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Espírito Santo: Luz que dissipa as trevas

aureliano, 06.06.25

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Solenidade de Pentecostes [08 de junho de 2025]

[Jo 20,19-23 ou Jo 14,15-16.23-26]

UM POUCO DE HISTÓRIA

Inicialmente celebrada pelos israelitas, Pentecostes era a comemoração da colheita dos primeiros frutos do trigo. Porque marcava o 50º dia depois do início da colheita, era, por esse motivo, chamada de Pentecostes. (Confira Ex 23, 14-17; 34, 22; Lv 23,15-21; Dt 16, 9-12). É a festa da colheita. Portanto, tempo de muita alegria e fartura.       

A narrativa de At 2, 1-11 mostra a importância que ganhou na Igreja esta festa. Fazendo uso de um recurso literário, Lucas faz o Pentecostes cristão coincidir com o Pentecostes judaico. O Espírito se manifesta confirmando a missão que os discípulos haviam recebido do Mestre. Pentecostes marca o nascimento da Igreja. É a celebração dos frutos do Ressuscitado: o perdão e a paz que brotam de seu Coração bondoso, superando o egoísmo e a maldade do coração humano.

A MENSAGEM DO EVANGELHO

No próprio dia da Páscoa Jesus vem entregar o Dom do Espírito Santo aos seus discípulos. Este Dom garante a continuação da missão de Jesus no mundo. A missão de dar a paz e de tirar o pecado do mundo: “A paz esteja convosco” (Jo 20, 19); “Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados” (Jo 20, 23). É o próprio Jesus agindo por meio de sua Igreja.

“As portas estavam fechadas por medo dos judeus”: Esse relato nos faz pensar no medo que tomava conta dos discípulos antes de serem revestidos do Dom do Pai. Como o medo nos paralisa, nos fecha em nós mesmos, nos impede de servir! O medo é um sentimento que precisa ser assumido e trabalhado em nós. Quando agimos movidos pelo medo fazemos muito mal a nós e aos outros. Medo de assumir um trabalho na comunidade; medo de arriscar; medo de assumir a própria vida; medo de romper com relações que escravizam e destroem a própria vida e a vida dos outros; medo de falar e de viver a verdade; medo movido pela preocupação excessiva com a própria imagem: o que vão pensar ou dizer? Medo de chamar para conversar a fim de resolver mal entendido ou para “botar os pingos nos is”. Medo do inferno, medo de Deus, medo da condenação. Medo da doença, medo da morte, medo de ser abandonado, desprezado, ridicularizado. É preciso vencer o medo! O medo fecha a porta para Deus e para os irmãos! “No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo!” (Jo 16,33).

Mas há o outro lado da moeda: aqueles que querem amedrontar, causar pânico, intimidar os outros, gritar, esbravejar, fazer calar a boca. Quantas pessoas se satisfazem provocando medo para dominar! Querem se impor pela força física, pela pressão psicológica, pelo cargo que exercem, pelas ameaças que fazem, pelo poder econômico ou político. Há muitas pessoas que sofrem terrivelmente debaixo de gente perversa, dominadora, satânica. Há gente que domina os outros até mesmo servindo-se da religião ou da boa-fé. Crianças, mulheres, idosos, pobres, pessoas vulneráveis e indefesas são as principais vítimas dos dominadores e manipuladores inescrupulosos. Um pecado que brada aos céus e pede a Deus vingança! Jesus nunca se impôs aos outros, nunca amedrontou ninguém. Pelo contrário, sempre mostrou-se afável, acolhedor, doador do perdão e da paz.

“Como o Pai me enviou também eu vos envio”. Palavra de Jesus aos discípulos antes de comunicar-lhes do Dom do Espírito Santo. É um elemento essencial na missão. O Pai enviou o Filho para comunicar seu amor ao mundo. Agora o Filho envia aqueles que ele escolheu e consagrou com essa mesma missão: o Pai nos ama e quer salvar a todos. Quer comunicar-nos o perdão e a paz. A Igreja é a mensageira e portadora dessa Boa Nova.

ABRIR O CORAÇÃO PARA A MISSÃO

Ao longo de seu ministério Jesus havia prometido o Espírito Santo aos seus discípulos para auxiliá-los na tarefa que lhes confiaria. Ele teria a missão de inspirá-los, fortalecê-los, lembrar-lhes o que lhes havia ensinado. Desde então lhes restava plantar, pois o Pai garantiria a colheita.

Compete a nós abrir o coração para a ação do Espírito Santo em nós a fim de que nossa vida e nossas comunidades se renovem. Aquele vigor concedido aos primeiros discípulos continua sendo dado a quem se abre à sua ação libertadora. Deixemos o Espírito agir em nós, pois sem a sua força a Igreja fica estéril e confusa, sem ternura e sem missão.

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A FORÇA DO ALTO PERDOA E ANIMA

A festa de Pentecostes tem sua história na comunidade israelita. Inicialmente era o agradecimento a Deus pelos frutos da terra. Uma festa agrícola. Posteriormente foi associada à entrega da Lei no Sinai, tornado-se assim a festa da Aliança de Deus com seu povo.

No cristianismo, Pentecostes celebra a manifestação pública da Igreja. Embora, segundo João, o Espírito Santo seja dado no dia da Páscoa, na Ressurreição, a comunidade lucana a coloca cinquenta dias depois da Páscoa, para evocar e celebrar a manifestação pública da Igreja. Em forma de “línguas de fogo” para dizer do testemunho e da palavra dos discípulos de Jesus manifestando a ação de Deus na pessoa de Jesus de Nazaré. No Sinai foi entregue a Lei a Moisés, escrita em tábuas de pedra. Aqui celebramos a Lei derramada nos nossos corações.

 O evangelho deste domingo mostra a comunidade dos discípulos acuada, medrosa. Os discípulos não tinham iniciativa nem coragem de anunciar a experiência que haviam feito de Jesus. Aquele em quem haviam depositado a esperança frustrou-lhes as expectativas: morrera na cruz como um malfeitor. Porém, a divina “Ruah” do alto, aquele Sopro vital os encheu de novo ânimo, de coragem. Começam então a anunciar, com todo ardor e entusiasmo, aquela realidade que haviam experimentado: a vida de Jesus e a vida em Jesus é o caminho para se viver de maneira justa, alegre e mais feliz.

Soprou sobre eles e disse...”. Esta passagem nos faz lembrar aquele sopro vital que o Criador fez penetrar no homem formado da argila: “Ele insuflou nas suas narinas o hálito da vida, e o homem se tornou um ser vivo” (Gn 2,7). Ou mesmo aquele Sopro de vida de que fala o profeta Ezequiel: “Porei meu sopro em vós para que vivais” (Ez 37,14). Somos cristãos leigos de barro, padres de barro, bispos de barro. É o Sopro Santo de Deus que nos comunica vida. Jesus comunica a nova vida que ele veio trazer do Pai: o Espírito Santificador que nos inspira, nos ilumina, nos fortalece para darmos testemunho da ressurreição do Senhor.

É interessante notar que o Espírito Santo não desceu somente sobre os “Onze”. Ele veio sobre todos que estavam no Cenáculo. Ali havia muitas outras pessoas além dos Apóstolos. O Espírito de Jesus penetra no coração daquelas pessoas e lhes dá novo vigor, novo sentido de vida. Sem o Espírito Santo a vida fica sem sentido, vazia, deslocada daquele centro vital para o qual o Pai nos criou. Desfocada, a vida começa a perder o sentido e o pecado encontra guarida dentro de nós. É a destruição da vida da pessoa. A alegria dá lugar à tristeza, a paz cede a brigas e intrigas, a partilha perde terreno para o egoísmo, o perdão é substituído pelo desejo de vingança, a fraternidade é suplantada pela dominação e coisificação das pessoas, a fé perde para a dúvida e o ceticismo.  Quando Jesus sopra sobre os discípulos e lhes dá o Espírito Santo com o poder de perdoar os pecados, ele quer mostrar que a missão da Igreja, pela força do Espírito Santo, deve ser a de tirar o pecado do mundo.

O pecado, segundo Pe. Antônio Pagola, é a “força de gravidade que nos impede de ir a Deus”. Muito mais do que culpa, é peso, escravidão. Mais do que falar de perdão, é preciso, pois, falar de libertação. Por isso chamamos a Jesus de Salvador. Nota-se, pois, uma vez mais, que o Evangelho não é um ligeiro verniz que se passa no ser humano, mas é tomá-lo a partir do seu ser mais profundo, assim como é, e tornar possível sua volta para Deus. Este é o primeiro fruto do Espírito de Jesus: a libertação. Este é o Espírito, o Espírito do Filho, o Espírito dos filhos, aquele que nos resgata da escravidão da terra e nos abre o horizonte luminoso de filhos.

Esse Espírito traz e atualiza a novidade de Cristo: “Sem o Espírito Santo, Deus está distante; o Cristo permanece no passado; o evangelho, uma letra morta; a Igreja, uma simples organização; a autoridade, um poder; a missão, uma propaganda; o culto, um arcaísmo; e a ação moral, uma ação de escravos. Mas no Espírito Santo o cosmos é enobrecido pela geração do Reino, o Cristo ressuscitado está presente, o evangelho se faz força do Reino, a Igreja realiza a comunhão trinitária, a autoridade se transforma em serviço, a liturgia é memorial e antecipação, a ação humana se deifica” (Atenágoras I, Patriarca de Constantinopla).

Todos nós sentimos dificuldades. Todos sentimos a fraqueza na fé, a fragilidade da existência, a força do pecado em nós. Por vezes o mal parece prevalecer. O bem fica apagado. Fazemos o bem, nos empenhamos na construção de um mundo melhor, mas parece que nossa luta é em vão. Então peçamos ao Espírito Santo que, como aos discípulos e discípulas no Cenáculo, nos encha de seu amor, de sua luz, de sua força:

Vem Espírito Santo e liberta-nos do pecado, sustenta nossa pequenez, dá-nos tua força contra o mal. Não nos deixes desanimar, desistir de caminhar na direção do bem. Mais do que fazer o bem, ajuda-nos a ser bons, justos, solidários, fraternos, promotores da paz. Enche-nos de tua bondade, de tua sabedoria para reproduzirmos em nossa vida as ações de Jesus que “passou pelo mundo fazendo o bem”. Amém.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Nossa missão: testemunhar e abençoar

aureliano, 30.05.25

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Ascensão do Senhor [1º de junho de 2025]

[Lc 24,46-53]

“Homens da Galiléia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu” (At 1,11). Estas palavras ditas pelos anjos por ocasião da subida de Jesus ao Pai, são interpretadas pela Igreja como uma palavra que nos exorta a não ficarmos parados, alienados olhando para o céu, mas que continuemos nossa caminhada nos preparando para a volta do Senhor. Essa é a missão da Igreja: ensinar e ajudar as pessoas a viver com o coração no céu e os olhos na terra.

No relato de hoje, Jesus se despede dos seus abençoando-os e confiando-lhes uma missão, a sua própria missão. Jesus não ficará na cova da morte, mas triunfará da morte e do pecado. Ele ressuscitará. E a comunidade dos crentes deverá anunciar o bem que ele fez à humanidade: a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações. O discípulo deve dar testemunho de tudo isso.

Dar testemunho significa deixar transparecer na palavra e na vida a realidade do que se crê. Dar testemunho da morte e ressurreição de Jesus é expressar com a própria vida a bondade que Jesus manifestou em sua vida. É acolher, perdoar, curar os enfermos, doar-se aos pequenos, enfrentar os riscos e perigos para defender os pequeninos do Reino, é assumir o Deus de Jesus como o absoluto da vida. E tudo isso só será possível mediante a “força do alto”. É o Espírito Santo que dará a força, a luz e a sabedoria para que o discípulo de Jesus possa reproduzir em sua vida as ações do Mestre.

“Vós sereis testemunhas de tudo isso”. Os discípulos serão testemunhas da conversão para o perdão dos pecados, realidades trazidas por Jesus. Ou seja, eles anunciarão com a palavra e com a vida a irrupção de Deus na história humana para transformá-la pela conversão e pelo perdão. O pecado desarmoniza, desorganiza, desconfigura o ser humano. A vida nova trazida por Jesus transfigura, pela força do Espírito Santo, o ser humano. A humanidade transfigurada, reconfigurada pelo Evangelho traz alento e devolve a alegria de viver.

A bênção foi o grande dom que Jesus confiou aos discípulos antes de voltar ao Pai: “Ergueu as mãos e os abençoou”. É muito importante retomarmos a reflexão sobre a bênção. Vem de benedicere=bendizer. É cantar um bendito a Deus pelos dons da criação. É ação de graças ao Pai por tudo que Ele faz por nós. É também dizer palavras de bem para alguém. Foi o que fez Jesus. É o que fazem nossos pais conosco. É o que fazemos com nossos filhos, netos, afilhados etc. Deus nos livre de ser pessoas que amaldiçoam, que carregam a maldade no coração, o desejo de vingança! É preciso que sejamos como Abraão: uma bênção (cf. Gn 12,2). Na medida em que nos aproximamos de Jesus, nos tornamos discípulos dele, nos enchemos de Deus, nos deixamos tomar por ele, fazemo-nos uma fonte de bênção para os outros.

O evangelho termina com estas palavras: “E estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus”. O evangelho de Lucas começa no Templo – anúncio do anjo a Zacarias – e termina no Templo. Zacarias estava no Templo oferecendo incenso ao Senhor. Aqui os discípulos estão bendizendo. Abençoados por Jesus, elevam uma oração de bênção. A bênção que transmitimos aos outros não é nossa, mas procede de Deus. Ele é o “Sol” e nós somos a “lua” que não tem luz própria, mas reflete a luz do Sol.

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Estamos celebrando o Dia Mundial das Comunicações Sociais com o tema: Partilhai com mansidão a esperança que está nos vossos corações (cf. 1 Pd 3,15-16).

Acompanhemos um trecho da mensagem do saudoso Papa Francisco que nos ajuda a rezar e refletir sobre a comunicação da esperança:

“Hoje em dia, com demasiada frequência, a comunicação não gera esperança, mas sim medo e desespero, preconceitos e rancores, fanatismo e até ódio. Muitas vezes, simplifica a realidade para suscitar reações instintivas; usa a palavra como uma espada; recorre mesmo a informações falsas ou habilmente distorcidas para enviar mensagens destinadas a exaltar os ânimos, a provocar e a ferir. Já várias vezes insisti na necessidade de “desarmar” a comunicação, de a purificar da agressividade. Nunca dá bom resultado reduzir a realidade a slogans. Desde os talk shows televisivos até às guerras verbais nas redes sociais, todos constatamos o risco de prevalecer o paradigma da competição, da contraposição, da vontade de dominar e possuir, da manipulação da opinião pública.

Há ainda um outro fenômeno preocupante: poderíamos designá-lo como a ‘dispersão programada da atenção’ através de sistemas digitais que, ao traçarem o nosso perfil de acordo com as lógicas do mercado, alteram a nossa percepção da realidade. Acontece portanto que assistimos, muitas vezes impotentes, a uma espécie de atomização dos interesses, o que acaba por minar os fundamentos do nosso ser comunidade, a capacidade de trabalhar em conjunto por um bem comum, de nos ouvirmos uns aos outros, de compreendermos as razões do outro. Parece que, para a afirmação de si próprio, seja indispensável identificar um “inimigo” a quem atacar verbalmente. E quando o outro se torna um “inimigo”, quando o seu rosto e a sua dignidade são obscurecidos de modo a escarnecê-lo e ridicularizá-lo, perde-se igualmente a possibilidade de gerar esperança. Como nos ensinou D. Tonino Bello, todos os conflitos ‘encontram a sua raiz no desvanecer dos rostos’. Não podemos render-nos a esta lógica.

(...) É interessante notar que o Apóstolo convida a dar conta da esperança ‘a todo aquele que vo-la peça’. Os cristãos não são, antes de mais, aqueles que ‘falam’ de Deus, mas aqueles que fazem ressoar a beleza do seu amor, uma maneira nova de viver cada pequena coisa. É o amor vivido que suscita a pergunta e exige uma resposta: porque é que viveis assim? Porque é que sois assim?” (Mensagem do Papa Francisco para o 59º Dia Mundial das Comunicações Sociais).

Nesse dia seria bom examinarmos como está nossa comunicação. A começar dentro de nossa casa. Estamos nos entendendo? Paramos para escutar? Como resolvo os conflitos: brigando ou dialogando? Ainda mais: por onde ‘navego’ nas redes sociais? A que programas de TV assisto? Que sites frequento? Que tipo de comunicação e relacionamento estabeleço no Facebook, no Twitter, no Instagram, no WatsApp etc? Compartilho mentiras, desinformação? As redes sociais são um importante instrumento de comunicação, de informação, de formação e de evangelização. Mas é preciso utilizá-las com moderação e sabedoria.

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Gostaria de lembrar um acontecimento fundante na Igreja e para a Igreja: a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos a realizar-se nos dias 1º a 08 de junho: “Em 2025, a Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC) convida todas as Igrejas, comunidades de fé e pessoas comprometidas com o ecumenismo a se unirem sob o lema “Crês nisso?”, em referência à pergunta de Jesus a Marta, em João 11,26. A iniciativa deste ano tem um significado ainda mais especial: celebra os 1700 anos do Concílio de Niceia (325 d.C.), marco histórico da unidade eclesial e da formulação da primeira confissão de fé comum entre cristãos.

Organizada pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), a SOUC 2025 tem como proposta fortalecer os laços entre as diferentes tradições cristãs e reafirmar que, em meio à diversidade de expressões, a busca pela unidade continua sendo um testemunho essencial do Evangelho”. (https://www.cnbb.org.br/semana-de-oracao-pela-unidade-crista-2025).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A palavra de Jesus e as “águas profundas”

aureliano, 07.02.25

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5º Domingo do Tempo Comum [09 de fevereiro de 2025]

[Lc 5,1-11]

Nos últimos dois domingos rezamos e refletimos a pessoa de Jesus, o Ungido do Pai, enviado para evangelizar os pobres. Enfrenta rejeição em sua própria terra e entre seus parentes e familiares. “O profeta só não é bem aceito em sua própria terra”.  O ungido de Deus para evangelizar os pobres é desprezado e perseguido na sua missão entre os seus.

No relato deste domingo, Lucas coloca Jesus em outra terra: às margens do lago de Genezaré. Aqui é ouvido por uma multidão que se aperta ao seu redor. Um detalhe interessante que não pode passar despercebido: as pessoas estavam ali “para ouvir a palavra de Deus”. Ao passo que, na sinagoga de Nazaré, o pessoal estava à cata de milagres: “Faze em tua terra o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum”. – Uma pergunta desconcertante: “Você frequenta a igreja para ouvir a Palavra de Deus e entrar num caminho de conversão ou para receber milagres e favores?”

No relato de hoje aparecem duas cenas: o anúncio da palavra de Deus às multidões e a pesca milagrosa. Dois acontecimentos que iluminam a caminhada e a missão da Igreja. A Palavra de Deus ilumina, aquece, inspira, fortalece, perdoa, abre caminhos. Por isso Simão Pedro dirá: “Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes”.

O trabalho sem a presença de Deus, sem a iluminação de sua Palavra, é inútil. Já rezava o salmista: “A salvação dos justos vem do Senhor, sua fortaleza no tempo da angústia. O Senhor os ajuda e liberta, ele vai libertá-los dos ímpios e salvá-los, porque neles se abrigaram” ”(Sl 37,39-40). E ainda: “Nosso refúgio e rocha firme é o Senhor” (Sl 62,8). E em outro lugar: “Se o Senhor não construir nossa cidade, em vão trabalharão os construtores” (Sl 127,1). Por isso Pedro e os demais pescadores, ainda que peritos no mar e na pesca, não conseguiram nada. – Outra pergunta: “Que lugar ocupa a Palavra de Deus na sua vida? E nas reuniões pastorais? Tem prioridade sobre trabalho, lazer e Redes Sociais?”

Esse relato quer mostrar à Igreja iniciante, representada na Barca de Simão, que a autossuficiência era a causa de prováveis desânimos na comunidade. Certamente a Palavra de Jesus, a confiança nele, a convicção de que os êxitos devem ser atribuídos a ele estavam meio distantes do horizonte da comunidade. O que os levava a voltar desanimados da “pesca”. A autossuficiência é uma praga que acaba com a comunidade, com a família, com a pessoa. Todo aquele que julga bastar-se a si mesmo, acha que não precisa de mais nada nem de ninguém, que tem todo conhecimento e dinheiro para sobreviver, que não aceita opinião nem sugestão de ninguém, está cavando seu próprio inferno e sendo um inferno para sua família e comunidade.

A abertura de Pedro, velho e experimentado pescador, em acolher a palavra de um “carpinteiro”, questiona nossos fechamentos e cabeça dura diante do novo que nos interpela. Uma mudança de época exige novos métodos de evangelização. Se as pessoas estão se afastando do evangelho, ou mesmo usando o evangelho para justificar suas falcatruas, é sinal de que precisamos rever nossa maneira de evangelizar. A “pesca” precisa ser diferente. A presença de Jesus deve ser mais concreta, real. Ele precisa “estar na barca”. A confiança nele precisa ser redobrada. O trabalho precisa ser feito em nome dele e para ele: “Em atenção à tua palavra vou lançar as redes”. Parece ser urgente retomar o lema de Carlos de Foucauld: “Gritar o evangelho com a vida”.

São Paulo VI, em 1975, ensinava: “E antes de mais nada, sem querermos estar a repetir tudo aquilo já recordado anteriormente, é conveniente realçar isto; para a Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização. ‘O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas’. São Pedro exprimia isto mesmo muito bem, quando evocava o espetáculo de uma vida pura e respeitável, ‘para que, se alguns não obedecem à Palavra, venham a ser conquistados sem palavras, pelo procedimento’. Será pois, pelo seu comportamento, pela sua vida, que a Igreja há de, antes de mais nada, evangelizar este mundo; ou seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao Senhor Jesus, testemunho de pobreza, de desapego e de liberdade frente aos poderes deste mundo; numa palavra, testemunho de santidade” (Evangelii Nuntiandi, 41).

Diante do milagre operado pela palavra do “filho do carpinteiro”, Pedro se lança aos pés de Jesus e se reconhece frágil, pecador: “Senhor, afasta-te de mim porque sou um pecador”. Notem a atitude de Jesus: diante do pedido de Pedro para que Jesus se afaste, este se aproxima ainda mais: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens”. Essa atitude de Jesus revela a bondade e a misericórdia do Pai. O Deus de Jesus não é o Deus terrível que espanta, que amedronta, que se mantém distante. Ele está perto e diz: “Não tenhas medo!”. E ainda lhe dá uma missão. Jesus quer que aqueles discípulos sejam continuadores de sua missão no mundo. É a missão da Igreja. Perdoar o pecado. Expulsar o fantasma do medo. Ajudar a pessoas a viverem com alegria, encanto e dignidade.

As “águas profundas” por vezes espantam. É preciso ser forte e confiante para entrar em ambientes e situações desconhecidas, ameaçadoras. Mas os “peixes” estão lá. A gente muitas vezes prefere ficar com aquelas mesmas pessoas de sempre, que frequentam nossa capela/comunidade. Residem no bairro ou córrego duas mil pessoas. Mas nos contentamos com as oitenta que frequentam nossa comunidade. Ao passo que Jesus diz: “Avancem para águas mais profundas”. Além disso, o Papa Francisco nos convida a irmos às “periferias existenciais”. Ou seja, há realidades difíceis, terríveis, destruidoras de vida, dolorosas que precisam da presença missionária: “águas profundas...”.

A atitude dos primeiros discípulos de Jesus nos convida a rever nossos apegos. “Levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus”. Quais são os apegos que não nos deixam avançar? A Sagrada Escritura diz: “Não seja o vosso proceder inspirado pelo amor ao dinheiro” (Hb 13,5). E em outro lugar: “Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perde sua vida por causa de mim, vai salvá-la” (Lc 9,24). Como está o nosso seguimento a Jesus? Que coisas precisamos abandonar?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A missão e seus desafios

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15º Domingo do Tempo Comum [14 de julho de 2024]

   [Mc 6,7-13]

No Evangelho do 14º Domingo do Tempo Comum (domingo passado) refletimos sobre a rejeição que Jesus sofreu por parte dos seus: “Donde lhe vem isso? Não é ele o carpinteiro?”. Notamos que, assim como Jesus, o profeta do Reino sofre rejeição quando é fiel à Aliança de Deus.

No evangelho deste domingo estamos refletindo o envio missionário que Jesus faz de seus discípulos. Depois de chamá-los para estar com Ele (Mc 3,12-15) envia-os em missão.

A Igreja de Jesus existe para evangelizar. É a Assembleia dos convocados (Ekklesia) para levar à humanidade a Boa Nova de Jesus. Ela não é um clube, um grupinho de seletos e privilegiados que vivem em função de si mesmos e de seu grupo. Nesta perspectiva a Igreja não pode excluir ninguém. Muito pelo contrário, sua missão é incluir, trazer para dentro quem está fora, abandonado, à margem. Ser instrumento de cura, libertação e salvação de todas as pessoas. Por isso, universal. É a continuadora da missão de Jesus.

Jesus, ao enviar seus discípulos em missão, faz-lhes algumas recomendações: Que não levassem nada pelo caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas. O missionário, assim como Jesus, deve confiar-se totalmente à providência do Pai e na partilha dos irmãos. Levar muitas coisas torna a missão pesada para si e para os outros. A prioridade na missão não são as estruturas (prédios, livros, recurso tecnológico, muito estudo – embora sejam importantes!), mas pessoas despojadas, doadas, generosas, apaixonadas por Jesus Cristo. Os meios para a execução da missão podem nos confundir no exercício da missão propriamente dita. Em outras palavras: ao invés de focar nas pessoas, focamos nas estruturas. Ao invés de pastores, nos tornamos administradores.

O judeu piedoso, quando fazia missão, levava a própria ‘ração’ para não correr o risco de comer um alimento impuro. Os filósofos cínicos, tidos como despojados, levavam a sacola para angariar as esmolas que lhes garantiam a sobrevivência. Jesus insiste que o discípulo missionário seja desprendido, não para atender sua autossuficiência, mas a fim de que seja mais livre e disponível para servir. Assim Jesus se distancia da mentalidade judaica ou mesmo filosófica (cinismo) da sua época. O que ele propõe é algo inovador, levando o discípulo a sair de si mesmo.

O cajado e as sandálias recomendados por Jesus dão ao discípulo missionário segurança na missão. A sandália favorece a caminhada e o cajado protege o missionário bem como o rebanho.

Quando Jesus recomenda permanecer na casa: ficai aí até vossa partida, ele quer dizer que o discípulo deve se contentar com o que tem, sem ficar procurando novidades aqui e acolá. A missão é dinâmica, exige mobilidade por si mesma, mas não fica à cata de novidades e comodidades. Comodismo, vida mansa, projeção social, aplausos, sucesso a todo custo, poder e dinheiro não combinam com vida cristã, com a missão confiada por Jesus à sua Igreja.

O conteúdo da pregação dos discípulos foi que todos se convertessem. E suas ações foram: expulsar demônios e curar doentes.

Na sua ação evangelizadora, os discípulos não falam em negociar com ofertas e dízimo de ninguém. Nem em doutrinação, em catecismo etc. O anúncio consiste na proposta de conversão para o perdão dos pecados. Ou seja, é preciso assumir uma vida nova, um jeito novo de viver. De agora em diante quem determina o modo de viver daquele que abraça a fé cristã são a vida e os ensinamentos de Jesus: “... ensinando-os a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28,20). Os sacramentos com os quais normalmente as pessoas se preocupam: batismo, primeira eucaristia, crisma, confissão, matrimônio etc serão recebidos a partir da experiência de conversão, de uma vida voltada para Jesus Cristo. É claro que o sacramento proporciona esse encontro, mas não faz sentido recebê-los se não se tem compromisso com Jesus Cristo e sua Igreja. Eles não são adereços da fé. São uma realidade da atuação da Graça salvadora de Deus em nós que pede compromisso.

Curar os doentes e expulsar os demônios!!! Como isso se dá na vida do discípulo missionário? Os demônios são aquelas realidades que escravizam, dominam as pessoas. Pode ser um vício, a politicagem, o jogo do poder, a mentira, o ódio, o espírito de vingança, a traição, a desonestidade, a dominação, o adultério, a corrupção, a fornicação, a arrogância. O poder de cura é exercido quando buscamos um trabalho que devolve à pessoa sua capacidade de viver bem, com dignidade, libertada, feliz. O trabalho na Pastoral da Criança, o envolvimento com a Pastoral Carcerária, o empenho na Associação de Moradores para que o bairro ou o córrego possa ter acesso aos benefícios das políticas públicas (saneamento básico, postos de saúde bem equipados, segurança pública, combate e prevenção da violência, escolas qualificadas, direitos sociais assegurados etc), a visita e o cuidado com os doentes e debilitados. Enfim, há muitas formas de se trabalhar para que os demônios sejam expulsos e os doentes recuperem a saúde.

Jesus não pediu que o discípulo o defendesse, mas que cuidasse das pessoas, levando-as à conversão do coração e à libertação dos males que se lhes acometem, sobretudo aos pequeninos do Reino. Que o enxergasse nos últimos da sociedade. É assim que o Reino vai se manifestando entre nós.

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SANTIDADE: VIVER PARA LOUVOR E GLÓRIA DE DEUS

Vale a pena conferir e rezar a segunda leitura de hoje: Ef 1,3-14. São Paulo proclama, em um lindo hino, as bênçãos do Pai que nos foram dadas em seu filho, Jesus. Fomos criados para “sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor”. O Pai nos “predestinou para sermos seus filhos adotivos por Jesus Cristo”. É no Filho que nos tornamos filhos do Pai do céu. A redenção nos veio por Jesus Cristo: “pelo seu sangue temos a redenção, a remissão dos pecados”. Na graça de Jesus derramada sobre nós foi-nos dado “conhecer o mistério de sua vontade” para conformarmos nossa vida com a dele. Nele fomos predestinados à vida em Deus “a fim de servirmos para o seu louvor e glória”. Em Jesus também, tendo ouvido com fé a Palavra da verdade, a Boa Nova que salva, “fostes selados pelo Espírito da promessa, o Espírito Santo”, como novo Povo de Deus para “seu louvor e glória”.

Queria me ater a essa quarta bênção: “servirmos para o seu louvor e glória”. O dom da filiação divina – “predestinou a serem conformes à imagem do seu Filho” (Rm 8,29) –  nos introduz na vida do Filho de Deus que assumiu nossa condição humana, deu sua vida por nós e foi glorificado pelo Pai. O discípulo que foi feito “filho no Filho” deve também percorrer o caminho de Jesus. Em razão disso, a vida daqueles que receberam a filiação divina, é para o louvor e glória de Deus. Louvor, no sentido de que a vida do cristão é um “sacrificium laudis” – sacrifício de louvor –, ou seja, o culto espiritual que consiste em “oferecer vossos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus” (Rm 12,1).

Fomos criados para “sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor”. Essa predestinação coloca o ser humano numa relação de comunhão filial com o Criador em Jesus Cristo. Ser santo significa ser ‘separado’. Viver separado dos apegos aos ídolos do poder e do ter. À semelhança do Filho e no seu encalço, que “não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana” (Fl 2,6-7). Ser santo, portanto, é assumir na vida a condição de servidores, desapegando-se, separando-se da busca de sucesso, de poder, de aplausos, de reconhecimento social, de arrogância e de indiferença diante da dor alheia. Assim nossa vida será vivida para “louvor e glória” de Deus. É a grande bênção para a humanidade!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A missão do discípulo de Jesus

aureliano, 11.05.24

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Domingo da Ascensão do Senhor [12 de maio de 2024]

[Mc 16,15-20]

 Este relato evangélico é um acréscimo posterior, de autor desconhecido. Mas ele nos ajuda a perceber que Jesus, ao se manifestar aos discípulos não tem o intuito de, simplesmente, consolá-los, mas de conferir-lhes a missão de levar a Boa Nova a outros povos. Seus discípulos se tornam ponto de referência do juízo de Deus: será salvo quem aceita o Evangelho, isto é, o testemunho que os apóstolos darão do que se realizou em Jesus de Nazaré.

Para ajudar a compreender o que celebramos hoje, proponho refletir sobre três realidades: a Ascensão do Senhor; o Dial Mundial das Comunicações Sociais, e a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. E ainda uma palavra sobre a mães em seu dia, e uma memória de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento. Vamos lá!

A Ascensão do Senhor: Celebrar a solenidade da Ascensão é levar o ser humano a pensar no seu destino de homem novo, renascido pelo batismo para uma vida nova. A ascensão de Cristo é a nossa ascensão. O Cristo que sobe para junto do Pai permanece junto de nós na força do Espírito Santo. E confia-nos a missão de ser seus continuadores. Se queremos participar com ele da vida eterna precisamos, como ele e com ele, realizar a tarefa de construirmos uma sociedade nova.

Na missão nos é dado realizar os “sinais” de vida:

  1. Expulsar demônios: é combater o poder do mal que prejudica a vida. A vida de muitas pessoas ficou melhor pelo fato de terem entrado na comunidade e de terem começado a viver a Boa Nova da presença de Deus em sua vida. Precisamos trabalhar com a força do Espírito Santo contra as forças do mal que acometem as pessoas. Expulsar os demônios da exploração, da mentira, do consumismo, da dominação, do orgulho, da falsidade, da inveja, da disseminação do ódio e da vingança, da ambição, da corrupção, do comodismo, da omissão.
  2. Falar novas línguas: é começar a comunicar-se com os outros de maneira nova. Às vezes, encontramos uma pessoa que nunca vimos antes, mas parece que já nos conhecemos há muito tempo. É porque falamos a mesma língua, a língua do amor. Aquela palavra que conforta, que encoraja, que anima. Fazer com que prevaleça essa linguagem, que todos entendem. A linguagem do amor não se resume em palavras, mas em gestos, atitudes de vida.
  3. Vencer o veneno: há muita coisa que envenena a convivência. Muita fofoca que estraga o relacionamento entre as pessoas. Quem vive a presença de Deus dá a volta por cima e consegue não ser molestado por este veneno terrível. Há muita coisa envenenada que quer tirar nossa alegria, nossa fé; que quer nos impedir de servir melhor as pessoas, ou mesmo de fazermos das pessoas objeto de jogo, de prazer, de dominação. Peçamos ao Senhor que nos livre desse veneno.
  4. Curar os doentes: em todo canto onde aparece uma consciência mais clara e viva da presença de Deus aparece também um cuidado especial para com as pessoas excluídas e marginalizadas, sobretudo para com os doentes. Aquilo que mais favorece a cura é a pessoa sentir-se acolhida e amada. Nossa sociedade está doente: falta amor, carinho, acolhida. Vamos tornar nossa comunidade mais acolhedora. Olhemos com mais carinho aqueles que não podem vir à igreja, os doentes e idosos. Tanta gente esperando uma presença/visita, uma mensagem de esperança, uma oração que pode curar e confortar!

Celebrar a Ascensão do Senhor é viver com o coração no céu e com os pés na terra. É andar sempre com passos firmes e solidários. É ter a capacidade de perceber a presença do Ressuscitado no irmão que sofre, na comunidade reunida, na vida que refloresce.

Nossa prática é capaz de revelar o rosto de Jesus?  Dois elementos mostram nossa semelhança ao Mestre: o serviço prestado aos sofredores e a proteção divina. O Senhor glorioso não deixa de dar sua força aos que se empenham pelo anúncio de seu Reino. Jesus nos envia para sermos testemunhas de seu evangelho. Os sinais que acompanham o anúncio do evangelho devem continuar gerando admiração e alegria. São os ‘milagres’ descritos por Marcos: pessoas que conseguem livrar-se dos vícios, do fascínio do lucro e da vaidade; comunidades que não se fundam na competição, mas na comunhão; o empenho em abolir as fronteiras humanas da discórdia, da divisão e discriminação; a vivência do matrimônio ou da virgindade em fidelidade evangélica.

Acreditamos a partir do testemunho de fé da comunidade. Não tivemos contato com o Jesus histórico, mas com o evangelho. É importante ler, rezar, estudar os evangelhos: sozinho, através da leitura orante, em pequenos grupos, em comunidade. Somente assim poderemos superar a crise da descrença e da indiferença em que vivemos, hoje. Sendo nós mesmos evangelho vivo. Lembrados do lema de São Carlos de Foucauld: “Gritar o Evangelho com a vida”.

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O Dia Mundial das Comunicações Sociais deste ano tem como tema: “Inteligência artificial e sabedoria do coração: para uma comunicação plenamente humana”. O Santo Padre nos convida a repensar a comunicação para ajudar as pessoas a se encontrarem como irmãos e irmãs para ajuda mútua. O fenômeno da Inteligência Artificial deve ser levado em conta como uma realidade nova da técnica e da ciência que pode construir pontes bem como levantar muros.

Transcrevo dois parágrafos em que o Papa mostra a importância de se compreender bem e de se fazer bom uso da inteligência artificial. Para que se ande em direção segura o Papa alerta para a importância de se ter um coração sábio:

“Neste tempo que corre o risco de ser rico em técnica e pobre em humanidade, a nossa reflexão só pode partir do coração humano. Somente dotando-nos dum olhar espiritual, apenas recuperando uma sabedoria do coração é que poderemos ler e interpretar a novidade do nosso tempo e descobrir o caminho para uma comunicação plenamente humana. O coração, entendido biblicamente como sede da liberdade e das decisões mais importantes da vida, é símbolo de integridade e de unidade, mas evoca também os afetos, os desejos, os sonhos, e sobretudo é o lugar interior do encontro com Deus. Por isso a sabedoria do coração é a virtude que nos permite combinar o todo com as partes, as decisões com as suas consequências, as grandezas com as fragilidades, o passado com o futuro, o eu com o nós.

Esta sabedoria do coração deixa-se encontrar por quem a busca e deixa-se ver a quem a ama; antecipa-se a quem a deseja e vai à procura de quem é digno dela (cf. Sab 6, 12-16). Está com quem aceita conselho (cf. Pr 13, 10), com quem tem um coração dócil, um coração que escuta (cf. 1 Re 3, 9). É um dom do Espírito Santo, que permite ver as coisas com os olhos de Deus, compreender as interligações, as situações, os acontecimentos e descobrir o seu sentido. Sem esta sabedoria, a existência torna-se insípida, pois é precisamente a sabedoria que dá gosto à vida: a sua raiz latina sapere associa-a ao sabor” (Mensagem do Papa Francisco para o 58º Dia das Comunicações Sociais).

Nesse dia seria bom examinar como está nossa comunicação. A começar dentro de nossa casa. Estamos nos entendendo? Paramos para escutar? Comunicamos nossas idas e vindas? Como temos nos comunicado com nossos filhos? Somos verdadeiros, transparentes? A melhor comunicação ainda é a corporal/existencial. A tecnologia ajuda, mas não substitui nossa relação verdadeira. - Ainda mais: Por onde ‘navego’ nas redes sociais? Que tipo de comunicação e relacionamento estabeleço no Instagram, Facebook, Watt Zap e outros? As Redes Sociais são um importante instrumento de comunicação, de informação, de formação e de evangelização. Mas é preciso utilizá-las a partir da sabedoria do Evangelho que gera a “sabedoria do coração”.

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Gostaria de lembrar um acontecimento fundante na Igreja e para a Igreja: A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos: 12 a 19 de maio de 2024. Com o tema: “Amarás o Senhor teu Deus… e ao teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10, 27), o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs promove a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos com o intuito de alimentar e manter no coração dos fiéis cristãos o firme desejo expresso por Jesus para que todos nos mantenhamos unidos a ele e uns aos outros para que o Pai seja glorificado em nossa vida.

“Os cristãos são chamados a agir como Cristo, amando como o Bom Samaritano, mostrando misericórdia e compaixão para com os necessitados, independentemente da sua identidade religiosa, étnica ou social. Não são as identidades compartilhadas que devem nos levar a ajudar o outro, mas o amor ao nosso “próximo”. Entretanto, a visão de amor ao próximo que Jesus nos apresenta está sendo ameaçada no mundo atual. As guerras em muitas regiões, os desequilíbrios nas relações internacionais e as desigualdades geradas pelos ajustes estruturais impostos pelas potências ocidentais ou por outras forças externas inibem a nossa capacidade de amar como Cristo amou. É aprendendo a amar uns aos outros, independentemente das nossas diferenças, que os cristãos podem se tornar próximos como o samaritano do Evangelho” (https://www.cnbb.org.br/semana-de-oracao-pela-unidade-dos-cristaos-2024/).

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Celebramos hoje o Dia das Mães. Seria bom nos lembrarmos neste dia das mães sofredoras. Há mães que não experimentam alegrias neste dia. Talvez experimentem ainda uma dor maior. Que tal fazermos uma oração, enviarmos uma mensagem a alguma mãe sofrida? Mais do que festanças, comilanças e bebedeiras, precisamos caminhar na direção de maior solidariedade! Hoje é dia nos solidarizarmos com as vítimas das tempestades no Rio Grande do Sul. Há muitas mães e filhos passando por dores, desalentos e desesperança. Seria bom uma prece, um minuto de silêncio, uma memória afetiva, um pouco de moderação nas festas em respeito e solidariedade a esses nossos irmãos e irmãs.

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13 de maio: Vamos celebrar, no próximo dia 13, a festa de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento. É a padroeira de nossa Congregação Sacramentina. A devoção a Maria com esse título começou em 1868, com São Julião Eymard, fundador dos Sacramentinos da Adoração Perpétua. Pe. Júlio Maria, Fundador da Congregação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora, divulgou muito essa devoção. Dizia que “a Eucaristia é o prolongamento da Encarnação”. Com isso ele queria dizer que, aquele Jesus nascido de Maria, Filho de Deus, continua na Eucaristia alimentando e animando a missão da Igreja. São João Paulo II vai dizer, mais tarde, que (embora os textos da Escritura não mencionem explicitamente) a Virgem Maria “não podia deixar de estar presente, nas celebrações eucarísticas, no meio dos fiéis da primeira geração cristã, que eram assíduos à ‘fração do pão’ (At 2,47)” (EE, 53). Maria foi uma mulher eucaristizante. Sejamos também nós, a exemplo de Maria, pessoas eucaristizadas e eucaristizantes, trabalhando para um mundo mais humano, mais fraterno, para que todos tenham acesso aos bens da Criação. Uma eucaristia que ajude a diminuir a distância entre ricos e pobres. Uma eucaristia que se empenhe para que não falte o pão na mesa dos pobres. Uma eucaristia que não nos deixe acomodados num “mundanismo espiritual” estéril e sacrílego. Nenhuma família sem casa. Nenhuma família sem terra. Nenhuma família sem trabalho. Nenhuma família sem pão!

TPe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A vinha é de Deus, não é nossa!

aureliano, 06.10.23

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27º Domingo do Tempo Comum [08 de outubro de 2023]

[Mt 21,33-43]

Esta é a segunda parábola a respeito da rejeição da Graça por parte daqueles que são eleitos de Deus em primeiro lugar. Movidos por desejos egoístas, talvez prefiram dizer não. No evangelho do domingo passado (Mt 21,30), o filho respondeu: “Sim, senhor, eu vou”. Mas não foi. Hoje a vinha é dada aos primeiros, que não reconhecem o direito do patrão sobre os frutos, matando inclusive o filho, o herdeiro enviado.

A reflexão recai de novo sobre aqueles que recebem mais, aqueles que são os primeiros responsáveis, agraciados com a eleição e o convite para trabalhar na vinha e fazê-la produzir. É a liderança que se apropria daquilo que é dom. Ao invés de trabalhar para o Dono, se faz dono daquilo que lhe foi “arrendado”, ou seja, lhe foi dado para cultivar e produzir frutos.

Pode nos ajudar a entender esse sentido da parábola a constatação de maridos ou pais que tratam a mulher e os filhos como ‘coisa’, propriedade, objeto de uso ou mão de obra barata. Também aquela situação em que o coordenador da comunidade ou da pastoral, ou mesmo o padre, se faz senhor do que lhe foi confiado como serviço. Ou ainda o administrador de patrimônio público que exerce o cargo como dono dos bens que lhe foram confiados para administrar em favor dos mais pobres. Faz-se dono das pessoas, quando deveria fazer-se servo... Isto acontece quando o cargo é assumido como dominação e o dinheiro assume o lugar de Deus!

O povo de Israel é a “vinha de Deus”. Porém recusa-se a entregar a parte ao patrão que é Deus. Quando este envia o Filho, matam-no, com o desejo de se apoderar de sua herança: “É o herdeiro; matemo-lo para tomarmos posse de sua herança”. Mas o Deus providente lhes tira a vinha para entregá-la a outro povo.

Os primeiros a serem rejeitados são os profetas. O herdeiro é o Filho que o Pai envia, a pedra rejeitada que se torna a “pedra angular”. Porém Deus fundou um “novo povo” sobre essa “pedra”. Deus não rejeitou os judeus, como não rejeita ninguém. Ele rejeita a liderança que se apropria da religião, das leis e escraviza o povo. O novo povo que Jesus funda é a Igreja, comunidade de seus seguidores, que recebe a missão de continuar sua obra salvadora e libertadora.

Sabemos, porém que a Igreja, novo Povo de Deus, corre o risco de querer guardar os frutos da vinha para si. É a tentação do poder: querer dominar, tirar proveito da boa fé do povo, querer dominar as pessoas com uma religião mágica, com normas e leis que são mais rédeas de controle do que orientações de vida. É preciso que ela sempre se volte para Jesus, a Pedra Angular, e se coloque como servidora, trabalhadora na vinha de Deus. Os frutos são de Deus, as pessoas são de Deus, o resultado é de Deus. À Igreja compete colocar-se como humilde servidora do Reino que é muito maior do que ela. A Igreja é um instrumento de Deus para ajudar as pessoas a fazer a experiência de Deus, a se encontrar com Deus e assumir uma vida nova em Deus.  É preciso ter a coragem de morrer como e com Cristo para gerar vida nova.

Esta parábola não tem o fito de revelar um Deus vingativo, rigoroso, cobrador. Não! Este relato quer levar o discípulo, sobretudo a liderança religiosa a reconhecer que Jesus é o dom do Pai, revelador do rosto misericordioso de Deus. E esse reconhecimento leva a produzir muitos e bons frutos.

*A propósito do evangelho de hoje que nos ajuda a rezar a missão da Igreja, queremos convidar os irmãos e irmãs a se colocarem em sintonia com o Sínodo sobre a Sinodalidade, que está acontecendo em Roma. O Papa Francisco convida à abertura ao Espírito Santo a fim de que ele nos indique os caminhos e instrumentos de que nos serviremos para uma evangelização eficaz. “E este é o dever primário do Sínodo: centrar de novo o nosso olhar em Deus, para sermos uma Igreja que olha, com misericórdia, a humanidade. Uma Igreja unida e fraterna – ou pelo menos procura ser unida e fraterna –, que escuta e dialoga; uma Igreja que abençoa e encoraja, que ajuda quem busca o Senhor, que excita benevolamente os indiferentes, que abre caminhos para iniciar as pessoas na beleza da fé. Uma Igreja que tem Deus no centro e, consequentemente, não se divide internamente e nunca é dura externamente. Uma Igreja que arrisca com Jesus. É assim que Jesus quer a Igreja, assim quer Ele a sua Esposa” (Homilia do Papa Francisco na abertura do Sínodo 2023).

**Lembramos que estamos no mês missionário. É bom refletirmos sobre nossa responsabilidade missionária. Agirmos como instrumentos de Deus na história. O missionário não fica de braços cruzados “olhando a banda passar”, não. Ele vê e age. Missionário incomoda-se com a realidade de dor e sofrimento do povo; com a exploração e humilhação das pessoas; com os maus tratos feitos à Mãe Terra; com um poder político que usa a máquina do Estado para explorar, roubar, tirar os direitos dos pobres e trabalhadores honestos. Missionário coloca-se como voz, coração e mãos de Deus no mundo. É um continuador das ações de Jesus. Quiçá programar uma visita, participar de uma pastoral, prestar um serviço voluntário em alguma instituição de caridade, apoiar movimentos populares que defendem os direitos dos pequeninos do Reino... É preciso cuidar da Vinha de Deus, pois a qualquer hora o Senhor virá acertar as contas. Afinal de contas “a vida é missão”! Vamos nessa!

***No último dia 04 celebramos São Francisco de Assis. Uma historinha de Francisco para iluminar nossa missão: Certa vez, S. Francisco pediu a um Irmão, chamado Leão: “Frei Leão, vamos fazer uma pregação?” “Sim”, respondeu o Irmão.

Os dois saíram caminhando pelas ruas de Assis. Andaram, andaram... Mas nunca chegavam ao local da tal pregação.

Por fim, começaram a voltar para casa. Quando estavam chagando, Frei Leão perguntou: “Frei Francisco, e a pregação?” “Já a fizemos”, respondeu ele.

A palavra convence, o exemplo arrasta. A simples caminhada deles, um ao lado do outro, conversando com alegria e amizade, foi a pregação.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Pedro e Paulo, carismas complementares

aureliano, 01.07.23

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Solenidade de São Pedro e São Paulo [02 de julho de 2023]

[Mt 16,13-19]

Hoje celebram-se na Igreja duas vocações distintas e complementares: Pedro governa as responsabilidades da evangelização. Alguns o identificam com o fundamento institucional da Igreja. Jesus lhe dá o nome de Pedro que significa “pedra”, “rocha”. Sobre sua profissão de fé a comunidade é edificada. Cefas, Kepha significa gruta escavada na rocha. Nessa gruta os pobres ou os animais se escondem e/ou moram. Aí é o lugar do cuidado, da proteção, da geração da vida. A Igreja torna-se, pois, o lugar privilegiado do cuidado da vida. É a caverna rochosa onde os pequeninos do Reino encontram abrigo e cuidado.

Pedro recebe o “poder das chaves”, isto é, o serviço de administrador da comunidade. Recebe também o poder de “ligar e desligar”, isto é, o poder da decisão, da responsabilidade pastoral para orientar os fiéis no caminho de Cristo. Esse ministério é confirmado por outros textos: “Confirma os teus irmãos” (Lc 22, 31). “Apascenta os meus cordeiros” (Jo 21, 15). É a intenção clara de Jesus em prover o futuro da Igreja.

Paulo é o fundador carismático da Igreja. Aquele que se preocupa com a ação missionária da Igreja. Tem a preocupação de anunciar além-mar. Por isso é cognominado “Apóstolo das Gentes”. Representa a criatividade missionária. Vai para além do institucionalizado. Rompe com normas e leis que prendem o evangelho: Verbum Dei non est alligatum – “A palavra de Deus não está algemada” (2 Tm 2,9).

A complementaridade desses dois carismas fundadores da Igreja continua atual: a responsabilidade institucional e a criatividade missionária. Alguém deve responder pela instituição, pois esta dá suporte ao missionário. Por outro lado, alguém tem que “pisar no acelerador” da missão, sem se prender muito, para que a missão não fique refém de normas rígidas e anacrônicas. O novo desafia o institucionalizado e o atualiza. A tensão entre ambos é que mantém acesa a chama da missão.

Nesse “Dia do Papa” seria bom reaquecermos nossa veneração e acolhida à pessoa e à palavra do Papa, sucessor de Pedro. Ele é o sinal da unidade e da caridade da Igreja. Com os limites que são próprios ao ser humano, ele continua sendo o sucessor de Pedro, o Bispo de Roma, reconhecido pela Igreja, desde a antiguidade, como aquele que “preside a assembléia universal da caridade” (Santo Inácio de Antioquia , século II).

O que importa nessas considerações é sermos pessoas que, como Pedro e Paulo, tenham a coragem de doar a vida pela causa do Reino de Deus. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas. Eles se doaram até ao sangue.  E nós? Onde estamos na doação, na entrega, na missão? Como zelamos pela nossa Igreja? Como anda nossa identidade cristã e católica frente às afrontas e desrespeito ao evangelho, à vida e à Igreja? Até que ponto sou comprometido com minha comunidade eclesial?

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Pedro e Paulo: coragem e fidelidade batismal

São Pedro e São Paulo coroam o mês de junho e as festas juninas. É interessante notar que não se trata somente de festas populares, mas há uma espiritualidade subjacente a esses momentos dentro de nossas comunidades. A alegria, o encontro, a dança, as manifestações da piedade popular, as celebrações... Claro que, em grande medida, as festas são mais pagãs do que cristãs. Muitos se valem destas festividades para lucrar muito dinheiro e garantir “curral eleitoral”. Outros se entregam à bebida e às drogas, desvirtuando o clima de alegria, confraternização e celebração da comunidade. Mas não podemos deixar morrer o sentido original e cultural destas festividades. Ainda mais: deve ficar a mensagem de que os santos mais populares deste mês: Santo Antônio, São João e São Pedro, são homens que viveram para Deus e testemunharam com sua vida a fé que professaram em Jesus Cristo.

Hoje, ao celebrarmos São Pedro e São Paulo, solenizamos as duas colunas da Igreja. "Pedro, o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel. Paulo, mestre e doutor das nações, anunciou-lhes o Evangelho da Salvação. Por diferentes meios, os dois congregaram à única família de Cristo e, unidos pela coroa do martírio, recebem, por toda a terra, igual veneração" (Prefácio da missa). Pedro representa a Igreja institucional, é a "Pedra" que recebe a incumbência de "confirmar os irmãos", enquanto Paulo representa o carisma missionário, atravessa mares e desertos para anunciar a Boa Nova do Reino, formando novas comunidades cristãs.

A profissão de fé de Pedro é a base da comunidade cristã: "Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo". É nessa fé que a Igreja se firma e caminha. É o Espírito que sustenta a caminhada da Igreja. Ela não se instituiu sobre "carne e sangue", mas no Amor gratuito do Pai revelado na entrega livre do Filho pela salvação da humanidade (cf. Jo 10,18).

As "chaves do Reino" que são confiadas a Pedro devem sempre abrir as cadeias e algemas daqueles que estão dominados pelo mal. Quanta gente presa nas amarras da mentira, da ambição, da corrupção, do ódio, do preconceito, do medo, da enganação! Nosso mundo precisa, cada vez mais,  das "chaves do Reino" para abrir-se a mais partilha, mais sentido de vida, mais perdão, mais fraternidade, mais respeito, mais equidade e compreensão.

Quando lançamos um olhar de fé sobre esses dois homens cuja solenidade celebramos hoje, percebemos quão distantes ainda estamos da vivência de uma fé autêntica, corajosa, testemunhal!

Pedro foi encarcerado por causa da fé! Levou às últimas consequências sua profissão de fé: "Tu és o Cristo". Paulo também foi preso, ameaçado e perseguido pelos de dentro e pelos de fora. Mas levou até ao fim sua missão: "Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. (...) O Senhor me assistiu e me revestiu de forças, a fim de que por mim a mensagem fosse plenamente proclamada e ouvida por todas as nações" (2Tm 4, 6-7.17).

Até que ponto damos conta de sustentar nossa fidelidade ao Evangelho, levando às últimas consequências nosso batismo? Quais são as ilusões ou dificuldades que nos fazem desanimar, abandonar a missão, a comunidade? O que constitui o "conteúdo" de nossa vida: Jesus Cristo ou as vaidades religiosas e sociais? O que preciso deixar e o que preciso abraçar com mais vigor para ser verdadeiro discípulo como Pedro e Paulo?

Nesse dia a Igreja nos pede orações pelo Papa. Ele é o sucessor de Pedro. É ele que “preside a assembleia universal da caridade” (Santo Inácio de Antioquia) e é o sinal visível da unidade da Igreja. Peçamos ao Senhor que lhe dê muita luz para conduzir a Igreja pelos caminhos de Jesus. E lhe dê muita força e coragem para enfrentar os obstáculos e as resistências que essa sociedade e as situações difíceis que os "de dentro" lhe oferecem. E que tenha a sabedoria necessária para ajudar a Igreja a se abrir ao diálogo com o novo que surge a cada dia na fidelidade a Jesus e à sua missão.

O Papa Francisco tem surpreendido o mundo com seus gestos de simplicidade, de humildade, de acolhida, de uma palavra profética. Precisamos prestar mais atenção a seus ensinamentos. Ele nos aponta o verdadeiro caminho pelo qual a Igreja deve passar. Ele pede uma Igreja em saída para as periferias geográficas e existenciais. Uma presença e defesa dos mais pobres. “Prefiro uma Igreja acidentada, a uma Igreja doente por fechar-se”.

“A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque nesse caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e exige-o o amor por toda a pessoa, independentemente do seu desenvolvimento. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandona, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura, e em todas as formas de descarte. Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo, onde alguns festejam, gastam folgadamente e reduzem a sua vida às novidades do consumo, ao mesmo tempo que outros se limitam a olhar de fora enquanto a sua vida passa e termina miseravelmente” (Gaudete et Exsultate, 101).

*Neste dia de São Pedro e São Paulo ocorre a coleta para o Óbulo de São Pedro, uma coleta financeira, que é destinada para as obras sociais, iniciativas humanitárias e de promoção social do Papa Francisco. Toda a arrecadação deste dia é encaminhada integralmente à cúria de cada arqui/diocese, que por sua vez envia à Nunciatura Apostólica, que é a representação do Vaticano no Brasil .

 Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Você trabalha na Lavoura do Senhor?

aureliano, 17.06.23

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11º Domingo do Tempo Comum [18 de junho de 2023]

[Mt 9,36 – 10,8]

O relato do evangelho deste domingo está colocado no seguinte contexto: Jesus ensinando os discípulos (Sermão da Montanha: Mt 5, 6 e 7) e confirmando sua palavra com vários milagres/sinais (Mt 8 – 9,34). Depois destas ações magistrais ele escolhe um grupo para enviá-los em missão, dando-lhes autoridade e orientando-os no exercício da missão. É um Novo Povo constituído pelo próprio Jesus, novo Moisés. A lista dos Doze realiza o que prefigurava as Doze Tribos de Israel. Este Novo Povo não é apenas sinal da Aliança entre Deus e a humanidade, mas são constituídos missionários, anunciadores do Reino de Deus inaugurado por Jesus.

Ao chamar e constituir o grupo dos Doze e enviá-los em missão, Jesus se distancia dos mestres de seu tempo que reuniam discípulos para ficarem em torno de si. Eram alunos. Jesus quer missionários. Itinerante, quer discípulos também itinerantes. O discípulo de Jesus é formado de tal maneira que não espera que o ouvinte venha, mas vai-lhe ao encontro, coloca-se em marcha. É preciso ir “às ovelhas perdidas”. Os discípulos compreenderam perfeitamente o que o Mestre queria. Inicialmente cuidaram da “casa de Israel”. Depois estenderam sua missão “até os confins da terra”. Por isso a Boa Nova do Reino chegou até nós! Graças a Deus!

Um aspecto interessante que não pode passar despercebido é a presença de Judas Iscariotes na lista dos Doze. Isso mostra que Jesus quer contar com todos. Não discrimina ninguém. Dá oportunidade a todos. Mesmo aqueles que traem, que dissimulam, que não se dispõem a entrar no projeto de Jesus, são chamados e enviados. Esse fato pode nos ajudar a ter paciência para trabalhar com os dissimulados. É aquela paciência em deixar crescer juntos o joio e o trigo: a nós compete semear; é o Pai quem faz a colheita. Mas também nos adverte quanto ao risco que corremos de fazermos parte do grupo de eleitos, e sermos infiéis à oportunidade que Deus nos dá. Deus chama, consagra e envia, mas a resposta generosa e sincera compete a cada um na sua liberdade.

 “Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor”. Jesus quer contar conosco na sua “lavoura”. Quer que tenhamos aquela sensibilidade que ardia no seu coração. Só será possível despertar em nós essa sensibilidade se nos dispusermos a conviver com Jesus. Sem intimidade com o Mestre é impossível percebermos a dor e o sofrimento dos pobres. Sem convivência com Jesus não teremos coragem de sair de nossa vida cômoda e curarmos as feridas dos que sofrem.

Não é fácil lidar com problemas dos outros! “Curar os enfermos” significa trabalhar em favor de quem tem menos vida; lutar pelos que sofrem em suas residências ou nas filas dos postos de saúde e hospitais. Ter um olhar de carinho para com aqueles que vivem sofridos e angustiados pelas lutas de cada dia. Pensemos naquela mãe ou pai cujo filho com deficiência exige cuidados dia e noite! Também naquela mãe que não sabe o que fazer de seu filho/filha envolvido na droga e na criminalidade! Ou mesmo, que pensar daquele filho/a cuja mãe acamada ou desfalecida não encontra apoio nos irmãos ou familiares para colaborar nos cuidados com o doente? Triste realidade também a do idoso, enfraquecido e enfermo, surrupiado pelos familiares , descuidado e maltratado pelos seu!

Ressuscitar os mortos”: empenhar-se na defesa da vida das pessoas e da Casa Comum, o Jardim que Deus criou para nós. Alimentar a esperança naqueles que se encontram angustiados, sem perspectiva de vida, enlutados. Ajudar a fortalecer no coração a confiança em Deus e o desejo de lutar pela vida.

“Limpar os leprosos” pode significar purificar a sociedade de tanta corrupção que assola a economia do País e a vida dos pobres. Corrupção significa também estado de putrefação. A podridão moral e social em que vivemos é como uma lepra, doença contagiosa, que contamina os sãos. Não se contaminar, e trabalhar para que este mal não destrua ainda mais os pequenos e pobres. A violência no campo e na cidade, a disseminação de roubos e furtos, o desrespeito generalizado é como uma lepra que tem origem em líderes religiosos, políticos e profissionais do direito que são colocados como ‘modelos’ sociais, porém tomados pela “lepra”.

“Expulsar os demônios” significa libertar as pessoas de tudo o que escraviza, domina, oprime. Assim, podemos nomear alguns demônios: a mentira, a traição, o roubo, a desonestidade, a ganância, a exploração, o preconceito, a fofoca, o desrespeito, a preguiça, a disseminação do ódio etc. Esses demônios impedem a pessoa de se realizar como ser humano e gera muito mal na vida no mundo.

Jesus nos constituiu como Igreja, novo Povo de Deus, não para ficarmos em torno de nós mesmos, de nosso egoísmo, de nossos caprichos e vaidades. Somos Povo de Deus para uma ação mais eficaz na história: “a messe é grande e precisa de operários”. Há muitos batizados, mas poucos são os operários.

A propósito da escassez de operários e da vastidão da lavoura, transcrevo aqui uma sugestiva palavra de São Gregório Magno: “Ouçamos o que diz o Senhor aos pregadores enviados: A messe é grande, mas poucos os operários. Rogai, portanto, ao Senhor da messe que envie operários a seu campo. São poucos os operários para a grande messe (Mt 9,37-38). Não podemos deixar de dizer isto com imensa tristeza, porque, embora haja quem escute as boas palavras, falta quem as diga. Eis que o mundo está cheio de sacerdotes. Todavia na messe de Deus é muito raro encontrar-se um operário. Recebemos, é certo, o ofício sacerdotal, mas não o pomos em prática” (Das homilias sobre os Evangelhos, de São Gregório Magno, Papa, Séc. VI).

A participação na Eucaristia não pode ser um modo de nos tornarmos aceitos por Deus e tranquilizarmos nossa consciência. Participar da Eucaristia é nos colocarmos decididamente ao lado de Jesus e do Evangelho e assumirmos efetivamente a defesa da vida dos filhos de Deus. É revermos nossa missão, ocupar nosso lugar no Reino de Deus, assumir nosso trabalho sem preguiça e sem mediocridade como operários, trabalhadores da messe do Senhor.

Você participa da Eucaristia para se sentir em paz ou para trabalhar na vinha do Senhor? Você se sente operário na lavoura de Deus, ou procede como um batizado sem compromisso com o Jesus Cristo? Como você vive sua vida cristã? Ela tem algum traço de Jesus? Quais? Vamos fazer a lista? 

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

A missão de Jesus é nossa missão

aureliano, 19.05.23

Ascensção do Senhor - A - 24 de maio.jpg

Ascensão do Senhor [21 de maio de 2023]

[Mt 28,16-20]

Este relato do evangelho de Mateus aparece após a cena do túmulo vazio, as aparições às mulheres e a corrupção dos soldados que vigiavam o sepulcro de Jesus. A cena se situa na Galiléia dos gentios, fato de per si suficiente para apontar o caráter do mandato missionário de Jesus com dimensões universais.

Quarenta dias depois da Páscoa a Igreja celebra a Ascensão do Senhor. O relato de Mateus e o relato de Lucas (At 1, 1-11), referindo o mesmo acontecimento em locais diferentes – Galiléia dos gentios e Jerusalém – querem mostrar uma realidade que está muito além de uma aparição de Jesus e sua subida aos céus à vista dos discípulos. O sentido mesmo destes textos é expressar o que proclamamos ao longo dos séculos em nossa fé: “Está sentado à direita do Pai”. Em outras palavras, Jesus ressuscitado não veio retomar as suas atividades de antes, nem para implantar um reino político como alguns discípulos esperavam. Ele assume a vida na glória e entrega a missão aos seus discípulos, a nós: “Sede minhas testemunhas... até aos confins da terra” (At 1,8). Portanto, não se trata de uma despedida, mas de um novo modo de presença. Ele continua sendo o Emanuel, o Deus conosco, de modo novo.

Retorno à Galileia. Lugar onde Jesus iniciou seu ministério (Mt 4, 17). Regressar aí é retomar o começo para uma nova caminhada vocacional e missionária. Os discípulos missionários entenderam que o Ressuscitado é o mesmo que os chamou na beira do mar da Galiléia.

A montanha. Lugar de encontro com Deus. Crescer e aprofundar com Deus e em Deus a missão confiada por Jesus que o discípulo agora deve assumir. A partir do encontro com Deus o discípulo missionário se restabelece e continua animado pela força do alto: o Espírito Santo.

A primeira tarefa não é fazer alguma coisa, mas encontrar-se com o Ressuscitado. Missão não é convocação para realizar determinadas atividades, mas é, acima de tudo, fruto de uma experiência com o Ressuscitado. O conteúdo da missão brota da experiência com Ele. Daí a importância de não nos preocuparmos tanto com o resultado, com o “fazer” coisas, mas de nos deixarmos encharcar por Deus neste encontro com Jesus, para que outros experimentem essa ação divina em nós.

Ao prostrarem-se diante de Jesus os discípulos expressaram com esse gesto sua fé na pessoa de Jesus ressuscitado. Pois foram acometidos pela dúvida que revela a fraqueza deles diante das dificuldades da missão na comunidade. Sabemos, porém, que eles não se deixaram abater pela dúvida, isto é, pelas dificuldades, pois a história os mostra como verdadeiras testemunhas do Ressuscitado.

A autoridade conferida por Jesus aos discípulos é de serviço ao Reino e nunca em beneficio próprio. São servidores do Reino e participantes da mesma missão de Jesus. É bom trazer à memória o relato do Lava-pés. Aí Jesus se desveste do manto da autoridade e se reveste da toalha do serviço, lavando os pés dos discípulos: “Dei-vos o exemplo para que, assim como eu vos fiz, também vós o façais” (Jo 13,15). Autoridade, na dinâmica de Jesus, se dá no serviço fraterno aos pequeninos do Reino.

A missão de Jesus não conhece fronteiras. É serviço a todas as nações. E o principal objetivo da missão é promover a adesão à pessoa de Jesus. Não se trata de marketing da fé. É ser testemunha do Ressuscitado. Nem se trata tampouco de uma adesão etérea, desencarnada, mas de comprometimento com a causa de Jesus: “para que todos tenham vida plenamente” (Jo, 10,10).

Jesus está com os discípulos. É Deus morando no meio de nós. Jesus ressuscitado é uma presença viva e não mero personagem do passado.

Batizar é “mergulhar” a pessoa na dinâmica do evangelho e introduzi-la na comunidade dos seguidores de Jesus, a Igreja. Ao enviar seus discípulos para “fazer discípulos” mediante o batismo, Jesus manifesta seu desejo de ampliar a comunidade daqueles que acolhem sua mensagem e assumem o projeto do Reino.

As leituras da Festa de hoje convidam a deixarmos de olhar para cima. Ou seja, não ficarmos desligados da realidade. O olhar deve se voltar para a realidade na qual pisamos e o coração deve estar “no alto”, em Deus. Um ‘espiritualismo mundano’ de que fala o Papa Francisco pode nos alienar, bem como um olhar materialista e consumista para a vida nos afasta dos caminhos de Deus. O Senhor, na celebração de hoje, nos convida a ter o coração no alto e os pés no chão.

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Celebramos, neste domingo, o Dia Mundial das Comunicações Sociais. É oportuno refletir sobre o uso que fazemos desses meios para evangelizar e para nos formarmos e nos informarmos também. Como os utilizamos? Que canais buscamos? A que assistimos? Que sites acessamos? Temos o costume de compartilhar falsas notícias (fake news)? Como formamos nossos filhos para o uso da internet? As mídias estão aí! Podem ser um instrumento de evangelização, mas podem ser também um instrumento de disseminação de ódio, de mentira, de maldades. É preciso valorizá-las nos aspectos que ajudam, e ter discernimento no uso para não prejudicar os valores evangélicos já tão escassos em nosso meio.

O Papa Francisco, na Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, nos exorta a falar com o coração. Significa tirar do bom tesouro do nosso coração uma palavra boa capaz de edificar, de consolar, de fortalecer. Sobretudo pede que trabalhemos nossa comunicação a fim de que nossas palavras sejam geradoras de paz e de fraternidade: “Num período da história marcado por polarizações e oposições – de que, infelizmente, nem a comunidade eclesial está imune – o empenho em prol duma comunicação ‘de coração e braços abertos’ não diz respeito exclusivamente aos agentes da informação, mas é responsabilidade de cada um. Todos somos chamados a procurar a verdade e a dizê-la, fazendo-o com amor. De modo particular nós, cristãos, somos exortados a guardar continuamente a língua do mal (cf. Sl 34, 14), pois com ela – como ensina a Escritura – podemos bendizer o Senhor e amaldiçoar os homens feitos à semelhança de Deus (cf. Tg 3, 9). Da nossa boca, não deveriam sair palavras más, ‘mas apenas a que for boa, que edifique, sempre que necessário, para que seja uma graça para aqueles que a escutam’” (Ef 4, 29) (Mensagem para o 57º Dia Mundial das Comunicações Sociais).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

A fé se concretiza na caridade

aureliano, 01.10.22

27º Domingo do TC - 06 de outubro - C.jpg

27º Domingo do Tempo Comum [02 de outubro de 2022]

[Lc 17,5-10]

No evangelho deste domingo, Jesus continua formando seus discípulos para o serviço a partir do fortalecimento da fé para servirem melhor.

O contexto imediatamente anterior do evangelho de hoje mostra Jesus ensinando a necessidade do perdão: “Caso teu irmão peque contra ti sete vezes por dia e sete vezes retornar dizendo ‘estou arrependido’, tu lhe perdoarás” (Lc 17, 4). Parece que perdoar não era algo fácil para os discípulos, como não o é para nós. Por isso pedem: “Aumenta-nos a fé”. O perdão é algo intrinsecamente unido à fé. Perdoamos porque acreditamos num Deus que ama e perdoa. Perdoamos porque sem perdão não há convivência, alegria, vida.

Penso que vale a pena recordar aqui a crise de fé de que por vezes somos assaltados. Sobretudo quando situações difíceis, dolorosas nos acometem; então perguntamos: “Onde está Deus em meio a tudo isso?” Por essas crises passaram também profetas e santos. Crise de fé não é ateísmo. Normalmente as crises de fé vêm acompanhadas de crises existenciais, ou seja, dificuldades no relacionamento familiar, no sentido de vida, fases da própria idade, situações de doença etc. Como diz Leonardo Boff: “Crise é oportunidade de crescimento”. Se vivenciarmos bem nossas crises de fé, certamente sairemos mais amadurecidos, mais firmes, mais comprometidos. Para isso é preciso pedir: “Senhor, aumentai a minha fé”.

Crer é dar-se a Deus. É ancorar-se somente n’Ele. Confiar no seu amor apesar de todas as aparências contrárias, porque sua palavra não nos pode enganar. A fé é diferente de religião embora esteja relacionada com ela. Também não é uma adesão intelectual a uma doutrina ou série de verdades abstratas, mas é adesão a uma Pessoa, a Deus, que nos propõe seu amor em Cristo morto e ressuscitado. É dom de Deus e tarefa humana para tornar-se a alma de nossa vida cotidiana e da comunidade cristã.

O discípulo que assume a fé em Jesus Cristo como comprometimento pessoal não fica contabilizando o bem que faz (como os politiqueiros que querem sempre tirar vantagem de tudo), mas coloca-se sempre como alguém que fez o que devia ter feito.

Só uma fé madura, acrisolada (passada pelo crisol/crise) nos dará coragem de assumir o avental de servidores, nos desvestindo do manto de senhores. Então poderemos transportar para o mar as montanhas do egoísmo, do consumismo, do preconceito, da maldade. Isso mediante uma fé informada pela caridade (Cf. Gl 5,6).

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COLABORADORES DE DEUS

Dois elementos precisam ser considerados neste relato evangélico da liturgia deste domingo: a fé e o serviço.

Quando os discípulos pedem a Jesus “aumenta a nossa fé”, não devem pensar em termos de quantidade, pois a fé não se quantifica. O que devem pedir a Jesus é o reavivamento da fé. Agora, não mais como judeus observantes, mas como discípulos de Jesus, precisam de uma fé renovada, madura, comprometida com a nova proposta de Reino trazida por Jesus. Sem uma fé reavivada, refeita, madura não dariam conta de realizar o seguimento de Jesus “até Jerusalém”. A fé agora não é aquela de acreditar num Deus de conveniência, mas uma fé que desperte a responsabilidade com o Reino de Deus e a possibilidade de amar como Jesus amou: “até o fim” (Jo 13,1). É essa a fé que transporta “montanhas”.

O segundo elemento é o do serviço generoso. Certamente, na comunidade dos primeiros discípulos estavam surgindo aqueles que buscavam os primeiros lugares, que brigavam pelo poder, que reclamavam reconhecimento e aplausos pelo que faziam, que se beneficiavam política e economicamente dos lugares de comando e coordenação. E Jesus vai dizer que, no Reino trazido por ele, esse tipo de busca precisa ser desfeito, invertido. O que conta para o discípulo do Reino é ser colaborador de Deus. Nada mais. Ninguém deve ficar à cata de aplausos, de reconhecimento social, de sucesso. Deve, outrossim, colocar no coração que  cada um está aí para colaborar com a obra da salvação, independente de resultados.

*Mês das Missões: “Sereis minhas testemunhas” (At 1,8). Com esse versículo dos Atos dos Apóstolos, o Papa Francisco nos exorta à missão neste ano de 2022. Vejamos: É pedido aos discípulos para construírem a sua vida pessoal em chave de missão: são enviados por Jesus ao mundo não só para fazer a missão, mas também e sobretudo para viver a missão que lhes foi confiada; não só para dar testemunho, mas também e sobretudo para ser testemunhas de Cristo. Assim o diz, com palavras verdadeiramente comoventes, o apóstolo Paulo: «Trazemos sempre no nosso corpo a morte de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifesta no nosso corpo» (2 Cor 4, 10). A essência da missão é testemunhar Cristo, isto é, a sua vida, paixão, morte e ressurreição por amor do Pai e da humanidade. Não foi por acaso que os Apóstolos foram procurar o substituto de Judas entre aqueles que tinham sido, como eles, testemunhas da ressurreição (cf. At 1, 22). É Cristo, e Cristo ressuscitado, Aquele que devemos testemunhar e cuja vida devemos partilhar. Os missionários de Cristo não são enviados para comunicar-se a si mesmos, mostrar as suas qualidades e capacidades persuasivas ou os seus dotes de gestão. Em vez disso, têm a honra sublime de oferecer Cristo, por palavras e ações, anunciando a todos a Boa Nova da sua salvação com alegria e ousadia, como os primeiros apóstolos”. (Mensagem para o Dia Mundial das Missões de 2022).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN