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Salvação: Dom e Tarefa

aureliano, 19.03.22

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3º Domingo da Quaresma [20 de março de 2022]

[Lc 13,1-9]

Nossa preparação para Páscoa continua. É um caminho de conversão. No batismo fomos purificados do mal, iluminados por Cristo, ressuscitados para uma vida nova. A caminhada neste mundo nos coloca em situação de risco permanente. As tentações nos convidam ao mal, ao egoísmo, ao rompimento da aliança com Deus. Em consequência brota a necessidade de um caminho cotidiano de conversão.

TEOLOGIA DA PROSPERIDADE X SINAIS DE DEUS

O evangelho deste domingo traz dois relatos distintos: a crueldade de Pilatos assassinando galileus que, provavelmente, se opuseram à invasão e assalto do cofre do Templo por parte do Governador e a catástrofe da torre de Siloé que, ao cair, mata 18 pessoas; o outro relato é a parábola da figueira estéril. No primeiro caso temos uma situação que mexe bastante com o imaginário popular: atribuir catástrofes e acidentes a castigo divino. Está em jogo a teologia da retribuição ou prosperidade, condenada por Jesus. Sua resposta é enfática: “Pensais que eram mais pecadores do que todos os outros?”

Podemos dizer que as catástrofes naturais ou criminosas são um recado de Deus para nós. Quando a gente menos espera nossa vida pode estar terminando. É preciso, pois, vigiar. Por isso mostra-se oportuna a palavra de Jesus: “Se não vos converterdes ireis morrer todos do mesmo modo”. Jesus aproveita-se desses acontecimentos para dar um ensinamento sobre o juízo de Deus e a necessidade de permanente conversão.

As catástrofes e horrores pelos quais o Brasil e o mundo têm passado são reveladores de opções desastrosas que governos e empresários (pretensos donos do poder) têm feito. Estão na contramão da vida, do evangelho, da salvação. Uma cultura de violência e de dominação, alimentada pela sede do lucro, pela falta de sentido de vida, pelo ódio e desejo de vingança tem ceifado milhares de vidas. Onde está o evangelho em nossa Nação que se pretende cristã, católica? Pois não se vêem ações governamentais e sociais que visem ao cuidado das vidas. Os sinais de morte apontam para caminhos que precisam ser refeitos a partir do Evangelho. Surgem sinais claros de que precisamos nos converter.

Conversão: eis o conceito que a liturgia de hoje quer destacar. Todos os acontecimentos devem ser lidos à luz de Deus como um sinal indicador de um caminho sempre novo que precisamos assumir. Um retornar e renovar constantemente a aliança e a consagração batismal.

A sociedade propõe vida fácil, consumismo, preocupação com o bem-estar pessoal acima do interesse coletivo, corrupção descarada, favorecimento do banditismo, sucesso financeiro, capa religiosa e moral para encobrir falcatruas, busca de fama e sucesso etc. E as atitudes verdadeiramente cristãs vão se perdendo pela vida afora. Se o cristão quiser se firmar no caminho da salvação precisa voltar seu olhar para Jesus Cristo. Seu parâmetro de ação deve ser sempre o Evangelho.

CULTIVAR A FIGUEIRA: PACIÊNCIA E CUIDADOS

A parábola da figueira estéril provoca alguns questionamentos em nós: Para que serve uma religião sem conversão? Um culto sem mudança de atitudes? Um aparato religioso sem transformação social? Para que serve uma comunidade que vive de aparência? Para que um templo muito bonito e enfeitado, se a Igreja viva está abandonada, às traças? Que adianta rezar e pregar dentro do templo se as pessoas continuam sofrendo por falta de cuidados, de remédio, de educação, de amparo, de afeto, de presença, de segurança, de pão, da alegria de viver? São dois lados de uma mesma moeda: não se pode viver uma dimensão e esquecer-se da outra. A fé salva, mas quem salva esta fé que salva é a caridade, atos concretos, comprovados (cf. Gl 5,6). É o que chamamos de fé e vida.

Vale a pena cultivar a figueira. Ter um pouco de paciência. Mas se não se cavar e colocar adubo, ficará do mesmo jeito! Ou seja, é preciso instaurar um processo de transformação no terreno, ao redor do pé da figueira para que ela produza. É o processo que nos faz sair de nós mesmos. Quando gastamos a vida cuidando de uma pessoa pobre, ajudando a levar adiante um projeto social, visitando e cuidando de um doente, assumindo a responsabilidade familiar, vivendo e trabalhando de modo coerente, honesto e justo: esse empenho é que faz a diferença. São os frutos que o Agricultor quer encontrar. Do contrário, para que ficar ocupando a terra em vão? Que sentido tem ocupar um lugar na Criação se nossa vida não contribui para a construção de um mundo melhor? Que sentido faz ocupar um cargo de influência se o faço em benefício próprio? Para que assumir ministérios na comunidade se os assumo como cargos e funções que me dão reconhecimento social e não como serviço humilde e desinteressado aos irmãos?

É claro que a parábola nos convida à paciência! É preciso saber esperar. O tempo é de Deus. Mas não se pode deixar tudo para o final. E se não der mais tempo? O tempo de Deus é hoje. Não se pode contar com o amanhã. Não dizemos que o dia de amanhã pertence a Deus? Então! Não basta comer da “comida espiritual” nem beber da “bebida espiritual” (cf. 1Cor 10,2-3). Paulo emenda: “No entanto, a maioria deles não agradou a Deus” (1Cor 10,5). Por isso “Quem julga estar de pé tome cuidado para não cair” (1Cor 10,12).

*Campanha da Fraternidade 2022:

“Objetivo geral

A Campanha da Fraternidade de 2022 convida a promover diálogos a partir da realidade educativa do Brasil, à luz da fé cristã, propondo caminhos em favor do humanismo integral e solidário.

Objetivos Específicos 

  1. Analisar o contexto da educação na cultura atual, e seus desafios potencializados pela pandemia.
  2. Verificar o impacto das políticas públicas na educação.
  3. Identificar valores e referências da Palavra de Deus e da Tradição cristã em vista de uma educação humanizadora na perspectiva do Reino de Deus.
  4. Pensar o papel da família, da comunidade de fé e da sociedade no processo educativo, com a colaboração dos educadores e das instituições de ensino.
  5. Incentivar propostas educativas que, enraizadas no Evangelho, promovam a dignidade humana, a experiência do transcendente, a cultura do encontro e o cuidado com a casa comum.
  6. Estimular a organização do serviço pastoral junto a escolas, universidades, centros comunitários e outros espaços educativos, em especial das instituições católicas de ensino.
  7. Promover uma educação comprometida com novas formas de economia, de política e de progresso verdadeiramente a serviço da vida humana, em especial, dos mais pobres” Texto-Base, p. 19).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Oração, Jejum e Esmola para a conversão

aureliano, 28.02.22

Campanha da Fraternidade 2022.jpg

Quarta-feira de Cinzas [02 de março de 2022]

[Mt 6,1-6.16-18]

Não nos é dado saber com certeza data e local precisos do surgimento da Quaresma na vida litúrgica da Igreja. O que sabemos é que ela foi se formando progressivamente. Estava entranhada na consciência dos cristãos a necessidade de dedicar um tempo em preparação à celebração da Páscoa do Senhor. As primeiras alusões a um período pré-pascal estão registradas lá pelo século IV. Consta também que, na Quinta-Feira Santa, acontecia a reconciliação dos pecadores; e que na Vigília Pascal se realizavam os batizados dos catecúmenos (aqueles que estavam preparados para o batismo). Esses dois costumes, vividos desde a antiguidade da fé cristã, vem mostrar que esse tempo nos remete à renovação das promessas batismais ou preparação para o batismo e a práticas penitenciais que nos levem a uma conversão profunda do coração.

A propósito desse elemento da história, o Concílio Vaticano II recomenda: “Tanto na liturgia quanto na catequese litúrgica, esclareça-se melhor a dupla índole quaresmal, que, principalmente pela lembrança ou preparação do batismo e pela penitência, fazendo os fiéis ouvirem com mais frequência a Palavra de Deus e entregarem-se à oração, os dispõe à celebração do Mistério Pascal. Por isso, utilizem-se com mais abundância os elementos batismais próprios da liturgia quaresmal; segundo as circunstâncias, restaurem-se certos elementos da tradição anterior. Diga-se o mesmo dos elementos penitenciais” (SC 109).

É bom entender que a Quaresma não é um tempo de práticas penitenciais ultrapassadas, mas é um tempo de experiência de um Deus que está vivo no nosso meio e quer que todos vivam: “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). Um tempo em que somos chamados a participar dos sofrimentos de Cristo para participarmos também de sua glória (cf. Rm 8,17). O acento não está, portanto, nas práticas de penitência, mas na graça santificadora do Senhor que nos convida todos os dias à conversão.

Por possuir um caráter fundamentalmente batismal, a Quaresma nos convida a entrar numa dinâmica de permanente conversão para nos mantermos no caminho encetado pelo batismo. Mortos com Cristo, ressuscitamos com ele para uma vida nova. Quem ressuscitou com Cristo busca as “coisas do alto”. Compromete-se com a vida de todas as pessoas, particularmente com aqueles que não contam, que não são visíveis aos olhos da sociedade, os “sobrantes”.

As três práticas propostas pela Igreja, com raiz na tradição judaica são a oração, o jejum e a esmola. Elas nos ajudam no processo de conversão.

O JEJUM quer nos ajudar a deixar de lado o consumismo proposto por uma sociedade governada por ricos e poderosos que querem ganhar sempre mais à custa dos pobres. Querem arrancar o pouco que o pobre tem. Neste tempo é bom a gente aprender a viver com pouco, a reaproveitar as coisas, a levar uma vida mais simples, mais sóbria. Não se trata de passar necessidade ou fome, pois não é isso que Deus quer. Mas a gente pode viver de modo mais simples sem entrar no modismo da sociedade consumista que mata e exclui. Mais do que jejuar, talvez fosse muito proveitoso evitar o desperdício, jogar o lixo na lixeira, manter limpo os espaços públicos; cuidar das fontes e rios; usar a água tratada com mais consciência, como dom do Pai; reutilizar lixo e água; preocupar-se e solidarizar-se com quem passa necessidade; superar toda forma de violência; ser mais terno e comedido nas palavras; evitar ofender, maldizer; ser mais paciente no trânsito; tomar as dores e defender aqueles que sofrem violência; promover a paz através do diálogo, da tolerância e do respeito às diferenças; maior empenho por uma educação que leve em conta a totalidade da pessoa humana; lutar por um sistema de saúde que trabalhe preventivamente e que cuide com zelo e responsabilidade dos doentes etc. Trata-se de um ‘esvaziar-se’ para encher-se dos sentimentos de Jesus; encher-se da bondade de Deus.

A ESMOLA quer despertar-nos para a solidariedade com os mais pobres. Uma conversão que nos torne capazes de partilhar com os outros os bens e os dons que temos. Que nos mobilize pelas causas justas, em favor dos menores, dos ‘invisíveis’, sem voz nem vez. É a luta contra a ganância que faz tantas vítimas em nosso meio. A esmola nos tira de nós mesmos e nos remete em direção dos irmãos pelo gesto da partilha solidária. Não se trata apenas de darmos algo de nós, mas darmo-nos a nós mesmos. A visita a um doente, idoso, pobre é um bom gesto que ajuda no processo de conversão. É a oferta do tempo que temos para nós e que doamos a alguém.

A ORAÇÃO nos coloca numa profunda comunhão com o Pai. Sem uma vida orientada pela oração não podemos construir um mundo de acordo com o sonho de Deus. E a oração verdadeira é aquela que nos coloca em sintonia com o querer de Deus, que nos move em direção aos pobres e sofredores. Ele veio “para que todos tenham vida”. Aproveitar esse tempo para reforçar a leitura orante da bíblia. Rezar todos os dias algum texto bíblico! Oramos não porque Deus desconhece nossas necessidades, mas porque queremos nos entregar a Ele e descobrir a melhor forma de servi-lo nos irmãos. A Leitura Orante ilumina nosso caminho, nossa vida. Oramos para nos colocarmos na presença de Deus gratuitamente, generosamente. Talvez fosse bom redistribuir o tempo despendido às redes sociais: não deixar que os bate-papos e diversões da internet roubem o tempo da oração.

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A Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema: “Fraternidade e  Educação”, com o lema: “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31,26). Vejamos alguns números que nos  ajudam a perceber a importância da temática:

“A realidade da educação nos interpela e exige profunda conversão de todos. Verdadeira mudança de mentalidade, reorientação da vida, revisão das atitudes e busca de um caminho que promova o desenvolvimento pessoal integral, a formação para a vida fraterna e para a cidadania. Refletir e atuar a favor da educação é uma forma de viver a penitência quaresmal. É reconhecer que algo pode e deve mudar neste cenário e, principalmente, em nossas relações” (Texto Base, 05).

“Somos convidados a ver a realidade da educação em diversos âmbitos, iluminá-la com a Palavra de Deus, encontrando e redescobrindo meios eficazes que favoreçam processos mais adequados e criativos a fim de que ninguém seja excluído de um caminho educativo integral que humanize, promova a vida e estabeleça relações de proximidade, justiça e paz. A educação é um indispensável serviço à vida. Ela nos ajuda a crescer na vivência do amor, do cuidado e da fraternidade” (Texto-Base, 06).

“Da pandemia da Covid-19 nos cabe tirar as lições e os compromissos para o presente e o futuro. Aprender lições com a vida é imperativo para todos os educadores: pais, professores, lideranças comunitárias e religiosas. Educar, antes de dar lições, é aprender com as lições cotidianas e com as crises. Precisamos aprender para passar pelas crises e para enfrentar suas futuras versões de forma mais qualificada. Se as crises são, de certa forma, uma constante na sociedade, o aprendizado também precisa ser. Aprender não é só uma capacidade humana, mas é condição da nossa própria humanidade. ‘A tribulação, a incerteza, o medo e a consciência dos próprios limites, que a pandemia despertou, fazem ressoar o apelo a repensar os nossos estilos de vida, as nossas relações, a organização das nossas sociedades e, sobretudo, o sentido da nossa existência’” (Texto-Base, 34).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN