos dos domingos anteriores (Lc 7,11-17; 7,36 – 8,3) vimos a busca de identificar Jesus com “o Profeta”: “Um grande profeta apareceu no meio de nós”, e ainda: “Se este homem fosse um profeta, saberia...”. Hoje o relato diz que alguns identificavam Jesus com “algum dos antigos profetas que ressuscitou”. Por aí se vê, claramente, o desejo de encontrarem aquele “Profeta” prometido (Dt 18,15).

Para nossa alegria Pedro reconhece em Jesus de Nazaré o "Cristo de Deus”. Ele é mais do que um profeta. Nele o Pai se revela, mostrando ao mundo sua bondade e ternura.

Nossa grande dificuldade é a de assumir Jesus de Nazaré como nosso Senhor. Dizer que acreditamos nele e que recorremos a ele nas necessidades é fácil. Mas será que ele é mesmo o centro de nossas celebrações, reuniões, decisões, escolhas? Nossa vida, nossas atitudes revelam o rosto de Jesus?

Em segundo lugar, lemos no evangelho a predição da paixão do Senhor. Os discípulos ainda não tinham entendido a missão de Jesus. Concebiam a Jesus como um líder político que iria livrar a Palestina das garras do poder romano. Jesus quer mostrar-lhes que será rejeitado por parte da liderança político-religiosa do Israel de então. Sua fidelidade incondicional ao Pai vai custar-lhe alto preço. Mas está disposto a enfrentar o sofrimento e a morte para resgatar a humanidade do poder do mal. Encara livremente a realidade de cruz. Há dentro de nós convicções firmes de fé a ponto de enfrentarmos os esquemas de mentira e de maldade pela defesa da verdade, da justiça, da paz? Estamos dispostos a abraçar a cruz com Jesus?

O terceiro elemento do relato de hoje está associado ao segundo: a dimensão da cruz. O discípulo de Jesus não estará isento da cruz. Não há como colocar-se no seguimento de Jesus sem disposição de deixar para trás um modo de vida egoísta, ganancioso, acomodado. Podemos até chamar a Jesus de Mestre. Mas isso não fará nenhum sentido se não nos comportarmos como discípulos seus. O discipulado cristão exige um despojamento constante e uma perseverante atitude de conversão cotidiana: “Tomar a cruz a cada dia”.

“Confessamo-lo abertamente como Deus e Senhor nosso, mas às vezes Ele não significa quase nada nas atitudes que inspiram nossa vida. Por isso, é bom ouvir sinceramente sua pergunta: ‘E vós, quem dizeis que eu sou?’ Na realidade, quem é Jesus para nós? Que lugar ele ocupa em nossa vida diária?” (Pe. Antônio Pagola, O caminho aberto por Jesus, p. 150).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN