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Amar como Jesus amou

aureliano, 08.05.21

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6º Domingo da Páscoa [09 de maio de 2021]

[Jo 15,9-17]    

Falar em amor nesses nossos tempos tornou-se difícil e ambíguo porque esse conceito tomou várias conotações. De modo geral equivale a relações afetivo-sexuais. Daí a expressão tão corriqueira que a ‘galera’ toda entende: “fazer amor”, que equivale a “fazer sexo”.

O evangelho de hoje nos ajuda a perceber a profundidade do sentido da palavra amor. “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor” (Jo 15,9). Jesus fez a experiência do amor do Pai. O que ele viveu foi expressão de seu amor ao Pai e por nós. Ele não nos amou porque somos amáveis. Mas ele nos tornou amáveis por seu amor. Seu amor nos tornou seus amigos em vez de servos: “Já não vos chamo servos, (...) mas vos chamo amigos porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15, 15).

O amor que Jesus viveu e ensinou é um amor de doação, desinteressado. Ama pelo outro e não por si mesmo. É como aquela mulher que ama seu marido, mesmo que não tenha lá muitas qualidades, mas porque ela o escolheu como marido. Ou porque tem uma motivação maior, mais sublime: ser sinal da Aliança do Pai com a humanidade. Ou mesmo pelo cuidado e amor para com os filhos etc. Outra imagem também é a de Ricardo Pinheiro, rapaz que morreu na tragédia no Largo do Paissandu, São Paulo, em 2018: antes de se salvar pela corda oferecida pelo Corpo de Bombeiros estava ajudando a resgatar vizinhos. Em uma das vezes foi visto carregando quatro crianças. Mas acabou sendo consumido pelo desabamento do prédio. Também o exemplo da professora Helley de Abreu, da creche incendiada em Janaúba, norte de Minas. Salvou muitas crianças. Terminou vítima de sua própria doação.

Então o amor não significa antes de tudo que nós amamos a Deus, mas que Deus nos amou primeiro dando seu Filho por nós (cf. 1Jo 4,10). É um amor de gratuidade, sem limites. Ele nos amou até o fim (cf. Jo 13,1). Amar é iniciativa de Deus. Para que permaneçamos no amor precisamos de estabelecer uma intimidade profunda com Ele para que seu amor esteja em nós e não desanimemos de amar como Ele nos amou.

É interessante notar ainda que o mandamento do amor ao próximo já estava na Lei Antiga: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18). Que novidade então Jesus introduziu? A novidade do mandamento de Jesus está no “como eu vos amei”. Esse “como ele nos amou” é que torna esse mandamento diferenciado, significativo, cristão. É ter a coragem de sair de si e de dar a vida. É amar na gratuidade, sem esperar nada em troca. Ainda mesmo o céu como recompensa! Se Deus não tivesse nada a nos dar, continuaríamos a fazer o bem!

Podemos falar então de um amor como dom e de um amor como missão. O amor como dom é a entrega generosa, gratuita de Deus por nós em Jesus. Já o amor como missão é nossa capacidade de amar, fundada no amor primeiro, o de Jesus. Ele nos dá a missão de fazer multiplicar seu amor no mundo. “Nisto meu Pai é glorificado: que deis muitos frutos e vos torneis meus discípulos” (Jo 15,8).

A dinâmica do amor de Deus também não é geral: amar todo mundo indistintamente, como uma massa informe. Não! Ele ama a todos e a cada um individualmente. Tem uma amizade criadora e íntima para cada um que acolhe seu amor manifestado em Jesus.

No amor de Jesus não há manipulação, dominação ou submissão. É um amor que liberta, que dá autonomia, confiança. Quando Jesus nos envia a produzir frutos não é uma carga pesada que ele coloca em nossos ombros, mas é participação na missão que Ele recebeu do Pai. É comunhão com Jesus e com os irmãos. Onde há comunhão, solidariedade, doação o peso fica mais leve.

Quando Jesus diz “permanecei no meu amor” ele não fala de permanecer em uma religião, mas no seu amor. Significa que, ser cristão não é questão de doutrina, mas de amor. O fundamental da fé cristã é não se desviar do amor. É “guardar seus mandamentos”. O seu mandamento é o amor fraterno. Esse mandamento não pode ser um peso, mas fonte de alegria.

Quando falta o verdadeiro amor, caímos no vazio, na falta de sentido para a vida, na tristeza. Jesus veio preencher nosso vazio de sentido com a alegria verdadeira gerada pelo amor sem medida. É o amor que gera alegria. Sem amor cultiva-se um cristianismo triste, ressentido, pesado, insuportável.

Por vezes em nossas comunidades cristãs sobra tristeza. O peso das normas e leis, da falta de acolhida, da incompreensão, do desejo e busca de poder e de dominação dentro da comunidade, do preconceito e desprezo aos mais pobres e pequenos deixa um rastro de dor, de tristeza, de desencanto. Sente-se também a falta de convicção na fé. É a convicção que nos leva a reproduzir na vida o modo de vida de Jesus, o seu mandamento: “Amai-vos uns aos outros”.

Vamos tornar mais leves nossas relações através de uma fé mais convicta, de um seguimento mais radical a Jesus, de uma atenção e compreensão a cada um na sua necessidade e dificuldade. “Para que a minha alegria esteja em vós”. A fé cristã precisa trazer mais alegria ao mundo e à vida das pessoas, começando pela nossa família, pelos companheiros de trabalho, pelas nossas comunidades.

* Celebramos hoje o Dia das Mães. Rezemos hoje por todas as mães, mas particularmente pelas mães sofredoras. Há mães que não experimentam alegrias neste dia. Talvez experimentem ainda uma dor maior. Que tal fazermos uma oração, enviarmos uma mensagem a alguma mãe sofrida? Mais do que festanças, comilanças e bebedeiras, precisamos caminhar na direção de maior solidariedade! E esse tempo difícil de pandemia da covid-19 está a nos ensinar também isso: solidariedade, partilha, comunhão, sensibilidade diante da dor, espírito de simplicidade e despojamento.

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13 de maio: Vamos celebrar, no próximo dia 13, a festa de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento. É a padroeira de nossa Congregação Sacramentina. A devoção a Maria com esse título começou em 1868, com São Julião Eymard, fundador dos Sacramentinos da Adoração Perpétua. Pe. Júlio Maria, Fundador da Congregação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora, divulgou muito essa devoção. Dizia que “a Eucaristia é o prolongamento da Encarnação”. Com isso ele queria dizer que, aquele Jesus nascido de Maria, Filho de Deus, continua na Eucaristia alimentando e animando a missão da Igreja. São João Paulo II vai dizer, mais tarde, que (embora os textos da Escritura não mencionem explicitamente) a Virgem Maria “não podia deixar de estar presente, nas celebrações eucarísticas, no meio dos fiéis da primeira geração cristã, que eram assíduos à ‘fração do pão’” (At 2,47) (EE, 53). Maria foi uma mulher eucaristizante. Sejamos também nós, a exemplo de Maria, pessoas eucaristizadas e eucaristizantes, trabalhando para um mundo mais humano, mais fraterno, para que todos tenham acesso aos bens da Criação. Uma eucaristia que ajude a diminuir a distância entre ricos e pobres. Uma eucaristia que se empenhe para que não falte o pão na mesa dos pobres. Uma eucaristia que não nos deixe acomodados num “mundanismo espiritual” estéril e sacrílego. Nenhuma família sem casa. Nenhuma família sem terra. Nenhuma família sem trabalho. Nenhuma família sem pão!

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN.

Deus contou com Maria e José. Ele pode contar com você?

aureliano, 20.12.19

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4º Domingo do Advento [22 de dezembro de 2019]

[Mt 1,18-24]

Os Evangelhos foram escritos num contexto cultural de forte machismo e patriarcalismo. A mulher não era levada em conta. Sua principal função era a maternidade. O varão é que dava as cartas, dominava, decidia. No entanto, o relato do evangelho de hoje deixa entrever a dinâmica libertadora de Deus: a concepção virginal de Jesus. É Deus entrando na história através de uma mulher, sem o concurso direto do varão. Note-se uma curiosidade: todo filho traz à mãe a lembrança do pai. Com Maria, porém, o nascimento virginal de Jesus a faz lembrar, não de José, mas de Deus Pai.

A não participação do varão na gravidez de Maria vem nos mostrar que a salvação é dom de Deus. A virgindade de Maria não está na linha biológica, como por vezes se discute e se briga tanto. A virgindade de Maria é um dado teológico: a concepção virginal nos diz que Jesus é um ser verdadeiramente novo, dom gratuito e inesperado de Deus, nova criação no Espírito.

A maternidade virginal de Maria pode ajudar a superar preconceitos machistas e moralistas que consideram o corpo como fonte de pecado, e a mulher como lugar de tentação e desvio. Em Maria, o corpo humano se tornou o espaço onde o Espírito faz sua morada. Todo ser humano, independente de sua condição ou orientação sexual, tem algo de virgem. Pode se tornar templo de Deus e espaço aberto para multiplicação das sementes do Reino.

Para nos salvar Deus conta com nossa participação. “Aquele que te criou sem ti não te salvará sem ti”, dizia Santo Agostinho. A concepção virginal de Maria fala da salvação como dom. A participação de José, representando a linhagem davídica, e o sim generoso de Maria falam da resposta humana ao dom oferecido.

A atitude de José também diz muito para a fé cristã. Era um homem justo. Sua justiça não se deve ao fato de não ter denunciado Maria, grávida antes de coabitarem, mas por ver em todos os acontecimentos a mão de Deus. Era um homem que se deixava conduzir por Deus. José descobre a ação de Deus onde, conforme a opinião da época, só se via pecado. Não ocorre por vezes de querermos fugir de Deus quando Ele age em nossa vida, entra em nossa história de modo inesperado? Isso mostra quanto o desconhecemos!

Interessante notar também que Maria, figura importante da história da salvação, passa quase despercebida nos relatos evangélicos. Não pretende aparecer. Não busca holofotes nem câmeras. Aplausos, fama, sucesso não fazem parte de seu horizonte. Foi na sua humildade que Deus quis se fazer presente à humanidade. A fecundidade de Maria é grande porque é pura, não tem ambição, não tem segundas intenções. U’a mulher que se coloca inteiramente ao dispor do Pai.

Celebrar o maior acontecimento da História – a Encarnação e o Nascimento do Filho de Deus – deve nos levar a pensar seriamente que sentido tem essa solenidade para nós cristãos. Ao criar o enunciado da “morte de Deus”, Nietsche despertou enormes discussões dentro e fora do pensamento cristão. Hoje, que sentido faz para a maioria das pessoas ouvir dizer que “Deus nasceu” ou “Deus morreu”? Mais: em que nos toca ver notícias de mortes de tantos seres humanos vitimados por uma política suja, corrupta, egoísta que atua em prol de troca de favores e em função de alimentar a ganância de ricaços em detrimento dos pobres da terra? A “morte de Deus” no coração humano parece levá-lo a assassinar seu semelhante. O “nascimento de Deus” parece não lhe dizer nada. Não o desperta para a defesa da vida.

No Natal não celebramos somente o nascimento de Jesus, mas também nossa humanidade pecadora tocada e santificada pela divindade do Pai Criador. Ele veio nos libertar do pecado e da morte. Que a violência, a ganância, o preconceito, a dominação e a desigualdade social não mais prevaleçam entre nós.

Aquele hino do grande maestro e compositor católico, José Acácio Santana, deve continuar ecoando dentro de nós: “Meu caro irmão, olha pra dentro do teu coração: vê se o Natal se tornou conversão e te ensinou a viver”. Deus contou com Maria, com José, com tantas pessoas de bom coração para que sua ação salvadora chegasse aos confins da terra. Ele quer contar também com você, comigo. Como está sendo a minha colaboração? O que ainda estou colocando como obstáculo a essa participação na obra salvadora de Deus?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN.

Imaculada: preservada em vista de Cristo

aureliano, 05.12.18

Imacuada Conceição 2018.jpg

Imaculada Conceição de Nossa Senhora [08 de dezembro de 2018]

[Lc 1,26-38]

O dogma da Imaculada Conceição de Nossa Senhora foi proclamado por Pio IX, em 1854. Porém, bem antes de ser proclamada Imaculada pela Igreja, Maria, Mãe de Jesus, já era cultuada como aquela na qual jamais morou o pecado, o egoísmo, o fechamento em si mesma. A comunidade cristã sempre acreditou que Maria é toda santa, toda de Deus.

Há alguns mal-entendidos acerca de Maria. Tem gente que pensa que Maria era tão santa que não tinha dúvidas, crises, dificuldades. Como se para ela tudo fosse fácil. Como se vivesse uma vida mágica, cercada de anjos que não deixavam acontecer-lhe nada de humano. Quando queria alguma coisa era só ‘estalar o dedo’, fazer ‘abracadabra’. E daí as perguntas: Se Maria era toda santa, sem pecado, sua vida teve algum mérito? Foi mais fácil para ela servir a Deus do que para nós, pobres pecadores? Maria sentia essas forças negativas, desejos perversos que nos assaltam?

Bem. É preciso entender o que significa para a Igreja reconhecer Maria como Imaculada. Precisamos ter em conta de que nós, cristãos, fomos marcados pela Graça salvadora de Cristo. A segunda leitura da liturgia de hoje diz: “Antes da criação do mundo, Deus nos escolheu em Cristo, para sermos, diante dele, santos e imaculados” (Ef 1,4). Toda pessoa já nasce com essa “benção” de Deus. Significa que o Pai nos criou em Cristo para a felicidade.

Porém, ninguém nasce pronto. A gente sabe que toda pessoa experimenta, em maior ou menor grau, situações de desencontro desde o seio materno: amor e desamor, acolhida e rejeição, afeto e violência. Mas a fé nos diz que somos fruto do amor generoso do Pai e entramos num projeto de vida e de alegria, de bondade, de acolhida. Experimentamos, contudo, que há algo errado na história que não nos permite realizar plenamente esse projeto do Pai. É o “Mistério do Mal”, (Mysterium iniquitatis – 2Ts 2,7). Está espalhado no mundo e dentro de toda pessoa. A Tradição deu-lhe o nome de “Pecado Original”.

Porém, o Filho de Deus veio trazer para a humanidade a “Graça Original” (cf. Rm 3,24). Ela nos recria e salva, pois é mais forte do que o pecado original. E a fé da Igreja nos diz que Maria, foi preservada desse “Pecado Original”. Ou seja, o Pai, em atenção aos méritos da salvação trazida por Cristo, preservou sua Mãe deste Mal. Ele quis preparar para si um seio, uma vida que não fosse contaminada pelo mal, pelo pecado. Assim ela nasceu mais integrada do que nós, com mais capacidade de ser livre e de acolher a proposta do Pai. Esse fato, porém, não lhe tira o esforço de ter que peregrinar na fé, de passar por dificuldades e crises, como todo ser humano. Mas, diferentemente de nós, Maria trilha um caminho sempre positivo, sem se desviar do caminho de Deus. Esse ‘privilégio’ não faz de Maria uma pessoa orgulhosa, vaidosa, arrogante. De jeito nenhum. Pelo contrário: livre interiormente, ela tem mais condições de desenvolver as qualidades humanas recebidas de Deus. Coloca-se mais aberta, mais inteira ao que o Senhor quer dela. Coloca-se como serva: “Eis aqui a serva do Senhor”. E reconhece que tudo que acontece em sua vida é dom do Pai: “O Senhor fez em mim maravilhas” (Lc 1,49).

A solenidade de hoje nos diz que Maria foi preservada da culpa original em vista dos méritos do Filho de Deus que ela iria trazer em seu seio. Foi fiel ao projeto do Pai. Correspondeu generosamente ao dom recebido do Pai. Também nós, pecadores, marcados pelo egoísmo e desejo de poder, queremos corresponder ao dom da Graça batismal que arrancou de nós as raízes do mal, mas não tirou de nós a tendência para o pecado: concupiscência. Se mesmo Maria teve de se esforçar para ser fiel ao projeto amoroso do Pai, muito mais nós devemos nos esforçar todos os dias para fazermos um caminho de fidelidade ao Pai e ao evangelho que seu Filho nos deixou.

“Obrigado, Senhor, por nos teres dado Maria Imaculada. Olhando para ela, sentimos a alegria de ver uma da nossa raça, humana e limitada como nós, mas transbordante de Graça. Olha, Senhor, pela humanidade manchada pela violência, pelo consumismo, pela pobreza, pela falta de sentido para viver. Dá-nos a graça de integrar os nossos desejos, pulsões, tendências e afetos. Liberta nossa liberdade. Acolhe a cada um de nós, santos e pecadores, e faze-nos humildes servidores da Boa Nova, como Maria. Amém.” (Afonso Murad, em Com Maria, rumo ao Novo Milênio).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Finados: a volta para a casa do Pai

aureliano, 01.11.16

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Comemoração de todos os fiéis defuntos [02 de novembro de 2016]

[Jo 6,37-40]

Para o cristão, celebrar finados é o mesmo que celebrar a esperança. A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte é critério para o cristão no momento decisivo de sua partida, ou na participação na morte de alguém. “O último inimigo a ser vencido é a morte” (1Cor 15, 26). A vinda do Filho de Deus a este mundo e sua morte e ressurreição colocou para nós o ponto final sobre a morte.

A morte para o cristão é um mistério. Isto é, ela só pode ser compreendida à luz do que aconteceu com Jesus de Nazaré. Assim como Ele foi aprovado por Deus, assim também aquele que procura viver como ele viveu será aprovado, ressuscitado pelo Pai. Ressurreição é passagem da morte para a vida (cf. Jo 20,1-18); do pecado para a graça (cf. Cl 1,21-22). É chegar à comunhão com Deus para viver com ele eternamente (cf. Ap 21,1-7).

Finados ou o falecimento de pessoas queridas pode ser uma pedra de toque na nossa vida. Ajuda-nos a valorizar o que ultrapassa os limites da matéria. Lembra-nos a importância de morrermos para nós mesmos. A morte é uma realidade espiritual que confirma a definitiva e inabalável superação do homem confinado na perspectiva material.

Um texto que ajuda a despertar a esperança e a confiança são aquelas palavras de Isaías: “Por acaso uma mulher se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem, eu não me esqueceria de ti!” (Is 49,15).

Aquele que nos deu a vida e nos fez sair do aconchegante ventre materno para a luz do dia, há de nos fazer sair deste mundo, demasiadamente limitado, para a luz e a paz de Deus. “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

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Jo 11,17-45

EM CRISTO, A VIDA PREVALECE SOBRE A MORTE

Defunto vem do particípio latino, defunctu, de+fungor, significa falecido, aquele que cumpriu inteiramente sua função. Quando, na Igreja, esta palavra se acresce do termo fiéis, quer dizer que há algo mais do que uma mera função cumprida. O cristão e todo aquele que busca viver os valores do Evangelho não termina sua vida na morte. Não perde simplesmente uma função ao morrer. Sua vida está “escondida com Cristo em Deus”, (cf. Cl 3,1-4). Para quem busca a vida, defende a vida, dá a vida pela vida, não há morte. Deus não o abandona na “sombra da morte”. O que o Pai fez com seu Filho, fará também com todo aquele que busca viver como Cristo viveu.

A liturgia de hoje propõe vários textos para escolha da equipe de liturgia. Escolhi este relato do evangelho de João. Julguei muito interessante trabalhar esta cena do evangelho, talvez pouco explorada na liturgia.

O capítulo 11 de João é uma catequese sobre a ressurreição. No evangelho de João encontramos Jesus realizando sete sinais. O primeiro aconteceu em Caná da Galileia, na transformação da água em vinho. O sétimo é o relato da ressuscitação de Lázaro. Vejam que João não fala de milagres, mas de sinais. O que Jesus realiza é para levar o discípulo a confiar nele, a reafirmar sua fé no Cristo Ressuscitado. O relato de hoje prepara o discípulo para entrar confiante e esperançoso na cena da paixão. Em outras palavras, a paixão de Jesus, sua cruz e morte não devem ser motivo de desânimo nem de desencanto para o discípulo, mas motivo de se firmar no caminho da cruz, pois esta leva à glória do Pai.

Uma afirmação central no relato de hoje, deve sempre nos acompanhar: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Esta palavra tem sentido quando se torna viva e eficaz dentro de nós. A pergunta de Jesus à Marta e sua consequente resposta coloca nossa vida cristã em constante desafio de fidelidade, sobretudo nas situações-limite da vida. “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” (Jo 11,26). Marta aqui, simbolizando o discípulo fiel, que não desiste da fidelidade e da confiança em meio às tribulações, professa sua fé: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir ao mundo” (Jo 11,27).

Outro elemento, relacionado ao que acabamos de comentar, é o do significado de Marta e de Maria neste relato. Maria, pela atitude de ficar em casa, mergulhada na tristeza, prisioneira do círculo da morte e do pranto, representa aquele que se fecha à possibilidade da fé. Marta, no entanto, embora triste e sofrida pela morte do irmão, se abre confiante ao Senhor como Aquele que pode libertá-la da prisão da morte. Sai do mundo da morte para ser mensageira d’Aquele que é o portador da vida. Uma vez alimentada e confirmada na esperança, vai confortar e animar sua irmã que jaz no círculo da morte. É a nossa missão!

Ainda uma breve palavra a respeito de Jesus nesta cena. Vemos claramente a humanidade de Jesus: “E Jesus chorou”. Dizem que este é o menor versículo da Sagrada Escritura. Jesus era um homem que tinha sentimentos. Chorou a morte do amigo! O interessante para nós é que Jesus não se prendia aos sentimentos. Nem os reprimia. O norte da vida de Jesus era a vontade do Pai. Tinha consciência de sua missão. Sabia que devia levá-la até o fim. Ao realizar aquele sinal da revivificação de Lázaro, no contexto do diálogo com Marta e Maria e na presença de seus inimigos, sabe que sua ação terá consequências em vista do Reino de Deus.

Então não há problema em se chorar e lamentar a morte de alguém. Mas é preciso ressignificá-la na fé. Marta se torna pra nós inspiração de abertura, de discipulado, de adesão firme e confiante ao Senhor que se nos revela nos acontecimentos dolorosos da história.

A morte permanece para o ser humano como um mistério profundo. Ainda não se descobriu a pílula da imortalidade! Todos morreremos: ricos e pobres, sãos e doentes, novos e velhos, religiosos e descrentes. É o fim de todos. O modo como cada um encara este momento é que varia. Para o cristão, a morte segue o caminho de Jesus. Pode ser um cálice amargo que se deve beber até o fim. Porém com aquela certeza de que, se cumprirmos a vontade do Pai, ele nos acolherá de braços abertos para a vida que não tem ocaso.

Como se dará isso, certamente, não o sabemos. Mas a Igreja reza assim: “Nele (Cristo) refulge para nós a esperança da feliz ressurreição. E aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Ó Pai, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada, e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Prefácio da missa).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN