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aurelius

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Frades Menores, servidores da alegria

aureliano, 30.01.24

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“Queremos que você oriente nosso retiro em janeiro”, me segredava Frei Wainer, na procissão da missa do jubileu de 50 anos da Congregação dos Frades Menores Missionários, em 15 de agosto de 2023. “Mas eu nunca orientei retiro para padres! Não dou conta disso, não!” respondi.

Ficou de fazer contato depois. E insistiu que eu assumisse, inclusive enviando a data: 24 a 30 de janeiro de 2024. Falei com o Frei Gabriel, mano querido que pertence à Congregação. E ele me asseverou que Frei Wainer é o responsável pela equipe de espiritualidade da Congregação e é ele quem cuida disso.

Em setembro o Frei volta a insistir. Não tive alternativa: assumi dizendo que iria rezar com eles e propor algumas coisas. Mas no dia que não desse certo, rezaríamos o terço etc.

Desde então vim pensando algumas propostas de oração. Em meio a várias situações novas que se sucederam: minha transferência de paróquia, minha cirurgia da tireóide e outras coisas mais. E o serviço na paróquia aumentando. Mas, finalmente me ocorreu um tema: “Caminhos de santidade”. A partir de então comecei a elaborar o cronograma do retiro. Aos poucos fui preenchendo o esqueleto.

Parti para o sul com o coração da mão e o conteúdo do retiro por terminar. Chegando a Curitiba dia 23/02 às 23:30, frei Amarildo, Ministro Geral, já estava lá, generosamente, para me levar a Ponta Grossa, convento São Francisco, onde se daria o retiro. Frei Antônio Roberto encaminhara tudo, inclusive a única suíte do convento muito bem arrumada. Ah! São duas: encontrei mais uma no corredor do convento.

Eu já sabia que o grupo é muito simples, muito acolhedor etc. Mas temia pelo nível acadêmico e pastoral dos frades. Porém todos estavam abertos, serenos, tranquilos, acolhedores. “Como Deus é bom!” exclamaria meu velho e finado pai.

Como a fraternidade e a simplicidade dessa Congregação marcam a gente! Na verdade, eu vim para orientar um retiro. Mas fui eu que fiquei enriquecido, edificado com o testemunho destes filhos de Francisco de Assis. No grupo de quase quarenta participantes, havia religiosas do ramo feminino da Congregação, noviços, pré-noviços, vocacionados. Um rol de pessoas dos mais variados tempos de vida religiosa encantadas pelo exemplo de Francisco de Assis.

Forma sancti evangelii” (assumir a forma do Santo Evangelho) foi a regra de vida que Francisco de Assis deu a seus irmãos. Anos depois fez alguns adendos à regra, mas para o Pobrezinho de Assis, o frade tem como norma absoluta de vida assumir o Santo Evangelho em sua vida. Viver e amar a Irmã Pobreza e anunciar o Evangelho da Paz.

E os Frades Menores Missionários assumiram essa forma de vida!

Como é admirável contemplar a vida dos frades menores missionários no Convento São Francisco, em Ponta Grossa/PR! Simplicidade, despojamento, fraternidade, alegria.

Os banheiros e lavatórios são comunitários. Lavanderia cheia de frades entrando e saindo lavando suas próprias roupas. Instalados cada um numa celinha de 3x2m², com uma simples cama, uma mesinha, às vezes uma estante; idosos e jovens, Geral e Guardião, todos na mesma condição, sem privilegiados. Muitos se movimentando durante os intervalos, sem perder o espírito orante do retiro, para manter a ordem e relativa limpeza dos espaços comunitários bem como preparar os ambientes litúrgicos para as celebrações.

Ninguém murmura nem reclama de nada. Todos alegres, satisfeitos, orantes, ajudando-se mutuamente. A uma palavra do Ministro Geral: “Precisamos de voluntários para lavar a louça do almoço e da janta todos os dias”, acolhida serena. Imediatamente, vários estão lá, no serviço solicitado.

Café da manhã: por equipes. Pelas 05:00h já estão se movimentando na cozinha e refeitório do convento para deixar o café pronto e participarem do Ofício Divino às 07:00h. Impreterivelmente, todos na capela, numa liturgia lindamente preparada pela equipe do dia e celebrada piedosamente por todos. Aliás, uma beleza de momentos celebrativos que eram pelo menos cinco durante o dia!

Vi aqui homens que procuram viver o Evangelho, como propôs São Francisco. A fraternidade, a ajuda mútua, a simplicidade na veste (hábitos remendados, puídos), a piedade e bom gosto nas celebrações, o espírito de obediência, o despojamento e a alegria! Não obstante as fraquezas humanas, vi aqui homens desejosos e empenhados em seguir a Jesus Cristo, a serem franciscanos de verdade. Homens de Igreja, servidores do Reino de Deus.

Vim temeroso, inseguro, desconfiado de mim mesmo. Volto fortalecido, revigorado pela participação na experiência de vida dos frades menores missionários. São homens de Deus! São servidores da alegria! A Igreja se enriquece com sua presença e missão.

“Altíssimo, onipotente, bom Senhor,

Teus são o louvor, a glória, a honra e toda a bênção.

Só a ti, Altíssimo, são devidos;

E homem algum é digno de te mencionar.

Louvado sejas, meu Senhor,

Com todas as tuas criaturas” (Cântico das criaturas).

Ponta Grossa, PR, 30 de janeiro de 2024.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Uma minoridade inspiradora de paz e de bem

aureliano, 19.08.23

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Mais de 24 horas de viagem entre decolagens e pousos; entre pousos que não puderam decolar. Calor e frio. Coluna e pernas doendo e idosos e mães com crianças: todos aguardando sete, oito, dez horas na fila para remarcar vôo. Sono e fome. Cansaço. Foi assim minha viagem de ida a Ponta Grossa/PR, para celebrar com meu irmão, Frei Gabriel, e seus confrades, no dia 15 de agosto de 2023, o Jubileu de Ouro de fundação da sua Congregação: Frades Menores Missionários.

Em 2013, na celebração dos 40 anos, eu participei. Nunca mais havia voltado. Mas sempre com o desejo no coração de rever novamente a vida franciscana no Convento São Francisco. Ali há uma magia, um encantamento, um “bom odor de Cristo” (2Cor 2,15) exalado pela mística dos Frades Menores Missionários. Agora decidi voltar lá. Desejo acalentado há anos.

À primeira vista eles não despertam o desejo nem encantam a sociedade do consumo e da aparência. O hábito quase sempre puído, remendado, por vezes sujo mesmo. Muitos com a barba e cabelos desgrenhados. Sandálias de borracha ou de couro. Tudo bem rústico e simples. Suas vestes e estilo de vida não despertam cobiça. Comida farta, asseada, mas sem os requintes das mesas dos ricos e vaidosos. A visita é bem recebida, mas vai se ajeitando como pode. Mesa pobre e farturenta. Como Jesus deseja: “Que em todas as mesas do pobre, haja festa de pão, de pão. E as mesas dos ricos, vazias, sem concentração de pão”.

Eles trazem na vida, resplandecem ao seu redor aquela luz que envolveu e transformou a vida de Francisco de Assis. Uma vida que tem seus problemas, seus desencontros, suas querelas e conflitos, como em toda comunidade e família.  Mas as nódoas da vida pessoal e comunitária não ofuscam nem matam a beleza e a nobreza da su’alma seraficamente evangélica.

Poucos, certamente. Uns quarenta homens consagrados que estão ali para seguir a Jesus, para trazer n’alma, quais outros Franciscos, as chagas de Jesus crucificado, a fim de descer da cruz os crucificados da história, e levar-lhes a alegria e o alento de Jesus ressuscitado.

Eles são “pusillus grex” (Lc 12,32), pequeno rebanho, mas deixam transparecer um grande sinal. Não pelo espírito de grandeza nem pela vaidade que destrói todo trabalho do Reino de Deus. Não! De jeito nenhum. Sua vida persegue o jeito de viver do Poverello de Assis. Francisco, por sua vez, propôs o Evangelho como a única e absoluta regra de vida. Desvestiu-se do manto que trazia e revestiu-se do Evangelho do Mestre de Nazaré.

São homens de oração. Nos primeiros albores do dia estão lá, na capela, para entrega da vida, dos trabalhos, da missão a Deus. Consagrando o melhor do seu dia ao Pai. E assim o fazem várias vezes ao dia, quando o podem.

Homens da fraternidade: vivem de tal modo que sua vida inspira as comunidades eclesiais, as famílias, as pessoas que os conhecem e com eles convivem. Tocados pela força do evangelho, tocam aqueles que deles se aproximam.

Homens de estudo, da ciência, do conhecimento. Dedicados ao preparo intelectual para servir à Igreja e ajudar a encontrar caminhos em meio às dificuldades de uma sociedade líquida e cada vez mais desprovida de sentido de vida.

Não se prevalecem uns sobre os outros. Padres e Irmãos, todos são Frades. Todos trabalham. Todos rezam. Todos são missionários. Todos são chamados a viver a minoridade. Contemplar aqueles homens de hábito rústico limpando os banheiros, salas e celas do convento, lavando a própria roupa, cozinhando, lavando louças e panelas, cuidando do jardim e da horta, apressando-se em ajudar, em servir, em aliviar quem está sobrecarregado, é um convite à conversão, a rever a própria vida.

São populares, pobres, despojados, próximos do povo, penitentes, empenhados na missão, esforçados em ser presença que ilumina, inspira e transforma a história. A alegria que brota do evangelho constitui uma de suas grandes metas. “Servi ao Senhor com alegria”, canta o salmista (Sl 100,2).

Na festa do Jubileu, o povo estava presente. Vieram fiéis de várias paróquias e comunidades onde eles missionam. Ninguém arredou o pé da celebração eucarística que se prolongou por quase três horas. E que contou com a presença de seis bispos, abade, provinciais, padres, diáconos, religiosos e religiosas, grande número de fiéis. Em seguida foi oferecido um jantar para todos os participantes da celebração. Todos tratados com a mesma dignidade, sem privilégios para ninguém. Gente graúda e miúda à mesma mesa. É a comensalidade tão sonhada por Jesus.

São Francisco deve estar cantando: “Louvado sejas, meu Senhor, pelos meus irmãos Frades Menores Missionários, que procuram viver a doação, a simplicidade, a fraternidade, a minoridade, a busca de viver o evangelho sem glosa. Louvado sejas, meu Senhor!”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN