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aurelius

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A compaixão é o rosto do Pai

aureliano, 26.03.22

4º Domingo da Quaresma - 31 de março - C.jpg

4º Domingo da Quaresma [27 de março de 2022]

[Lc 15,1-3.11-32]

O evangelho de hoje situa-se num contexto de dois grupos em torno de Jesus. Por um lado verifica-se a proximidade de Jesus dos publicanos e pecadores. Por outro, estão os escribas e fariseus em constantes críticas a Jesus por acolher essa “gentalha”.

O capítulo 15 de Lucas contém três parábolas que expressam a misericórdia de Deus. A escolhida para hoje, a do Pai misericordioso, que nos ajuda a identificar as intenções de Jesus e daqueles que estão à sua volta.

Não podemos perder de vista os três personagens principais da parábola: o pai, o filho mais novo e o filho mais velho. Aqui Jesus quer mostrar o rosto misericordioso de Deus. Se a gente quer saber quem é Deus, essa parábola no-lo revela.

O filho mais novo: ao longo da história esse personagem ocupou o centro das homilias e reflexões. Tanto é verdade que a parábola recebeu a alcunha de “parábola do filho pródigo”. Acentuou-se muito a atitude “errada” do filho mais novo. Foi um esbanjador, desnaturado, inconsequente. E ainda volta para casa pedindo pão depois de ter esbanjado os bens com sem-vergonhice! O acento sobre os erros do moço obnubilavam o amor do pai.

O filho mais novo tem uma vontade enorme de autonomia, de fazer o que deseja. O grande problema é que ele não o faz em diálogo, mas em ruptura. Rompe com o pai, com o irmão, substituindo-os pelos bens. A busca de autonomia absoluta coloca o ser humano em grande pecado: torna senhor absoluto de si mesmo. Atropela todo mundo à sua volta.

A busca dos bens e o desejo insaciável do consumismo não é outra realidade senão a busca de locupletar-se, de saciar-se totalmente. Algo impossível ao ser humano. Já rezava Santo Agostinho: “Meu coração estará inquieto enquanto não repousar em ti, ó Senhor!”. É preciso deixar espaço para a sede, para a falta, para a insatisfação. Essa “falta” é a brecha pela qual Deus, sentido absoluto de nossa existência, pode entrar em nossa história e nos reconstruir.

O pai: a figura mais importante do relato. Não se importou que o filho o considerasse morto - só se distribui a herança após a morte! Tendo recebido a herança, saiu de casa. E o pai não se lhe opôs em nada. E depois que partira, o aguardava compassivo: “O pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos” (Lc 15,20).  O abraço, as sandálias, o anel, o banquete, a festa...! Sinais da alegria pelo retorno do filho. Não lhe faz nenhuma cobrança, nenhum acerto de contas. “Este meu filho estava morto e tornou a viver. Estava perdido e foi encontrado”.

Ao invés de aplicar-lhe um corretivo e fazê-lo pensar sobre o que fizera, o pai supera a lógica humana num excesso de misericórdia. Esta consiste precisamente em dar ao outro o que ele não merece. Se quisermos ser pessoas moderadas, justas, podemos e devemos sê-lo. E seremos pessoas boas. Mas se quisermos ser “misericordiosos como o Pai”, transformando as pessoas pelo amor, cultivemos a misericórdia que é um amor em excesso.

É assim que Jesus experimenta Deus. Qualquer teologia ou catequese que não experimenta nem comunica o Deus manifestado nesta parábola e impede as pessoas de experimentar Deus como um Pai respeitoso e bom, que acolhe e perdoa o filho perdido, não provém de Jesus nem transmite a Boa Notícia que Ele pregou.

O filho mais velho: normalmente ficava esquecido nos comentários tradicionais. Sua atitude, na parábola, revela a postura daqueles que estão “dentro de casa”, mas com o coração longe. Cumpridores de normas e regras, sem nenhum sentimento de amor e de fraternidade.

“Esta é a tragédia do filho maior. Nunca saiu de casa, mas seu coração está sempre longe. Sabe cumprir mandamentos, mas não sabe amar. Não entende o amor de seu pai ao filho perdido. Ele não acolhe nem perdoa, não quer saber de seu irmão” (Pe. Antônio Pagola). O retorno do irmão não lhe causa alegria como a seu pai, mas raiva. Fica indignado e recusa-se a “entrar” na festa.

É preciso notar que o pai tem, também para com ele, uma atitude de carinho, de acolhida. Insiste para que “entre”. Manifesta-lhe o motivo da alegria. Esse filho passou toda a vida cumprindo ordens do pai, mas não aprendeu a amar seu irmão. Só tem palavras para diminuir o irmão que errou.

O “filho mais velho” nos interpela a nós que acreditamos viver juntos do Pai. O que fazemos, nós que não “abandonamos” a Igreja? Sabemos compreender quem “saiu”, quem vive na “irregularidade” matrimonial? Compreendemos as fraquezas e misérias de cada um? Como lidamos com os que vivem crise de fé? O que fazemos para atrair ou reconduzir os afastados? E a festa do Pai, fica para quem? Ele não a preparou para todos?

Embora pareça mais integrado do que o filho mais novo, demonstra imaturidade quando manifesta dura competitividade com ele. Nem mesmo com o pai parece estar bem integrado. Mostra-se amargo, murmurador, ressentido, preso em sua própria rigidez e sentimento de inveja. Seu problema não parece ser com a lei, mas com a generosidade.

O passo que precisa ser dado, tanto para o filho mais novo como para o filho mais velho, para aceitação de si, acolhendo as próprias carências e fraquezas, é sempre muito doloroso. Mas altamente fecundo. Sem esse passo, fica-se nas guerras entre irmãos e pais, na busca frenética de “ganhar a guerra”.

Concluindo

“O filho mais novo sonhou felicidade com vida de independência e de liberdade, e voltou espoliado, esfarrapado, faminto e sem dignidade... ‘Longe’ da casa do Pai, não encontrou a felicidade desejada. A fome fez ter saudades da casa do Pai e a lembrança da bondade do Pai o animou a voltar...

O Filho mais velho é um ‘bom filho’, sóbrio, obediente e trabalhador... mas não é um bom irmão. Não aceita a volta do irmão, nem mesmo o amor do Pai, que o acolheu...

Podemos até abandonar a nossa dignidade de filhos. Deus, porém, não abandona a sua missão de Pai.   Deus sai à procura dos perdidos e festeja porque são resgatados... A ação do Pai reflete a atitude de Jesus e deve ser também a nossa” (www.buscandonovasaguas.com).

Esta parábola nos revela que o Pai do céu não é propriedade de ninguém, de nenhuma religião, de nenhuma Igreja. Ele quer salvar a todos. Tem compaixão de todos, indistintamente. A única atitude que Ele pede é de abertura, de acolhida do seu amor.

Nossas atitudes se aproximam mais das atitudes de quem? Do filho mais novo? Do filho mais velho? Do pai?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

“O Pai o avistou e teve compaixão”

aureliano, 29.03.19

4º Domingo da Quaresma - 31 de março - C.jpg

4º Domingo da Quaresma [31 de março de 2019]

[Lc 15,1-3.11-32]

O evangelho de hoje situa-se num contexto de dois grupos em torno de Jesus. Por um lado verifica-se a proximidade de Jesus dos publicanos e pecadores. Por outro, estão os escribas e fariseus em constantes críticas a Jesus por acolher essa “gentalha”.

O capítulo 15 de Lucas contém três parábolas que expressam a misericórdia de Deus. A escolhida para hoje, a do Pai misericordioso, que nos ajuda a identificar as intenções de Jesus e daqueles que estão à sua volta.

Não podemos perder de vista os três personagens principais da parábola: o pai, o filho mais novo e o filho mais velho. Aqui Jesus quer mostrar o rosto misericordioso de Deus. Se a gente quer saber quem é Deus, essa parábola no-lo revela.

O filho mais novo: ao longo da história esse personagem ocupou o centro das homilias e reflexões. Tanto é verdade que a parábola recebeu a alcunha de “parábola do filho pródigo”. Acentuou-se muito a atitude “errada” do filho mais novo. Foi um esbanjador, desnaturado, inconsequente. E ainda volta para casa pedindo pão depois de ter esbanjado os bens com sem-vergonhice! O acento sobre os erros do moço obnubilavam o amor do pai.

O filho mais novo tem uma vontade enorme de autonomia, de fazer o que deseja. O grande problema é que ele não o faz em diálogo, mas em ruptura. Rompe com o pai, com o irmão, substituindo-os pelos bens. A busca de autonomia absoluta coloca o ser humano em grande pedado: torna senhor absoluto de si mesmo. Atropela todo mundo à sua volta.

A busca dos bens e o desejo insaciável do consumismo não é outra realidade senão a busca de locupletar-se, de saciar-se totalmente. Algo impossível ao ser humano. Já rezava Santo Agostinho: “Meu coração estará inquieto enquanto não repousar em ti, ó Senhor!”. É preciso deixar espaço para a sede, para a falta, para a insatisfação. Essa “falta” é a brecha pela qual Deus, sentido absoluto de nossa existência, pode entrar em nossa história e nos reconstruir.

O pai: a figura mais importante do relato. Não se importou que o filho o considerasse morto - só se distribui a herança após a morte! Tendo recebido a herança, saiu de casa. E o pai não se lhe opôs em nada. E depois que partira, o aguardava compassivo: “O pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos” (Lc 15,20).  O abraço, as sandálias, o anel, o banquete, a festa...! Sinais da alegria pelo retorno do filho. Não lhe faz nenhuma cobrança, nenhum acerto de contas. “Este meu filho estava morto e tornou a viver. Estava perdido e foi encontrado”.

Ao invés de aplicar-lhe um corretivo e fazê-lo pensar sobre o que fizera, o pai supera a lógica humana num excesso de misericórdia. Esta consiste precisamente em dar ao outro o que ele não merece. Se quisermos ser pessoas moderadas, justas, podemos e devemos sê-lo. E seremos pessoas boas. Mas se quisermos ser “misericordiosos como o Pai”, transformando as pessoas pelo amor, cultivemos a misericórdia que é um amor em excesso.

É assim que Jesus experimenta Deus. Qualquer teologia ou catequese que não experimenta nem comunica o Deus manifestado nesta parábola e impede as pessoas de experimentar Deus como um Pai respeitoso e bom, que acolhe e perdoa o filho perdido, não provém de Jesus nem transmite a Boa Notícia que Ele pregou.

O filho mais velho: normalmente ficava esquecido nos comentários tradicionais. Sua atitude, na parábola, revela a postura daqueles que estão “dentro de casa”, mas com o coração longe. Cumpridores de normas e regras, sem nenhum sentimento de amor e de fraternidade.

“Esta é a tragédia do filho maior. Nunca saiu de casa, mas seu coração está sempre longe. Sabe cumprir mandamentos, mas não sabe amar. Não entende o amor de seu pai ao filho perdido. Ele não acolhe nem perdoa, não quer saber de seu irmão” (Pe. Antônio Pagola). O retorno do irmão não lhe causa alegria como a seu pai, mas raiva. Fica indignado e recusa-se a “entrar” na festa.

É preciso notar que o pai tem, também para com ele, uma atitude de carinho, de acolhida. Insiste para que “entre”. Manifesta-lhe o motivo da alegria. Esse filho passou toda a vida cumprindo ordens do pai, mas não aprendeu a amar seu irmão. Só tem palavras para diminuir o irmão que errou.

O “filho mais velho” nos interpela a nós que acreditamos viver juntos do Pai. O que fazemos, nós que não “abandonamos” a Igreja? Sabemos compreender quem “saiu”, quem vive na “irregularidade” matrimonial? Compreendemos as fraquezas e misérias de cada um? Como lidamos com os que vivem crise de fé? O que fazemos para atrair ou reconduzir os afastados? E a festa do Pai, fica para quem? Ele não a preparou para todos?

Embora pareça mais integrado do que o filho mais novo, demonstra imaturidade quando manifesta dura competitividade com ele. Nem mesmo com o pai parece estar bem integrado. Mostra-se amargo, murmurador, ressentido, preso em sua própria rigidez e sentimento de inveja. Seu problema não parece ser com a lei, mas com a generosidade.

O passo que precisa ser dado, tanto para o filho mais novo como para o filho mais velho, para aceitação de si, acolhendo as próprias carências e fraquezas, é sempre muito doloroso. Mas altamente fecundo. Sem esse passo, fica-se nas guerras entre irmãos e pais, na busca frenética de “ganhar a guerra”.

Concluindo

“O filho mais novo sonhou felicidade com vida de independência e de liberdade, e voltou espoliado, esfarrapado, faminto e sem dignidade... ‘Longe’ da casa do Pai, não encontrou a felicidade desejada. A fome fez ter saudades da casa do Pai e a lembrança da bondade do Pai o animou a voltar...

O Filho mais velho é um ‘bom filho’, sóbrio, obediente e trabalhador... mas não é um bom irmão. Não aceita a volta do irmão, nem mesmo o amor do Pai, que o acolheu...

Podemos abandonar a nossa dignidade de filhos. Deus não abandona a sua missão de Pai.   Deus sai à procura dos perdidos e festeja porque são resgatados... A ação do Pai reflete a atitude de Jesus e deve ser também a nossa” (www.buscandonovasaguas.com).

Esta parábola nos revela que o Pai do céu não é propriedade de ninguém, de nenhuma religião, de nenhuma Igreja. Ele quer salvar a todos. Tem compaixão de todos, indistintamente. A única atitude que Ele pede é de abertura, de acolhida do seu amor.

Nossas atitudes se aproximam mais das atitudes de quem? Do filho mais novo? Do filho mais velho? Do pai?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN