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aurelius

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O amor que salva

aureliano, 20.11.20

Cristo Rei do Universo [22 de novembro de 2020]

[Mt 25,31-46]

O capítulo 25 de Mateus é constituído por três parábolas que evocam a vigilância em vista do fim: a das virgens, a dos talentos e a do julgamento final. Enquanto as duas primeiras mostram a insensatez daqueles que não vigiam como devem, esta última mostra qual será o critério de julgamento no fim da vida: o amor concreto às pessoas que sofrem: famintos, sedentos, migrantes, nus, doentes, presos.

Na cultura judaica (e talvez ainda hoje!) essas categorias de pessoas eram tidas como impuras, condenadas por Deus. Sofriam porque estavam pagando por algum pecado. Jesus veio dar uma guinada nessa compreensão, identificando-se com elas: “Todas as vezes que o fizestes a um destes mais pequeninos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 40). O rosto de Deus se manifesta no rosto do pobre, excluído dos bens da criação. Um rosto que nos interpela, que provoca nossa indiferença.

Para reconhecer a presença de Deus no pobre é necessário conversão! No tempo de Jesus, Deus era encontrado no Templo (quando o evangelho de Mateus foi escrito, o Templo já havia sido destruído), nas sinagogas, naqueles que cumpriam a Lei de Moisés. Eram os justos. Mas Jesus chama de justos aqueles que cumprem a lei do amor: cuidado para com os famintos, sedentos, presos, migrantes, doentes, nus. Os “pequeninos” do Reino constituem o lugar do encontro com Deus. Desse modo Jesus universaliza a possibilidade do encontro salvador com Deus. Todas as pessoas, de qualquer religião ou cultura, podem agora escolher o caminho da salvação ou da condenação. Ouvir “vinde benditos” ou “ide malditos” depende do caminho que cada um escolhe: amor-doação ou egoísmo-fechamanto.

É interessante notar que os justos do Evangelho da liturgia de hoje não sabem que os pobres, a quem serviram, representavam o Rei. Não praticaram a misericórdia para impressionar o Rei nem para “alcançar a salvação”. Mas foram misericordiosos e servidores dos pobres por pura bondade e compaixão para com os necessitados. Essa despretensiosa bondade é que conta para Deus: fazer o bem, praticar as obras de misericórdia sem desejar receber nada em troca, nem mesmo o céu. Este nos é dado como dom, como fruto da bondade do Pai, e não de nossa “compra” ou prática de atos bons. Se pudemos fazer alguma coisa boa pelos mais pobres, também essa possibilidade nos foi dada por Deus, por dom e graça d’Ele. Conclui-se que o critério último da salvação não é a fé, mas a “fé informada pela caridade” (cf. 1Cor 13,2; Gl, 5,6).

A Escritura diz que até os demônios crêem: “Tu crês que há um só Deus? Ótimo! Lembra-te, porém, que os demônios também crêem, mas estremecem” (Tg 2,19). Crer simplesmente que Deus existe não significa nada para nossa vida. É preciso ter uma fé comprometida: crer na existência de Deus e assumir na vida o jeito de ser de Deus revelado na pessoa de Jesus de Nazaré. Em outras palavras, a fé precisa incidir nas atitudes cotidianas de respeito, de cuidado, de compreensão, de justiça, de honestidade, de lealdade, de perdão, de sentimento de partilha e solidariedade etc. Sem o cultivo dessas atitudes, a fé termina por ser um vazio que não diz nada nem para si mesmo nem para os circundantes (cf. 1Cor 13,1-3). Aliás, o que tem de gente por aí explorando, dominando e extorquindo as pessoas em nome da fé religiosa é um horror! A Polícia Federal, tão badalada ultimamente, precisaria dar uma vasculhada nisso.

A caridade dá corpo à nossa fé. “Se alguém, possuindo os bens deste mundo, vê o seu irmão na necessidade e lhe fecha o coração, como permanecerá nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade” (1Jo 3,17-18).

Ilumina muito o que estamos querendo dizer a respeito da relação fé e caridade para a salvação, a palavra do Papa Francisco na mensagem para o IV Dia Mundial dos Pobres: “’Estende a mão ao pobre’ faz ressaltar, por contraste, a atitude de quantos conservam as mãos nos bolsos e não se deixam comover pela pobreza, da qual frequentemente são cúmplices também eles. A indiferença e o cinismo são o seu alimento diário. Que diferença relativamente às mãos generosas que acima descrevemos! Com efeito, existem mãos estendidas para premer rapidamente o teclado dum computador e deslocar somas de dinheiro duma parte do mundo para outra, decretando a riqueza de restritas oligarquias e a miséria de multidões ou a falência de nações inteiras. Há mãos estendidas a acumular dinheiro com a venda de armas que outras mãos, incluindo mãos de crianças, utilizarão para semear morte e pobreza. Existem mãos estendidas que, na sombra, trocam doses de morte para se enriquecer e viver no luxo e num efêmero desregramento. Existem mãos estendidas que às escondidas trocam favores ilegais para um lucro fácil e corrupto. E há também mãos estendidas que, numa hipócrita respeitabilidade, estabelecem leis que eles mesmos não observam”.

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Hoje celebramos o dia dedicado ao Cristão Leigo. O protagonismo do fiel leigo na Igreja tem sido incentivado aos quatro ventos pelo Papa Francisco. O Documento 105 da CNBB reitera a importância da vida e da missão dos cristãos leigos na Igreja e na sociedade: “A partir da sua vocação específica os cristãos leigos e leigas vivem o seguimento de Jesus na família, na comunidade eclesial, no trabalho profissional, na multiforme participação na sociedade justa, solidária e pacífica, que seja sinal do Reino de Deus inaugurado por Jesus de Nazaré” (n. 11).

Corremos o risco de clericalizarmos o leigo, “embatinando-o”. O cristão leigo tem seu lugar e missão na Igreja e no mundo a partir de seu batismo. Ouçamos o Papa Francisco: “Em virtude do Batismo recebido, os fiéis leigos são protagonistas na obra de evangelização e promoção humana. Incorporado à Igreja, cada membro do Povo de Deus é inseparavelmente discípulo e missionário. É preciso sempre reiniciar dessa raiz comum a todos nós, filhos da Mãe Igreja" (07-03-2014). E, na visita à Coréia, deixou essa belíssima palavra: “A Igreja na Coréia, como todos sabemos, herdou a fé de gerações de leigos que perseveraram no amor a Jesus Cristo e na comunhão com a Igreja, apesar da escassez de sacerdotes e da ameaça de graves perseguições” (16/08/2014).

Infelizmente, muitos leigos e leigas que se dizem cristãos e que ocupam postos de decisão da vida política e econômica de nosso País estão sendo uma decepção. A fé cristã não diz nada para a vida da maioria deles. É só acompanhar seus projetos, votações, discursos e posturas na gestão de seus patrimônios: propinas, disputas de cargos, troca de favores em defesa de interesses pessoais, corporativos e partidários.

Aos cristãos leigos e leigas que vivem com inteireza a sua fé batismal, procurando servir ao Reino e transformar a sociedade pelo testemunho de uma vida santa e servidora, com palavra e atitude proféticas de repúdio e contestação a esse estado de corrupção sistêmica que tomou conta de nosso País, nosso apoio e incentivo. O Senhor os confirme e encoraje sempre mais neste caminho.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A paciência de Deus

aureliano, 17.07.20

16º domingo do TC - A - 19 de julho.jpg

16º Domingo do Tempo Comum [19 de julho de 2020]

[Mt 13,24-43]

Continuamos no capítulo 13 de Mateus no qual Jesus conta uma série de parábolas do Reino. No domingo passado pudemos rezar a parábola do semeador na qual Jesus mostra a variedade de terreno e a força da semente que é a Palavra de Deus. A grande tentação é negar-se a prestar ouvido ao que Deus pede de nós: “quem tiver ouvidos, ouça” (Mt 13,9); é negar-se a olhar para Jesus (cf. Hb 12,2) e manter os olhos fixos em si mesmo, alimentando um narcisismo perverso.

Hoje a liturgia traz a narrativa de várias parábolas: do joio e do trigo > deixar crescer juntos entregando a responsabilidade da seleção para Deus; da semente de mostarda > um Reino revestido de humildade, sem grandeza, mas que revela sua força por isso mesmo; do fermento > a força de Deus escondida, porém transformadora.

A parábola do joio e do trigo adverte nossa falta de paciência, de longanimidade (grandeza de alma) diante das fraquezas e pecados alheios. Buscamos resultados imediatos, números, mudança segundo nossos critérios, muitas vezes legalistas e exigentes demais. Ainda mais: quantas vezes nos arvoramos em juízes implacáveis das pessoas! Jesus quer que demos sempre uma nova oportunidade ao ser humano que erra.

As atitudes devem ser avaliadas e julgadas, mas a pessoa deve ser sempre respeitada. Ninguém conhece perfeitamente os recônditos do coração humano. Isso é prerrogativa divina. Por isso, somente a Deus compete o juízo definitivo.

Quando Mateus escreve este texto quer, provavelmente, mostrar uma realidade da comunidade que aguardava a vinda de Jesus (Parousia) para muito em breve. Por isso exorta à paciência. Hoje o que impacienta pode ser o ativismo, o imediatismo e mesmo o radicalismo de pessoas até muito engajadas na comunidade, mas que sufocam e matam a semente do amor no coração dos outros.

Penso que a grande lição do evangelho de hoje para nós e nossas comunidades é a de termos mais paciência com as dificuldades e limitações dos irmãos, respeitando seus passos, acolhendo suas diferenças. Muitas vezes alguém que poderia crescer muito na comunidade, acaba por minguar-se por falta de incentivo, de apoio, de perdão, de respeito, de tempo, de oportunidade. É preciso dar força ao trigo para que não seja sufocado pelo joio.

Importa, mais do que nunca, acolher a grandeza de Deus que está muito além de nossos pobres e mesquinhos juízos sobre a salvação dada por Deus a todas as pessoas. A nós compete colaborar com o Pai na obra da salvação. Julgar, selecionar, recompensar, punir etc é atributo de Deus. Quando nos deixamos conduzir pelo Espírito de Deus, assumindo o jeito de viver de Jesus, seu projeto vai se realizando no mundo.

Devemos nos colocar sempre como colaboradores de Deus espalhando a semente do bem no mundo e tendo uma atitude que sempre incomode o reino de morte.

 

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O REINO DE DEUS É FEITO DE MISERICÓRDIA, DE SIMPLICIDADE E DE FORÇA INTERIOR

A primeira parábola quer nos ajudar a entender a misericórdia de Deus. A pessoa sempre merece ter mais uma chance, uma oportunidade. O Pai dá sempre tempo para a conversão (cf. Lc 15: parábolas da misericórdia). Isso significa também que não nos podemos escandalizar diante de uma Igreja medíocre, pecadora, longe do ideal evangélico. Feita de santos e pecadores e mergulhada no mundo, ela corre sempre o risco de se contaminar pela maldade. Por isso precisamos mudar nossa ideia de Deus: de um deus violento, intolerante, ciumento, mesquinho, avarento a um Deus misericordioso, compassivo, paciente e justo. É o Deus revelado por Jesus. Guardemos isso: A ideia que temos de Deus determina nossas atitudes, posturas, relações com o próprio Deus, com nós mesmos, com o mundo e com os irmãos.

A segunda parábola lembra-nos a dimensão da simplicidade do Reino de Deus. Dá uma ideia de amplidão, de crescimento, de espaço a partir da pequenez evangélica. A pequenez da semente vem mostrar que a força do Reino não está na aparência, na exterioridade (encher praças, ruas e templos), mas no conteúdo. O Reino de Deus anunciado por Jesus cresce e se expande pela força que vem do Alto.

A terceira parábola nos remete à força interior do Reino de Deus. O fermento age sem ser visto. A gente não vê o fermento no bolo ou no pão. Sabemos que está ali e agiu pelo gosto gostoso. O verdadeiro sabor da vida cristã não vem de fora: de ritos, de shows, de ativismo etc. A força que transforma o ser humano, o mundo, a história vem de Deus. Uma vida alimentada pela mística, pela espiritualidade, pela oração é que vai produzir frutos que transformam o mundo.

Essas parábolas não nos deixam esquecer que o Reino é de Deus. Não somos nós os protagonistas da transformação da história. É Deus que age e transforma as pessoas. Nós somos instrumentos, muitas vezes, desajeitados em suas mãos. Às vezes fazemos bem, às vezes fazemos mal; às vezes ajudamos, às vezes atrapalhamos. O importante é colocar-se sempre aberto e disponível para colaborar na obra da salvação da humanidade. O resto é por conta do Pai. Porque o Reino é dele: “Porque tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória pelos séculos. Amém” (Rm 11,36).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN