Três anos sem o Papai. Antes de partir, ele repartiu!
A rádio Aparecida tinha um programa ao meio-dia que se intitulava: “Os ponteiros apontam para o infinito”. Lembrei-me da doença e morte do papai. Nesse dia 13 de abril de 2025, três anos de sua páscoa definitiva.
Mamãe já vinha bastante fragilizada com internações aqui e acolá. No final de março de 2022 ela foi hospitalizada. Depois de alguns dias, papai, sofrendo falta de ar e fadiga, foi ao médico. Resultado: internação para tratamento do pulmão. Ele foi ao leito onde a mamãe estava e lhe disse: “Pois é, Juracy, agora vamos ficar nós dois aqui no hospital. Você aqui e eu lá”. E assim se fez. Era dia 31 de março de 2022.
Daquele dia em diante o Bom Velhinho foi se fragilizando a cada dia. E a mamãe melhorou. Recebeu alta hospitalar. Um dos meus irmãos foi comunicar o feito ao papai que, a essas alturas não conseguia falar mais, pois estava sob aparelho de oxigênio. Seu gesto, o último talvez em relação à mamãe, revela sua alma: elevou as mãos postas aos céus e balançou a cabeça positivamente, como quem dissesse: “Deus seja louvado”. Sua vida apontava para o infinito de Deus.
A relação do papai com a mamãe foi sui generis: Juracy não era somente sua esposa; era meio filha. Como dizia um dos meus irmãos: como filha mais velha. Tinha para com ela cuidados paternais. E ela via no José Lopes um pai, um refúgio, uma âncora. Quando papai passava uns dias fora, mamãe lastimava, chorava de saudades. Papai chegava e a mulher se alegrava, abraçava-lhe as ancas e beijando-lhe o peito (pois era bem baixinha) dando risadas de alegria pelo retorno do amado que lhe dava segurança: “Ai, meu Deus! Que coisa boa! Ele voltou!” sussurrava.
Bem. Papai continuou hospitalizado. E a comunicação com ele foi sempre mais limitada, mesmo porque fora para o CTI. As visitas eram comedidas e sua saúde não lhe dava mais condições de reagir. Mesmo assim, Pe. Anchieta, o filho mais velho, lhe deu a Unção dos Enfermos alguns dias antes de sua morte. E ele já não abria mais os olhos. Somente acenava levemente com a cabeça.
Era meio-dia do dia 13 de abril de 2022. Uma quarta-feira santa! Os ponteiros apontavam para o infinito. Papai partiu. Mas antes de ir ele repartiu. Repartiu sua vida, seus dons, suas dores e alegrias, suas lutas e vitórias. Transmitiu a fé que recebera da Igreja e de seus pais. Deixou-nos a vida marcada pela sua história, pelas suas palavras, pelas suas atitudes de amor e carinho pela mamãe, por nós, seus filhos, pelos pobres. Repartiu com os filhos, ainda em vida e em plena consciência, o terreninho que recebera como herança de seus pais. Morreu sem ter nada de próprio. Tinha consciência de que tudo o que temos não nos pertence: tudo é de Deus.
Um homem marcado por uma fé madura. Nunca me lembro do papai fazendo ou cumprindo promessas religiosas. Não tinha superstições. Buscava fazer a vontade de Deus. E pronto. Se a tribulação ou a dor o visitava, rezava e se entregava nas mãos do Pai. Arriscava o latim: “Ad majorem Dei Gloriam”. Tudo para a maior glória de Deus.
Nunca ouvi meu pai murmurando contra a sorte, contra a vida. Tudo aceitava como vindo das mãos de Deus, como vontade de Deus, como graça de Deus.
Certa feita, por ocasião da ordenação presbiteral do terceiro filho padre, alguém lhe perguntou: “O senhor deve ser um homem muito feliz, não é, Seu Zé? Três filhos padres!” Ao que respondeu: “Pra mim tudo é graça de Deus. Mas minha alegria mesmo é ver meus filhos unidos uns com os outros”. E emendou: “Tá tolo sô! Deve ser doloroso demais para um pai ver um filho entrando pela porta da sala e outro saindo pela porta da cozinha para não se encontrarem, porque são inimigos!”
Dinheiro? Apego nenhum. O pouco que tinha ficava, antigamente numa latinha preta sobre uma tábua-prateleira, na pobre cozinha da casa. Depois, quando pode comprar uma mesa, guardava o dinheiro na gaveta. Ultimamente ficada na gaveta da cômoda. Qualquer um podia acessar. Colaborava com várias entidades religiosas e pessoas necessitadas com seu parco recurso que se multiplicava qual farinha na lata da viúva de Sarepta (cf. 1Rs 17,16). Deixou ainda um pequeno recurso no banco para cuidar da mamãe, conforme segredara à filha mais velha, sua fiel escudeira.
Papai buscou em Deus a razão de seu existir. Viveu feliz e morreu em paz. E pode dizer com o velho Simeão, como, aliás, gostava de repetir: “Agora, Senhor, podeis deixar vosso servo partir em paz” (Lc 2,29). Sua experiência de fé, sua mística preencheram o vazio de seu coração. Aí encontrou o sentido de sua vida: “Estamos todos juntos nas mãos de Deus”, exclamou antes de morrer.
Descanse em paz, papai! Peça a Deus por nós! Precisamos firmar nossa esperança em meio às tempestades e escuridões desta vida! Peça à Mãe de Jesus, de quem o senhor fora servo fiel e devotado, para que sejamos dignos das promessas de Cristo.
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN