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aurelius

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Tomar a cruz a cada dia

aureliano, 11.09.21

24º Domingo do TC - B - 12 de setembro.jpg

24º Domingo do Tempo Comum [12 de setembro 2021]

   [Mc 8,27-35]

O texto do evangelho para esse final de semana reflete um divisor de águas na vida de Jesus. O autor sagrado escreve de tal maneira que mostra, até aqui, que Jesus é o Messias libertador. As curas que realiza indicam a sua missão: proclamar o Reinado de Deus. O desfecho é o reconhecimento de que Jesus é o Filho de Deus. Porém não pode ser revelado como tal, pois a comunidade ainda não está preparada para entender a que veio e o que o espera pela frente. Na segunda parte do evangelho (Mc 8,31ss), Marcos desenvolve a sorte que esperava Jesus e, consequentemente, seu discípulo: a cruz. Não veio para triunfos e glórias humanas, mas para entregar sua vida ao Pai pela salvação da humanidade. Na conclusão da segunda parte encontramos a profissão de fé do centurião: “Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus” (Mc 15,39).

Na primeira parte do evangelho de hoje notamos Jesus fazendo uma espécie de ‘enquete’ a respeito da opinião que tinham dele. As respostas foram variadas. De qualquer forma entendiam que Jesus era uma pessoa que se poderia identificar com personagens significativos da história precedente de Israel. Os discípulos, porém tinham uma compreensão mais apurada de Jesus. Embora Pedro, em nome do grupo, confesse: “Tu és o Messias”, ainda não tinha plena noção do alcance dessas palavras. É que a fé em Jesus incide na vida do crente: o discípulo de Jesus deve procurar conformar sua vida com a do Mestre.

Ao proibir que se publique aquela profissão de fé, Jesus pretende preservar o chamado “segredo messiânico”. É uma característica do Evangelho de Marcos. A população (judaica) da época esperava um Messias com poder político para libertá-los do poder opressor dos romanos. De modo que a compreensão correta da pessoa e missão de Jesus se daria somente depois de sua morte. Na ressurreição os discípulos verão que o Pai está com ele.

Quando Jesus começa a orientar e prevenir seus discípulos sobre o que o esperava, Pedro parece não ter escutado as palavras: “ressuscitar depois de três dias”. Parecia ter aquela ideia que está muito presente no povo de modo geral: “Não se pode perder o voto... Então, deve-se votar em quem tem mais chances de ganhar”. Estar ao lado de um Messias derrotado, crucificado, jamais! Jesus então lhe diz com firmeza: “Vai para trás de mim, Satanás!”. Ou seja, coloque-se atrás de mim, no meu seguimento, carregando sua cruz, como discípulo! Ao chamá-lo de ‘satanás’, Jesus quer dizer que ele se coloca como um Adversário do projeto do Pai. Um opositor do caminho que Jesus deve trilhar. Suas ideias estão na contramão do querer do Pai.

Entenda-se bem: o Pai não queria que seu Filho sofresse ou morresse na cruz. Deus não é sado-masoquista. Há um hino muito cantado por aí que proclama assim: “Deus enviou seu Filho amado para morrer no meu lugar...” A teologia desse hino obscurece a Face do Deus que Jesus revelou. Deus Pai não enviou seu Filho para morrer, mas para nos salvar. A morte, e morte de cruz, foi consequência da rejeição que os donos do poder lhe fizeram. Não quiseram acolher o Reino de Deus trazido por Jesus. A morte trágica de Jesus foi consequência da sua fidelidade ao Pai, entregando-se livre e amorosamente por todos nós (cf. Jo 10,18). Ele entregou sua vida por amor.  Ele nos amou até o fim (cf. Jo 13,1). - Cuidado com as músicas que mutilam o Evangelho!

Portanto, o texto quer evidenciar que o Filho devia levar às últimas consequências o projeto da salvação da humanidade que o Pai lhe confiara. Se esse caminho passaria pela rejeição e pela cruz, então o Filho deveria enfrentar também isso. A grande prova de que o Pai não queria a destruição de seu Filho e aprovava a sua vida foi a Ressurreição: o mal e a morte não prevalecem! O Filho saiu vencedor!

A grande lição para nós: Para ser discípulo de Jesus é preciso segui-lo no caminho da cruz, isto é, da entrega, do amor generoso, da oferta da vida, da contestação de uma sociedade baseada no lucro, na fama, no sucesso, no consumismo, no exibicionismo, no poder, na posse de bens. Assumir uma vida de partilha, de solidariedade com os pobres, de serviço generoso. Uma cruz geradora de vida nova. Não basta dizer que acreditamos em Jesus. Palavras voam (Verba volant). Uma existência impregnada pelo Mistério de Cristo é que se torna indicativo de que acreditamos n’Ele. Para compreendermos o mistério de Cristo precisamos entrar nele. Não se trata de colocar o Mistério dentro de nossa cabeça (com-preender). Isso seria tentativa de reduzi-lo à pura racionalidade. Mas é preciso en-tender, isto é, mergulhar dentro dele. Numa expressão teologicamente mais adequada: deixar-nos tomar por ele. Só então o compreenderemos.

Algumas considerações: Não poucas vezes nossa catequese insiste em ritos, em fórmulas, em práticas ultrapassadas de piedade, em determinadas obrigações legais, em doutrinação, em dinâmicas vazias. E trabalha pouco o mais importante: o seguimento de Jesus. Nossa identidade cristã deve ser construída em torno de Jesus. Ser cristão é bem mais do que ser batizado, crismado, casado na igreja, frequentador de missa ou culto. É bem mais do que organizar a festa do santo padroeiro da paróquia, ou se dar bem com o padre, ou assumir um ‘cargo’ na comunidade. Ser cristão é seguir Jesus no caminho do amor, da oferta da vida, como os santos: São Maximiliano kolbe, Pe. Júlio Maria, Madre Teresa de Calcutá, Santa Dulce dos Pobres, São Francisco de Assis etc. O cristão é aquele que faz de Jesus a referência fundamental de sua vida. Ser cristão é renunciar a si mesmo e tomar a mesma cruz de Jesus a cada dia. É colocar os pés nos passos de Jesus.

Renunciar a si mesmo é não permitir que o egoísmo, o orgulho, o comodismo, o consumismo, a ganância de ter sempre mais, a autossuficiência, a mentira dominem nossa vida. O seguidor de Jesus não vive fechado no seu cantinho, a olhar para si mesmo, indiferente aos dramas que se passam à sua volta, insensível às necessidades dos irmãos, alheio às lutas, reivindicações e lágrimas dos sofredores. O seguidor de Jesus vive para Deus, na solidariedade, na partilha e no serviço aos irmãos. Ao ver a notícia de que no Brasil há dezenove milhões de pessoas passando fome ou ameaçados por ela, e catorze milhões de desempregados, se sensibiliza, se mexe, deixa-se tocar. Isso significa “tomar a cruz” e “seguir a Jesus”.

Nossa fé, no dizer de Tiago (Tg 2,14-18), precisa ser comprovada pela nossa prática de vida. De que adianta dizer que temos fé, que praticamos a religião, se nossas atitudes não correspondem àquilo que professamos na igreja? “Tu, mostra-me a tua fé sem as obras, que eu te mostrarei a minha fé pelas obras!”. Não são as obras que nos garantem a salvação, pois esta é dom, é graça de Deus para nós. Mas as obras garantem que nós acolhemos a salvação que Deus nos deu. Elas mostram que somos gratos pela salvação e que somos colaboradores de Deus para que outras pessoas experimentem também esse dom maravilhoso que o Pai nos deu em Jesus Cristo.

Em síntese: renunciarmos aos projetos que se opõem ao Reinado de Deus; acolhermos de coração os sofrimentos que podem advir do fato de assumirmos a causa de Jesus.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Perseverar na construção da Paz e do Bem

aureliano, 15.11.19

33º Domingo do TC - 17 de novembro - C.jpg

33º Domingo do Tempo Comum [17 de novembro de 2019]

[Lc 21,5-19]

O chamado “discurso escatológico” de Jesus não tem como propósito assustar os discípulos, fazer-lhes medo, mas infundir-lhes confiança nas outras palavras de Jesus. É como se dissessem: ‘O Senhor não os enganou. Aquilo que predissera, aconteceu’. A perseguição aos seus seguidores acontece: “O discípulo não é maior do que o mestre”.

A intervenção de Deus na história, na pessoa de Jesus de Nazaré, introduz a novidade de que a salvação é para todos. Jerusalém é condenada porque traiu sua missão. Em vez de ser sinal da salvação de Deus para todos os povos, fechou-se no seu particularismo, apodrecendo sem gerar vida. A fidelidade de Deus é traída pela infidelidade de um povo escolhido. Sendo a salvação o encontro de duas fidelidades, Jerusalém não corresponde. Jesus, o Filho Amado, permanece fiel e garante a salvação a todos.

Embora esteja garantida a salvação, permanece, porém a incompletude enquanto depende da resposta de cada ser humano. É uma promessa que espera ser completada. É um dom que supõe conquista. A fidelidade de cada um deve encontrar eco na fidelidade de Jesus ao Pai.

Deus salva o indivíduo na comunidade. A Igreja tem, pois, a missão de quebrar as barreiras que dividem a humanidade. A divisão, a ganância, o egoísmo, o preconceito, o fechamento são atitudes pecaminosas que bloqueiam a salvação.

As obras suntuosas, as pessoas famosas, as beldades, a fama, o sucesso passarão. Só não passará o amor de Deus testemunhado pela firmeza e fidelidade daqueles que são apaixonados pelo Reino e têm a coragem de entregar a vida em defesa da vida. “Quem procurar ganhar sua vida, vai perdê-la, e quem a perder vai conservá-la” [Lc 17,33].

A propósito da segunda leitura de hoje: “Quem não quer trabalhar também não há de comer” [2Ts 3,10], é bom entender que Paulo diz para o cristão não ficar parado. É preciso agir, fazer alguma coisa, não esperar que as coisas caiam do céu. Um mundo novo é construído a partir do empenho de cada um. Quem pensa que basta ir à igreja para se salvar está traindo o projeto de Jesus. É preciso “trabalhar” a salvação e a libertação de si próprio, do mundo e da história (cf. Fl 2,12-16). Cada um dentro de suas possibilidades e dons. É preciso ser firme até o fim!

Gostaria ainda de chamar a atenção do leitor para duas realidades assinaladas pelo evangelho de hoje:

A primeira é a chamada de Jesus para que o discípulo não se deixe enganar. Já notaram que a enganação e a mentira correm soltas em nosso meio? É gente vendendo “gato por lebre”, é gente enganando o povo em nome de Deus, é gente prometendo mundos e fundos para ganhar um cargo no poder, é gente vendendo a pílula da felicidade. Enfim, há quem venda e há quem compre; há quem engane e há os que se deixam enganar. Há carência de reflexão, de ponderação, de objetivos claros e definidos. Num momento de crise de sentido, há muita religiosidade: os espertalhões e charlatões se aproveitam das buscas e desesperos do ser humano para “vender seu peixe” e enganar os incautos e ingênuos. Cuidado!

A segunda realidade apontada por Jesus é a necessidade da perseverança: “É pela perseverança que mantereis vossas vidas”. O termo grego que traduz perseverança (hypomonê) pode traduzir também paciência. É imprescindível a paciência para se conseguir a preservação da vida e se alcançar a salvação. Paciência não é um mero gesto de suportar uma palavra que desagrade ou aguentar um desaforo. Mas é uma atitude de vida que nos coloca diante de Deus e da vida com serenidade, fidelidade, alegria mesmo em meio a sofrimentos, perseguição e incompreensão. Quero dizer que é uma virtude que precisamos cultivar, pois sem ela nossa salvação corre risco. Os encantos enganosos da vida, a fama, o sucesso, as honrarias, o dinheiro, nada disso nos poderá tirar do centro vital no qual o Senhor nos colocou com sua morte e ressurreição.

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CRISE: DECISÃO NUM JUÍZO

Vivemos tempos de crise. Crise econômica, crise política, crise religiosa, crise eclesiástica, crise familiar etc. A crise é uma oportunidade de crescimento. O termo crise significa encruzilhada. Mais precisamente, crise vem do grego krisis, krínein que significa a decisão num juízo. Assim, diante de uma situação que apresenta várias facetas e que pede que se escolha uma delas, há que se tomar a decisão. Então gera-se a crise que pede um critério de escolha ou julgamento para se decidir por isto ou por aquilo. Os termos crisol, critério, crítica tem sua raiz na palavra crise. É sempre algo que pede um desembaraço, um aprimoramento, um acrisolamento.

Pois bem. O evangelho deste domingo coloca uma situação de crise. Aliás, a vida e as palavras de Jesus (a fé cristã) colocam o discípulo em constante crise. Todos os dias o discípulo precisa decidir por sua continuidade ou não no seguimento a Jesus. Pode ser que em dado momento as condições sejam mais ou menos favoráveis. Mas nunca há “paz” para o cristão: é permanente “guerra” contra as forças do mal dentro e fora de si mesmo (cf. Mt 10,34). O autor de Jó já dizia: “A vida do homem sobre a terra é uma guerra” (Jó 7,1).

“Atenção para não serdes enganados, pois muitos virão em meu nome dizendo: ‘Sou eu!’ e ainda: ‘O tempo está próximo!’ Não os sigais!” (Lc 21,8). Uma clara situação de crise. Pois há propostas diferentes, encruzilhadas. Qual a atitude do cristão? “Não os sigais!”. Esta palavra de Jesus precisa estar sempre presente dentro de nós. Não seguir aquelas pessoas que nos separam de Jesus Cristo, único fundamento de nossa fé. Qualquer pessoa ou situação que nos afastam de Jesus precisam ser rechaçadas. As tentações são muitas. Por vezes se apresentam com aspecto encantador, até divinizado. Mas precisamos voltar ao evangelho. Como Jesus agia? Quais eram suas opções? A quem ele seguia e em quem confiava?

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AS LÁGRIMAS DO CRISTÃO

Outro elemento que precisa ser ressaltado: Jesus chorou sobre a cidade. Lucas relata o choro profético de Jesus: “E como estivesse perto, viu a cidade e chorou sobre ela” (Lc 19,41). Uma atitude de Jesus que deve ser contemplada. Não foi um choro de ira, de lamento vazio, mas um choro de profeta. Lamenta a cidade que não acolheu a visita de Deus. Lamenta um sistema político-religioso que explora os pobres. Solidariza-se com os explorados por um sistema que deveria estar a serviço da vida, mas que optou por sacrificar os pobres.

Por que Jesus chora sobre uma cidade? Chorar pela morte do amigo Lázaro é compreensível. Mas chorar sobre uma cidade é algo inusitado. Jerusalém, porém, não chora. Por quê? A cidade vai bem. Os negócios vão bem. Tudo estava bem harmonizado com a presença dos soldados romanos mantendo a “Paz” e a ordem. O Templo, espaço religioso que constituía o centro dos interesses na cidade era frequentado e cercado de cuidados. Porém não se prestava mais para o seu objetivo primeiro: o encontro com Deus. Era mantido para manutenção do status quo da aristocracia sacerdotal judaica. Não era mais Casa de Oração.

E Jerusalém não era mais a cidade da Paz. Tem a paz romana imposta pela espada. Tem a paz dos comerciantes que precisam dela para fazer bons negócios. Tem a paz religiosa imposta pelos sacerdotes do templo. Por isso Jesus chora. Aquele que veio trazer a paz foi rejeitado. A cidade vivia uma paz mascarada. Jesus veio trazer uma paz/shalom, um estado de vida, de bem-estar e de prosperidade que engloba toda a comunidade. Os poderosos não choram. Os fracos choram. O Profeta da compaixão chora!

O Papa Francisco, em diversas ocasiões, fala da importância das lágrimas nos olhos do cristão: 

  1. “Também nos fará bem pedir a graça das lágrimas, para este mundo que não reconhece o caminho da paz. Peçamos a conversão do coração“.
  2. “Certas realidades da vida só podem ser vistas com os olhos limpos pelas lágrimas“.
  3. “Quantas lágrimas são derramadas a cada instante no mundo; uma diferente da outra; e, juntas, elas formam como um oceano de desolação, que invoca piedade, compaixão, consolação“.
  4. “Se Deus chorou, eu também posso chorar, sabendo que sou compreendido. O pranto de Jesus é o antídoto contra a indiferença pelo sofrimento dos meus irmãos. Aquele choro ensina a tornar minha a dor dos outros, a ser participante do infortúnio e do sofrimento de todos os que vivem nas situações mais dolorosas“.
  5. “Se vocês não aprenderem a chorar, vocês não poderão ser bons cristãos. E isto é um desafio“.

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Celebramos nesse Domingo o Dia Mundial dos Pobres. No Brasil, a iníqua distribuição de renda cresce a olhos vistos. O número de miseráveis aumenta. Direitos conquistados a duras penas são destroçados por Medidas Provisórias. É urgente a volta ao Evangelho e a retomada da Opção pelos Pobres, reafirmada nas Diretrizes Gerais pelos nossos Bispos.Transcrevo a seguir algumas palavras do Papa Francisco em sua Mensagem para esse dia.

"Podem-se construir muitos muros e obstruir as entradas, iludindo-se assim de sentir-se a seguro com as suas riquezas em prejuízo dos que ficam do lado de fora. Mas não será assim para sempre. O «dia do Senhor», descrito pelos profetas (cf. Am 5, 18; Is 2 – 5; Jl 1 – 3), destruirá as barreiras criadas entre países e substituirá a arrogância de poucos com a solidariedade de muitos. A condição de marginalização, em que vivem acabrunhadas milhões de pessoas, não poderá durar por muito tempo. O seu clamor aumenta e abraça a terra inteira. Como escrevia o Padre Primo Mazzolari: «O pobre é um contínuo protesto contra as nossas injustiças; o pobre é um paiol. Se lhe ateias o fogo, o mundo vai pelo ar»".

"«A opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e lança fora» (ibid., 195), é uma escolha prioritária que os discípulos de Cristo são chamados a abraçar para não trair a credibilidade da Igreja e dar uma esperança concreta a tantos indefesos. É neles que a caridade cristã encontra a sua prova real, porque quem partilha os seus sofrimentos com o amor de Cristo recebe força e dá vigor ao anúncio do Evangelho".

"Por vezes, basta pouco para restabelecer a esperança: basta parar, sorrir, escutar. Durante um dia, deixemos de parte as estatísticas; os pobres não são números, que invocamos para nos vangloriar de obras e projetos. Os pobres são pessoas a quem devemos encontrar: São jovens e idosos sozinhos que se hão de convidar a entrar em casa para partilhar a refeição; homens, mulheres e crianças que esperam uma palavra amiga. Os pobres salvam-nos, porque nos permitem encontrar o rosto de Jesus Cristo." (Mensagem do Papa Francisco para o 3º Dia Mundial dos Pobres).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Perseverar no caminho do bem

aureliano, 11.11.16

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33º Domingo do Tempo Comum [13 de novembro de 2016]

[Lc 21,5-19]

O chamado “discurso escatológico” de Jesus não tem como propósito assustar os discípulos, fazer-lhes medo, mas infundir-lhes confiança nas outras palavras de Jesus. É como se dissessem: ‘O Senhor não os enganou. Aquilo que predissera, aconteceu’. A perseguição aos seus seguidores acontece: “O discípulo não é maior do que o mestre”.

A intervenção de Deus na história, na pessoa de Jesus de Nazaré, introduz a novidade de que a salvação é para todos. Jerusalém é condenada porque traiu sua missão. Em vez de ser sinal da salvação de Deus para todos os povos, fechou-se no seu particularismo, apodrecendo sem gerar vida. A fidelidade de Deus é traída pela infidelidade de um povo escolhido. Sendo a salvação o encontro de duas fidelidades, Jerusalém não corresponde. Jesus, o Filho Amado, permanece fiel e garante a salvação a todos.

Embora esteja garantida a salvação, permanece, porém a incompletude enquanto depende da resposta de cada ser humano. É uma promessa que espera ser completada. É um dom que supõe conquista. A fidelidade de cada um deve encontrar eco na fidelidade de Jesus ao Pai.

Deus salva o indivíduo na comunidade. A Igreja tem, pois, a missão de quebrar as barreiras que dividem a humanidade. A divisão, a ganância, o egoísmo, o preconceito, o fechamento são atitudes pecaminosas que bloqueiam a salvação.

As obras suntuosas, as pessoas famosas, as beldades, a fama, o sucesso passarão. Só não passará o amor de Deus testemunhado pela firmeza e fidelidade daqueles que são apaixonados pelo Reino e têm a coragem de entregar a vida. “Quem procurar ganhar sua vida, vai perdê-la, e quem a perder vai conservá-la” [Lc 17,33].

A propósito da segunda leitura de hoje: “Quem não quer trabalhar também não há de comer” [2Ts 3,10], é bom entender que Paulo diz para o cristão não ficar parado. É preciso agir, fazer alguma coisa, não esperar que as coisas caiam do céu. Um mundo novo é construído a partir do empenho de cada um. Quem pensa que basta ir à igreja para se salvar está traindo o projeto de Jesus. É preciso “trabalhar” a salvação e a libertação de si próprio, do mundo e da história. Cada um dentro de suas possibilidades e dons. É preciso ser firme até o fim!

Gostaria ainda de chamar a atenção do leitor para duas realidades assinaladas pelo evangelho de hoje:

A primeira é a chamada de Jesus para que o discípulo não se deixe enganar. Já notaram que a enganação e a mentira correm soltas em nosso meio? É gente vendendo “gato por lebre”, é gente enganando o povo em nome de Deus, é gente prometendo mundos e fundos para ganhar a eleição, é gente vendendo a pílula da felicidade. Enfim, há quem venda e há quem compre; há quem engane e há os que se deixam enganar. Há carência de reflexão, de ponderação, de objetivos claros e definidos. Num momento de crise de sentido, há muita religiosidade: os espertalhões e charlatões se aproveitam das buscas e desesperos do ser humano para “vender seu peixe” e enganar os incautos e ingênuos. Cuidado!

A segunda realidade apontada por Jesus é a necessidade da perseverança: “É pela perseverança que mantereis vossas vidas”. O termo grego que traduz perseverança pode traduzir também paciência. É imprescindível a paciência para se conseguir a preservação da vida e se alcançar a salvação. Paciência não é um mero gesto de suportar uma palavra que desagrade ou aguentar um desaforo. Mas é uma atitude de vida que nos coloca diante de Deus e da vida com serenidade, fidelidade, alegria mesmo em meio a sofrimentos, perseguição e incompreensão. Quero dizer que é uma virtude que precisamos cultivar, pois sem ela nossa salvação corre risco. Os encantos enganosos da vida, a fama, o sucesso, as honrarias, o dinheiro, nada disso nos poderá tirar do centro vital no qual o Senhor nos colocou com sua morte e ressurreição.

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CRISE: DECISÃO NUM JUÍZO

Vivemos tempos de crise. Crise econômica, crise política, crise religiosa, crise familiar etc. A crise é uma oportunidade de crescimento. O termo crise significa encruzilhada. Mais precisamente, crise vem do grego krisis, krínein que significa a decisão num juízo. Assim, diante de uma situação que apresenta várias facetas e que pede que se escolha uma delas, há que se tomar a decisão. Então gera-se a crise que pede um critério de escolha ou julgamento para se decidir por isto ou por aquilo. Os termos crisol, critério, crítica tem sua raiz na palavra crise. É sempre algo que pede um desembaraço, um aprimoramento, um acrisolamento.

Pois bem. O evangelho deste domingo coloca uma situação de crise. Aliás, a vida e as palavras de Jesus (a fé cristã) colocam o discípulo em constante crise. Todos os dias o discípulo de Jesus precisa decidir por sua continuidade ou não no seguimento a Jesus. Pode ser que em dado momento as condições sejam mais ou menos favoráveis. Mas nunca há “paz” para o cristão: é permanente “guerra” contra as forças do mal dentro e fora de si mesmo. O autor de Jó já dizia: “A vida do homem sobre a terra é uma guerra” (Jó 7,1).

“Atenção para não serdes enganados, pois muitos virão em meu nome dizendo: ‘Sou eu!’ e ainda: ‘O tempo está próximo!’ Não os sigais!” (Lc 21,8). Uma clara situação de crise. Pois há propostas diferentes, encruzilhadas. Qual a atitude do cristão? “Não os sigais!”. Esta palavra de Jesus precisa estar sempre presente dentro de nós. Não seguir aquelas pessoas que nos separam de Jesus Cristo, único fundamento de nossa fé. Qualquer pessoa ou situação que nos afastam de Jesus precisam ser rechaçadas. As tentações são muitas. Por vezes se apresentam com aspecto encantador, até divinizado. Mas precisamos voltar ao evangelho. Como Jesus agia? Quais eram suas opções? A quem ele seguia e em quem confiava?

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AS LÁGRIMAS DO CRISTÃO

Outro elemento que precisa ser ressaltado: Jesus chorou sobre a cidade. Lucas relata o choro profético de Jesus: “E como estivesse perto, viu a cidade e chorou sobre ela” (Lc 19,41). Uma atitude de Jesus que deve ser contemplada. Não foi um choro de ira, de lamento vazio, mas um choro de profeta. Lamenta a cidade que não acolheu a visita de Deus. Lamenta um sistema político-religioso que explora os pobres. Solidariza-se com os explorados por um sistema que deveria estar a serviço da vida, mas que optou por sacrificar os pobres. Os poderosos não choram. Os fracos choram. O Profeta da compaixão chora!

O Papa Francisco, em diversas ocasiões, fala da importância das lágrimas nos olhos do cristão:  

  1. “Também nos fará bem pedir a graça das lágrimas, para este mundo que não reconhece o caminho da paz. Peçamos a conversão do coração“.
  2. “Certas realidades da vida só podem ser vistas com os olhos limpos pelas lágrimas“.
  3. “Quantas lágrimas são derramadas a cada instante no mundo; uma diferente da outra; e, juntas, elas formam como um oceano de desolação, que invoca piedade, compaixão, consolação“.
  4. “Se Deus chorou, eu também posso chorar, sabendo que sou compreendido. O pranto de Jesus é o antídoto contra a indiferença pelo sofrimento dos meus irmãos. Aquele choro ensina a tornar minha a dor dos outros, a ser participante do infortúnio e do sofrimento de todos os que vivem nas situações mais dolorosas“.
  5. “Se vocês não aprenderem a chorar, vocês não poderão ser bons cristãos. E isto é um desafio“.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Pedro e Paulo: coragem e fidelidade batismal

aureliano, 30.06.16

Solenidade de São Pedro e São Paulo [03 de julho de 2016]

[Mt 16,13-19]

Junho terminou. E as festas juninas costumam adentrar julho, transformando-se em festas julinas. São Pedro e São Paulo coroam o mês. É interessante notar que não se trata somente de festas populares, mas há uma espiritualidade subjacente a esses momentos dentro de nossas comunidades. Claro que muitas destas festas são mais pagãs do que cristãs. Mas quero dizer que os santos mais populares deste mês: Santo Antônio, São João e São Pedro, homens que viveram para Deus e deram a pelo Reino, não temeram a morte que lhes perpetrara os poderosos deste mundo.

 

Hoje, ao celebrarmos São Pedro e São Paulo, solenizamos as duas colunas da Igreja. "Pedro, o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel. Paulo, mestre e doutor das nações, anunciou-lhes o Evangelho da Salvação. Por diferentes meios, os dois congregaram à única família de Cristo e, unidos pela coroa do martírio, recebem, por toda a terra, igual veneração" (Prefácio da missa). Pedro representa Igreja institucional, é a "Pedra" que recebe a incumbência de "confirmar os irmãos", enquanto Paulo representa o carisma missionário, atravessa mares e desertos para anunciar a Boa Nova do Reino, formando novas comunidades cristãs.

 

A profissão de fé de Pedro é a base da comunidade cristã: "Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo". É nessa fé que a Igreja se firma e caminha. É o Espírito que sustenta a caminhada da Igreja. Ela não se instituiu sobre "carne e sangue", mas no Amor gratuito do Pai revelado na entrega livre do Filho pela salvação da humanidade (cf. Jo 10,18).

 

As "chaves do Reino" que são confiadas a Pedro devem sempre abrir as cadeias e algemas daqueles que estão dominados pelo mal. Quanta gente presa nas amarras da mentira, da ambição, da corrupção, do ódio, do medo, do preconceito, da enganação! Nosso mundo precisa, cada vez mais,  das "chaves do Reino" para que haja mais partilha, mais sentido de vida, mais perdão, mais fraternidade e compreensão.

 

Quando lançamos um olhar de fé sobre esses dois homens cuja solenidade celebramos hoje, percebemos quão distantes ainda estamos da vivência de uma fé autêntica, corajosa, testemunhal!

 

Pedro foi encarcerado por causa da fé! Levou às últimas consequências sua profissão de fé: "Tu és o Cristo". Paulo também foi preso, ameaçado e perseguido pelos de dentro e pelos de fora. Mas levou até o fim sua missão: "Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. (...) O Senhor me assistiu e me revestiu de forças, a fim de que por mim a mensagem fosse plenamente proclamada e ouvida por todas as nações" (2Tm 4, 6-7.17).

 

Até que ponto damos conta de sustentar nossa fidelidade ao Evangelho, levando às últimas consequências nosso batismo? O que é mesmo que nos faz desanimar, abandonar a missão, a comunidade? O "conteúdo" de nossa vida é Jesus Cristo ou são as vaidades e posses da sociedade capitalista e consumista? O que preciso deixar e o que preciso abraçar com mais vigor para ser verdadeiro discípulo como Pedro e Paulo?

 

Nesse dia a Igreja nos pede orações pelo Papa. Ele é o sucessor de Pedro. É ele que “preside a assembleia universal da caridade” (Santo Inácio de Antioquia) e é o sinal visível da unidade da Igreja. Peçamos ao Senhor que lhe dê muita luz para conduzir a Igreja pelos caminhos de Jesus. E lhe dê muita força e coragem para enfrentar os obstáculos que essa sociedade e as situações difíceis que os "de dentro" lhe oferecem. E que tenha a sabedoria necessária para ajudar a Igreja a se abrir ao diálogo com o novo que surge a cada dia sem perder a fidelidade a Jesus e à sua missão.

 

O Papa Francisco tem surpreendido o mundo com seus gestos de simplicidade, de humildade, de acolhida, de uma palavra profética. Precisamos prestar mais atenção a seus ensinamentos. Ele nos aponta o verdadeiro caminho pelo qual a Igreja deve passar. Ele pede uma Igreja em saída para as periferias, numa presença e defesa dos mais pobres. “Prefiro uma Igreja acidentada, a uma Igreja doente por fechar-se”.

 

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Pedro, a rocha; Paulo, a missão: vocações complementares

Hoje se celebram na Igreja duas vocações distintas e complementares: Pedro governa as responsabilidades da evangelização. Alguns o identificam com o fundamento institucional da Igreja. Jesus lhe dá o nome de Pedro que significa “pedra”, “rocha”. Sobre sua profissão de fé a comunidade é edificada. Cefas, Kepha significa gruta escavada na rocha. Nessa gruta os pobres ou os animais se escondem e/ou moram. Aí é o lugar do cuidado, da proteção, da geração da vida. A Igreja torna-se, pois, o lugar privilegiado do cuidado da vida. É a caverna rochosa onde os pequeninos do Reino encontram abrigo e cuidado. Pedro recebe o “poder das chaves”, isto é, o serviço de administrador da comunidade. Recebe também o poder de “ligar e desligar”, isto é, o poder da decisão, da responsabilidade pastoral para orientar os fiéis no caminho de Cristo. Esse ministério é confirmado por outros textos: “Confirma os teus irmãos” (Lc 22, 31). “Apascenta os meus cordeiros” (Jo 21, 15). É a intenção clara de Jesus em prover o futuro da Igreja.

Paulo é o fundador carismático da Igreja. Aquele que se preocupa com a ação missionária da Igreja. Tem a preocupação de anunciar além mar. Por isso é cognominado “Apóstolo das Gentes”. Representa a criatividade missionária. Vai para além do institucionalizado. Rompe com normas e leis que prendem o evangelho.

A complementaridade desses dois carismas fundadores da Igreja continua atual: a responsabilidade institucional e a criatividade missionária. Alguém deve responder pela instituição, pois esta dá suporte ao missionário. Por outro lado, alguém tem que “pisar no acelerador” da missão, sem se prender muito, para que a missão não fique refém de normas anacrônicas e obsoletas. O novo desafia o institucionalizado e o atualiza. A tensão entre ambos é que mantém acesa a chama da missão.

Nesse “dia do Papa” seria bom reaquecermos nossa veneração à pessoa do Papa, sucessor de Pedro. Ele é o sinal da unidade e da caridade da Igreja. Com os limites que são próprios ao ser humano ele continua sendo o sucessor de Pedro, o Bispo de Roma, reconhecido pela Igreja, desde a antiguidade, como aquele que “preside a assembléia universal da caridade”.

O que importa nessas considerações é sermos pessoas que, como Pedro e Paulo, tenham a coragem de doar a vida pela causa do Reino de Deus. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas. Eles se doaram até ao sangue.  E nós? Onde estamos na doação, na entrega, na missão? Como zelamos da nossa Igreja? Como anda nossa identidade cristã e católica frente às afrontas e desrespeito ao evangelho, à vida e à Igreja? Até que ponto sou comprometido com minha comunidade?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN