Jesus, a Igreja e a “lepra” de hoje
6º Domingo do Tempo Comum [14 de fevereiro de 2021]
[Mc 1,40-45]
O evangelho de Marcos é um livrinho de catequese escrito para as primeiras comunidades cristãs, principalmente provenientes do paganismo, para mostrar quem é Jesus: o Filho de Deus que veio a este mundo para libertar o homem do mal. Jesus tem poder sobre o mal e o pecado. A comunidade pode crer, confiar nele. Ele está acima de qualquer lei tanto imperial como mosaica. Ele é a Lei. Sua vida é a norma de vida para todos, judeus ou pagãos.
O relato do evangelho deste domingo mostra o encontro de Jesus com um leproso. É preciso notar o que significava a lepra para a comunidade judaica. De todas as doenças era a que os judeus consideravam mais impura, pois destruía a integridade e a vitalidade física do ser humano. Por isso se previa a exclusão da pessoa do convívio social. Na opinião popular essa doença devia ser obra de um espírito muito ruim.
Jesus quebra todas as leis e normas que excluíam o leproso. Jesus é um judeu diferente: ele se torna participante da situação do leproso. É movido de profunda compaixão (termo que não aparece no relato de Lucas e Mateus) por aquele homem que lhe implora a cura, confiando em seu poder: “Se queres podes curar-me”. E Jesus estende a mão e toca aquele homem. O leproso, segundo a Lei, não podia ser tocado por ninguém, não somente pela contaminação da doença, que poderia se proliferar e colocar em risco a comunidade, mas também porque colocava o judeu piedoso fora da comunhão com Deus. A doença era considerada consequência do pecado, sobretudo a lepra, pois destruía a integridade física do ser humano. Mas Jesus tem outra interpretação. Mostra que o culto a Deus passa pela misericórdia para com os sofredores: “Quero misericórdia e não sacrifício”. Esse sinal realizado em favor daquele homem indica que Jesus veio tirar do mundo e do ser humano a “lepra” do pecado que destrói a humanidade, carregando em si mesmo nossas enfermidades (cf. Is 53,3-12).
O relato de hoje nos ajuda a pensar na conciliação de duas realidades na vida de Jesus que precisam ser olhadas por nós com muito carinho: poder e compaixão. A Lei simboliza aqui o poder. Ela existe para o bem da pessoa. Quando unida à misericórdia pode salvar a muitos. Mas sem essa qualidade divina, torna-se excludente e perversa. Jesus não vai consultar os sacerdotes, guardiães da lei daquele tempo, mas restabelece aquele homem na sua necessidade imediata. Depois de beneficiado, então ele vai agradecer e oferecer o sacrifício prescrito. Jesus não se opõe à Lei, mas dá-lhe um novo sentido. Ela deve ser cumprida para o bem de todas as pessoas e não para oferecer privilégios a uns e descarte de outros. O auxílio moradia e os altos salários dos juízes, senadores, deputados, vereadores e executivos, mostram bem como a lei pode ser perversa. Pode estar a serviço de privilégios. Podem dizer que é legal, que está de acordo com a legislação vigente, mas é injusta, iníqua, perversa. Nem tudo que é legal é justo. “O sábado foi feito para o ser humano, e não o ser humano para o sábado” (Mc 2,27). As leis que regem a sociedade são justas enquanto estão a serviço de todos, especialmente dos mais frágeis, desprotegidos, desamparados. Quando elas defendem e fortalecem privilégios e oprimem os pobres, não podem ser executadas.
As consequências para nossa vida de fé indicadas no relato de hoje são bem evidentes. É uma catequese sobre a reintegração dos marginalizados de hoje. Podemos nomear alguns banidos de nossa sociedade: os que vivem nos barracos das favelas e periferias das grandes cidades, os fracassados, os desempregados, os dependentes de droga, as vítimas de uma sociedade do consumismo e do sucesso a qualquer custo, as pessoas com deficiência física ou mental, os idosos e doentes que não mais produzem nem dão lucro, os encarcerados, os aidéticos, os maltrapilhos etc. Enfim, vivemos numa sociedade marcada pela lepra do preconceito e da discriminação.
Jesus vem nos mostrar um jeito novo, diferente de agir. Ninguém pode ficar ‘de fora’, banido. Nosso coração precisa ser tomado desse poder compassivo que habitava o coração de Jesus para construirmos relações verdadeiramente fraternas e libertadoras. O poder de Jesus foi transmitido a nós. A missão agora é nossa. Muitos ‘leprosos’ estão suplicando pela cura, pela inclusão, pelo reconhecimento, pela acolhida em nosso meio. O que temos feito? Como nos relacionamos com eles? Temos tido coragem de sair de nós mesmos? Ou estamos também acometidos pela ‘lepra’ do comodismo, do egoísmo, do fechamento, da ganância, da sede do poder e do ter que mata em nós todo sentimento de compaixão, de desejo de salvação de todos?
Onde quer que falte alimento, água potável, saneamento básico, casa, medicamento, trabalho, educação, meios necessários para levar uma vida verdadeiramente humana; onde estiver um aflito ou sem saúde, um presidiário ou maltratado, aí deve estar a caridade cristã para consolá-los e reerguê-los oferecendo-lhes auxílio. É essa a missão da Igreja e é isso que o mundo de hoje espera dela. Porque é chamada a ser continuadora da missão de Jesus.
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Estamos em dias de Carnaval. Outrora esse tempo era oportunidade de alegria, de extravasamento sadio. Hoje, de modo geral, tornou-se tempo de preocupação, de violência, de morte. Nesse ano, extraordinariamente, devido à pandemia do coronavírus, as brincadeiras carnavalescas estão interditadas. Pode ser uma excelente oportunidade de se buscar uma interiorização maior do sentido da vida, uma reflexão sobre os conflitos mundiais, uma parada para considerar nossas relações familiares, enfermidades e cuidados dos doentes, diálogo e construção da fraternidade entre nós.
E não se esqueçam de que na Quarta-feira de Cinzas, dia de jejum e abstinência, iniciamos a Quaresma, tempo de preparação para celebrarmos a Páscoa da Ressurreição do Senhor. Tempo de conversão para uma vida mais fraterna. Você já sabe qual é o tema da Campanha da Fraternidade desse ano? Pois fique sabendo: “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”. Com o lema: “Cristo é nossa paz. Do que era dividido, ele fez uma unidade” (Ef 2,14). Não se deixe levar pelo discurso daqueles que se colocam contra a Campanha da Fraternidade, pois estão contra o Evangelho e a Igreja. Coloquemo-nos no seguimento a Jesus que enfrentou a cruz e a morte para nos dar mais vida.
Pai, derrama sobre nós o Espírito Santo, para que, com o coração convertido, acolhamos o projeto de Jesus e sejamos construtores de uma sociedade justa e sem violência, para que, no mundo inteiro, cresça o vosso Reino de liberdade, verdade e paz.
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN