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aurelius

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A lei foi feita para o bem do ser humano

aureliano, 31.05.24

10º Domingo do TC - B - 06 de junho 2021.jpg

9º Domingo do Tempo Comum [02 de junho de 2024]

[Mc 2,23 – 3,6]

O relato do evangelho para esse domingo sugere dois pontos de reflexão: o repouso dominical e a transgressão da lei.

São João Paulo II escreveu uma cartinha sobre o domingo (Dies Domini). Ali ele tenta mostrar a importância de se recuperar o Domingo como Dia do Senhor, Dia da Criação, Dia do Ser Humano, Dia do Descanso.

A preocupação do Papa revelava o que estamos vivendo: o domingo perdeu quase por completo seu sentido original que traz no próprio nome: Dominica, Dies Domini: Dia do Senhor. As mudanças nas relações econômicas, culturais, sociais e religiosas pelas quais tem passado o nosso mundo, trazem consigo esse novo modo de viver o Domingo. Isso não somente entre os agnósticos e arreligiosos, mas também entre os próprios cristãos e católicos.

Se por um lado essa espécie de indiferença diante do domingo e outras celebrações litúrgicas ditas “de preceito” trazem certa dificuldade e tristeza, por outro, ajudam a reconsiderar caminhos feitos e fortalecer aqueles que ainda acreditam na força e importância de celebrar o Domingo como dia do Senhor e do descanso.

A ordem de Deus a Moisés para que se guardasse o Sábado era um meio de se fazer memória da libertação do Egito operada pelo próprio Senhor. Também traz dentro de si o eterno desejo do Criador: o ser humano não é escravo; precisa viver em liberdade. Quando o texto sagrado diz que “o sétimo dia é sábado para o Senhor teu Deus” (Dt 5,14), quer nos lembrar que o “Sábado” não é mera prescrição ou observância legal, mas uma exigência de liberdade e diálogo entre Deus e seu povo. É um dia de descanso “para o Senhor”. Não é preciso dizer que o Sábado dos judeus se converteu no Domingo para nós cristãos por causa da Ressurreição do Senhor.

Outra reflexão que fazemos a partir do evangelho de hoje é referente à transgressão das leis e normas. Até que ponto a Lei deve ser cumprida e desde quando deve ser transgredida?

Nos tempos de Jesus a observância do Sábado se transformara num peso insuportável. Em vez de ser dia de repouso, de descanso, tornou-se dia de peso, de cansaço. Uma escravidão. O culto sabático caiu numa ação externa e formal.

Jesus veio dar novo sentido à Lei, ao Sábado. Ele não transgride nem suprime a Lei, mas vem dar-lhe pleno sentido (cf. Mt 5,17). Para isso ele parte de dois princípios: a misericórdia e a consciência. Uma realidade divina e outra humana. Apelo do Alto e resposta humana.

No princípio da Misericórdia ele parte da realidade do ser humano e suas necessidades imediatas que precisam estar acima de qualquer lei. Uma legislação ou código de normas que não leva em conta o ser humano como prioridade é vazia de sentido. “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado” (Mc 2,27). A misericórdia deve prevalecer sobre as exigências legais. Por isso Jesus cura aquele homem no dia de Sábado. Quem quiser viver o princípio da Misericórdia coloca em risco sua vida à semelhança de Jesus: é uma atitude eucarística.

Um dado interessante no relato do evangelho de hoje é que, estando dentro da sinagoga, num momento de culto a Deus, enquanto as atenções se voltam para Deus, Jesus volta seu olhar para aquele homem doente. E pede que ele “fique no meio”. Foi, certamente, uma afronta aos dirigentes do culto. Deus não deve ocupar o primeiro e absoluto lugar no culto? Será que Jesus está invertendo o sentido da celebração? O que levou Jesus a colocar o homem doente no centro? – Jesus não inverte o sentido do culto, mas quer ensinar que um culto que não nos compromete com os irmãos é vazio para o Pai. É como se ele dissesse: “O culto que agrada ao Pai é aquele que converte o coração do ser humano e o coloca em empatia, em solidariedade, em atitude de misericórdia para com aqueles que sofrem” (cf. Is 58,6-7). – Convenhamos: há atitudes dentro de nossas celebrações eivadas de egoísmo, vaidade, desprezo, arrogância, indiferença, discriminação... (cf. Tg 2,2-4).

Jesus veio mostrar um novo modo de se relacionar com Deus. O culto que não leva a cuidar do ser humano não chega ao coração do Pai. Podemos afirmar então que a grande contribuição de Jesus em relação às outras religiões é a de revelar um Deus que não existe para si mesmo. Deus criou o ser humano para que participasse de sua vida e glória. Deus é amor que se doa, que sai de si, que se interessa pelo ser humano. E sua glória consiste em buscar o bem de todas as criaturas.

Portanto, não basta defender a ordem no País, como reza nossa bandeira, se não se busca a defesa e os cuidados dos direitos fundamentais da pessoa humana. O Estado existe para administrar e distribuir equitativamente os bens da Nação. Se, em nome da ordem, o Estado prejudica o ser humano, tal ordem não pode ser cumprida. É um pecado e um crime empenhar-se num progresso que se faz em detrimento da humanidade. O “descartado”, o “inválido”, o “sobrante”, o “invisível” precisa estar “no meio”: para receber visibilidade e cuidado.

O mesmo pode-se dizer em relação à Igreja. Suas leis devem estar sempre a serviço da humanidade. Não podem constituir-se em uma carga pesada que sufoca e oprime. Não é suficiente defender uma disciplina da Igreja por si mesma. Se tal disciplina não ajuda a comunidade a ser mais generosa, mais tolerante, mais misericordiosa, mais inclusiva precisa ser revista, refeita na medida do Evangelho.

A primeira missão da Igreja não é impor leis morais, mas ajudar o ser humano a descobrir que Deus o ama. Ajudá-lo a encontrar aquele ponto no qual descobre a bondade e o amor de Deus por ele e pela humanidade toda, manifestado em Jesus de Nazaré. E levá-lo a perceber que ele é chamado por Deus a colaborar na obra da salvação e cuidados da humanidade.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Jesus interpreta o Ensinamento de Deus (Torá)

aureliano, 10.02.23

6º Domingo do TC - A - 16 de fevereiro.jpg

6º Domingo do Tempo Comum [12 de fevereiro de 2023]

[Mt 5,17-37]

Estamos no capítulo 5º de Mateus. No domingo retrasado rezamos o Evangelho das Bem-aventuranças: a verdadeira felicidade está em viver segundo o Espírito de Jesus. No domingo passado vimos que o discípulo é chamado a iluminar e a dar novo sabor à própria vida e à vida dos outros a partir de Jesus. Hoje, continuando a leitura do mesmo capítulo, ouvimos o ensinamento novo de Jesus em relação à Lei.

A fidelidade à Lei ou Torá, Ensinamento do Senhor, - os cinco primeiros livros da Bíblia, normalmente lidos nas sinagogas aos sábados - era o que colocava o judeu piedoso no caminho da santidade e da justiça. A dificuldade apontada por Jesus na reforma que ele faz da Lei era o entendimento corrente no seu tempo, de que bastava a fidelidade externa, uma observância à letra da Lei para ser justo. Jesus mostra que cumprir a Lei não é executar o que está prescrito ou deixar de fazer o que é proibido. Cumprir a Lei e realizar toda justiça, é agir de acordo com a vontade amorosa do Pai que está por trás da letra da Lei. É viver o espírito da Lei. É a intencionalidade de cada um que dá sentido ao que se vive. Poderíamos dizer que é a reta intenção no agir. O desejo de fazer o melhor, de acertar, de perceber como Deus gostaria que agíssemos, como Jesus agiria em nosso lugar.

Assim, quando a Lei diz “não matarás”, ela quer dizer, não sufocarás teu irmão por desprezo ou por rixa, por meio do preconceito ou da lei da ‘vantagem’. É claro que o mandamento “não matarás” refere-se também a atitudes e legislações que tiram da pessoa a possibilidade de viver com dignidade, de ter acesso à saúde e à educação, ao pão de cada dia. Significa que a vida humana deve ser preservada, cuidada, respeitada desde a concepção até ao último suspiro.

Pelo que se constata, não há dúvida de que muitas atitudes e leis governamentais (Executivo, Congresso e Judiciário) levam à morte milhares de pessoas. Uma considerável parte de políticos e empresários desonestos roubou e continua roubando o patrimônio brasileiro. Há uma manobra satânica para livrá-los da condenação à devolução do que roubaram. Outros nem são levados a julgamento. Há ainda aqueles que, por omissão e maldade, sucateiam o patrimônio público, se valem dos cargos e funções para prejudicar os pobres e suprimir direitos adquiridos. Isto mata muita gente e coloca em dificuldade muitas vidas. E, o que é pior, muitos deles com a Bíblia ou o Rosário na mão!

É terrível cair nas mãos de um grupo que age movido somente por interesses politiqueiros, sem o mínimo de consciência ética, desdenhando totalmente o bem comum, o clamor dos pobres. É um daqueles pecados que, na linguagem da catequese tradicional, “bradam aos céus e pedem a Deus por vingança”. Não significa que Deus seja vingativo, mas são pecados que afrontam a ordem natural da Criação, que destroem a humanidade. “Lembrai-vos de que o salário, do qual privastes os trabalhadores que ceifaram os vossos campos, clama, e os gritos dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos” (Tg 5,4).

Da mesma forma, o “não adulterarás” dever ir além. Deve levar o discípulo de Jesus a lutar contra a cobiça que habita o coração de toda pessoa. No entendimento dos rabinos do tempo de Jesus, se a mulher olhasse para outro homem ou se demonstrasse qualquer insinuação de desejo por possuí-lo, já era motivo para divorciar-se dela. Porém o homem (varão) era imune a essas penalizações. Jesus, porém, coloca homem e mulher no mesmo nível de compromisso, de respeito e fidelidade.

O mal é gestado nas más intenções que brotam do coração (cf. Mc 7, 21) tanto do homem quanto da mulher. Nesse mesmo sentido é preciso entender que o divórcio não faz parte do plano de Deus. Ainda que, em determinadas circunstâncias, seja um mal menor, é sempre um mal. Todos sabemos bem das consequências danosas, ainda que por vezes inevitáveis, provocadas pela separação do casal! Quando um casamento é vivido “até que a morte separe”, num consenso de compreensão e perdão mútuos, certamente muitas dores e sofrimentos são evitados.

O evangelho de hoje nos ajuda a entender que diante de nós estão dois caminhos: “Diante dos homens está a vida e a morte, o bem e o mal; ser-te-á dado o que preferires” (Eclo, 15, 17; cf Dt 30,15-20). A Lei de Moisés nos ajuda a escolher qual o melhor caminho. Jesus, interpretando a Lei, nos mostra a necessidade de ir além da literalidade da Lei. Em outras palavras: se alguém pensa que para servir a Deus basta ir ao templo, “assistir” à missa ou ao culto, sem cultivar o amor e o cuidado para com os pais; ou que, em relação ao casamento, basta honrar o “contrato matrimonial”, sem necessidade de se preocupar em renovar o amor, o respeito e a fidelidade ao esposo, à esposa, aos filhos todos os dias, está fora do projeto de Deus; não está cumprindo a justiça do Reino. É o caso também de quem pensa que roubar ou matar é quando se tira algo do outro ou se tira a vida de alguém, podendo-se andar de mãos dadas com a corrupção e a mentira. Ou mesmo quando se pensa que não há necessidade de importar-se com a preservação e cuidados do meio ambiente que “geme dores de parto” (cf. Rm 8,22).

Viver o espírito da Lei, o Ensinamento de Deus, para se cumprir a justiça do Reino anunciado por Jesus, leva o discípulo a olhar para seu interior onde está inscrita a vontade do Pai. Escutando a consciência, voz de Deus, conferindo-a com a Palavra que ouvimos, vamos percebendo por onde andamos e que contornos de conversão precisamos fazer.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A oração que vem de dentro

aureliano, 21.10.22

30º Domingo do TC - 27 de outubro - C.jpg

30º Domingo do Tempo Comum [23 de outubro de 2022]

[Lc 18,9-14]

Esta é uma pergunta de fundo da parábola de hoje: que postura de vida agrada a Deus? O fariseu era um religioso fiel, dedicado, comprometido com o que determinava a Lei. Era, de alguma forma, ‘impecável’. Já o publicano não era exemplo de vida. Um cobrador de impostos malvisto pelos correligionários, tirava proveito de uma situação política para arranjar recursos ou para enriquecer-se ou para sobreviver às penúrias da dominação romana. Mas este volta para casa justificado.

Os dois vão ao mesmo templo, com o ‘mesmo objetivo’ e começam sua oração com a mesma invocação “ó Deus”. O conteúdo da oração deles é que determina a intencionalidade, a postura de fé. O primeiro eleva uma oração belíssima, de louvor e de ação de graças, completa do ponto de vista da estrutura literário-litúrgica, mas totalmente autossuficiente, orgulhosa, reveladora de uma prática religiosa que não leva em conta nem a Deus nem o próximo. Coloca-se no centro, dirige-se a si mesmo. O segundo, porém, coloca-se em atitude de dependência e necessidade da misericórdia de Deus. Mostra-se verdadeiramente um homem de fé porque deposita toda sua confiança em Deus. Não atribui nada a si mesmo. Reconhece-se pecador e quer retomar o caminho da vida e da salvação. E sabe que isso não depende somente dele, mas, sobretudo do Pai compassivo.

A oração do fariseu não leva em conta ninguém mais a não ser a si mesmo. Não pensa nos pobres, nos pequenos, nos excluídos. Julga que, observando as práticas externas da Lei, já está agradando o Criador. No entanto, Jesus ensina que não basta uma prática externa da Lei. É preciso de uma vida que acompanhe a oração. Ou melhor, é preciso de uma oração que informe a vida para lhe dar sentido. Oração que chega ao coração do Pai é aquela que brota de uma alma humilde, pequena, simples, confiante, misericordiosa, preocupada com as necessidades dos irmãos.

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É DEUS QUEM NOS FAZ JUSTOS

Quando Jesus, no evangelho deste domingo, fala a respeito de duas posturas (fariseu e publicano) distintas na oração, quer nos mostrar que não basta praticar uma religião de modo formal apenas, mas é preciso reconhecer nossa realidade diante de Deus. Ninguém pode salvar-se sozinho, ou seja, entrar na amizade de Deus por conta própria. A primeira atitude deve ser de reconhecer nossa impotência diante de Deus e abrir-nos ao seu amor.

Os fariseus, termo que significa separado, constituíam um grupo que buscava observar fielmente a Torah (o Ensinamento de Deus). Eram pessoas bem intencionadas e até estimadas pelo povo com quem trabalhavam. O problema é que eles se tornaram muito rigorosos com aqueles que, por motivo de pressão dos dominadores romanos, não observavam a Lei com todo o rigor. Estabelecia-se entre eles e os publicanos uma distância, até mesmo uma inimizade.

Jesus quer mostrar que não basta cumprir a Lei pela Lei, mas é preciso colocar-se numa relação amorosa. O que conta mesmo é o amor.

A conclusão da parábola nos leva a compreender por que o publicano voltou justificado para casa: ele se reconheceu pecador, necessitado da misericórdia de Deus na qual acreditava. Reconhecer-se pecador e clamar por misericórdia é demonstrar a necessidade de ser ajudado, amparado por Deus. E Deus se dá a conhecer no perdão, na vida nova que ele concede a quem a busca nele, com humildade. O que nos justifica diante de Deus não são nossos méritos, mas a bondade de Deus que nos fortalece para a prática da justiça: a caridade.

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MISSÃO: FAZER ECOAR O AMOR DE DEUS

Nesse final de semana a Igreja realiza a Campanha Missionária. Uma oportunidade de participarmos financeiramente das ações missionárias no Brasil e no mundo. Às vezes se tem uma visão deturpada de missão. Isto parece dever-se ao fato de ter-nos sido imposta pelos colonizadores europeus uma cultura que, em nome da fé, sacrificou muitas vidas. Ficamos então pensando que fazer missão é pregar para os outros, impondo nossa maneira de pensar e de viver. Fazer todo mundo ir para a igreja, ser católico etc. Hoje entendemos que as “sementes do Verbo”, isto é, o próprio Deus já está presente nas pessoas e nas comunidades. Resta-nos ajudar a descobrir, pela força da Palavra, Sua presença nessas realidades e não deixar que o pecado, fruto do egoísmo humano, mate ou devaste a beleza do Criador em cada ser humano.

Nossa ação missionária se dá de diversas formas: pela oração, pela visita, pela acolhida, pelo trabalho na comunidade, pelo perdão, pelo jeito de trabalhar e de realizar o cotidiano, pela honestidade no trabalho e nos negócios, por uma vida digna e honrada aos olhos de Deus, marcados pelos “sentimentos que havia em Jesus Cristo” (Fl 2,5).

Ser missionário não é uma questão de opção, mas é intrínseca à fé cristã. O cristão não pode dizer que não quer ser missionário. Ser cristão implica necessariamente a missão. É resultado de um amor que transborda de dentro de nós e nos faz inquietos. O que é bom para mim, faz sentido para mim, me enche de alegria interior quero-o também para os outros. ”Dai de graça o que de graça recebestes”. Isto é missão.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A Torá relida por Jesus

aureliano, 14.02.20

6º Domingo do TC - A - 16 de fevereiro.jpg

6º Domingo do Tempo Comum [16 de fevereiro de 2020]

[Mt 5,17-37]

Estamos no capítulo 5º de Mateus. No domingo retrasado rezamos o Evangelho das Bem-aventuranças: a verdadeira felicidade está em viver segundo o Espírito de Jesus. No domingo passado vimos que o discípulo é chamado a iluminar e a dar novo sabor à própria vida e à vida dos outros a partir de Jesus. Hoje, continuando a leitura do mesmo capítulo, ouvimos o ensinamento novo de Jesus em relação à Lei.

A fidelidade à Lei ou Torá, Ensinamento do Senhor, era o que colocava o judeu piedoso no caminho da santidade e da justiça. A dificuldade apontada por Jesus na reforma que ele faz da Lei era o entendimento corrente no seu tempo, de que bastava a fidelidade externa, uma observância à letra da Lei para ser justo. Jesus mostra que cumprir a Lei não é executar o que está prescrito ou deixar de fazer o que é proibido. Cumprir a Lei e realizar toda justiça, é agir de acordo com a vontade amorosa do Pai que está por trás da letra da Lei. É viver o espírito da Lei. É a intencionalidade de cada um que dá sentido ao que se vive.

Assim, quando a Lei diz “não matarás”, ela quer dizer, não sufocarás teu irmão por desprezo ou por rixa, por meio do preconceito ou da lei da ‘vantagem’. É claro que o mandamento “não matarás” refere-se também a atitudes e legislações que tiram da pessoa a possibilidade de viver com dignidade, de ter acesso à saúde e à educação, ao pão de cada dia.

Pelo que se constata, não há dúvida de que as atitudes do Governo brasileiro (Executivo, Congresso e Judiciário) estão levando à morte milhares de pessoas. Uma considerável parte de políticos e empresários desonestos roubou e continua roubando o patrimônio brasileiro. Há uma manobra satânica para livrá-los da condenação à devolução do que roubaram. Outros nem são levados a julgamento. Há ainda aqueles que, por omissão e maldade, sucateiam o patrimônio público, se valem dos cargos e funções para prejudicar os pobres e suprimir direitos adquiridos. Isto mata muita gente e coloca em dificuldade muitas vidas.

É terrível cair nas mãos de um grupo que age movido somente por interesses politiqueiros, sem o mínimo de consciência ética, desdenhando totalmente o bem comum, o clamor dos pobres. É um daqueles pecados que, na linguagem da catequese tradicional, “bradam aos céus e pedem a Deus por vingança”. Não que Deus seja vingativo, mas são pecados que afrontam a ordem natural da Criação, que destroem a humanidade. “Lembrai-vos de que o salário, do qual privastes os trabalhadores que ceifaram os vossos campos, clama, e os gritos dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos” (Tg 5,4).

Da mesma forma, o “não adulterarás” dever ir além. Deve levar o discípulo de Jesus a lutar contra a cobiça que habita o coração de toda pessoa. No entendimento dos rabinos do tempo de Jesus, se a mulher olhasse para outro homem ou se demonstrasse qualquer insinuação de desejo por possuí-lo, já era motivo para divorciar-se dela. Porém o homem (varão) era imune a essas penalizações. Jesus, porém, coloca homem e mulher no mesmo nível de compromisso e de fidelidade.

O mal é gestado nas más intenções que brotam do coração (cf. Mc 7, 21) tanto do homem quanto da mulher. Nesse mesmo sentido é preciso entender que o divórcio não faz parte do plano de Deus. Ainda que, em determinadas circunstâncias, seja um mal menor, é sempre um mal. Todos sabemos bem das consequências danosas, ainda que por vezes inevitáveis, provocadas pela separação do casal!

O evangelho de hoje nos ajuda a entender que diante de nós estão dois caminhos: “Diante dos homens está a vida e a morte, o bem e o mal; ser-te-á dado o que preferires” (Eclo, 15, 17; cf Dt 30,15-20). A Lei de Moisés nos ajuda a escolher qual o melhor caminho. Jesus, interpretando a Lei, nos mostra a necessidade de ir além de sua literalidade. Em outras palavras: se alguém pensa que para servir a Deus basta ir ao templo, “assistir” à missa ou ao culto, sem cultivar o amor e o cuidado para com os pais; ou que, em relação ao casamento, basta honrar o “contrato matrimonial”, sem necessidade de se preocupar em renovar o amor, o respeito e a fidelidade ao esposo, à esposa, aos filhos todos os dias, está fora do projeto de Deus; não está cumprindo a justiça do Reino. É o caso também de quem pensa que roubar ou matar é tirar algo do outro ou tirar a vida de alguém, podendo andar de mãos dadas com a corrupção e a mentira. Ou mesmo não se importando com a devastação do meio ambiente que geme dores de morte etc.

Viver o espírito da Lei, o Ensinamento de Deus, para se cumprir a justiça do Reino anunciado por Jesus, leva o discípulo a olhar para seu interior onde está inscrita a vontade do Pai. Escutando a consciência, voz de Deus, conferindo-a com a Palavra que ouvimos, vamos percebendo por onde andamos e que contornos de conversão precisamos fazer.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Para que serve o Sábado?

aureliano, 02.06.18

9º domingo do TC B - 03 de junho.jpg

9º Domingo do Tempo Comum [03 de junho de 2018]

Mc 2,23 – 3,6]

O relato do evangelho para esse domingo sugere dois pontos de reflexão: o repouso dominical e a transgressão da lei.

São João Paulo II escreveu uma cartinha sobre o domingo (Dies Domini). Ali ele tenta mostrar a importância de se recuperar o Domingo como Dia do Senhor, Dia da Criação, Dia do Ser Humano, Dia do Descanso.

A preocupação do Papa revelava o que estamos vivendo: o domingo perdeu quase por completo seu sentido original que traz no próprio nome: Dominica, Dies Domini: Dia do Senhor. As mudanças nas relações econômicas, culturais, sociais e religiosas pelas quais  tem passado o nosso mundo, trazem consigo esse novo modo de viver o Domingo. Isso não somente entre os agnósticos e arreligiosos, mas também entre os próprios cristãos e católicos.

Se por um lado essa espécie de indiferença diante do domingo e outras celebrações litúrgicas ditas “de preceito”, trazem certa dificuldade e tristeza, por outro, ajudam a reconsiderar  caminhos feitos e fortalecer aqueles que ainda acreditam na força e importância de celebrar o Domingo como dia do Senhor e do descanso.

A ordem de Deus a Moisés para que se guardasse o Sábado era um meio de se fazer memória da libertação do Egito operada pelo próprio Senhor. Também traz dentro de si o eterno desejo do Criador: o ser humano não é escravo; precisa viver em liberdade. Quando o texto sagrado diz que “o sétimo dia é sábado para o Senhor teu Deus” (Dt 5,14), quer nos lembrar que o “Sábado” não é mera prescrição ou observância legal, mas uma exigência de liberdade e diálogo entre Deus e seu povo. É um dia de descanso “para o Senhor”. - Não é preciso dizer que o Sábado dos judeus se converteu no Domingo para nós cristãos por causa da Ressurreição do Senhor.

Outra reflexão que fazemos a partir do evangelho de hoje é referente à transgressão das leis e normas. Até que ponto a Lei deve ser cumprida e desde quando deve ser transgredida?

Nos tempos de Jesus a observância do Sábado se transformara num peso insuportável. Em vez de ser dia de repouso, de descanso, tornou-se dia de peso, de cansaço. Uma escravidão. O culto sabático caiu numa ação externa e formal.

Jesus veio dar novo sentido à Lei, ao Sábado. Ele não transgride nem suprime a Lei, mas vem dar-lhe pleno sentido (cf. Mt 5,17). Para isso ele parte de dois princípios: a misericórdia e a consciência. Uma realidade divina e outra humana. Apelo do Alto e resposta humana.

No princípio da Misericórdia ele parte da realidade do ser humano e suas necessidades imediatas que precisam estar acima de qualquer lei. Uma legislação ou código de normas que não leva em conta o ser humano como prioridade é vazia de sentido. “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado” (Mc 2,27). A misericórdia deve prevalecer sobre as exigências legais. Por isso Jesus cura aquele homem no dia de Sábado. Quem quiser viver o princípio da Misericórdia coloca em risco sua vida à semelhança de Jesus: é uma atitude eucarística.

Um dado interessante no relato do evangelho de hoje é que, estando dentro da sinagoga, num momento de culto a Deus, enquanto as atenções se voltam para Deus, Jesus volta seu olhar para aquele homem doente. E pede que ele “fique no meio”. Foi, certamente, uma afronta aos dirigentes do culto. Deus não deve ocupar o primeiro e absoluto lugar no culto? Será que Jesus está invertendo o sentido da celebração? O que levou Jesus a colocar o homem doente no centro? – Jesus não inverte o sentido do culto, mas quer ensinar que um culto que não nos compromete com os irmãos é vazio para o Pai. É como se ele dissesse: “O culto que agrada ao Pai é aquele que converte o coração do ser humano e o coloca em empatia, em solidariedade, em atitude de misericórdia para com aqueles que sofrem” (cf. Is 58,6-7). – Convenhamos: há atitudes dentro de nossas celebrações eivadas de egoísmo, vaidade, desprezo, indiferença, discriminação... (cf. Tg 2,2-4).

Jesus veio mostrar um novo modo de se relacionar com Deus. O culto que não leva a cuidar do ser humano não chega ao coração do Pai. Podemos afirmar então que a grande contribuição de Jesus em relação às outras religiões é a de revelar um Deus que não existe para si mesmo. Deus criou o ser humano para que participasse de sua vida e glória. Deus é amor que se doa, que sai de si, que se interessa pelo ser humano. E sua glória consiste em buscar o bem de todas as criaturas.

Portanto, não basta defender a ordem no País, - lembrando que o lema do governo atual é “Ordem e Progresso” -, se não se busca a defesa e os cuidados dos direitos fundamentais da pessoa humana. O Estado existe para administrar e distribuir equitativamente os bens da Nação. Se, em nome da ordem, o Estado prejudica o ser humano, tal ordem não pode ser cumprida. É um pecado e um crime empenhar-se num progresso que se faz em detrimento da humanidade. O “descartado”, o “inválido”, o “sobrante”, o “invisível” precisa estar “no meio”: para receber visibilidade e cuidado.

O mesmo pode-se dizer em relação à Igreja. Suas leis devem estar sempre a serviço da humanidade. Não podem constituir-se em uma carga pesada que sufoca e oprime. Não é suficiente defender uma disciplina da Igreja por si mesma. Se tal disciplina não ajuda a comunidade a ser mais generosa, mais tolerante, mais misericordiosa, mais inclusiva precisa ser revista, refeita na medida do Evangelho.

A primeira missão da Igreja não é impor leis morais, mas ajudar o ser humano a descobrir que Deus o ama. Ajudá-lo a encontrar aquele ponto no qual descobre a bondade e o amor de Deus por ele e pela humanidade toda, manifestado em Jesus de Nazaré. E levá-lo a perceber que ele é chamado por Deus a colaborar na obra da salvação e cuidados da humanidade.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Literalidade e Espiritualidade da Lei

aureliano, 09.02.17

A lei de Jesus.jpg

6º Domingo do Tempo Comum [12 de fevereiro de 2017]

[Mt 5,17-37]

Estamos no capítulo 5º de Mateus. No domingo retrasado rezamos o Evangelho das Bem-aventuranças: a verdadeira felicidade está em viver segundo o Espírito de Jesus. No domingo passado vimos que o discípulo é chamado a iluminar e a dar novo sabor à própria vida e à vida dos outros a partir de Jesus. Hoje, continuando a leitura do mesmo capítulo, ouvimos o ensinamento novo de Jesus em relação à Lei.

A fidelidade à Lei ou Torá, Ensinamento do Senhor, era o que colocava o judeu piedoso no caminho da santidade e da justiça. A dificuldade apontada por Jesus na reforma que ele faz da Lei era o entendimento corrente no seu tempo, de que bastava a fidelidade externa, uma observância à letra da Lei para ser justo. Jesus mostra que cumprir a Lei não é executar o que está prescrito ou deixar de fazer o que é proibido. Cumprir a Lei e realizar toda justiça, é agir de acordo com a vontade amorosa do Pai que está por trás da letra da Lei. É viver o espírito da Lei.

Assim, quando a Lei diz “não matarás”, ela quer dizer, “não sufocarás teu irmão por desprezo ou por rixa, por meio do preconceito ou da lei da ‘vantagem’”. É claro que o mandamento “não matarás” refere-se também a atitudes e legislações que tiram da pessoa a possibilidade de viver com dignidade, de ter acesso à saúde e à educação, ao pão de cada dia.

Pelo que se constata, não há dúvida de que as atitudes do Governo brasileiro (Executivo, Congresso e Judiciário) estão levando à morte milhares de pessoas. Um grupo de políticos e empresários desonestos roubou uma parte do patrimônio brasileiro. Há uma manobra satânica para livrá-los da condenação à devolução do que roubaram. Agora, o que sobrou está sendo entregue aos ricaços e ao capital estrangeiro. Isto mata muita gente e sacrifica muitas vidas. É terrível cair nas mãos de um grupo que age movido somente por interesses politiqueiros, sem o mínimo de consciência ética, desdenhando totalmente o bem comum, o clamor dos pobres. É um daqueles pecados que, na linguagem da catequese tradicional, “bradam aos céus e pedem a Deus por vingança”. Não que Deus seja vingativo, mas são pecados que afrontam a ordem natural da Criação, que destroem a humanidade. “Lembrai-vos de que o salário, do qual privastes os trabalhadores que ceifaram os vossos campos, clama, e os gritos dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos” (Tg 5,4).

Da mesma forma, o “não adulterarás” dever ir além. Deve levar o discípulo de Jesus a lutar contra a cobiça que habita o coração de toda pessoa. No entendimento dos rabinos do tempo de Jesus, se a mulher olhasse para outro homem ou se demonstrasse qualquer insinuação de desejo por possuí-lo, já era motivo para divorciar-se dela. Porém o homem (varão) era imune a essas penalizações. Jesus, porém, coloca homem e mulher no mesmo nível de compromisso e de fidelidade. O mal é gestado nas más intenções que brotam do coração (cf. Mc 7, 21) tanto do homem quanto da mulher. Nesse mesmo sentido é preciso entender que o divórcio não faz parte do plano de Deus. Ainda que, em determinadas circunstâncias, seja um mal menor, é sempre um mal. Todos sabemos bem das conseqüências danosas provocadas pela separação do casal!

O evangelho de hoje nos ajuda a entender que diante de nós estão dois caminhos: “Diante dos homens está a vida e a morte, o bem e o mal; ser-te-á dado o que preferires” (Eclo, 15, 17; cf Dt 30,15-20). A Lei de Moisés nos ajuda a escolher qual o melhor caminho. Jesus, interpretando a Lei, nos mostra a necessidade de ir além de sua literalidade. Em outras palavras: se alguém pensa que para servir a Deus basta ir ao templo, “assistir” à missa, sem cultivar o amor e o cuidado para com os pais; ou que, em relação ao casamento, basta honrar o “contrato matrimonial”, sem necessidade de se preocupar em renovar o amor, o respeito e a fidelidade ao esposo, à esposa, aos filhos todos os dias, está fora do projeto de Deus; não está cumprindo a justiça do Reino. É o caso também de quem pensa que roubar ou matar é tirar algo do outro ou tirar a vida de alguém, podendo andar de mãos dadas com a corrupção e a mentira. Ou mesmo não se importando com a devastação do meio ambiente que geme dores de morte etc.

Viver o espírito da Lei, o Ensinamento de Deus, para se cumprir a justiça do Reino anunciado por Jesus, leva o discípulo a olhar para seu interior onde está inscrita a vontade do Pai. Escutando a consciência, voz de Deus, conferindo-a com a Palavra que ouvimos, vamos percebendo por onde andamos e que contornos de conversão precisamos fazer.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN