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Pedro, a rocha; Paulo, a missão

aureliano, 02.07.21

São Pedro e São Paulo - 04 de julho.jpg

Solenidade de São Pedro e São Paulo [04 de julho de 2021]

[Mt 16,13-19]

Hoje se celebram na Igreja duas vocações distintas e complementares: Pedro governa as responsabilidades da evangelização. Alguns o identificam com o fundamento institucional da Igreja. Jesus lhe dá o nome de Pedro que significa “pedra”, “rocha”. Sobre sua profissão de fé a comunidade é edificada. Cefas, Kepha significa gruta escavada na rocha. Nessa gruta os pobres ou os animais se escondem e/ou moram. Aí é o lugar do cuidado, da proteção, da geração da vida. A Igreja torna-se, pois, o lugar privilegiado do cuidado da vida. É a caverna rochosa onde os pequeninos do Reino encontram abrigo e cuidado.

Pedro recebe o “poder das chaves”, isto é, o serviço de administrador da comunidade. Recebe também o poder de “ligar e desligar”, isto é, o poder da decisão, da responsabilidade pastoral para orientar os fiéis no caminho de Cristo. Esse ministério é confirmado por outros textos: “Confirma os teus irmãos” (Lc 22, 31). “Apascenta os meus cordeiros” (Jo 21, 15). É a intenção clara de Jesus em prover o futuro da Igreja.

Paulo é o fundador carismático da Igreja. Aquele que se preocupa com a ação missionária da Igreja. Tem a preocupação de anunciar além-mar. Por isso é cognominado “Apóstolo das Gentes”. Representa a criatividade missionária. Vai para além do institucionalizado. Rompe com normas e leis que prendem o evangelho: Verbum Dei non est alligatum – “A palavra de Deus não está algemada” (2 Tm 2,9).

A complementaridade desses dois carismas fundadores da Igreja continua atual: a responsabilidade institucional e a criatividade missionária. Alguém deve responder pela instituição, pois esta dá suporte ao missionário. Por outro lado, alguém tem que “pisar no acelerador” da missão, sem se prender muito, para que a missão não fique refém de normas rígidas e anacrônicas. O novo desafia o institucionalizado e o atualiza. A tensão entre ambos é que mantém acesa a chama da missão.

Nesse “Dia do Papa” seria bom reaquecermos nossa veneração e acolhida à pessoa e à palavra do Papa, sucessor de Pedro. Ele é o sinal da unidade e da caridade da Igreja. Com os limites que são próprios ao ser humano, ele continua sendo o sucessor de Pedro, o Bispo de Roma, reconhecido pela Igreja, desde a antiguidade, como aquele que “preside a assembléia universal da caridade” (Santo Inácio de Antioquia , século II).

O que importa nessas considerações é sermos pessoas que, como Pedro e Paulo, tenham a coragem de doar a vida pela causa do Reino de Deus. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas. Eles se doaram até ao sangue.  E nós? Onde estamos na doação, na entrega, na missão? Como zelamos pela nossa Igreja? Como anda nossa identidade cristã e católica frente às afrontas e desrespeito ao evangelho, à vida e à Igreja? Até que ponto sou comprometido com minha comunidade eclesial?

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Pedro e Paulo: coragem e fidelidade batismal

São Pedro e São Paulo coroam o mês de junho e as festas juninas. É interessante notar que não se trata somente de festas populares, mas há uma espiritualidade subjacente a esses momentos dentro de nossas comunidades. A alegria, o encontro, a dança, as manifestações da piedade popular, as celebrações... Claro que, em grande medida, as festas são mais pagãs do que cristãs. Muitos se valem destas festividades para lucrar muito dinheiro e garantir “curral eleitoral”. Outros se entregam à bebida e às drogas, desvirtuando o clima de alegria, confraternização e celebração da comunidade. Mas não podemos deixar morrer o sentido original e cultural destas festividades. Ainda mais: deve ficar a mensagem de que os santos mais populares deste mês: Santo Antônio, São João e São Pedro, são homens que viveram para Deus e testemunharam com sua vida a fé que professaram em Jesus Cristo.

Hoje, ao celebrarmos São Pedro e São Paulo, solenizamos as duas colunas da Igreja. "Pedro, o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel. Paulo, mestre e doutor das nações, anunciou-lhes o Evangelho da Salvação. Por diferentes meios, os dois congregaram à única família de Cristo e, unidos pela coroa do martírio, recebem, por toda a terra, igual veneração" (Prefácio da missa). Pedro representa a Igreja institucional, é a "Pedra" que recebe a incumbência de "confirmar os irmãos", enquanto Paulo representa o carisma missionário, atravessa mares e desertos para anunciar a Boa Nova do Reino, formando novas comunidades cristãs.

A profissão de fé de Pedro é a base da comunidade cristã: "Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo". É nessa fé que a Igreja se firma e caminha. É o Espírito que sustenta a caminhada da Igreja. Ela não se instituiu sobre "carne e sangue", mas no Amor gratuito do Pai revelado na entrega livre do Filho pela salvação da humanidade (cf. Jo 10,18).

As "chaves do Reino" que são confiadas a Pedro devem sempre abrir as cadeias e algemas daqueles que estão dominados pelo mal. Quanta gente presa nas amarras da mentira, da ambição, da corrupção, do ódio, do preconceito, do medo, da enganação! Nosso mundo precisa, cada vez mais,  das "chaves do Reino" para abrir-se a mais partilha, mais sentido de vida, mais perdão, mais fraternidade, mais respeito, mais equidade e compreensão.

Quando lançamos um olhar de fé sobre esses dois homens cuja solenidade celebramos hoje, percebemos quão distantes ainda estamos da vivência de uma fé autêntica, corajosa, testemunhal!

Pedro foi encarcerado por causa da fé! Levou às últimas consequências sua profissão de fé: "Tu és o Cristo". Paulo também foi preso, ameaçado e perseguido pelos de dentro e pelos de fora. Mas levou até ao fim sua missão: "Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. (...) O Senhor me assistiu e me revestiu de forças, a fim de que por mim a mensagem fosse plenamente proclamada e ouvida por todas as nações" (2Tm 4, 6-7.17).

Até que ponto damos conta de sustentar nossa fidelidade ao Evangelho, levando às últimas consequências nosso batismo? Quais são as ilusões ou dificuldades que nos fazem desanimar, abandonar a missão, a comunidade? O que constitui o "conteúdo" de nossa vida: Jesus Cristo ou as vaidades e posses da sociedade capitalista e consumista? O que preciso deixar e o que preciso abraçar com mais vigor para ser verdadeiro discípulo como Pedro e Paulo?

Nesse dia a Igreja nos pede orações pelo Papa. Ele é o sucessor de Pedro. É ele que “preside a assembleia universal da caridade” (Santo Inácio de Antioquia) e é o sinal visível da unidade da Igreja. Peçamos ao Senhor que lhe dê muita luz para conduzir a Igreja pelos caminhos de Jesus. E lhe dê muita força e coragem para enfrentar os obstáculos e as resistências que essa sociedade e as situações difíceis que os "de dentro" lhe oferecem. E que tenha a sabedoria necessária para ajudar a Igreja a se abrir ao diálogo com o novo que surge a cada dia na fidelidade a Jesus e à sua missão.

O Papa Francisco tem surpreendido o mundo com seus gestos de simplicidade, de humildade, de acolhida, de uma palavra profética. Precisamos prestar mais atenção a seus ensinamentos. Ele nos aponta o verdadeiro caminho pelo qual a Igreja deve passar. Ele pede uma Igreja em saída para as periferias geográficas e existenciais. Uma presença e defesa dos mais pobres. “Prefiro uma Igreja acidentada, a uma Igreja doente por fechar-se”.

“A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque nesse caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e exige-o o amor por toda a pessoa, independentemente do seu desenvolvimento. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandona, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura, e em todas as formas de descarte. Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo, onde alguns festejam, gastam folgadamente e reduzem a sua vida às novidades do consumo, ao mesmo tempo que outros se limitam a olhar de fora enquanto a sua vida passa e termina miseravelmente” (Gaudete et Exsultate, 101).

 Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A missão com Jesus

aureliano, 06.07.19

14º domingo do TC - C - 07 de julho.jpg

14º Domingo do Tempo Comum [07 de julho de 2019]

[Lc 10,1-12.17-20]

Jesus tomou a firme resolução de subir para Jerusalém (cf. Lc 9,51). Essa trajetória histórico-teológica de Jesus quer nos mostrar que ele veio para uma missão: cumprir a vontade do Pai. E o preço de sua fidelidade não seria baixo. Sua fidelidade devia ser corroborada também por sua firmeza. “Tomar a cruz” significa fidelidade ao Pai e aos irmãos. O que vale para Jesus vale para os seus discípulos, para todos nós.

Nesse caminho ele quis contar com alguns discípulos. Estes foram enviados à sua frente para preparar sua passagem. Enfrentariam durezas, adversidades, incompreensões, rejeições. No entanto o que lhes devia importar é que faziam parte do Reino: “Vossos nomes estão escritos no céu”.

Alguns elementos que nos ajudam a pensar nossa missão, hoje:

  • A Igreja, continuadora da missão de Jesus, deve assumir uma vida de peregrina, pondo-se a caminho. O nosso Papa tem insistido nesta tecla: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG 49). Ou seja, é preciso enfrentar os riscos da missão. Nada de ficar olhando para trás, com um saudosismo doentio e paralisante de quem vive de passado. O olhar retrospectivo só é válido para avaliar nosso presente e nos lançar, com novo ardor, para o futuro. Precisamos nos desvencilhar daquela ideia de que a Igreja existe para encher templos, promover grandes eventos, provocar emoções e lágrimas numa espécie de histeria coletiva. Não. A Igreja foi fundada por Jesus para mostrar ao mundo o amor que o Pai tem por todas as pessoas. E, para isso, deve promover na sociedade o cuidado pelos mais fracos, como fez Jesus.
  • Jesus envia seus discípulos para “curar os doentes” e anunciar que o Reino de Deus está próximo. A mensagem do Evangelho precisa ser atraente, transformadora. Ela precisa ser “lida”” naqueles que a anunciam. O evangelizador, imbuído do sentimento de Jesus, traz para o pobre a certeza de que o Reino de Deus chegou. Dar-lhe um sentimento de esperança. Transmitir-lhe o conforto da presença de Deus em sua vida. O pobre se sente apoiado, amparado, assistido. Sente que há alguém por ele. Não basta fazer sermões bonitos ou celebrar belas liturgias. Precisamos saber ouvir, acolher, ajudar, encaminhar as situações de dor e de sofrimento das pessoas. Isso é o Reino de Deus.
  • Outra palavra de Jesus que não pode passar despercebida é a da paz: “Quando entrardes numa casa, dizei: paz a esta casa”. O convite que o Papa Francisco faz para irmos às periferias geográficas e existenciais tem a ver com essa palavra de Jesus. Ao visitarmos uma pessoa para levar-lhe a Palavra de Deus, precisamos estar imbuídos da paz que brota do coração do Pai. E também ter a capacidade de respeitar a pessoa na sua circunstância. Não podemos impor à pessoa uma crença, uma religião. Não fomos enviados para isso. Queremos que ela experimente a paz, o Shalon que vem de Deus e que significa uma vida vivida com alegria, de bem com todos, na participação equitativa nos bens da criação, experimentada pela comunidade e não apenas pelo indivíduo. Se vivemos assim então transmitiremos a paz às pessoas visitadas. Uma paz que brota da confiança total no Pai. Uma paz que é dom, mas que também é tarefa, no sentido de que depende também de nós trabalharmos para que as pessoas saibam se respeitar; saibam viver na justiça e na equidade. Uma paz que é cultivada dentro do coração humano que busca viver uma vida em Deus.
  • Outro elemento que precisa ser levado em conta nesse evangelho é a ordem de Jesus a respeito dos trabalhadores da vinha. Faltam operários. É preciso pedir ao dono da vinha que mande trabalhadores. Aqui surge a questão da “mão-de-obra”. É o Senhor que envia operários, mas é preciso pedir. Ou seja, deve haver interesse de nossa parte que outros venham trabalhar. A vinha não é nossa. É do Senhor. Mas ele quer que a assumamos como nossa, que demos a vida por ela, que nos empenhemos para que muitas pessoas entrem nela para trabalhar. É o Reino que precisa de operários. Chega de parasitas, de exploradores do povo! A messe precisa de gente disposta a trabalhar, a enfrentar os lobos, os espinhos, a fadiga do dia, as perseguições, a cruz. Este é o Reino que a Igreja anuncia. É a nossa tarefa.
  • Enfim, não poderia deixar de mencionar também a necessidade do desapego para a missão. Não levar muito peso. O que devemos levar é só Jesus e seu projeto. Precisamos deixar para trás nossas coisas, nossas ideias, nossos projetos. Estar aberto à realidade do outro faz parte do desapego. Livres de preconceitos. O outro também tem o que nos oferecer. E Jesus recomenda que comamos daquilo que o visitado nos oferece. Ou seja, é preciso compartilhar da mesa, da vida, dos sonhos, das necessidades de das ofertas dos destinatários de nossa missão. Se eu encher demais o barco para ir em missão, corro o risco de afundá-lo. Então nem o missionário sobrevive nem a missão acontece. Despojamento, simplicidade, acolhida, escuta sem julgamento!

Para refletir: como estamos vivendo a missão? Temos tido coragem de sair às periferias, nos encontrarmos com as pessoas que vivem na dor, na desesperança, na falta de sentido de vida? Como temos acolhido as pessoas em nossas celebrações, em nossas casas, em nossas secretarias paroquiais? Enxergamos nelas o rosto de Jesus que sofre? Temos tido preocupação com aqueles que estão afastados?

Notemos bem: a alegria do discípulo do Reino não deve se apoiar no que faz para os outros, mas no que o Senhor fez por ele: “Vosso nome está escrito no céu”. A alegria não está no êxito da missão; nem mesmo o fracasso poderá tirá-la. Pois a alegria consiste não no fazer muitas coisas, mas em ser discípulo de Jesus.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN