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aurelius

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Ter o pensamento de Deus

aureliano, 19.09.20

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25º Domingo do Tempo Comum [20 de setembro de 2020]

[Mt 20,1-16]

“Meus pensamentos não são os vossos pensamentos; vossos caminhos não são os meus caminhos” (Is 55,8). O Profeta da ‘volta do exílio’ quer ajudar o povo a refletir que não se deve pensar em vingança contra os inimigos de outrora que os arrastaram para o exílio. É preciso passar da imagem de um Deus vingador a um Deus misericordioso que traz o povo de volta e quer salvar os malvados.

Para pensar como Deus é preciso conversão da mente e do coração. A lógica do Reino de Deus é diferente da nossa. Deus age sempre a partir da misericórdia.

Logo após trabalhar nos discípulos o desapego para se entrar no Reino: “Todo aquele que tiver deixado tudo... herdará a vida eterna” (Mt 19,29), Mateus relata a parábola dos trabalhadores da vinha. A justa distribuição do salário provoca mal-estar nos corações ambiciosos que ainda não tinham o pensamento de Deus.

O contexto da parábola são as comunidades judaicas das sinagogas que rejeitavam e expulsavam os judeus que se convertiam à fé cristã. Por se julgarem os primogênitos de Deus consideravam-se mais merecedores do que os outros, desprezando seus irmãos judeu-cristãos. Ainda outra realidade era a da comunidade judaico-cristã que tinha muita dificuldade em acolher os cristãos provenientes do paganismo. É sempre aquela história do “filho mais velho” da parábola do Pai misericordioso: quem está na casa há mais tempo julga-se sempre no direito de ser o primeiro, o mais importante, desprezando os outros.

“O teu olho é mau porque eu sou bom?” (Mt 20,15). Essa pergunta da parábola deve sempre nos acompanhar. Ela contrapõe a ambição humana à generosidade divina. Olhar as pessoas com um olhar de Deus pede de nós profunda conversão. Conversão é sair de nosso egoísmo, mudarmos a direção de nossos pensamentos e afetos para ordená-los segundo os critérios do Reino. O “contrato” de Deus não se baseia na relação de produção: “dou para que me dês”, mas na pura gratuidade. Deus ama tanto a uns como a outros, sem distinção ou discriminação. Deus nos ama, não por sermos ‘bonzinhos’, mas porque Ele é Bom. Ele faz aliança conosco de graça: é dom.

O olhar de ambição, de ganância é o grande mal da sociedade. O olhar de ambição e cobiça gera rixa, mal-estar, desentendimento na família, divisão e discórdia. Um olhar ganancioso gera dor, angústia e morte. Colocar a lente de Jesus para ver as coisas e as pessoas deve ser nosso ideal, nossa meta de todos os dias.

Outro elemento interessante da parábola é o fato de que a verdadeira recompensa não está na contrapartida do “salário” pelo trabalho na vinha, mas em ser chamado e admitido no Reino de Deus. O chamamento de Deus e nossa resposta generosa são mais importantes do que a espera de recompensa. O verdadeiro salário está em sermos chamados a participar da vida divina: “A fim de que assim vos tornásseis participantes da natureza divina” (2Pd 1,4).

Essa parábola revela também a preferência de Deus pelos pobres, pelos últimos. Eles são destinados a ser os primeiros, os eleitos. Todos que são chamados devem conservar clara a consciência de que tudo quanto receberam é puro dom: não se deve buscar retribuição ou privilégios.

Nesse clima de aprofundamento da desigualdade social em que vivemos: os ricos se enriquecendo ainda mais, com crescente aumento do número de empobrecidos e miseráveis, essa parábola nos ensina também que Deus não quer ninguém à toa, desempregado, à margem. Quer todos na vinha, no trabalho, na conquista do pão cotidiano.

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A ESSÊNCIA DE DEUS

A imagem de Deus é determinante em nossas relações. Se alimento a imagem de um deus que fica anotando no caderno meus atos bons e maus para me julgar depois da morte, certamente minha vida vai perfazer um caminho de muita angústia e rigidez ou descaso total da religião. Importa muito trabalharmos em nós e nos outros a imagem de Deus: o Deus de Jesus é essencialmente bondade, gratuidade. Ele nos vê no conjunto de nossa vida, no empenho de termos um coração bom e generoso, sensível à dor e ao sofrimento das pessoas, que seja capaz de partilhar, de amar. É o Deus da parábola desse evangelho. Por vezes resistimos em ver Deus aí, nessa atitude de bondade para com todos: com quem chega mais cedo e com quem chega mais tarde. Queremos que Deus julgue com nossos critérios. Ou seja, criamos um deus à nossa imagem e semelhança.

O administrador nesta parábola retrata o ser de Deus: Bondade - não se baseia no mérito de cada um, mas na Sua própria bondade.

A generosidade de Jesus é uma aposta no ser humano que, uma vez recebido o amor, se faça generoso e ‘chegue mais cedo’.

A Palavra de Deus nos ajuda a entender, também, que as pessoas não devem ser tratadas como merecem: devem ser amadas.

Senhor, ajuda-nos a pensar nossa vida, nossas atividades, nossa missão segundo os teus pensamentos. Ajuda-nos a vencer toda ambição e desejo de poder para que sejamos sinais luminosos de tua bondade na vida daqueles que convivem conosco. E ensina-nos a amar as pessoas para além do que elas merecem: gratuitamente, generosamente, por amor de Ti. Amém.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Amar a Deus e ao próximo

aureliano, 27.10.17

amor a deus e ao próximo.jpg

30º Domingo do Tempo Comum [29 de outubro de 2017]

[Mt 22,34-40]

Antes de qualquer consideração, gostaria de chamar a atenção para as palavras do evangelho: “A fim de pô-lo à prova”. No texto do domingo passado temos uma expressão parecida: “Fizeram um conselho para tramar como apanhá-lo por alguma palavra”. Vejam como os inimigos de Jesus buscam sempre situações embaraçosas, como são ardilosos para tentar desviar Jesus de seu caminho que é fazer a vontade do Pai!

O que aconteceu com Jesus acontece também conosco. Quando colocados à prova, de que lado ficamos? Como respondemos às situações embaraçosas? Quais são mesmo nossas convicções a respeito de Deus, de nossa fé, de nossa Igreja, de nossos princípios morais de justiça, de verdade, de honestidade, de lisura, de hombridade, de respeito pelos outros? Seria bom darmos uma olhadinha para a postura de Jesus! “Com os olhos fixos naquele que é o autor e realizador da fé, Jesus, que, em vez da alegria que lhe foi proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e se assentou à direita do trono de Deus. Considerai, pois, aquele que suportou tal contradição por parte dos pecadores, para não vos deixardes fatigar pelo desânimo. Vós ainda não resististes até o sangue em vosso combate contra o pecado!” (Hb 12,2-4).

O texto deste domingo relata uma situação de embaraço armada pelos fariseus a Jesus. Querem ver como Jesus resume a Lei, na qual eles contavam 613 prescrições: 248 mandamentos e 365 proibições, todos atribuídos a Moisés. Todos tinham o mesmo peso. Jesus, Sabedoria do Pai, aproxima estes dois mandamentos, amor a Deus (Dt 6) e ao próximo (Lv 19), formando assim como que dois gonzos de uma única porta.

A resposta de Jesus dá unidade a esses dois mandamentos. Não tem como amar a Deus sem amar o próximo, e vice-versa (1Jo 3,11-18). Não se conhece e nem se vive a vontade de Deus sem referência ao próximo. Quem ama a Deus procura conhecer sua vontade a respeito do próximo. Quem não admite Deus na sua vida coloca-se a si mesmo como senhor e deus. Por outro lado, se não se considera uma instância absoluta, Deus, não se consegue amar o próximo com amor de gratuidade. Assim, podemos cair na situação de amar-nos a nós mesmos no próximo: políticos ambiciosos, os que fazem o bem fazendo questão de anunciar aos quatro ventos o que fizeram; pessoas que fazem shows em cultos religiosos, que não buscam o louvor e a glória de Deus e o bem da comunidade, mas a autoafirmação, a fama, o sucesso, o dinheiro etc. São deuses de si mesmos!

O amor de que fala o texto de hoje não é um amor de sentimento, mas uma opção ética. Ou seja, a pessoa cheia de Deus, escolhe e decide orientar suas forças e energias para Deus e colocar-se sempre ao lado do mais necessitado, do mais fraco.

Nesse caminho de amor a Deus e ao próximo, o cristão sente-se interpelado a solidarizar-se com os mais pobres, pois é impossível amar a Deus a quem não se vê e não amar o próximo que se vê (cf. 1Jo 4, 20). E a verdadeira religião é dedicar-se aos necessitados (cf. Tg 1, 27). Porém não basta uma esmola, um prato de comida, um pão. Esse mandamento coloca o cristão na luta pela mudança das estruturas sociais, por políticas públicas que contemplem as reais necessidades de todos, sobretudo dos mais pobres. Para que todos tenham acesso aos mesmos bens da Criação, sem privilegiados e excluídos.

Uma pergunta inquietante: Para que amar a Deus? Para que serve a religião? Não basta amar o próximo, cuidar dele sem referência a Deus?  Em resposta podemos dizer que, para amar bem o irmão, devemos também amar a Deus, aderir a Ele, porque entendemos que Deus é o Absoluto, o que tem a última palavra, a última instância de nossa vida. E se não buscarmos ouvi-lo, corremos o risco de nos ocuparmos com o próximo em busca de nós mesmos com um amor pegajoso, interesseiro, sufocante, narcisista. Um humanitarismo frágil porque vazio de sentido absoluto. Deus é amor, a fonte do amor. Não há como amar de verdade, na gratuidade, na generosidade sem beber dessa fonte cristalina, originante, sem medida. Nossa medida sem referência à medida amorosa de Deus, será sempre pequena, mesquinha, egoísta.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN