Vida eucarística: gratidão e gratuidade
28º Domingo do Tempo Comum [09 de outubro de 2022]
[Lc 17,11-19]
Certa ocasião, almoçando na casa de uma família, a netinha, enquanto guardava o prato, disse à sua vó e madrinha: “Deus te pague, Dindinha”. Achei aquele gesto lindo! A criança aprendeu que se deve ter um coração agradecido.
As boas atitudes se formam pela repetição de atos bons cotidianos. Em outras palavras: a atitude de gratidão se constrói a partir de pequenos gestos aprendidos desde criança, em casa, quando a mamãe ou o papai ensinam a criança a agradecer o alimento, a roupa lavada, o presentinho etc. Se não aprendermos a agradecer nunca seremos gratos e generosos. Aliás, a palavrinha mágica muito obrigado anda sumida do vocabulário familiar! E isso é desastroso, pois leva a uma compreensão de que somos donos de tudo, e que todos devem estar a nosso serviço.
Até aqui estamos falando das nossas relações humanas, de gestos de cortesia, de boa educação. Elas podem manifestar, porém, nosso ser mais profundo. Ou seja, como nos relacionamos com Deus. O Evangelho de hoje nos remete a essa relação. Foram dez os curados, mas somente um voltou para agradecer.
Quando pediram a cura a Jesus, este lhes pediu uma única coisa: “Vão mostrar-se ao sacerdote”, ou seja, cumpram o que está na Lei para voltarem ao convívio social (uma vez que os leprosos não podiam permanecer no convívio familiar e social por causa da doença contagiosa). Nove deles julgaram que bastava cumprir a Lei. Não perceberam que precisavam ir além, que tudo o que receberam foi graça. Pensavam ser ‘direito’ seu. Um apenas reconhece que sua cura é dom de Deus. Por isso volta para agradecer. E este era um samaritano, isto é, considerado inimigo pelos judeus.
Há cristãos que pensam ser direito seu receber todas as graças e bênçãos de Deus por estarem sempre na igreja, por serem dizimistas fiéis, por cumprirem tudo o que a Igreja pede. Esse modo de pensar denota claramente a falta de fé desse tipo de religioso. Escondem-se sob a capa da Lei e do Rito. Esquecem-se de que a vida, a fé, a condição de poder dizer “Jesus é o Senhor” (cf. 1Cor 12,3) são dons de Deus, graça, bondade do Pai que nos dá tudo de graça sem exigir nada em troca. Falta-lhes saber que Deus é louvado por uma vida vivida na justiça, na verdade, na fraternidade e na paz. Deus é louvado pela nossa vida. Nossos lábios tentam expressar uma vida que louva e agradece.
Outro elemento que também precisa ser considerado a partir do relato do Evangelho de hoje é o conteúdo das nossas orações: temos dificuldade de fazer oração de agradecimento. Nossas preces quase sempre são de pedido. Costumamos estabelecer uma relação comercial com Deus: “Vou fazer um jejum, uma oração, doar um dinheiro para que Deus me dê o que estou pedindo”. Como se Deus fosse nosso empregado e tudo o que pedimos devesse ser concedido porque “merecemos”! Porém o relato do leproso agradecido quer nos remeter a uma experiência de fé mais profunda e gratuita. A Eucaristia que celebramos, como o próprio nome está a indicar (Eucaristia = Ação de graças), deve ser nossa prece maior de gratidão ao Pai por tudo. Pois tudo é graça. Aliás, é próprio Cristo que se oferece ao Pai por nós. Ele mesmo leva ao Pai nossos pedidos e agradecimentos.
A experiência de Deus nos ajuda a reconhecer que tudo é d’Ele: a família, os irmãos, a mãe natureza, os bens, os dons, nossas capacidades. Mas só faz a experiência de gratidão quem se reconhece pequeno.
Finalmente, o relato quer nos ajudar a perceber que os milagres realizados por Jesus eram sinais que pretendiam conduzir à fé. Aqueles nove que não voltaram representam as pessoas que pedem e recebem, mas ficam no “milagre”, olhando para o sinal. Jesus quer que os sinais levem as pessoas ao encontro com ele. A fazerem a experiência do amor de Deus. Um encontro que transforma, que dá novo horizonte à vida, que leva a ter atitude de gratidão e de serviço. De nada adianta viver à cata de milagres e fechar-se a Deus e aos irmãos.
Para ajudar: Você costuma fazer oração de agradecimento? Sabe agradecer às pessoas os favores e serviços? É reconhecido àqueles que cuidaram e cuidam de você? Sabe identificar os milagres que Deus faz em sua vida todos os dias? Sua fé aparece nas suas ações e atitudes cotidianas: honestidade, verdade, justiça, fraternidade, perdão, tolerância, paciência, compreensão, solidariedade, lealdade, oração, caridade?
Tudo é dom de Deus, pertence a Deus, portanto, deve ser usado com os critérios do Evangelho. Você usa com critério e sabedoria os bens que Deus lhe deu? Sabe partilhar com quem não tem? Vota em políticos e luta por políticas públicas que se empenham para que todos os pobres tenham acesso aos bens da criação? A fé cristã compromete a vida!
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN