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Amou-nos até o fim - Amor sem medida!

aureliano, 26.03.24

quinta-feira santa C.jpg

Ceia do Senhor - Quinta-feira Santa [28 de março de 2024]

[Jo 13,1-15]

Neste primeiro dia do Tríduo Pascal celebramos a instituição da Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do Senhor, que se desdobra em dois aspectos: a instituição do Sacerdócio Ministerial e o Serviço Fraterno da Caridade.

Perpassando o evangelho de João, notamos que não há referências aos gestos rituais de Jesus sobre o pão e o vinho como o fazem os outros evangelistas. O discurso de Jesus sobre a Eucaristia está no capítulo 6° de seu evangelho.

No discurso de despedida, João salienta o gesto de Jesus ao lavar os pés de seus discípulos. Não pede que seu gesto seja reproduzido ritualmente, mas que devemos “fazer como ele fez”. Ou seja, devemos refazer em nossas relações o que Jesus fez naquele gesto simbólico: amor gratuito que torna presente o “sacramento” do amor de Cristo por todos nós. O “lava-pés” deve ser o modo de proceder, o estilo de vida da comunidade dos seguidores de Jesus: “Dei-vos o exemplo para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 15,15).

O SACRAMENTO DO AMOR

A Eucaristia, memorial do sacrifício de Jesus, é o sacramento do Corpo e Sangue de Cristo que nos é dado como alimento: “Todas as vezes, de fato, que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte do Senhor até que ele venha” (1Cor 11,26). Esta presença real-sacramental do Senhor ressuscitado no pão e no vinho se estende também, de algum modo, aos irmãos. Por isto não se pode conceber a comunhão eucarística sem referência aos irmãos. Particularmente aos mais pobres e necessitados. E Paulo alerta: “Quando, pois, vos reunis, o que fazeis não é comer a Ceia do Senhor; cada um se apressa em comer a sua própria ceia; e, enquanto um passa fome, o outro fica embriagado” (1Cor 11,20).

A Campanha da Fraternidade de 2023 propôs uma reflexão que toca diretamente a Eucaristia: Fraternidade Fome. Não se pode celebrar bem a Eucaristia se se abandona as pessoas que passam necessidade à sua própria sorte. “São João Crisóstomo, na sabedoria de quem escuta a Palavra de Deus e entende a coerência à qual ela convida, chamava a atenção: ‘Muitos cristãos saem da igreja e contemplam fileiras de pobres que formam como muralhas em ambos os lados e passam longe, sem se comover, como se vissem colunas e não corpos humanos. Apertam o passo como se vissem estátuas sem alma em lugar de homens que respiram. E, depois de tamanha desumanidade, se atrevem a levantar as mãos ao céu e pedir a Deus misericórdia e perdão pelos seus pecados’” (Texto-Base, 148).

Se a Eucaristia que celebramos não nos move a gestos eucarísticos de partilha, de respeito, de cuidados, de acolhida a cada irmão e irmã, não estamos celebrando a Memória de Jesus. A Eucaristia se efetiva em nossos gestos e atitudes de misericórdia para com nossos irmãos e irmãs. “Queres honrar o Corpo de Cristo? Então não o desprezes nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm o que vestir, nem o honres no templo com vestes de seda, enquanto o abandonas lá fora ao frio e à nudez. Aquele que disse: ‘Isto é o meu corpo’ (Mt 26,26), e o realizou ao dizê-lo, é o mesmo que disse: ‘Porque tive fome não me destes de comer’(Mt 25,42); e também: ‘Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer’ (Mt 25,45). (...) Que proveito resulta de a mesa de Cristo estar coberta de taças de outro, se ele morre de fome na pessoa dos pobres? Sacia primeiro o faminto, e depois adornarás o seu altar com o que sobrar. Fazes um cálice de outro e não dás ‘um copo de água fresca’? (Mt 10,42). (...) Por conseguinte, enquanto adornas a casa do Senhor, não deixes o teu irmão na miséria, pois ele é um templo e de todos  o mais precioso’” ( São João Crisóstomo, in Texto-Base, 149).

SACERDÓCIO MINISTERIAL

Os gestos que Jesus realiza de “levantar-se”, “tirar o manto”, “vestir o avental”, “lavar os pés” revelam como devem ser as relações na comunidade: não de poder, mas de serviço. Portanto, o sacerdócio ministerial, para ser coerente com o dom recebido, deve ter como inspiração os gestos de Jesus no ‘Lava-pés’.

Quem preside à comunidade, preside também a Eucaristia. Reúne a comunidade para a oração, para a escuta da Palavra, para o serviço aos pobres, distribui as tarefas e partilha os bens ofertados. Assim proclama o Concílio Vaticano II sobre a missão do sacerdote: “De coração, feitos modelos para o rebanho, presidam e sirvam de tal modo sua comunidade local, que esta dignamente possa ser chamada com aquele nome pelo qual só e todo o Povo de Deus é distinguido, a saber: Igreja de Deus” (LG, 28).

Neste dia, na Missa Crismal, o presbitério renova as promessas sacerdotais diante do Bispo. Uma destas promessas revela claramente a missão do padre. Ela reza assim: “Quereis ser fiéis distribuidores dos mistérios de Deus pela missão de ensinar, pela sagrada Eucaristia e demais celebrações litúrgicas, seguindo o Cristo Cabeça e Pastor, não levados pela ambição dos bens materiais, mas apenas pelo amor aos seres humanos?”

CENA SIMBÓLICA

Vamos contemplar os gestos de Jesus e sua relação com nossa vida:

- vestir o avental: revestir-se de simplicidade, de ternura, de presença, de serviço desinteressado.

- tirar o manto: arrancar tudo que impede o serviço; a prontidão, a disponibilidade.

- levantar-se da mesa: estar à mesa é muito bom. Mas há sempre uma situação que nos espera, um ambiente carente, um serviço urgente. Levantar-se da mesa e sentar-se à mesa é uma dinâmica constante em nossa vida. Movimentos de partida e de chegada.

- levantou-se da mesa: não se pode servir permanecendo no comodismo. Algo precisa ser feito. O Senhor “precisa” de mim, como precisou do jumentinho: “O Senhor precisa dele”.

- ficar de pé: é a atitude que tomamos quando ouvimos o evangelho na celebração. Significa prontidão para deslocar-se, para sair em qualquer direção. Prontidão para viver a Boa Nova do Reino de Deus. Estar à mesa é sinal de fraternidade, mas é preciso saber a hora certa de se levantar e sair para servir.

- tirou o manto: é abrir mão do poder. Algo que brota de dentro. O manto impede a liberdade dos movimentos. Ele traz a aparência de poder. Há “mantos” que prendem e amarram. O Senhor trocou o manto pelo avental. Quais são meus “mantos”? Costumo colocar o avental?

- colocou água na bacia...: Jesus não faz serviço pela metade. Não tem receio de se inclinar até o chão para lavar os pés dos seus discípulos. Não faz distinção de ninguém. Lava os pés de todos.

- depois, voltou à mesa: retomou o manto, mas não tirou o avental. Ele quer mostrar que seu discípulo deve ser sempre servidor. Não se pode tirar o avental do serviço. Qualquer posto ou cargo ou ministério que se ocupar deve estar ali, sob o manto do poder, o avental do serviço. Então deve ser poder-serviço. Todo exercício de poder sem a dimensão do serviço (avental) está fadado a oprimir, a se corromper, a sacrificar vidas.

Vê-se, pois, que a Eucaristia foi instituída para formar um só Corpo. O corpo sacramental de Cristo no pão consagrado deve transformar o comungante no Corpo eclesial. O Espírito Santo transforma o pão e o vinho no Corpo e Sangue de Cristo, para que a assembleia celebrante e comungante se transforme no Corpo do Senhor, a Igreja. Provém daí a expressão clássica: a Eucaristia faz a Igreja e a Igreja faz a Eucaristia. Isto tem consequências profundas em nossa vida. A comunhão eucarística nos compromete com os membros (do corpo) que sofrem, que passam fome, que pecam, que estão afastados, que experimentam o abandono, que padecem por causa de nossas omissões e covardias. O senhor deu-nos o exemplo para que façamos o mesmo que ele fez: amou-nos até o fim! Um amor sem medida!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Cristo se entrega livremente e por amor

aureliano, 31.03.23

Domingo de Ramos - A - 05 de abril.jpg

Domingo de Ramos [02 de abril de 2023]

[Mt 21,1-11;26,14 – 27,66]

Estamos entrando na Semana Santa! Esta Semana passou a ser celebrada com a intenção de rememorar a Paixão do Senhor. Na Idade Média ela tomou corpo e fôlego, sobretudo pela tentativa de reviver o episódio da Paixão do Senhor descrito pelos evangelistas. Esta semana era até chamada de Semana Dolorosa, pelo fato de se dramatizarem os sofrimentos de Cristo.

Parece simples, mas o conhecimento desse dado histórico é interessante porque pode nos ajudar a entender o porquê das vias sacras e outras representações da Paixão do Senhor. Ficaremos então atentos para não nos perdermos nos folclores e dramatizações, mas adentrarmos mais profundamente no Mistério profundo da entrega de Jesus, manifestação do amor do Pai, e nos atermos ao Mistério fundante de nossa fé cristã, a Ressurreição do Senhor, vitorioso sobre o pecado e a morte.

Este domingo se chama, na verdade, Domingo da Paixão nos Ramos. Jesus entra triunfante em Jerusalém para sofrer a Paixão. Portanto, celebramos dois acontecimentos: a aclamação de Jesus como o “Bendito que vem em nome do Senhor”, e a contemplação de sua Paixão. É o único domingo do ano em que a Igreja celebra a Paixão propriamente dita de Jesus, proclamando no Evangelho os relatos da Paixão.

Jesus pediu aos discípulos para buscar um jumentinho. Deviam dizer aos interrogantes: “O Senhor precisa dele”. O Senhor quer também precisar de nós. Somos os “jumentinhos” do Senhor. Nós temos nos colocado à disposição dele? Ou costumamos “empacar”, buscando nossos próprios interesses egoístas, seguir nossas idéias e não as de Cristo?

Ainda mais: as pessoas espalhavam roupas e ramos pelo caminho aclamando a Jesus. Poucos dias depois pediam sua crucifixão. E nós: estamos com Jesus somente no sucesso e na saúde? E quando passamos por tribulações, baixas, perdas, desprezos? Temos dado algo de nós para Jesus que passa diante de nós nos pobres e sofredores?

Algumas considerações:

No Crucificado vemos, não somente um inocente condenado, mas nele, nós cristãos, contemplamos todas as vítimas do preconceito, da maldade e da injustiça de todos os tempos. Na cruz com Jesus estão as vítimas da fome, as crianças abandonadas e exploradas, as mulheres vítimas de maus tratos e feminicídio, os explorados por nosso bem-estar, os quilombolas e indígenas invadidos e despejados, os esquecidos por nossa Igreja, os espoliados pela cultura da corrupção descarada e pela ganância do acúmulo, os enganados pelas mentiras e desonestidade.

Esse Deus crucificado não é o Deus controlador, que está em busca de honra e glória. Não! É o Deus paciente e humilde que respeita a liberdade de seus filhos e lhes quer sempre o bem, a felicidade e a alegria. Não é um Deus vingativo, justiceiro. Mas um Deus que manifesta sempre o perdão e a misericórdia.

Nós cristãos continuamos a celebrar o Deus crucificado porque vemos nele o Deus “louco” de amor por todos nós. Ele é a força que sustenta nossa esperança e nossa luta pela justiça e pela paz. Acreditamos que Deus não passa ao largo de nossas lágrimas, sofrimentos, lutas e fracassos. Ele está no calvário de nossa existência. A cruz erguida entre as nossas cruzes nos lembra que Deus sofre conosco.

Nesta semana a Igreja nos convida a contemplar Jesus que oferece sua vida como dom ao Pai. Ele não vai à cruz porque gosta de sofrer ou porque quer morrer. Jesus não é nenhum suicida! A paixão e sofrimento por que passa são consequências de sua fidelidade ao Pai. A contemplação de Cristo na cruz deveria nos levar a agradecer ao Pai por nos ter dado Jesus como Salvador. O Pai olha para seu Filho, vítima da maldade humana, como a olhar para todos aqueles que são injustiçados, vitimados por uma sociedade que sacrifica os que não dão lucro.

Jesus continua passando pelas nossas ruas e praças. Por vezes aplaudimos Jesus em uma celebração ou culto, depois o insultamos no rosto do desvalido! Isso é muito grave! Precisamos de um sério exame de consciência nesta Semana Santa.

Portanto, a celebração da entrada de Jesus em Jerusalém deve valorizar não tanto os ramos, mas o mistério expresso pela procissão que proclama a realeza messiânica de Cristo.

Campanha da Fraternidade: “A fome nos desafia e desinstala. É preciso agir! Não é possível ficar parados diante do grito da realidade brasileira e do mandamento de Jesus. É a dimesnsão social da fé que exige de nós engajamento na busca de soluções eficazes para o drama da fome. A realidade da fome chega ao coração do Bom Pastor e Ele mobiliza os seus discípulos missionários para uma ação pontual que resolva aquele problema, não a partir da lógica do dinheiro ou da indiferença, mas a partir da lógica de Jesus e do seu Evangelho” (Texto-Base, 157).

Relembramos que, neste Domingo de Ramos, a Igreja faz a Coleta Nacional da Solidariedade. Cada um dê de acordo com seu coração. 60% desses valores ficam no Fundo Diocesano de Solidariedade (FDS), gerido pela própria diocese; e 40% são entregues ao Fundo Nacional de Solidariedade, administrado pelo Departamento Social da CNBB. O resultado financeiro desta coleta é investido na sustentação de projetos sociais da Igreja no Brasil.

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JESUS SE ENTREGA POR NÓS

A Igreja é a comunidade pascal, nascida do “lado aberto” de Cristo, do Coração amoroso de Jesus que se entregou por nós. Ele passou da morte à vida e fundou a Igreja para que seja sempre arauto da vida nova que ele veio trazer.

A quaresma é um tempo marcadamente batismal. É um mergulho nas fontes batismais com tudo o que o batismo significa para o cristão. A espiritualidade quaresmal não se baseia somente numa postura interior e individual, mas também externa e comunitária em quatro aspectos: abominação do pecado como ofensa a Deus; consequências sociais do pecado; parte da Igreja na ação penitencial; oração pelos pecadores.

A Semana Santa, chamada também a “Grande Semana”, desenvolveu-se sobretudo a partir da historicização dos sofrimentos de Cristo em Jerusalém. Com isso entraram na prática celebrativa elementos devocionais que, de alguma forma, buscam reviver os acontecimentos da paixão descritos pelos evangelistas e pelos evangelhos apócrifos. Essas representações, por um lado permitem atentar para cada episódio da paixão do Senhor, por outro, pode prejudicar a unidade do mistério pascal. Em outras palavras: destacando os aspectos do sofrimento provocando certa emoção, pode-se afastar de seu aspecto salvífico na vitória sobre a morte com a ressurreição.

No intuito de enfatizar o aspecto salvífico da paixão do Senhor, queremos lembrar as principais celebrações desta semana, com destaque para o Tríduo Pascal, centro e cume da liturgia da Igreja.

Domingo de Ramos: Comemoração do Cristo Senhor que entra em Jerusalém para cumprir plenamente seu mistério pascal. A procissão dos ramos (memória da entrada de Jesus em Jerusalém) expressa a realeza messiânica de Cristo. É o único domingo do ano que celebra o mistério da morte do Senhor com a proclamação do relato da paixão. Jesus entra triunfalmente em Jerusalém para aí consumar sua páscoa de morte e ressurreição.

Quinta-feira Santa: É a conclusão da quaresma. Duas celebrações marcam esse dia: a missa do Crisma e a Instituição da Eucaristia (já no Tríduo Pascal). A missa do Crisma com a bênção do óleo dos enfermos, dos catecúmenos e, principalmente do sagrado crisma, é a oportunidade de reunir o presbitério em torno de seu Bispo e fazer da celebração uma festa do sacerdócio ministerial, através da renovação das promessas sacerdotais. O ministério presbiteral está intimamente ligado à eucaristia da qual o presbítero deve ser expressão.

Tríduo Pascal: Tem início com a missa da Ceia do Senhor, cujo ápice é a Vigília Pascal e cujo término se dá na tarde (Vésperas) do domingo da ressurreição.

Missa da Ceia do Senhor: É feita à noite com tom festivo. Os textos bíblicos realçam o fato de que Cristo nos deu sua páscoa no rito da ceia que exige, por parte da Igreja, o vínculo indissolúvel entre o serviço e a caridade fraterna: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). O lava-pés deve ser visto neste contexto, e não como mera representação do gesto de Jesus. No fim da celebração eucarística, as Sagradas Espécies (as partículas consagradas para a distribuição aos fiéis na Sexta-feira Santa) são conduzidas para um lugar previamente preparado. Faz-se a adoração ao Santíssimo até por volta de meia-noite. Não se trata de sepulcro para Jesus, mas de solene exposição e adoração ao Senhor vencedor da morte.

Sexta-feira Santa: Incluindo a Quinta à noite, é o primeiro dia do Tríduo. Dia de jejum como sinal sacramental da participação no sacrifício de Cristo. Também é um gesto de solidariedade com as vítimas da fome e da miséria. Não se celebra a eucaristia nesse dia. Faz-se a celebração solene da Liturgia da Palavra, à tarde, com adoração do Cristo na cruz e distribuição da comunhão.  Não é o dia de luto da Igreja, mas de amorosa contemplação da oferta de Cristo na cruz pela humanidade. Essa contemplação tem um caráter de ressurreição, uma vez que a morte de Cristo é inseparável de sua ressurreição. Por isso chamada de beata passio, santa e feliz paixão.

Sábado santo (dia): Nesse dia a Igreja se coloca em silêncio orante. Celebra o repouso de Cristo no sepulcro, depois da vitória na cruz. É a experiência da morte humana pela qual Cristo passou. É a esperança da vitória de Cristo sobre a sombra da morte: “O Filho do homem... deve... ser levado à morte e ressurgir ao terceiro dia” (Lc 9,22).

Sábado santo (noite): Celebração da “Mãe de todas as noites”, na expressão de Agostinho. A Vigília Pascal se caracteriza pelo sentido batismal que desemboca na celebração eucarística. Temos nesta noite a bênção do fogo novo e do círio com o canto do precônio (louvação) pascal, a liturgia da Palavra (nove leituras), liturgia batismal e liturgia eucarística. É a celebração da “noite iluminada”, da “noite vencida pelo dia”, demonstrando que a graça brotou da morte de Cristo. A passagem das trevas para a luz exprime a realidade do mistério da páscoa em Cristo e em nós.

Nosso desejo é que cada um, nesta semana de graça e de vida para a Igreja, se coloque naquela postura do Servo Sofredor, aberto à graça do Pai para colaborar na construção de um mundo mais de Deus: “O Senhor Deus me deu uma língua de discípulo para que eu soubesse trazer ao cansado uma palavra de conforto. De manhã ele desperta o meu ouvido para que eu ouça como os discípulos” (Is 50,4).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

U’a morte que trouxe a vida!

aureliano, 02.04.21

Solenidade de Jesus Cristo Rei - 24 de novembro -

Sexta-feira Santa [02 de abril de 2021]

[Jo 18,1 – 19,42]

Incluindo a Quinta-feira à noite, a Sexta-feira Santa é o primeiro dia do Tríduo Pascal. Dia de jejum como sinal sacramental da participação no sacrifício de Cristo. Também é um gesto de solidariedade com as vítimas da fome e da miséria. Hoje é o único dia do ano em que não se celebra a Eucaristia, absolutamente. Faz-se a celebração solene da Liturgia da Palavra, à tarde, com adoração do Cristo na Cruz e distribuição da Comunhão Eucarística.  Não é o dia de luto da Igreja, mas de amorosa contemplação da oferta de Cristo na cruz pela humanidade. Essa contemplação tem um caráter de ressurreição, uma vez que a morte de Cristo é inseparável de sua ressurreição. Por isso chamada de beata passio, santa e feliz paixão.

De algum modo a Sexta-feira Santa se prolonga no Sábado. Dia em que a Igreja se coloca em silêncio orante. Celebra o repouso de Cristo no sepulcro, depois da vitória na cruz. É a experiência da morte humana pela qual Cristo passou. É a esperança da vitória de Cristo sobre a sombra da morte: “O Filho do homem... deve... ser levado à morte e ressurgir ao terceiro dia” (Lc 9,22).

Este tempo não é de morte, mas de vida germinal; é noite que aponta à aurora; são as noites escuras da vida que desembocam na alegria da alvorada. É tempo de esperança. “A esperança não decepciona porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

O Mistério Pascal constitui o núcleo central da fé cristã. A morte e a ressurreição de Jesus de Nazaré e a consequente efusão do Espírito sobre toda a Criação trouxe vida nova para toda a humanidade. Um triunfo paradoxal: morte que trouxe vida!

A celebração litúrgica da tarde não tem ritos iniciais: começa com a oração-coleta. Os atos litúrgicos constam de quatro partes: Liturgia da Palavra, Preces Universais, Adoração de Cristo na Cruz, Distribuição da Comunhão Eucarística (Santas Reservas da missa de Quinta-feira Santa).

MEDITANDO O EVANGELHO:

Os relatos da Paixão do Senhor segundo João trazem alguns elementos significativos que gostaria de ressaltar:

“Sou eu” (Jo 18,5): Essas palavras proferidas por Jesus fizeram com que os soldados caíssem por terra. Querem mostrar a liberdade com que Jesus caminha para a morte: “Ninguém tira a minha vida porque eu a dou livremente” (Jo 10,18).

“Embainha a tua espada” (Jo 18,11): Jesus é o Príncipe da Paz. Não admite combater violência com violência. Ademais, ele veio para cumprir a vontade do Pai. Nenhuma força humana deve ser empecilho para que ele leve adiante a missão que o Pai lhe confiou. Combater a violência em nosso País por meio de ação violenta e repressão não pode ser o caminho da paz e da harmonia que todos desejam. A indústria da armamento e da guerra, a posse e o porte de arma de fogo por civis são um atentado contra o Evangelho da Paz. “Cristo é a nossa Paz. Do que era dividido ele fez uma unidade”, proclama com São Paulo a Campanha da Fraternidade desse ano. Dizer que “conhece a verdade” do Evangelho e mandar matar é uma contradição inconcebível. É uma aberração!

“Se falei bem, por que me bates?” (Jo 18,23): Este quadro da Paixão merece longa contemplação. Diante da resposta objetiva e verdadeira de Jesus ao Sumo Sacerdote, um guarda desfecha-lhe uma bofetada. A atitude de Jesus deixa sem resposta qualquer ação violenta. Uma cena que revela o altíssimo grau de serenidade de Jesus diante dos perseguidores e sua ternura para com os violentos. “Não resistais ao homem mau; antes, àquele que lhe fere a face direita oferece-lhe também a esquerda” (Mt  5,39).

“Meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36): Jesus se coloca majestosamente em sua paixão diante dos poderosos que brigam e matam pela conquista e resguardo do poder. Ele não reina pela força, pelo exército, pela violência. Ao entrar em Jerusalém montado num jumentinho e não num cavalo, quis mostrar a que veio: promover a paz na simplicidade, na humildade, no serviço. Conquista e reina nos corações daqueles que assumem em sua própria vida o que ele ensinou. Ele não domina, mas conquista, atrai.

“Não terias poder algum sobre mim se não te fosse dado do alto” (Jo 19,11): Essa resposta de Jesus a Pilatos mostra que toda autoridade e poder vêm de Deus. Ora, sendo Deus o Autor e Criador de todas as coisas, não se pode compreender nem aceitar que alguém faça uso do poder ou autoridade em benefício próprio. Todo poder deve ser exercido em vista do bem de todos. É o poder-serviço ensinado por Jesus aos seus discípulos: “Sabeis que os governadores das nações as tiranizam e os grandes as dominam. Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vós, seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo” (Mt 20,26-27). Infelizmente, as forças políticas, econômicas e, por vezes, as religiosas, caminham na contramão do Evangelho: busca do “poder e glória” (cf Lc 4,6).

“Repartiram entre si minhas roupas” (Jo 19,24): Notamos nesta passagem que Jesus não possuía nada. A única coisa que trazia consigo, sua veste, torna-se objeto de disputa. No que tange aos pobres de quem os ricaços arrancam o manto e a carne, calha bem a advertência da Escritura: “Se tomares o manto do teu próximo em penhor, tu lho restituirás antes do pôr-do-sol. Porque é com ele que se cobre, é a veste do seu corpo: em que deitaria? Se clamar a mim, eu ouvirei, porque sou compassivo” (Êx 22,25-26).

“Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19,26): Aqui, conforme a tradição da Igreja, Jesus nos dá Maria, sua mãe, por nossa Mãe. Ele nos assume como irmãos, não nos deixa órfãos. Dá-nos o que tem de mais precioso: sua Mãe. O discípulo amado, isto é, aquele que vive no amor de Deus, tem Maria por sua Mãe. Nesta cena do evangelho se consuma o que fora iniciado nas bodas de Caná: “Minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). A Hora de Jesus é a Cruz. A mulher, Maria, simboliza a comunidade salva na entrega de Jesus, o Noivo, na Cruz.

“Tenho sede” (Jo 19,28): Este clamor de Jesus na cruz nos remete ao relato de seu encontro com a samaritana no poço de Jacó (cf. Jo 4, 1-42). “Dá-me de beber” disse ele àquela mulher. Jesus tem sede de salvar, de perdoar, de se doar. E, ao mesmo tempo, ele é a água que sacia nossa sede: “Quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede” (Jo 4,14).

“Está consumado” (Jo 19,30): Foram as últimas palavras de Jesus. Ele consumou a missão que o Pai lhe confiara. Não recuou, não desistiu, não se intimidou frente às ameaças, não se deixou levar pelos encantos enganosos da fama e do poder. Com ele e por ele, Paulo pode dizer mais tarde: “Quanto a mim, já fui oferecido em libação, e chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (2Tm 4,6-7). Oxalá cada um de nós possa dizer com serenidade de consciência tais palavras como prece ao Pai na hora derradeira da vida!

“Entregou o espírito” (Jo 19,30b): Essa palavra do evangelho tem o sentido da entrega de sua vida ao Pai, mas também da entrega do Espírito Santo à Igreja, àqueles que continuam sua missão no mundo. Um Pentecostes! É no Espírito de Jesus que a Igreja deve caminhar: oferecer-se em oblação pela vida e pela paz no mundo. Podemos fazer a memória de Estêvão, protomártir da fé cristã, que também ‘entregou o espírito’: “Senhor Jesus, recebe meu espírito”. Confirmando que nele agia o mesmo Espírito que agiu em Jesus, ainda perdoa seus algozes antes de morrer: “Senhor, não lhes leves em conta este pecado” (At 7,59-60).

Hoje é dia de silêncio, de recolhimento, de contemplação. É a maior prova do amor de Jesus por nós: entregar sua vida na cruz. Com a Igreja rezamos: “Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos porque pela vossa santa cruz remistes o mundo”. E proclamamos na liturgia da tarde: “Eis o lenho da cruz do qual pendeu a salvação do mundo. Vinde adoremos!”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

U’a morte que trouxe a vida!

aureliano, 09.04.20

Sexta-feira santa - 10 de abril.jpg

Sexta-feira Santa [10 de abril de 2020]

[Jo 18,1 – 19,42]

Incluindo a Quinta-feira à noite, a Sexta-feira Santa é o primeiro dia do Tríduo Pascal. Dia de jejum como sinal sacramental da participação no sacrifício de Cristo. Também é um gesto de solidariedade com as vítimas da fome e da miséria. Hoje é o único dia do ano em que não se celebra a Eucaristia, absolutamente. Faz-se a celebração solene da Liturgia da Palavra, à tarde, com adoração do Cristo na cruz e distribuição da comunhão.  Não é o dia de luto da Igreja, mas de amorosa contemplação da oferta de Cristo na cruz pela humanidade. Essa contemplação tem um caráter de ressurreição, uma vez que a morte de Cristo é inseparável de sua ressurreição. Por isso chamada de beata passio, santa e feliz paixão.

De algum modo a Sexta-feira Santa se prolonga no Sábado. Dia em que a Igreja se coloca em silêncio orante. Celebra o repouso de Cristo no sepulcro, depois da vitória na cruz. É a experiência da morte humana pela qual Cristo passou. É a esperança da vitória de Cristo sobre a sombra da morte: “O Filho do homem... deve... ser levado à morte e ressurgir ao terceiro dia” (Lc 9,22).

Este tempo não é de morte, mas de vida germinal; é noite que aponta à aurora; são as noites escuras da vida que desembocam na alegria da alvorada. É tempo de esperança. “A esperança não decepciona porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

O Mistério Pascal constitui o núcleo central da fé cristã. A morte e a ressurreição de Jesus de Nazaré e a consequente efusão do Espírito sobre toda a Criação trouxe vida nova para toda a humanidade. Um triunfo paradoxal: morte que trouxe vida!

A celebração litúrgica da tarde não tem ritos iniciais: começa com a oração-coleta. Os atos litúrgicos constam de quatro partes: Liturgia da Palavra, Preces Universais, Adoração de Cristo na Cruz, Distribuição da Comunhão Eucarística (Santas Reservas da missa de Quinta-feira Santa).

MEDITANDO O EVANGELHO:

Os relatos da Paixão do Senhor segundo João trazem alguns elementos significativos que gostaria de ressaltar:

“Sou eu” (Jo 18,5): Essas palavras proferidas por Jesus fizeram com que os soldados caíssem por terra. Querem mostrar a liberdade com que Jesus caminha para a morte: “Ninguém tira a minha vida porque eu a dou livremente” (Jo 10,18).

“Embainha a tua espada” (Jo 18,11): Jesus é o Príncipe da Paz. Não admite combater violência com violência. Ademais, ele veio para cumprir a vontade do Pai. Nenhuma força humana deve ser empecilho para que ele leve adiante a missão que o Pai lhe confiou. Combater a violência em nosso País por meio de ação violenta e repressão não pode ser o caminho da paz e da harmonia que todos desejam. A indústria da armamento e da guerra, a posse e o porte de arma de fogo por civis são um atentado contra o Evangelho da Paz. Dizer que “conhece a verdade” do Evangelho e mandar matar é uma contradição inconcebível.

“Se falei bem, por que me bates?” (Jo 18,23): Este quadro da Paixão merece longa contemplação. Diante da resposta objetiva e verdadeira de Jesus ao Sumo Sacerdote, um guarda desfecha-lhe uma bofetada. A atitude de Jesus deixa sem resposta qualquer ação violenta. Uma cena que revela o altíssimo grau de serenidade de Jesus diante dos perseguidores e sua ternura para com os violentos. “Não resistais ao homem mau; antes, àquele que lhe fere a face direita oferece-lhe também a esquerda” (Mt  5,39).

“Meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36): Jesus se coloca majestosamente em sua paixão diante dos poderosos que brigam e matam pela conquista e resguardo do poder. Ele não reina pela força, pelo exército, pela violência. Ao entrar em Jerusalém montado num jumentinho e não num cavalo, quis mostrar a que veio: promover a paz na simplicidade, na humildade, no serviço. Conquista e reina nos corações daqueles que assumem em sua própria vida o que ele ensinou. Ele não domina, mas conquista, atrai.

“Não terias poder algum sobre mim se não te fosse dado do alto” (Jo 19,11): Essa resposta de Jesus a Pilatos mostra que toda autoridade e poder vêm de Deus. Ora, sendo Deus o Autor e Criador de todas as coisas, não se pode compreender nem aceitar que alguém faça uso do poder ou autoridade em benefício próprio. Todo poder deve ser exercido em vista do bem de todos. É o poder-serviço ensinado por Jesus aos seus discípulos: “Sabeis que os governadores das nações as tiranizam e os grandes as dominam. Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vós, seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo” (Mt 20,26-27). Infelizmente, as forças políticas, econômicas e, por vezes, as religiosas, caminham na contramão do Evangelho: busca do poder pelo poder.

“Repartiram entre si minhas roupas” (Jo 19,24): Notamos nesta passagem que Jesus não possuía nada. A única coisa que trazia consigo, sua veste, torna-se objeto de disputa. No que tange aos pobres de quem os ricaços arrancam o manto e a carne, calha bem a advertência da Escritura: “Se tomares o manto do teu próximo em penhor, tu lho restituirás antes do pôr-do-sol. Porque é com ele que se cobre, é a veste do seu corpo: em que deitaria? Se clamar a mim, eu ouvirei, porque sou compassivo” (Êx 22,25-26).

“Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19,26): Aqui, conforme a tradição da Igreja, Jesus nos dá Maria, sua mãe, por nossa Mãe. Ele nos assume como irmãos, não nos deixa órfãos. Dá-nos o que tem de mais precioso: sua Mãe. O discípulo amado, isto é, aquele que vive no amor de Deus, tem Maria por sua Mãe. Nesta cena do evangelho se consuma o que fora iniciado nas bodas de Caná: “Minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). A Hora de Jesus é a Cruz. A mulher, Maria, simboliza a comunidade salva na entrega de Jesus, o Noivo, na Cruz.

“Tenho sede” (Jo 19,28): Este clamor de Jesus na cruz nos remete ao relato de seu encontro com a samaritana no poço de Jacó (cf. Jo 4, 1-42). “Dá-me de beber” disse ele àquela mulher. Jesus tem sede de salvar, de perdoar, de se doar. E, ao mesmo tempo, ele é a água que sacia nossa sede: “Quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede” (Jo 4,14).

“Está consumado” (Jo 19,30): Foram as últimas palavras de Jesus. Ele consumou a missão que o Pai lhe confiara. Não recuou, não desistiu, não se intimidou frente às ameaças, não se deixou levar pelos encantos enganosos da fama e do poder. Com ele e por ele, Paulo pode dizer mais tarde: “Quanto a mim, já fui oferecido em libação, e chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (2Tm 4,6-7). Oxalá cada um de nós possa dizer com serenidade de consciência tais palavras como prece ao Pai na hora derradeira da vida!

“Entregou o espírito” (Jo 19,30b): Essa palavra do evangelho tem o sentido da entrega de sua vida ao Pai, mas também da entrega do Espírito Santo à Igreja, àqueles que continuam sua missão no mundo. Um Pentecostes! É no Espírito de Jesus que a Igreja deve caminhar: oferecer-se em oblação pela vida e pela paz no mundo. Podemos fazer a memória de Estêvão, protomártir da fé cristã, que também ‘entregou o espírito’: “Senhor Jesus, recebe meu espírito”. Confirmando que nele agia o mesmo Espírito que agiu em Jesus, ainda perdoa seus algozes antes de morrer: “Senhor, não lhes leves em conta este pecado” (At 7,59-60).

Hoje é dia de silêncio, de recolhimento, de contemplação. É a maior prova do amor de Jesus por nós: entregar sua vida na cruz. Com a Igreja rezamos: “Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos porque pela vossa santa cruz remistes o mundo”. E proclamamos na liturgia da tarde: “Eis o lenho da cruz do qual pendeu a salvação do mundo. Vinde adoremos!”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Está consumado”

aureliano, 30.03.18

Sexta-feira santa - 30 de março.jpg

Sexta-feira Santa [30 de março de 2018]

[Jo 18,1 – 19,42]

Incluindo a Quinta-feira à noite, a Sexta-feira Santa é o primeiro dia do Tríduo Pascal. Dia de jejum como sinal sacramental da participação no sacrifício de Cristo. Também é um gesto de solidariedade com as vítimas da fome e da miséria. Hoje é o único dia do ano em que não se celebra a Eucaristia, absolutamente. Faz-se a celebração solene da Liturgia da Palavra, à tarde, com adoração do Cristo na cruz e distribuição da comunhão.  Não é o dia de luto da Igreja, mas de amorosa contemplação da oferta de Cristo na cruz pela humanidade. Essa contemplação tem um caráter de ressurreição, uma vez que a morte de Cristo é inseparável de sua ressurreição. Por isso chamada de beata passio, santa e feliz paixão.

De algum modo a Sexta-feira Santa se prolonga no Sábado. Dia em que a Igreja se coloca em silêncio orante. Celebra o repouso de Cristo no sepulcro, depois da vitória na cruz. É a experiência da morte humana pela qual Cristo passou. É a esperança da vitória de Cristo sobre a sombra da morte: “O Filho do homem... deve... ser levado à morte e ressurgir ao terceiro dia” (Lc 9,22).

Este tempo não é de morte, mas de vida germinal; é noite que aponta à aurora; são as noites escuras da vida que desembocam na alegria da alvorada. É tempo de esperança. “A esperança não decepciona porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

O Mistério Pascal constitui o núcleo central da fé cristã. A morte e a ressurreição de Jesus de Nazaré e a consequente efusão do Espírito sobre toda a Criação trouxe vida nova para toda a humanidade. Um triunfo paradoxal: morte que trouxe vida!

A celebração litúrgica da tarde não tem ritos iniciais: começa com a oração-coleta. Os atos litúrgicos constam de quatro partes: Liturgia da Palavra, Preces Universais, Adoração de Cristo na Cruz, Distribuição da Comunhão Eucarística (Santas Reservas da missa de Quinta-feira Santa).

Meditando o evangelho:

Os relatos da Paixão do Senhor segundo João trazem alguns elementos significativos que gostaria de ressaltar:

“Sou eu” (Jo 18,5): Essas palavras proferidas por Jesus fez com que os soldados caíssem por terra. Querem mostrar a liberdade com que Jesus caminha para a morte: “Ninguém tira a minha vida porque eu a dou livremente” (Jo 10,18).

“Embainha a tua espada” (Jo 18,11): Jesus é o Príncipe da Paz. Não admite combater violência com violência. Ademais, ele veio para cumprir a vontade do Pai. Nenhuma força humana deve ser empecilho para que ele leve adiante a missão que o Pai lhe confiou. Combater a violência em nosso País por meio de ação violenta e repressão não pode ser o caminho da paz e da harmonia que todos desejam.

“Se falei bem, por que me bates?” (Jo 18,23): Este quadro da Paixão merece longa contemplação. Diante da resposta objetiva e verdadeira de Jesus ao Sumo Sacerdote, um guarda desfecha-lhe uma bofetada. A atitude de Jesus deixa sem resposta qualquer ação violenta. Uma cena que revela o altíssimo grau de serenidade de Jesus diante dos perseguidores e sua ternura para com os violentos. “Não resistais ao homem mau; antes, àquele que lhe fere a face direita oferece-lhe também a esquerda” (Mt  5,39).

“Meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36): Jesus se coloca majestosamente em sua paixão diante dos poderosos que brigam e matam pela conquista e resguardo do poder. Ele não reina pela força, pelo exército, pela violência. Ao entrar em Jerusalém montado num jumentinho e não num cavalo, quis mostrar a que veio: promover a paz na simplicidade, na humildade, no serviço. Conquista e reina nos corações daqueles que assumem em sua própria vida o que ele ensinou. Ele não domina, mas conquista, atrai.

“Não terias poder algum sobre mim se não te fosse dado do alto” (Jo 19,11): Essa resposta de Jesus a Pilatos mostra que toda autoridade e poder vêm de Deus. Ora, sendo Deus o Autor e Criador de todas as coisas, não se pode compreender nem aceitar que alguém faça uso do poder ou autoridade em benefício próprio. Todo poder deve ser exercido em vista do bem de todos. É o poder-serviço ensinado por Jesus aos seus discípulos: “Sabeis que os governadores das nações as tiranizam e os grandes as dominam. Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vós, seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo” (Mt 20,26-27). Infelizmente, as forças políticas, econômicas e, por vezes, as religiosas, caminham na contramão do Evangelho: busca do poder pelo poder.

“Repartiram entre si minhas roupas” (Jo 19,24): Notamos nesta passagem que Jesus não possuía nada. A única coisa que trazia consigo, sua veste, torna-se objeto de disputa. No que tange aos pobres de quem os ricaços arrancam o manto e a carne, calha bem a advertência da Escritura: “Se tomares o manto do teu próximo em penhor, tu lho restituirás antes do pôr-do-sol. Porque é com ele que se cobre, é a veste do seu corpo: em que deitaria? Se clamar a mim, eu ouvirei, porque sou compassivo” (Êx 22,25-26).

“Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19,26): Aqui, conforme a tradição da Igreja, Jesus nos dá Maria, sua mãe, por nossa Mãe. Ele nos assume como irmãos, não nos deixa órfãos. Dá-nos o que tem de mais precioso: sua Mãe. O discípulo amado, isto é, aquele que vive no amor de Deus, tem Maria por sua Mãe. Nesta cena do evangelho se consuma o que fora iniciado nas bodas de Caná: “Minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). A Hora de Jesus é a Cruz. A mulher, Maria, simboliza a comunidade salva na entrega de Jesus, o Noivo, na Cruz.

“Tenho sede” (Jo 19,28): Este clamor de Jesus na cruz nos remete ao relato de seu encontro com a samaritana no poço de Jacó (cf. Jo 4, 1-42). “Dá-me de beber” disse ele àquela mulher. Jesus tem sede de salvar, de perdoar, de se doar. E, ao mesmo tempo, ele é a água que sacia nossa sede: “Quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede” (Jo 4,14).

“Está consumado” (Jo 19,30a): Foram as últimas palavras de Jesus. Ele consumou a missão que o Pai lhe confiara. Não recuou, não desistiu, não se intimidou frente às ameaças, não se deixou levar pelos encantos enganosos da fama e do poder. Com ele e por ele, Paulo pode dizer mais tarde: “Quanto a mim, já fui oferecido em libação, e chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (2Tm 4,6-7). Oxalá cada um de nós possa dizer com serenidade de consciência tais palavras como prece ao Pai na hora derradeira da vida!

“Entregou o espírito” (Jo 19,30b): Essa palavra do evangelho tem o sentido da entrega de sua vida ao Pai, mas também da entrega do Espírito Santo à Igreja, àqueles que continuam sua missão no mundo. Um Pentecostes. É no Espírito de Jesus que a Igreja deve caminhar: oferecer-se em oblação pela vida e pela paz no mundo. Podemos fazer a memória de Estêvão, protomártir da fé cristã, que também ‘entregou o espírito’: “Senhor Jesus, recebe meu espírito”. Confirmando que nele agia o mesmo Espírito que agiu em Jesus, ainda perdoa seus algozes antes de morrer: “Senhor, não lhes leves em conta este pecado” (At 7,59-60).

Hoje é dia de silêncio, de recolhimento, de contemplação. É a maior prova do amor de Jesus por nós: entregar sua vida na cruz. Com a Igreja rezamos: “Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos porque pela vossa santa cruz remistes o mundo”. E proclamamos na liturgia da tarde: “Eis o lenho da cruz do qual pendeu a salvação do mundo. Vinde adoremos!”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN