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aurelius

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Uma minoridade inspiradora de paz e de bem

aureliano, 19.08.23

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Mais de 24 horas de viagem entre decolagens e pousos; entre pousos que não puderam decolar. Calor e frio. Coluna e pernas doendo e idosos e mães com crianças: todos aguardando sete, oito, dez horas na fila para remarcar vôo. Sono e fome. Cansaço. Foi assim minha viagem de ida a Ponta Grossa/PR, para celebrar com meu irmão, Frei Gabriel, e seus confrades, no dia 15 de agosto de 2023, o Jubileu de Ouro de fundação da sua Congregação: Frades Menores Missionários.

Em 2013, na celebração dos 40 anos, eu participei. Nunca mais havia voltado. Mas sempre com o desejo no coração de rever novamente a vida franciscana no Convento São Francisco. Ali há uma magia, um encantamento, um “bom odor de Cristo” (2Cor 2,15) exalado pela mística dos Frades Menores Missionários. Agora decidi voltar lá. Desejo acalentado há anos.

À primeira vista eles não despertam o desejo nem encantam a sociedade do consumo e da aparência. O hábito quase sempre puído, remendado, por vezes sujo mesmo. Muitos com a barba e cabelos desgrenhados. Sandálias de borracha ou de couro. Tudo bem rústico e simples. Suas vestes e estilo de vida não despertam cobiça. Comida farta, asseada, mas sem os requintes das mesas dos ricos e vaidosos. A visita é bem recebida, mas vai se ajeitando como pode. Mesa pobre e farturenta. Como Jesus deseja: “Que em todas as mesas do pobre, haja festa de pão, de pão. E as mesas dos ricos, vazias, sem concentração de pão”.

Eles trazem na vida, resplandecem ao seu redor aquela luz que envolveu e transformou a vida de Francisco de Assis. Uma vida que tem seus problemas, seus desencontros, suas querelas e conflitos, como em toda comunidade e família.  Mas as nódoas da vida pessoal e comunitária não ofuscam nem matam a beleza e a nobreza da su’alma seraficamente evangélica.

Poucos, certamente. Uns quarenta homens consagrados que estão ali para seguir a Jesus, para trazer n’alma, quais outros Franciscos, as chagas de Jesus crucificado, a fim de descer da cruz os crucificados da história, e levar-lhes a alegria e o alento de Jesus ressuscitado.

Eles são “pusillus grex” (Lc 12,32), pequeno rebanho, mas deixam transparecer um grande sinal. Não pelo espírito de grandeza nem pela vaidade que destrói todo trabalho do Reino de Deus. Não! De jeito nenhum. Sua vida persegue o jeito de viver do Poverello de Assis. Francisco, por sua vez, propôs o Evangelho como a única e absoluta regra de vida. Desvestiu-se do manto que trazia e revestiu-se do Evangelho do Mestre de Nazaré.

São homens de oração. Nos primeiros albores do dia estão lá, na capela, para entrega da vida, dos trabalhos, da missão a Deus. Consagrando o melhor do seu dia ao Pai. E assim o fazem várias vezes ao dia, quando o podem.

Homens da fraternidade: vivem de tal modo que sua vida inspira as comunidades eclesiais, as famílias, as pessoas que os conhecem e com eles convivem. Tocados pela força do evangelho, tocam aqueles que deles se aproximam.

Homens de estudo, da ciência, do conhecimento. Dedicados ao preparo intelectual para servir à Igreja e ajudar a encontrar caminhos em meio às dificuldades de uma sociedade líquida e cada vez mais desprovida de sentido de vida.

Não se prevalecem uns sobre os outros. Padres e Irmãos, todos são Frades. Todos trabalham. Todos rezam. Todos são missionários. Todos são chamados a viver a minoridade. Contemplar aqueles homens de hábito rústico limpando os banheiros, salas e celas do convento, lavando a própria roupa, cozinhando, lavando louças e panelas, cuidando do jardim e da horta, apressando-se em ajudar, em servir, em aliviar quem está sobrecarregado, é um convite à conversão, a rever a própria vida.

São populares, pobres, despojados, próximos do povo, penitentes, empenhados na missão, esforçados em ser presença que ilumina, inspira e transforma a história. A alegria que brota do evangelho constitui uma de suas grandes metas. “Servi ao Senhor com alegria”, canta o salmista (Sl 100,2).

Na festa do Jubileu, o povo estava presente. Vieram fiéis de várias paróquias e comunidades onde eles missionam. Ninguém arredou o pé da celebração eucarística que se prolongou por quase três horas. E que contou com a presença de seis bispos, abade, provinciais, padres, diáconos, religiosos e religiosas, grande número de fiéis. Em seguida foi oferecido um jantar para todos os participantes da celebração. Todos tratados com a mesma dignidade, sem privilégios para ninguém. Gente graúda e miúda à mesma mesa. É a comensalidade tão sonhada por Jesus.

São Francisco deve estar cantando: “Louvado sejas, meu Senhor, pelos meus irmãos Frades Menores Missionários, que procuram viver a doação, a simplicidade, a fraternidade, a minoridade, a busca de viver o evangelho sem glosa. Louvado sejas, meu Senhor!”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Repartir o pão de Deus

aureliano, 01.08.20

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18º Domingo do Tempo Comum [02 de agosto de 2020]

[Mt 14,13-21]

Mateus retrata dois relatos da multiplicação dos pães, a saber, o relato de hoje e também Mt 15, 32-39. O mesmo ocorre com Marcos. Somente João e Lucas relatam uma única vez. Marcos e Mateus fazem como que uma reprise da primeira, diferindo somente o lugar do acontecimento: a primeira, na Galiléia; a segunda, em território exclusivo dos gentios.

O discípulo está iniciado no Reino de Deus a partir do capítulo 13: as parábolas do Reino. O relato de hoje dá uma amostra para o discípulo de como deve ser o Reino de Deus: curar os doentes e dar pão aos famintos: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. A missão da Igreja deve ser a de tomar a defesa dos famintos, distribuindo o pão da Palavra que leva à partilha do pão material, ao cuidado com os mais necessitados. Não adianta a comunidade se reunir para o culto da Palavra, para a oração do Terço, para a Adoração se essa oração não leva a atitudes concretas de comprometimento com o Reino de Deus. O fruto da Palavra, e esta vem primeiro, deve ser a partilha que brota de um coração compadecido como o de Jesus.

É importante observar no relato do evangelho alguns símbolos que nos ajudam a perceber por onde o autor do evangelho nos quer conduzir. O texto fala de 5 pães, de 2 peixes, de 12 cestos e 5 mil homens. O número 5 nos remete à Torá, os cinco primeiros livros da Bíblia, que contêm os Ensinamentos de Deus para todo judeu. Os 5 mil homens podem corresponder àqueles que ouvem e seguem a Lei de Deus. O peixe lembra a presença salvadora de Jesus. Nos primeiros séculos tornou-se o símbolo dos cristãos diante da perseguição romana. Isso porque, em grego, a palavra peixe se escreve IXTUS, como um acróstico para a formulação da fé cristã: Iesùs Xristòs Theòu Uiòs Soteèr, que significa “Jesus Cristo Filho de Deus Salvador”. O número 12, símbolo da plenitude, lembra as 12 Tribos de Israel e os 12 Apóstolos.

Outro elemento como o deserto, lembra o lugar da peregrinação do Povo de Israel e sua organização quando se liberta da escravidão do Faraó; lugar da provação, do encontro com Deus. Aqueles que vêm ao encontro de Jesus querem se libertar do poder opressor de Herodes que, no relato anterior, mandara executar João Batista. O sentar-se na grama também tem seu sentido: sentar-se, na tradição judaica, é sinal de acolhida, de dignidade, de soberania. O pão distribuído recorda o maná que alimentou o povo no deserto. Aqui aponta para a Eucaristia, o Pão que nos alimenta e nos impulsiona à partilha.

Por esses elementos percebemos que esse relato quer nos indicar a pessoa de Jesus como aquele que veio dar um novo sentido à vida. O povo estava como “ovelha sem pastor”’, sequioso de uma palavra, um gesto que enchesse seu coração. E Jesus lhes dirige a Palavra e dá-lhes o pão. Indica o caminho que deve seguir: dar de comer a quem tem fome (cf. Mt 25,31-46).

Não adianta permanecer num ritualismo estéril: preocupação com o que pode e não pode dentro da celebração, mas trazer para a celebração a vida das pessoas, seus anseios, alegrias e dores. É preciso dar um novo sentido às nossas celebrações. Os dois gestos significativos de Jesus quando cura os doentes e alimenta os famintos nos impelem a continuar sua ação no mundo: “Dai-lhes vós mesmo de comer”. A Eucaristia urge consequência em nossa vida.

A propósito da celebração eucarística, os bispos advertem: “É necessário promover uma liturgia essencial, que não sucumba aos extremos do subjetivismo emotivo nem tampouco da frieza e da rigidez rubricista e ritualística, mas que conduza os fiéis a mergulhar no mistério de Deus, sem deixar o chão concreto da história de fora da oração comunitária” (Diretrizes Gerais, 2019-2023, 162). E mais adiante recomendam não desligar fé e vida, culto e misericórdia: “Em tempo de individualismo extremo, em que o eu parece ser o centro de tudo, é preciso dar o salto para uma espiritualidade comunitária, na qual a oração pessoal e comunitária sejam abertas ao coletivo, especialmente aos que estão nas periferias sociais, existenciais, geográficas e eclesiais” (Ibidem, 163).

A multiplicação do pão material mostra que Jesus nos alimenta com o pão que vem de Deus, sua palavra, a mensagem do Reino. É um gesto que inaugura o Reino de Deus. O pão material é o primeiro fruto do pão da Palavra. O pão material não é o último dom, mas é o aperitivo do Reino. Por isso mesmo precisamos cuidar que ele tenha gosto de Deus e não do materialismo. Para isso, antes de realizar o sinal da multiplicação, Jesus “ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção”. A propósito de remeter tudo o que temos a Deus, dizia um rabino dos primeiros séculos que ‘tomar o alimento sem dar graças é roubar o pão a Deus’. O reconhecimento de que o pão não é nosso, mas de Deus, portanto, para todos.

É missão da Igreja também denunciar toda forma de exploração e de usurpação dos direitos dos pequenos e pobres. A Igreja precisa dizer com Jesus: “Dai-lhes de comer”. Quando o Estado e/ou donos do poder exploram ou cometem qualquer tipo de injustiça que leve a faltar o pão na mesa dos pobres, a Igreja precisa levantar a voz profética, sob pena de ser perseguida e  seus líderes profetas serem assassinados.  “Na dúvida, fique do lado dos pobres” (Dom Pedro Casaldáliga).

É muito oportuno, quanto se trata do cuidado para com os pobres, lembrar algumas palavras do Papa Francisco por ocasião do Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Roma (2014): “Terra, teto, trabalho. É estranho, mas quando falo sobre estas coisas, para alguns parece que o Papa é comunista. Não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho.” E acrescenta Francisco que terra, casa e trabalho são “direitos sagrados”, “é a Doutrina social da Igreja”. E pronuncia esse apelo emblemático: “Nenhuma família sem casa. Nenhum camponês sem terra! Nenhum trabalhador sem direitos! Nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá”.

*Neste primeiro domingo de agosto celebramos o Dia do Padre. É oportunidade de agradecermos a Deus pelos padres que passaram por nossa vida, nos ajudaram, nos deram os sacramentos. Alguns já partiram desta vida. Outros continuam no meio de nós. É dia também de rezarmos e refletirmos sobre as vocações sacerdotais. O que você tem feito pelas vocações? Você ajuda, reza, apoia os vocacionados? Você ajuda a nós padres a sermos mais pastores, mais próximos, mais dedicados? Não trate o padre como ‘coitadinho’, não! Ele escolheu essa vocação atendendo ao chamado de Deus e da Igreja. Colocou-se livremente a serviço do evangelho. Precisa ser ajudado a viver com fidelidade e dedicação. E você, cristão leigo/a, deve ajudá-lo a ser um verdadeiro colaborador e servidor das comunidades, rezando por ele, fazendo a correção fraterna quando necessário, sendo colaborativo nos serviços e ministérios da comunidade! Ajudem-nos a sermos mais pastores, mais misericordiosos, mais generosos, mais paternais.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN