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Finados: a volta para a casa do Pai

aureliano, 02.11.20

Comemoração de todos os fiéis defuntos [02 de novembro de 2020]

[Mt 11,25-30 ou Mt 25,31-46 ou Jo 6,37-40]

Para o cristão, celebrar Finados é o mesmo que celebrar a Esperança. A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte é critério para o cristão no momento decisivo de sua partida, ou na participação na morte de alguém. “O último inimigo a ser vencido é a morte” (1Cor 15, 26). O mistério da vinda do Filho de Deus a este mundo (Encarnação) e sua Morte e Ressurreição colocou um ponto final sobre a nossa morte.

“A vontade daquele que me enviou é esta: que eu não perca nada do que ele me deu, mas que o ressuscite no último dia” (Jo 6,39). Quando Jesus faz essa afirmação na sinagoga de Cafarnaum, numa belíssima palavra sobre sua vinda a esse mundo como “pão da vida”, deixa claro o desígnio do Pai a respeito do ser humano: fomos criados para a comunhão plena com Deus, participando de uma vida que não tem ocaso. A ressurreição para a vida é a meta de todo aquele que empenha suas forças em ser bom à semelhança de Jesus de Nazaré: “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Ele põe abaixo aquela ideia existencialista de que o ser humano é um “ser para a morte”.

A morte para o cristão é um mistério. Isto é, ela só pode ser compreendida à luz do que aconteceu com Jesus de Nazaré. Assim como Ele foi aprovado por Deus, assim também aquele que procura viver como ele viveu será aprovado, ressuscitado pelo Pai. Ressurreição é passagem da morte para a vida (cf. Jo 20,1-18); do pecado para a graça (cf. Cl 1,21-22). É chegar à comunhão com Deus para viver com ele eternamente (cf. Ap 21,1-7). Ressurreição é uma vida vivida em Deus, para Deus, a serviço dos pequeninos do Reino.

Finados ou o falecimento de pessoas queridas pode ser uma “pedra de toque” na nossa vida. Ajuda-nos a valorizar o que ultrapassa os limites da matéria. Lembra-nos a importância de morrermos para nós mesmos. A morte é uma realidade espiritual que confirma a definitiva e inabalável superação do homem confinado na perspectiva material.

Um texto que ajuda a despertar a esperança e a confiança são aquelas palavras de Isaías: “Por acaso uma mulher se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem, eu não me esqueceria de ti!” (Is 49,15).

Aquele que nos deu a vida e nos fez sair do aconchegante ventre materno para a luz do dia, há de nos fazer sair deste mundo, demasiadamente limitado, para a luz e a paz de Deus. “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

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EM CRISTO, A VIDA PREVALECE SOBRE A MORTE

(Jo 11,17-45)

Defunto vem do particípio latino, defunctu, de+fungor, significa falecido, aquele que cumpriu inteiramente sua função. Quando, na Igreja, esta palavra é acrescida do termo ‘fiéis’, quer dizer que há algo mais do que uma mera função cumprida. O cristão e todo aquele que busca viver os valores do Evangelho não termina sua vida na morte. Não perde simplesmente uma função ao morrer. Sua vida está “escondida com Cristo em Deus” (cf. Cl 3,1-4). Para quem busca a vida, defende a vida, dá a vida pela vida, não há morte. Deus não o abandona na “sombra da morte”. O que o Pai fez com seu Filho, fará também com todo aquele que busca viver como Cristo viveu.

A liturgia de hoje propõe vários textos para escolha da equipe de liturgia. Escolhi este relato do evangelho de João. Julguei muito interessante trabalhar esta cena do evangelho, talvez pouco explorada na liturgia.

O capítulo 11 de João é uma catequese sobre a ressurreição. No evangelho de João encontramos Jesus realizando sete sinais. O primeiro aconteceu em Caná da Galileia, na transformação da água em vinho. O sétimo é o relato da ressuscitação de Lázaro. João não fala de milagres, mas de sinais. O que Jesus realiza é para levar o discípulo a confiar nele, a reafirmar sua fé no Cristo Ressuscitado. O relato de hoje prepara o discípulo para entrar confiante e esperançoso na cena da paixão. Em outras palavras, a paixão de Jesus, sua cruz e morte não devem ser motivo de desânimo nem de desencanto para o discípulo, mas motivo de se firmar no caminho da cruz, pois esta leva à glória do Pai.

Uma afirmação central no relato de hoje, deve sempre nos acompanhar: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Esta palavra tem sentido quando se torna viva e eficaz dentro de nós. A pergunta de Jesus à Marta e sua consequente resposta coloca nossa vida cristã em constante desafio de fidelidade, sobretudo nas situações-limite da vida. “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” (Jo 11,26). Marta, aqui, simboliza o discípulo que não desiste da fidelidade e da confiança em meio às tribulações, e professa sua fé: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir ao mundo” (Jo 11,27).

Outro elemento, relacionado ao que acabamos de comentar, é o do significado de Marta e de Maria neste relato. Maria, pela atitude de ficar em casa, mergulhada na tristeza, prisioneira do círculo da morte e do pranto, representa aquele que se fecha à possibilidade da fé. Marta, no entanto, embora triste e sofrida pela morte do irmão, se abre confiante ao Senhor como Aquele que pode libertá-la da prisão da morte. Sai do mundo da morte para ser mensageira d’Aquele que é o portador da vida. Uma vez alimentada e confirmada na esperança, vai confortar e animar sua irmã que jaz no círculo da morte. É a nossa missão!

Ainda uma breve palavra a respeito de Jesus nesta cena. Vemos claramente a humanidade de Jesus: “E Jesus chorou”. Dizem que este é o menor versículo da Sagrada Escritura. Jesus era um homem que tinha sentimentos. Chorou a morte do amigo! O interessante para nós é que Jesus não se prendia aos sentimentos. Nem os reprimia. O norte da vida de Jesus era a vontade do Pai. Tinha consciência de sua missão. Sabia que devia levá-la até o fim. Ao realizar aquele sinal da revivificação de Lázaro, no contexto do diálogo com Marta e Maria e na presença de seus inimigos, sabe que sua ação terá consequências em vista do Reino de Deus.

Então não há problema em chorar e lamentar a morte de alguém. Mas é preciso ressignificá-la na fé. Marta se torna para nós inspiração de abertura, de discipulado, de adesão firme e confiante ao Senhor que se nos revela nos acontecimentos dolorosos da história.

A morte permanece para o ser humano como um mistério profundo. Ainda não se descobriu a pílula da imortalidade! Todos morreremos: ricos e pobres, sãos e doentes, novos e velhos, religiosos e descrentes. É o fim de todos. O modo como cada um encara este momento é que varia. Para o cristão, a morte segue o caminho de Jesus. Pode ser um cálice amargo que se deve beber até o fim. Porém com aquela certeza de que, se cumprirmos a vontade do Pai, ele nos acolherá de braços abertos para a vida que não tem ocaso.

Como se dará isso, certamente, não o sabemos. Mas a Igreja reza assim: “Nele (Cristo) refulge para nós a esperança da feliz ressurreição. E aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Ó Pai, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada, e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Prefácio da missa).

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Cemitério vem do grego koimetérion (dormitório, quarto de dormir), pelo latim coemeterium. O conceito ajuda a interpretar a morte como “sono eterno”. Para nós, cristãos, as pessoas que morreram em Deus, não caíram no abismo eterno, mas adormeceram no Senhor: “Felizes os mortos, os que desde agora morreram no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham” (cf. Ap 14,13). E, mais adiante: “Ele (Deus) enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais” (Ap 21,4).

Essa fundamentação semântica e bíblica da morte pode ajudar-nos a viver melhor. A redescobrir o sentido da vida. A visita ao cemitério, que normalmente se faz nesse dia, deve adquirir novo sentido. Não estamos visitando os mortos. Estamos, sim, reafirmando nossa fé na “comunhão dos santos”, rezando por aqueles que já partiram antes de nós.

A Igreja celebra Todos os Santos no dia 1º de novembro (cuja solenidade no Brasil foi transferida para o domingo seguinte) e Finados no dia 02 com o intuito de juntar essas duas realidades post-mortem à nossa de peregrinos em Cristo. Na linguagem tradicional: Igreja militante ou peregrina (os vivos em peregrinação), Igreja padecente (os que terminaram sua peregrinação) e Igreja triunfante (aqueles que já estão na Luz que não se apaga).

Mas nota-se que o povo se identifica mais com o cemitério, com a morte, com o sofrimento. Parece ser a realidade que ele conhece, experimenta. A Glória lhe é desconhecida. O importante, porém, é tentar fazer sempre o caminho da esperança, da conversão, da morte para a vida.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A esperança não decepciona: Ele vive e caminha conosco

aureliano, 20.04.19

Domingo de Páscoa - 21 de abril - C.jpg

Páscoa do Senhor [21 de abril de 2019]

[Jo 20,1-9; Lc 24,13-35]

Pedro e Madalena representam, aqui, a comunidade que ainda duvidava da ressurreição de Jesus. Estavam em busca de provas e elementos que dessem sentido à vida deles, uma vez que, aquele em quem confiavam, morrera na cruz.

Quando o evangelho menciona “o primeiro dia da semana”, remete o leitor à Criação do mundo, narrada no livro do Gênesis, para mostrar que a Ressurreição de Jesus é a Nova Criação. O fiel cristão, batizado, entra numa vida nova, na Nova Criação de Deus. O mundo velho passou. Agora, é tudo novo.

A “madrugada” lembra o alvorecer que desfaz as trevas da morte. Agora a vida brilhou no horizonte. A madrugada, embora traga em si o sinal do dia, possui também uma penumbra que impede de enxergar com clareza. É o que acontecia com Maria Madalena: “ainda estava escuro”. A comunidade ainda estava temerosa.

A “pedra removida” e o “túmulo vazio” são sinais de que algo novo aconteceu. É um sinal negativo da ressurreição. Esses sinais indicavam que Jesus não estava ali, porém não garantiam sua ressurreição.  A “pedra removida” significa que a morte foi vencida. O túmulo não é último lugar do ser humano. Este, pelo Cristo ressuscitado, vence também a morte e entra na vida que não tem fim, a vida eterna que já começa aqui, a partir da vida vivida em Deus, à semelhança de Cristo.

O “túmulo vazio” não é prova da ressurreição. A fé na ressurreição não vem da visão, mas da experiência de fé. As “aparições” de Jesus ressuscitado é que consolidam a fé dos discípulos. É o dado da fé. Uma realidade que transcende a razão. Não contradiz a razão, mas está para além da compreensão puramente racional. Por isso Santo Agostinho dirá: “Credo ut intelligam”: creio para compreender. Nós cremos pelo testemunho de fé da comunidade. A fé nos é transmitida. Cremos a partir da experiência que outros fizeram. Fazendo nós também essa experiência, transmitimo-la àqueles que a buscam. Porém, tudo é ação da Graça de Deus.

Pedro e o “outro discípulo” vão correndo ao túmulo. O “discípulo amado” chega primeiro que Pedro. Quem ama tem pressa. Ele “viu, e acreditou”. É o amor que faz reconhecer na ausência (túmulo vazio), a presença gloriosa do Cristo ressuscitado. Agora os discípulos entendem o que significa “ressuscitar dos mortos”. Agora eles vêem, não com os olhos humanos, mas com os olhos da fé. Agora estão iluminados pelo sopro do Espírito Divino que animou Jesus.

Nenhum evangelista se atreveu a narrar a ressurreição de Jesus. Não é um fato “histórico” propriamente dito, como tantos outros que acontecem no mundo e que podemos constatar e verificar, empiricamente. É um “fato real”, que aconteceu realmente. Para nós cristãos, é o fato mais importante e decisivo que já aconteceu na história da humanidade. Um acontecimento que traz sentido novo à vida humana, que fundamenta a verdadeira esperança, que traz sentido para uma das realidades mais angustiantes do ser humano: a morte. Esta não tem mais a última palavra. A pedra que fechava o túmulo foi retirada. A ressurreição é um convite, em última instância, a crer que Deus não abandona aqueles que o amaram até o fim, que tiveram a coragem de viver e de morrer por Ele.

O núcleo central da ressurreição de Jesus é o encontro que os discípulos fizeram com ele, agora cheio de vida, a transmitir-lhes o perdão e a paz. Daqui brota a missão: transmitir, comunicar aos outros essa experiência nova e fundante de suas vidas. Não se trata de transmitir uma doutrina, mas de despertar nos novos discípulos o desejo de aprender a viver a partir de Jesus e se comprometer a segui-lo fielmente. Ressuscitados com Cristo, buscamos “as coisas do alto”, temos o nosso “coração no alto”. A consagração batismal fez de nós novas criaturas. Incorporados a Cristo, enxertados n’Ele, queremos viver “por Cristo, com Cristo e em Cristo” para a glória de Deus Pai. É um modo de vida que transforma a pessoa, a comunidade e a sociedade. Transbordamento de uma alegria que não cabe dentro de nós: é comunicada aos outros. Não nos conformamos mais com injustiça, com mentira, com violência, com traição, com desrespeito, com maldade de toda sorte. Nossa vida se torna profetismo, esperança, inconformismo, saída, cuidado, encontro vivificador.

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ELE VIVE PARA ALÉM DA MORTE

O Senhor ressuscitou em verdade (cf Lc 24, 34). A Igreja celebra a ressurreição do Senhor no primeiro dia da semana, o domingo. Domingo vem de dominus, senhor. Ele dominou a morte e o pecado. Por isso é Senhor. Ele exerce o senhorio sobre nós. Não de dominação, mas de cuidado, libertação e salvação. Ele é mais forte do que o mal que nos ameaça e, por vezes, domina.

O evangelho diz que Maria Madalena foi ao túmulo “quando ainda estava escuro”. Essa escuridão simboliza as sombras (angústias) vividas pelos discípulos após a morte de Jesus. Era como se todo o sonho tivesse acabado. Não sabiam o que fazer. Estavam na escuridão.

O testemunho da ressurreição inclui dois elementos: o sepulcro vazio e a aparição do Ressuscitado. O sepulcro vazio constitui um sinal negativo. Só fala ao “discípulo que ele amava”: “Ele viu e acreditou”. Ou seja, os sinais falam quando o coração está aquecido pelo amor. É preciso ser amigo de Jesus para compreender seus sinais. Já a aparição do Ressuscitado acontece no caminho de Emaús (Lc 24), aos discípulos desejosos de ver o Senhor e auscultar sua Palavra. No gesto da partilha do pão seus olhos se abrem e eles o reconhecem. Em seguida assumem a missão: “Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém” (Lc 24, 33).

A escuridão da madrugada e o túmulo vazio nos dizem que, por vezes, ficamos confusos diante da maldade humana, diante de tantos abusos do poder, de tanta violência e morte, de tanta corrupção que desencanta e desestimula o poder do voto ou na participação e empenho em políticas públicas, diante do sofrimento sem fim dos refugiados de guerras civis; e somos levados a perguntar: “Deus, onde estás?”. Mas a experiência de fé nos diz que na morte (‘túmulo vazio’, ‘noite’) há sinais de vida; na escuridão há lampejos de luz. Para isso é preciso ser “amigo de Jesus” (discípulo amado), ou seja, ser próximo dele, conviver com ele, reclinar-se sobre seu peito (cf. Jo 13,25).

Esse tempo pascal nos convida a assumir a vida nova que Jesus Ressuscitado veio nos trazer sendo uma presença de luz, de testemunho vivo contra toda maldade junto àqueles que o Pai colocou no nosso caminho.

Ressurreição é luta contra o tráfico de seres humanos, contra as injustiças sociais, contra a prostituição e abuso de crianças e adolescentes. É dizer não ao desrespeito aos povos indígenas, ao racismo e preconceito de todo tipo, ao mundo das drogas, à indiferença ecológica, ao machismo. Ressurreição é se contrapor, ainda que à semelhança de alguém que ‘clama no deserto’, a esse mar de corrupção e mentiras, ganância e deslealdade que pervadem nossa sociedade brasileira; é dizer não aos desmandos de quem se julga no direito de retirar o pão da mesa dos trabalhadores pobres, das mulheres sofridas, das crianças sem amparo, negando-lhes o salário mínimo da Previdência Social ou do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Páscoa é libertação de tudo o que oprime, maltrata e fere.

Ressurreição é ser testemunha da esperança numa sociedade materialista, violenta e desumana, onde o túmulo está vazio e as sombras da morte parecem prevalecer. Páscoa é continuar afirmando com a vida: “Ele vive e está no meio de nós!”. O mal pode insistir em dominar, mas a esperança insistirá em prevalecer. E prevalecerá! “Ó morte, onde está tua vitória? Onde está teu aguilhão?” (1Cor 15,55).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Finados: a volta para a casa do Pai

aureliano, 01.11.18

Finados.jpg

Comemoração de todos os fiéis defuntos [02 de novembro de 2018]

[Mt 25,31-46 ou Jo 6,37-40]

Para o cristão, celebrar Finados é o mesmo que celebrar a Esperança. A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte é critério para o cristão no momento decisivo de sua partida, ou na participação na morte de alguém. “O último inimigo a ser vencido é a morte” (1Cor 15, 26). O mistério da vinda do Filho de Deus a este mundo (Encarnação) e sua Morte e Ressurreição colocou um ponto final sobre a nossa morte.

“A vontade daquele que me enviou é esta: que eu não perca nada do que ele me deu, mas que o ressuscite no último dia” (Jo 6,39). Quando Jesus faz essa afirmação na sinagoga de Cafarnaum, numa belíssima palavra sobre sua vinda a esse mundo como “pão da vida”, deixa claro o desígnio do Pai a respeito do ser humano: fomos criados para a comunhão plena com Deus, participando de uma vida que não tem ocaso. A ressurreição para a vida é a meta de todo aquele que empenha suas forças em ser bom à semelhança de Jesus de Nazaré: “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Ele põe abaixo aquela ideia existencialista de que o ser humano é um “ser para a morte”.

A morte para o cristão é um mistério. Isto é, ela só pode ser compreendida à luz do que aconteceu com Jesus de Nazaré. Assim como Ele foi aprovado por Deus, assim também aquele que procura viver como ele viveu será aprovado, ressuscitado pelo Pai. Ressurreição é passagem da morte para a vida (cf. Jo 20,1-18); do pecado para a graça (cf. Cl 1,21-22). É chegar à comunhão com Deus para viver com ele eternamente (cf. Ap 21,1-7). Ressurreição é uma vida vivida em Deus, para Deus, a serviço dos pequeninos do Reino.

Finados ou o falecimento de pessoas queridas pode ser uma “pedra de toque” na nossa vida. Ajuda-nos a valorizar o que ultrapassa os limites da matéria. Lembra-nos a importância de morrermos para nós mesmos. A morte é uma realidade espiritual que confirma a definitiva e inabalável superação do homem confinado na perspectiva material.

Um texto que ajuda a despertar a esperança e a confiança são aquelas palavras de Isaías: “Por acaso uma mulher se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem, eu não me esqueceria de ti!” (Is 49,15).

Aquele que nos deu a vida e nos fez sair do aconchegante ventre materno para a luz do dia, há de nos fazer sair deste mundo, demasiadamente limitado, para a luz e a paz de Deus. “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

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EM CRISTO, A VIDA PREVALECE SOBRE A MORTE

(Jo 11,17-45)

Defunto vem do particípio latino, defunctu, de+fungor, significa falecido, aquele que cumpriu inteiramente sua função. Quando, na Igreja, esta palavra é acrescida do termo ‘fiéis’, quer dizer que há algo mais do que uma mera função cumprida. O cristão e todo aquele que busca viver os valores do Evangelho não termina sua vida na morte. Não perde simplesmente uma função ao morrer. Sua vida está “escondida com Cristo em Deus” (cf. Cl 3,1-4). Para quem busca a vida, defende a vida, dá a vida pela vida, não há morte. Deus não o abandona na “sombra da morte”. O que o Pai fez com seu Filho, fará também com todo aquele que busca viver como Cristo viveu.

A liturgia de hoje propõe vários textos para escolha da equipe de liturgia. Escolhi este relato do evangelho de João. Julguei muito interessante trabalhar esta cena do evangelho, talvez pouco explorada na liturgia.

O capítulo 11 de João é uma catequese sobre a ressurreição. No evangelho de João encontramos Jesus realizando sete sinais. O primeiro aconteceu em Caná da Galileia, na transformação da água em vinho. O sétimo é o relato da ressuscitação de Lázaro. João não fala de milagres, mas de sinais. O que Jesus realiza é para levar o discípulo a confiar nele, a reafirmar sua fé no Cristo Ressuscitado. O relato de hoje prepara o discípulo para entrar confiante e esperançoso na cena da paixão. Em outras palavras, a paixão de Jesus, sua cruz e morte não devem ser motivo de desânimo nem de desencanto para o discípulo, mas motivo de se firmar no caminho da cruz, pois esta leva à glória do Pai.

Uma afirmação central no relato de hoje, deve sempre nos acompanhar: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Esta palavra tem sentido quando se torna viva e eficaz dentro de nós. A pergunta de Jesus à Marta e sua consequente resposta coloca nossa vida cristã em constante desafio de fidelidade, sobretudo nas situações-limite da vida. “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” (Jo 11,26). Marta, aqui, simboliza o discípulo que não desiste da fidelidade e da confiança em meio às tribulações, e professa sua fé: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir ao mundo” (Jo 11,27).

Outro elemento, relacionado ao que acabamos de comentar, é o do significado de Marta e de Maria neste relato. Maria, pela atitude de ficar em casa, mergulhada na tristeza, prisioneira do círculo da morte e do pranto, representa aquele que se fecha à possibilidade da fé. Marta, no entanto, embora triste e sofrida pela morte do irmão, se abre confiante ao Senhor como Aquele que pode libertá-la da prisão da morte. Sai do mundo da morte para ser mensageira d’Aquele que é o portador da vida. Uma vez alimentada e confirmada na esperança, vai confortar e animar sua irmã que jaz no círculo da morte. É a nossa missão!

Ainda uma breve palavra a respeito de Jesus nesta cena. Vemos claramente a humanidade de Jesus: “E Jesus chorou”. Dizem que este é o menor versículo da Sagrada Escritura. Jesus era um homem que tinha sentimentos. Chorou a morte do amigo! O interessante para nós é que Jesus não se prendia aos sentimentos. Nem os reprimia. O norte da vida de Jesus era a vontade do Pai. Tinha consciência de sua missão. Sabia que devia levá-la até o fim. Ao realizar aquele sinal da revivificação de Lázaro, no contexto do diálogo com Marta e Maria e na presença de seus inimigos, sabe que sua ação terá consequências em vista do Reino de Deus.

Então não há problema em chorar e lamentar a morte de alguém. Mas é preciso ressignificá-la na fé. Marta se torna para nós inspiração de abertura, de discipulado, de adesão firme e confiante ao Senhor que se nos revela nos acontecimentos dolorosos da história.

A morte permanece para o ser humano como um mistério profundo. Ainda não se descobriu a pílula da imortalidade! Todos morreremos: ricos e pobres, sãos e doentes, novos e velhos, religiosos e descrentes. É o fim de todos. O modo como cada um encara este momento é que varia. Para o cristão, a morte segue o caminho de Jesus. Pode ser um cálice amargo que se deve beber até o fim. Porém com aquela certeza de que, se cumprirmos a vontade do Pai, ele nos acolherá de braços abertos para a vida que não tem ocaso.

Como se dará isso, certamente, não o sabemos. Mas a Igreja reza assim: “Nele (Cristo) refulge para nós a esperança da feliz ressurreição. E aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Ó Pai, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada, e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Prefácio da missa).

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Cemitério vem do grego koimetérion (dormitório, quarto de dormir), pelo latim coemeterium. O conceito ajuda a interpretar a morte como “sono eterno”. Para nós, cristãos, as pessoas que morreram em Deus, não caíram no abismo eterno, mas adormeceram no Senhor: “Felizes os mortos, os que desde agora morreram no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham” (cf. Ap 14,13). E, mais adiante: “Ele (Deus) enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais” (Ap 21,4).

Essa fundamentação semântica e bíblica da morte pode ajudar-nos a viver melhor. A redescobrir o sentido da vida. A visita ao cemitério, que normalmente se faz nesse dia, deve adquirir novo sentido. Não estamos visitando os mortos. Estamos, sim, reafirmando nossa fé na “comunhão dos santos”, rezando por aqueles que já partiram antes de nós.

A Igreja celebra Todos os Santos no dia 1º de novembro (cuja solenidade no Brasil foi transferida para o domingo seguinte) e Finados no dia 02 com o intuito de juntar essas duas realidades post-mortem à nossa de peregrinos em Cristo. Na linguagem tradicional: Igreja militante ou peregrina (os vivos em peregrinação), Igreja padecente (os que terminaram sua peregrinação) e Igreja triunfante (aqueles que já estão na Luz que não se apaga).

Mas nota-se que o povo se identifica mais com o cemitério, com a morte, com o sofrimento. Parece ser a realidade que ele conhece, experimenta. A Glória lhe é desconhecida. O importante, porém, é tentar fazer sempre o caminho da esperança, da conversão, da morte para a vida.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A vigilância cristã

aureliano, 10.11.17

vigilância.jpg

32º Domingo do Tempo Comum [12 de novembro de 2017]

[Mt 25,1-13]

Os capítulos 24 e 25 de Mateus estão inseridos no Discurso Escatológico de Jesus. Eles precedem imediatamente os relatos da Paixão do Senhor. Escatologia refere-se às realidades últimas, ao fim, às coisas pelas quais o ser humano deve passar no final de sua vida, às realidades que nos ultrapassam e nos inserem no Mistério de Deus.

O tema da vigilância cristã é recorrente nos escritos do Novo Testamento. Jesus convida à constante vigilância diante do fim iminente: “Aquele dia virá como um ladrão” (cf. Mt 24,42-44). Paulo se refere a ela diversas vezes: “Não durmamos, a exemplo dos outros, mas vigiemos e sejamos sóbrios” (1Ts 5,6). Parece que o desejo de Deus é que o cristão viva em estado permanente de atalaia. Pois a qualquer momento pode ser chamado para o “encontro com o Senhor”. As primeiras comunidades cristãs esperavam a vinda do Senhor como iminente. Alguns até começaram a parar de trabalhar; mas receberam a reprimenda de Paulo: “Quem não quer trabalhar também não há de comer” (2Ts 3,10).

O capitulo 25 de Mateus traz três relatos que sugerem o fim, a vigilância diante da vinda inesperada do Senhor. O relato de hoje, intitulado “Parábola das dez virgens”, nos remete ao rito das festas de casamentos na tradição judaica. Trata-se de prover o azeite suficiente para manter a lâmpada acesa a noite toda. Que isso significa?

O óleo pode ser uma alegoria para falar do fervor espiritual, do serviço generoso ao próximo, da prática das Obras de Misericórdia: (corporais) dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, dar pousada os peregrinos, assistir os enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos; (espirituais) dar bom conselho, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os aflitos, perdoar as injúrias, sofrer com paciência as fraquezas do próximo, rogar a Deus pelos vivos e defuntos.

A parábola nos convida à adesão irrestrita ao Senhor enquanto peregrinamos neste mundo. Há necessidade de um esforço cotidiano de fidelidade, de vivência do evangelho, de seguimento a Jesus.

A sensatez ou insensatez, a prudência e a tolice são realidades que estão próximas de nós. É insensatez, é tolice ir à igreja, ouvir a Palavra, fazer oração, mas viver de tal maneira que essa realidade celebrada, cultuada não me diz nada, não me move à conversão. Prudente e sensato é aquele que ouve a Palavra de Deus e procura colocá-la em sua vida: sendo mais proativo no trabalho, procurando ganhar o seu dinheiro com honestidade, sendo verdadeiro e zeloso com a família e nos negócios, perdoando e compreendendo as fraquezas alheias etc. Isso é esperar pelo Senhor com a lâmpada acesa, com provisão de óleo.

Note-se ainda que Jesus não faz juízo de valor, ou seja, ele não afirma ser pecado o fato de as virgens insensatas não se proverem de óleo suficiente. Ele fala de tolice, de imprudência, de insensatez. Interpretando a provisão de óleo como esperança, Jesus quer dizer que não ter óleo é não ter esperança. E isso é uma loucura, uma insensatez. Não é possível viver sem esperança. É a esperança que nos acalenta e sustenta nos embates e contradições da vida.

Não foi por causa de um cochilo que as “virgens insensatas” ficaram excluídas da festa. De jeito nenhum. Pois as prudentes também cochilaram. Mas ouviram aquele terrível “não vos conheço” por viverem distraídas, descomprometidas, despreocupadas com a “vinda do noivo”. O que está em jogo é a vigilância que faz com que se proveja o óleo. Por isso, insisto: não basta um mero “assistir ao culto”, cantar um hino religioso, acender uma vela, rezar um salmo, andar com a bíblia debaixo do braço ou tê-la sobre nossa mesa. É preciso de uma vida comprometida com a causa que Jesus defendia. A vida de Jesus deve ser o horizonte permanente no qual precisamos nos mirar.

Ainda um elemento desse relato que pode, a princípio, causar certa estranheza é o fato de as virgens prudentes não terem repartido o óleo com as insensatas. A gente não é instado pelo evangelho a repartir o que temos com quem não tem? – Confrontando este texto com outros da Sagrada Escritura, podemos notar que a Graça de Deus que esse óleo significa, ou mesmo as obras de caridade, são dons de Deus em caráter pessoal. Não nos pertencem. O Senhor distribui a cada um seus dons e graças. E cada pessoa, por sua vez, deve dar uma resposta livre, consciente, pessoal e generosa. Em outras palavras, não posso repartir aquilo que não é meu, não é minha propriedade. Em última instância, cada um é responsável em responder sim ou não ao amor de Deus. Viver vigilante deve ser decisão de cada um.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O Senhor é minha rocha, minha esperança!

aureliano, 24.02.17

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8º Domingo do Tempo Comum [26 de fevereiro de 2017]

[Mt 6,24-34]

No início do capítulo sexto de seu evangelho, Mateus apresenta Jesus denunciando a hipocrisia nas práticas de piedade – O Papa Francisco chama a isto de vida dupla: “Mas o que é o escândalo? O escândalo é dizer uma coisa e fazer outra; é ter vida dupla. Vida dupla em tudo: sou muito católico, vou sempre à missa, pertenço a esta e aquela associação; mas a minha vida não é cristã. Não pago o que é justo aos meus funcionários, exploro as pessoas, faço jogo sujo nos negócios, reciclo dinheiro, vida dupla. Muitos católicos são assim. Eles escandalizam”. (Homilia em 23/02/2017).

Depois da orientação a respeito da piedade verdadeira, sem hipocrisia (jejum, oração e esmola), Jesus começa a mostrar que o discípulo deve ter uma relação de confiança em Deus e não nos bens terrenos.

A sentença “Ninguém pode servir a Deus e ao dinheiro” já nos é bastante familiar devido à Campanha da Fraternidade de 2010. Talvez nos falte ainda colocar no coração o que essa proposta de Jesus significa. O evangelho da liturgia deste final de semana nos ajudará a internalizar mais esse ensinamento de Jesus.

O termo original para expressar “dinheiro” é Mamon que significa “entrega”, “aquilo no qual deposito minha confiança”, “alicerce de alguma coisa”. Uma imagem que pode ajudar a entender é de alguém que está se afogando e se agarra em alguma corda ou tábua. Ele não solta por nada esse objeto, mesmo quando alguém lhe pede que solte, pois é o que lhe dá segurança naquela situação. Quando Jesus diz que não se deve servir a Deus e ao dinheiro, está dizendo que as consequências deste serviço são bem diferentes. Enquanto o mamon escraviza, domina, suga todas as forças da pessoa, leva a explorar e matar outras vidas pelo seu aumento e sustento, Deus estabelece com o seu servo uma relação de libertação, de mais vida, de horizontes novos, de realização alegre, de harmonia na vida e com as pessoas, de liberdade. É uma relação na confiança, na entrega, na coragem de soltar a “corda da salvação” (bens materiais) para uma relação de partilha, de doação ao modo de Jesus.

Entendendo o “não vos preocupeis” de Jesus: Na verdade Jesus não nos quer preguiçosos, em busca de “sombra e água fresca”, como se diz popularmente. Jesus quer que sejamos pré-ocupados, ou seja, que coloquemos Deus antes de nossas ocupações. Em outras palavras, precisamos estar ocupados: “quem não quer trabalhar, não pode comer”; porém o Senhor deve ter precedência em todas as nossas ações. Há uma oração-coleta na liturgia da Igreja que reza assim: Inspirai, ó Deus as nossas ações e ajudai-nos a realizá-las, para que em vós comece e para vós termine tudo aquilo que fizermos. (5ª feira após as cinzas).  A fidelidade de Deus deve ser parâmetro de nossa fidelidade, nossa verdade. Nesse sentido devemos pré-ocupar-nos com nossa vida.

Confiança em Deus no sofrimento. Não há pessoa que passe a vida toda sem sofrer nenhuma derrota ou fracasso. A vida é feita de vitórias e derrotas, de sucessos e fracassos. A grande dificuldade é lidar com os fracassos da vida. Muitos querem que Deus resolva seus problemas, ou não os deixe cair no fracasso. Porém, muitas vezes Deus entra na nossa história pelo sofrimento. É preciso dar lugar ao mistério de Deus na nossa vida. Nem tudo tem explicação. É verdade que muitos sofrimentos poderiam ser evitados. Quando o evangelho é vivido por todos os membros da família; quando os valores do evangelho estão presentes na comunidade, no coração dos responsáveis pelas políticas e pelos bens públicos e privados, muitos sofrimentos podem ser amenizados ou mesmo erradicados. Porém há situações em que precisamos nos jogar no Mistério de Deus e nos lançarmos nos braços providentes do Pai para que nele encontremos o conforto e a esperança que superam toda dor. É bom guardar no coração estas consoladoras palavras: “Ainda que as mães se esquecessem de seus filhos, eu não me esqueceria de ti” (Is 49, 15).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Finados: a volta para a casa do Pai

aureliano, 01.11.16

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Comemoração de todos os fiéis defuntos [02 de novembro de 2016]

[Jo 6,37-40]

Para o cristão, celebrar finados é o mesmo que celebrar a esperança. A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte é critério para o cristão no momento decisivo de sua partida, ou na participação na morte de alguém. “O último inimigo a ser vencido é a morte” (1Cor 15, 26). A vinda do Filho de Deus a este mundo e sua morte e ressurreição colocou para nós o ponto final sobre a morte.

A morte para o cristão é um mistério. Isto é, ela só pode ser compreendida à luz do que aconteceu com Jesus de Nazaré. Assim como Ele foi aprovado por Deus, assim também aquele que procura viver como ele viveu será aprovado, ressuscitado pelo Pai. Ressurreição é passagem da morte para a vida (cf. Jo 20,1-18); do pecado para a graça (cf. Cl 1,21-22). É chegar à comunhão com Deus para viver com ele eternamente (cf. Ap 21,1-7).

Finados ou o falecimento de pessoas queridas pode ser uma pedra de toque na nossa vida. Ajuda-nos a valorizar o que ultrapassa os limites da matéria. Lembra-nos a importância de morrermos para nós mesmos. A morte é uma realidade espiritual que confirma a definitiva e inabalável superação do homem confinado na perspectiva material.

Um texto que ajuda a despertar a esperança e a confiança são aquelas palavras de Isaías: “Por acaso uma mulher se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem, eu não me esqueceria de ti!” (Is 49,15).

Aquele que nos deu a vida e nos fez sair do aconchegante ventre materno para a luz do dia, há de nos fazer sair deste mundo, demasiadamente limitado, para a luz e a paz de Deus. “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

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Jo 11,17-45

EM CRISTO, A VIDA PREVALECE SOBRE A MORTE

Defunto vem do particípio latino, defunctu, de+fungor, significa falecido, aquele que cumpriu inteiramente sua função. Quando, na Igreja, esta palavra se acresce do termo fiéis, quer dizer que há algo mais do que uma mera função cumprida. O cristão e todo aquele que busca viver os valores do Evangelho não termina sua vida na morte. Não perde simplesmente uma função ao morrer. Sua vida está “escondida com Cristo em Deus”, (cf. Cl 3,1-4). Para quem busca a vida, defende a vida, dá a vida pela vida, não há morte. Deus não o abandona na “sombra da morte”. O que o Pai fez com seu Filho, fará também com todo aquele que busca viver como Cristo viveu.

A liturgia de hoje propõe vários textos para escolha da equipe de liturgia. Escolhi este relato do evangelho de João. Julguei muito interessante trabalhar esta cena do evangelho, talvez pouco explorada na liturgia.

O capítulo 11 de João é uma catequese sobre a ressurreição. No evangelho de João encontramos Jesus realizando sete sinais. O primeiro aconteceu em Caná da Galileia, na transformação da água em vinho. O sétimo é o relato da ressuscitação de Lázaro. Vejam que João não fala de milagres, mas de sinais. O que Jesus realiza é para levar o discípulo a confiar nele, a reafirmar sua fé no Cristo Ressuscitado. O relato de hoje prepara o discípulo para entrar confiante e esperançoso na cena da paixão. Em outras palavras, a paixão de Jesus, sua cruz e morte não devem ser motivo de desânimo nem de desencanto para o discípulo, mas motivo de se firmar no caminho da cruz, pois esta leva à glória do Pai.

Uma afirmação central no relato de hoje, deve sempre nos acompanhar: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Esta palavra tem sentido quando se torna viva e eficaz dentro de nós. A pergunta de Jesus à Marta e sua consequente resposta coloca nossa vida cristã em constante desafio de fidelidade, sobretudo nas situações-limite da vida. “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” (Jo 11,26). Marta aqui, simbolizando o discípulo fiel, que não desiste da fidelidade e da confiança em meio às tribulações, professa sua fé: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir ao mundo” (Jo 11,27).

Outro elemento, relacionado ao que acabamos de comentar, é o do significado de Marta e de Maria neste relato. Maria, pela atitude de ficar em casa, mergulhada na tristeza, prisioneira do círculo da morte e do pranto, representa aquele que se fecha à possibilidade da fé. Marta, no entanto, embora triste e sofrida pela morte do irmão, se abre confiante ao Senhor como Aquele que pode libertá-la da prisão da morte. Sai do mundo da morte para ser mensageira d’Aquele que é o portador da vida. Uma vez alimentada e confirmada na esperança, vai confortar e animar sua irmã que jaz no círculo da morte. É a nossa missão!

Ainda uma breve palavra a respeito de Jesus nesta cena. Vemos claramente a humanidade de Jesus: “E Jesus chorou”. Dizem que este é o menor versículo da Sagrada Escritura. Jesus era um homem que tinha sentimentos. Chorou a morte do amigo! O interessante para nós é que Jesus não se prendia aos sentimentos. Nem os reprimia. O norte da vida de Jesus era a vontade do Pai. Tinha consciência de sua missão. Sabia que devia levá-la até o fim. Ao realizar aquele sinal da revivificação de Lázaro, no contexto do diálogo com Marta e Maria e na presença de seus inimigos, sabe que sua ação terá consequências em vista do Reino de Deus.

Então não há problema em se chorar e lamentar a morte de alguém. Mas é preciso ressignificá-la na fé. Marta se torna pra nós inspiração de abertura, de discipulado, de adesão firme e confiante ao Senhor que se nos revela nos acontecimentos dolorosos da história.

A morte permanece para o ser humano como um mistério profundo. Ainda não se descobriu a pílula da imortalidade! Todos morreremos: ricos e pobres, sãos e doentes, novos e velhos, religiosos e descrentes. É o fim de todos. O modo como cada um encara este momento é que varia. Para o cristão, a morte segue o caminho de Jesus. Pode ser um cálice amargo que se deve beber até o fim. Porém com aquela certeza de que, se cumprirmos a vontade do Pai, ele nos acolherá de braços abertos para a vida que não tem ocaso.

Como se dará isso, certamente, não o sabemos. Mas a Igreja reza assim: “Nele (Cristo) refulge para nós a esperança da feliz ressurreição. E aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Ó Pai, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada, e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Prefácio da missa).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Não chores!”

aureliano, 03.06.16

10º Domingo do Tempo Comum [05 de junho de 2016]

[Lc 7,11-17]

No relato do último domingo vimos alguém ir ao encontro de Jesus para lhe pedir a cura (Lc 7,1-10). Hoje vemos Jesus indo ao encontro da mãe viúva que leva seu filho único para o cemitério. Posturas diferentes de Jesus que revelam seu olhar misericordioso. Deixa-se sempre tocar pelo sofrimento humano.

Se o relato do evangelho do domingo passado quis mostrar que Jesus veio trazer a salvação para todos, o relato de hoje quer confirmar essa presença de Deus no meio do povo na pessoa de Jesus de Nazaré: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus visitou o seu povo” (Lc 7,16).

Esse texto precisa ser relacionado com a primeira leitura de hoje: 1Rs 17,17-24. Aí se conta que Elias, hospedado na casa da viúva de Sarepta, devolve à mãe o filho com vida: “Eis aqui o teu filho vivo”. A mulher exclama admirada e agradecida: “Agora vejo que és um homem de Deus, e que a palavra do Senhor é verdadeira em tua boca” (1Rs 17,24). A diferença entre esse fato e o de Jesus é que aqui Elias é reconhecido como um “homem de Deus”; e Jesus é reconhecido como “Senhor”. Acrescente-se ainda que, se Elias precisou de se inclinar três vezes sobre o corpo do menino, a Jesus bastou uma palavra: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te”. Remete-nos à Criação: “Deus disse: faça-se” (cf. Gn 1,3ss.). A Palavra criadora de Deus “se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).

Jesus é o “Profeta” esperado por Israel (Dt 18,15). Mais do que o Profeta, é o Filho de Deus, Deus mesmo visitando e libertando seu povo (cf. Lc 7,16; 1,68).

O evangelho fala de duas “multidões”. Enquanto uma formava um cortejo fúnebre, acompanhando a viúva desatinada, a outra acompanhava Jesus, o “Senhor” da vida. Enquanto uma multidão era tomada pelo pranto, pela dor, pelo desalento, a outra vislumbrava caminhos de esperança, de novos horizontes, de vida nova.

Eis que Jesus se depara com a multidão que caminha sem esperança e vê uma pobre viúva que chora a morte de seu filho. “Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: ‘Não chores’”. Jesus não caminha indiferente nem passa despercebido diante das lágrimas de uma pobre viúva que terá como herança o abandona à própria sorte, pois a única esperança de apoio que tinha lhe foi retirada: o filho único.

Esse relato quer mostrar que a “visita” de Deus é uma realidade na pessoa de Jesus de Nazaré. Seu gesto para com a viúva mostra o rosto misericordioso do Pai que se inclina a todos os homens e mulheres, particularmente aos sofredores e enxuga-lhes as lágrimas. É assim o Reino que Jesus veio revelar. Se observarmos as visitas que um governador ou prefeito ou presidente ou algum politiqueiro faz a um bairro ou cidade ou córrego, normalmente, os vemos procurando quem tem poder, quem tem influência, ou então está à cata de votos, de vantagens pessoais. Jesus faz diferente. Ele atenta para um cortejo fúnebre e se aproxima de uma viúva que sofre e chora. Ele vem curar sua dor. Vem curar as feridas do coração (cf. Is 61,1; Sl 147,3).

Talvez fosse bom pensarmos e refletirmos um pouco sobre nossas visitas, nossa presença junto ao povo. A quem buscamos? De quem nos aproximamos? O que temos feito para enxugar as lágrimas dos sofredores? Ainda mais: temos evitado fazer alguém derramar lágrimas por nossa causa? Uma palavra fora de propósito, um gesto ofensivo e arrogante, um desprezo, uma falta de acolhida e de compreensão num momento de dor ou de fraqueza, uma traição... Como temos nos posicionado diante das pessoas que sofrem?

A Igreja é mãe. Deve olhar com misericórdia os sofredores, os pobres, os aflitos, os doentes, os menores. Ela não deve ser motivo de dor, de sofrimento e de lágrimas para ninguém. Pelo contrário, deve ser motivo de alegria, deve enxugar as lágrimas, deve “devolver” a alegria aos que sofrem.

Quantos jovens “mortos” ou no caminho da morte, é oportuno pensarmos nas mães sofridas em conseqüência da “morte” de seus filhos! A sociedade do consumismo, do capitalismo selvagem, do hedonismo a qualquer custo, da corrupção descarada leva nossos jovens para o túmulo de uma vida sem sentido, provocando muita dor e lágrimas. O que podemos fazer para transformar essa realidade de morte em aurora de vida? O que Jesus nos ensina nesse relato de hoje? Que compromisso levo para minha semana?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN