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Perder a vida para gerar novas vidas

aureliano, 15.03.24

5º Domingo da Quaresma - B - 17 de março.webp

5º Domingo da Quaresma [17 de março de 2024]

 [Jo 12,20-33]

Porque Jesus fizera Lázaro reviver, houve uma corrida das multidões a ele: “Eis que todo mundo se põe a segui-lo” (Jo 12, 19), gerando dor-de-cotovelo entre os fariseus. E dentro da multidão, vieram os ‘gregos’. Disseram a Filipe: “Queremos ver Jesus”. No finalzinho do relato de hoje encontramos novamente Jesus “atraindo” as pessoas: “Quando for elevado da terra, atrairei todos a mim”. Jesus tinha uma força que atraía a pessoas. Era a força de sua fidelidade ao Pai e plenitude do Espírito Santo. - Cá pra nós: nosso modo de viver está atraindo, conquistando as pessoas para a verdade, a paz e o bem?

É bom refletir aqui sobre a intencionalidade destes estrangeiros. O que de fato os movia? Era apenas curiosidade? Ou eles queriam mesmo conhecer Jesus para assumir um novo modo de viver a partir do encontro com Jesus? Parece que sim, pois não entram no Templo, mas buscam conhecer Jesus. - Nossas buscas religiosas, nossas idas ao templo, nossas leituras espirituais e rezas tem como objetivo satisfazer curiosidades, atender conveniências, ou nutrir o desejo de nos identificarmos com Jesus? Elas alimentam nossa intimidade com o Senhor?

Independentemente da intenção daqueles gregos, representantes das comunidades fundadas fora do judaísmo, Jesus mostra claramente aos seus seguidores que o caminho da vida que ele veio ensinar não é fácil. É preciso morrer para produzir frutos. É preciso perder a vida para ganhá-la: “Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna”. Jesus nos ensina que o sofrimento e a morte, a partir de então, encontra um sentido: conversão, vida nova, ressurreição.

Quem se apega ao dinheiro, ao poder, ao prazer, ao ter cada vez mais, aos seus desejos egoístas, está matando a semente de vida que Deus colocou em seu coração. A semente que não morre, fica só, sem vida, estéril. Jesus produziu muito fruto porque entregou sua vida. “Atraiu” todos a si porque deixou-se elevar da terra numa cruz. Entregou-se pela salvação de todos. Na Igreja encontramos inúmeros homens e mulheres que tiveram (e têm) a coragem de enfrentar a perseguição, a exclusão, o exílio, a fome, o cárcere, a morte em defesa da vida: Dom Oscar Romero, Irmã Dorothy, Chico Mendes, Dom Luciano, Madre Teresa de Calcutá, Santa Dulce dos Pobres, Pe. Júlio Maria e tantos outros santos anônimos que conhecemos. –  Como tenho entregado minha vida? Que experiências tenho feito que denotam uma vida eucarística, isto é, de oferenda pelo bem das pessoas?

Outro elemento do relato evangélico que merece destaque é a atitude de Jesus que mostra sua humanidade profunda: “Agora sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora!’? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim”. Jesus não usa máscaras. Fala de suas dores e angústias. Coloca-se frágil diante do Pai, face ao sofrimento e à morte iminente. Pede até para que o Pai o livre “dessa hora”. Jesus nos ensina a sermos mais autênticos, verdadeiros, humanizados. Convida-nos a assumir nossos fracassos e fraquezas; a arrancar nossas máscaras. Não adianta fazer-se de forte, de bonachão, de independente, de santo. Precisamos reconhecer nossas fraquezas e fragilidades, nossa total dependência do Pai para perseverarmos no caminho do bem, da vida, da paz. Ninguém caminha sozinho. E ninguém está livre das angústias da vida. Elas podem ser ressignificadas na fé, na vida e seguimento de Jesus.

Do evangelho de hoje deve ficar para nós um comprometimento maior com Jesus Cristo, um encantamento maior por sua pessoa, uma coragem mais forte para fazer morrer em nós o egoísmo e o fechamento a fim de produzirmos muitos frutos. Só atrai gente para Cristo quem tem coragem de morrer por ele, de deixar-se levantar na cruz por ele. Isto é, quem tem coragem de pautar sua vida pelo evangelho, de colocar a vida e o ensinamento de Jesus como parâmetros para suas escolhas e atitudes cotidianas. A partir de Jesus a morte não tem mais a última palavra. Não há necessidade de temer a morte. A morte em Cristo é possibilidade de novas vidas.

Campanha da Fraternidade 2024: “Deus nos fez a todos seus filhos e filhas. Somos todos irmãos e irmãs! Sua eterna criatividade fez-nos únicos. Portanto, diferentes. Contudo, nossas diferenças no ser, no pensar e no agir não nos podem dividir ou separar. Nossas diferenças são riquezas, oportunidades de crescimento, encaixes de comunhão! Por meio do diálogo, construamos harmonia entre nós, sejamos construtores da cultura do encontro” (TB, 133).

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Finados: a volta para a casa do Pai

aureliano, 01.11.23

finados 2019.jpg

Comemoração de todos os fiéis defuntos [02 de novembro de 2023]

[Mt 11,25-30 ou Mt 25,31-46 ou Jo 6,37-40]

 

Para o cristão, celebrar Finados é o mesmo que celebrar a Esperança. A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte é critério para o cristão no momento decisivo de sua partida, ou na participação na morte de alguém. “O último inimigo a ser vencido é a morte” (1Cor 15, 26). O mistério da vinda do Filho de Deus a este mundo (Encarnação) e sua Morte e Ressurreição colocou um ponto final sobre a nossa morte.

“A vontade daquele que me enviou é esta: que eu não perca nada do que ele me deu, mas que o ressuscite no último dia” (Jo 6,39). Quando Jesus faz essa afirmação na sinagoga de Cafarnaum, numa belíssima palavra sobre sua vinda a esse mundo como “pão da vida”, deixa claro o desígnio do Pai a respeito do ser humano: fomos criados para a comunhão plena com Deus, participando de uma vida que não tem ocaso. A ressurreição para a vida é a meta de todo aquele que empenha suas forças em ser bom à semelhança de Jesus de Nazaré: “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Ele põe abaixo aquela ideia existencialista de que o ser humano é um “ser para a morte”.

A morte para o cristão é um mistério. Isto é, ela só pode ser compreendida à luz do que aconteceu com Jesus de Nazaré. Assim como Ele foi aprovado por Deus, assim também aquele que procura viver como ele viveu será aprovado, ressuscitado pelo Pai. Ressurreição é passagem da morte para a vida (cf. Jo 20,1-18); do pecado para a graça (cf. Cl 1,21-22). É chegar à comunhão com Deus para viver com ele eternamente (cf. Ap 21,1-7). Ressurreição é uma vida vivida em Deus, para Deus, a serviço dos pequeninos do Reino.

Finados ou o falecimento de pessoas queridas pode ser uma “pedra de toque” na nossa vida. Ajuda-nos a valorizar o que ultrapassa os limites da matéria. Lembra-nos a importância de morrermos para nós mesmos. A morte é uma realidade espiritual que confirma a definitiva e inabalável superação do homem confinado na perspectiva material.

Um texto que ajuda a despertar a esperança e a confiança são aquelas palavras de Isaías: “Por acaso uma mulher se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem, eu não me esqueceria de ti!” (Is 49,15).

Aquele que nos deu a vida e nos fez sair do aconchegante ventre materno para a luz do dia, há de nos fazer sair deste mundo, demasiadamente limitado, para a luz e a paz de Deus. “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

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EM CRISTO, A VIDA PREVALECE SOBRE A MORTE

(Jo 11,17-45)

Defunto vem do particípio latino, defunctu, de+fungor, significa falecido, aquele que cumpriu inteiramente sua função. Quando, na Igreja, esta palavra é acrescida do termo ‘fiéis’, quer dizer que há algo mais do que uma mera função cumprida. O cristão e todo aquele que busca viver os valores do Evangelho não termina sua vida na morte. Não perde simplesmente uma função ao morrer. Sua vida está “escondida com Cristo em Deus” (cf. Cl 3,1-4). Para quem busca a vida, defende a vida, dá a vida pela vida, não há morte. Deus não o abandona na “sombra da morte”. O que o Pai fez com seu Filho, fará também com todo aquele que busca viver como Cristo viveu.

A liturgia de hoje propõe vários textos para escolha da equipe de liturgia. Escolhi este relato do evangelho de João. Julguei muito interessante trabalhar esta cena do evangelho, talvez pouco explorada na liturgia.

O capítulo 11 de João é uma catequese sobre a ressurreição. No evangelho de João encontramos Jesus realizando sete sinais. O primeiro aconteceu em Caná da Galileia, na transformação da água em vinho. O sétimo é o relato da ressuscitação de Lázaro. João não fala de milagres, mas de sinais. O que Jesus realiza é para levar o discípulo a confiar nele, a reafirmar sua fé no Cristo Ressuscitado. O relato de hoje prepara o discípulo para entrar confiante e esperançoso na cena da paixão. Em outras palavras, a paixão de Jesus, sua cruz e morte não devem ser motivo de desânimo nem de desencanto para o discípulo, mas motivo de se firmar no caminho da cruz, pois esta leva à glória do Pai.

Uma afirmação central no relato de hoje, deve sempre nos acompanhar: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Esta palavra tem sentido quando se torna viva e eficaz dentro de nós. A pergunta de Jesus à Marta e sua consequente resposta coloca nossa vida cristã em constante desafio de fidelidade, sobretudo nas situações-limite da vida. “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” (Jo 11,26). Marta, aqui, simboliza o discípulo que não desiste da fidelidade e da confiança em meio às tribulações, e professa sua fé: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir ao mundo” (Jo 11,27).

Outro elemento, relacionado ao que acabamos de comentar, é o do significado de Marta e de Maria neste relato. Maria, pela atitude de ficar em casa, mergulhada na tristeza, prisioneira do círculo da morte e do pranto, representa aquele que se fecha à possibilidade da fé. Marta, no entanto, embora triste e sofrida pela morte do irmão, se abre confiante ao Senhor como Aquele que pode libertá-la da prisão da morte. Sai do mundo da morte para ser mensageira d’Aquele que é o portador da vida. Uma vez alimentada e confirmada na esperança, vai confortar e animar sua irmã que jaz no círculo da morte. É a nossa missão!

Ainda uma breve palavra a respeito de Jesus nesta cena. Vemos claramente a humanidade de Jesus: “E Jesus chorou”. Dizem que este é o menor versículo da Sagrada Escritura. Jesus era um homem que tinha sentimentos. Chorou a morte do amigo! O interessante para nós é que Jesus não se prendia aos sentimentos. Nem os reprimia. O norte da vida de Jesus era a vontade do Pai. Tinha consciência de sua missão. Sabia que devia levá-la até o fim. Ao realizar aquele sinal da revivificação de Lázaro, no contexto do diálogo com Marta e Maria e na presença de seus inimigos, sabe que sua ação terá consequências em vista do Reino de Deus.

Então não há problema em chorar e lamentar a morte de alguém. Mas é preciso ressignificá-la na fé. Marta se torna para nós inspiração de abertura, de discipulado, de adesão firme e confiante ao Senhor que se nos revela nos acontecimentos dolorosos da história.

A morte permanece para o ser humano como um mistério profundo. Ainda não se descobriu a pílula da imortalidade! Todos morreremos: ricos e pobres, sãos e doentes, novos e velhos, religiosos e descrentes. É o fim de todos. O modo como cada um encara este momento é que varia. Para o cristão, a morte segue o caminho de Jesus. Pode ser um cálice amargo que se deve beber até o fim. Porém com aquela certeza de que, se cumprirmos a vontade do Pai, ele nos acolherá de braços abertos para a vida que não tem ocaso.

Como se dará isso, certamente, não o sabemos. Mas a Igreja reza assim: “Nele (Cristo) refulge para nós a esperança da feliz ressurreição. E aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Ó Pai, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada, e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Prefácio da missa).

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Cemitério vem do grego koimetérion (dormitório, quarto de dormir), pelo latim coemeterium. O conceito ajuda a interpretar a morte como “sono eterno”. Para nós, cristãos, as pessoas que morreram em Deus, não caíram no abismo eterno, mas adormeceram no Senhor: “Felizes os mortos, os que desde agora morreram no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham” (cf. Ap 14,13). E, mais adiante: “Ele (Deus) enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais” (Ap 21,4).

Essa fundamentação semântica e bíblica da morte pode ajudar-nos a viver melhor. A redescobrir o sentido da vida. A visita ao cemitério, que normalmente se faz nesse dia, deve adquirir novo sentido. Não estamos visitando os mortos. Estamos, sim, reafirmando nossa fé na “comunhão dos santos”, rezando por aqueles que já partiram antes de nós.

A Igreja celebra Todos os Santos no dia 1º de novembro (cuja solenidade no Brasil foi transferida para o domingo seguinte) e Finados no dia 02 com o intuito de juntar essas duas realidades post-mortem à nossa de peregrinos em Cristo. Na linguagem tradicional: Igreja militante ou peregrina (os vivos em peregrinação), Igreja padecente (os que terminaram sua peregrinação) e Igreja triunfante (aqueles que já estão na Luz que não se apaga).

Mas nota-se que o povo se identifica mais com o cemitério, com a morte, com o sofrimento. Parece ser a realidade que ele conhece, experimenta. A Glória lhe é desconhecida. O importante, porém, é tentar fazer sempre o caminho da esperança, da conversão, da morte para a vida.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Jesus é o vencedor da morte

aureliano, 24.03.23

5º Domingo da Quaresma - A - 29 de março.jpg

5º Domingo da Quaresma [26 de março de 2023]

[Jo 11,1-45]

Ao escrever o evangelho, João descreve Jesus realizando “sinais”; não fala de “milagres”. Este é o sétimo sinal realizado por Jesus, segundo João. Diante da morte do amigo Lázaro e diante da própria morte que se aproxima, Jesus diz: “Eu sou a ressurreição e a vida”. É a grande revelação de Jesus. Para vivermos como ressuscitados precisamos ter fé em Jesus, ou melhor, ter a fé de Jesus. Aderir a Jesus, à semelhança do amigo Lázaro, é aderir à Vida em pessoa: “Nele estava a vida” (Jo 1,4). Lázaro é sinal de uma vida que não morre: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11,25).

Como temos lembrado, para os primeiros cristãos a quaresma era o tempo de se prepararem aqueles que seriam batizados na Vigília Pascal. E os textos nos querem ajudar a mergulhar no sentido do batismo para o cristão.  À medida que compreendermos bem o batismo e suas consequências para a vida cristã, teremos menos “problemas” na pastoral do batismo e, consequentemente, construiremos uma Igreja que seja mais significativa e mais incisiva na história, como é o propósito do sacramento do batismo.

O relato da revivificação de Lázaro é uma imagem do batismo cristão. Batismo é a vida nova assumida e vivida em Cristo: “Se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vós, aquele que ressuscitou Cristo Jesus dentre os mortos dará vida também a vossos corpos mortais mediante o seu Espírito que habita em vós” (Rm 8,11). A vida eterna não é algo que está ainda para acontecer plenamente depois desta vida terrestre, mas já é realidade para aquele que crê em Jesus Cristo. É o “já e ainda não” de quem segue a Jesus. O Espírito faz viver nossos corpos mortais apesar da morte; faz-nos viver a vida de Deus no meio da morte. Embora no meio da morte, estamos vivos: “Se, porém, Cristo está em vós, o corpo está morto, pelo pecado, mas o Espírito é vida, pela justiça” (Rm 8,10). Na perspectiva cristã a história não caminha para o caos, a confusão, a desordem, para um nada, mas para a ressurreição final.

“Quem não tem o Espírito de Cristo não pertence a Cristo” (Rm 8,9). Se o batismo nos dá o Espírito que animou o Cristo, não podemos agir por outro espírito, com o “espírito de porco”, por exemplo. Ou seja, o cristão deve traduzir em obras a fé que proclama no Cristo. Isso significa transformar a sociedade de morte em uma sociedade de vida, onde reine a justiça, a bondade e a comunhão. É renunciar a uma vida “segundo a carne”, isto é, movidos pelos desejos egoístas, e buscarmos viver “segundo o espírito”, isto é, numa abertura cada vez maior àqueles que precisam de nós. Numa verdadeira eucaristia: vida doada, entregue pela salvação e libertação de todos.

Ó Deus de bondade, dai-nos por vossa graça caminhar com alegria na mesma caridade que levou o vosso Filho a entregar-se à morte no seu amor pelo mundo. Amém.

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DIANTE DA MORTE: CHORAR, PORÉM, ACIMA DE TUDO, CONFIAR

O relato de hoje traz um fato muito interessante acontecido com Jesus: ele chorou diante da morte do amigo Lázaro. Esse fato vem mostrar o sentimento de humanidade de Jesus. Ele não chorou simplesmente pela morte do amigo, mas sentiu na alma a dor da impotência humana diante da morte. Duas atitudes tomadas por Jesus diante da morte: chorar e confiar em Deus.

A morte é sempre uma realidade de dor e de sofrimento. Há dentro de todos nós um desejo insaciável de viver. Por que a vida não se prolonga mais? Por que não se tem mais saúde para uma vida mais ditosa? Que é feito da “pílula da imortalidade” que os cientistas insistem em descobrir?

O ser humano carrega desde sempre cravadas em seu coração as perguntas mais inquietantes e mais difíceis de se responderem: ‘Que será de mim? Que posso fazer? Rebelar-me? Deprimir-me?’ – Sabemos que vamos morrer. Mas quando, onde, se sozinhos ou assistidos... não sabemos. Mas seria muito bom termos ao nosso lado, naquele momento derradeiro, alguém que nos ajudasse a “entregar o espírito”! Mesmo assim, porém, ninguém se livra da solidão da morte! Naquele momento, ainda que esteja uma multidão ao nosso lado, morremos sozinhos!

Diante do mistério último de nosso destino não é possível apelar a dogmas científicos nem a explicações espiritualistas e extraordinárias. A razão não dá conta de nos explicar este mistério. Nós cristãos devemos nos colocar com humildade diante do fato obscuro da morte. E fazermos isso com humildade, numa radical confiança no mistério da bondade do Pai manifestada em Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês nisto?”. A resposta confiante de Marta quer mostrar o caminho que o discípulo de Jesus deve percorrer no confronto com a situação da morte: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que deve vir ao mundo”.

O relato do evangelho deste domingo quer mostrar-nos que a presença do Senhor faz brotar a esperança. Marta, que crê na ressurreição de Cristo, na vida que ele veio trazer, torna-se para sua irmã, Maria, mensageira do chamado do Senhor que a faz sair do mundo da morte em que estava mergulhada, para estar diante do Senhor da vida.

Dizem que Hans Küng afirmava a respeito da morte: “Morrer é descansar no mistério da misericórdia de Deus”.

*Campanha da Fraternidade 2023: Atitudes que devem ser assumidas por nós: Praticar o voluntariado. Participar dos conselhos de direitos (humanos, criança e adolescente, juventude, pessoa idosa, saúde, assistência social etc). Envolver-se em ações que já existem na comunidade como Sociedade São Vicente de Paulo, serviço da caridade, pastorais sociais, caritas etc. Envolver-se na política com espírito cristão, não lavando as mãos como Pilatos nem difundindo a ideia errônea de que política não presta nem é lugar de cristão. Apoiar e participar de alguma pastoral social em sua paróquia (cf. Texto-Base, 166).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Finados: a volta para a casa do Pai

aureliano, 02.11.22

finados 2019.jpg

Comemoração de todos os fiéis defuntos [02 de novembro de 2022]

[Mt 11,25-30 ou Mt 25,31-46 ou Jo 6,37-40]

Para o cristão, celebrar Finados é o mesmo que celebrar a Esperança. A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte é critério para o cristão no momento decisivo de sua partida, ou na participação na morte de alguém. “O último inimigo a ser vencido é a morte” (1Cor 15, 26). O mistério da vinda do Filho de Deus a este mundo (Encarnação) e sua Morte e Ressurreição colocou um ponto final sobre a nossa morte.

“A vontade daquele que me enviou é esta: que eu não perca nada do que ele me deu, mas que o ressuscite no último dia” (Jo 6,39). Quando Jesus faz essa afirmação na sinagoga de Cafarnaum, numa belíssima palavra sobre sua vinda a esse mundo como “pão da vida”, deixa claro o desígnio do Pai a respeito do ser humano: fomos criados para a comunhão plena com Deus, participando de uma vida que não tem ocaso. A ressurreição para a vida é a meta de todo aquele que empenha suas forças em ser bom à semelhança de Jesus de Nazaré: “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Ele põe abaixo aquela ideia existencialista de que o ser humano é um “ser para a morte”.

A morte para o cristão é um mistério. Isto é, ela só pode ser compreendida à luz do que aconteceu com Jesus de Nazaré. Assim como Ele foi aprovado por Deus, assim também aquele que procura viver como ele viveu será aprovado, ressuscitado pelo Pai. Ressurreição é passagem da morte para a vida (cf. Jo 20,1-18); do pecado para a graça (cf. Cl 1,21-22). É chegar à comunhão com Deus para viver com ele eternamente (cf. Ap 21,1-7). Ressurreição é uma vida vivida em Deus, para Deus, a serviço dos pequeninos do Reino.

Finados ou o falecimento de pessoas queridas pode ser uma “pedra de toque” na nossa vida. Ajuda-nos a valorizar o que ultrapassa os limites da matéria. Lembra-nos a importância de morrermos para nós mesmos. A morte é uma realidade espiritual que confirma a definitiva e inabalável superação do homem confinado na perspectiva material.

Um texto que ajuda a despertar a esperança e a confiança são aquelas palavras de Isaías: “Por acaso uma mulher se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem, eu não me esqueceria de ti!” (Is 49,15).

Aquele que nos deu a vida e nos fez sair do aconchegante ventre materno para a luz do dia, há de nos fazer sair deste mundo, demasiadamente limitado, para a luz e a paz de Deus. “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

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EM CRISTO, A VIDA PREVALECE SOBRE A MORTE - (Jo 11,17-45)

Defunto vem do particípio latino, defunctu, de+fungor, significa falecido, aquele que cumpriu inteiramente sua função. Quando, na Igreja, esta palavra é acrescida do termo ‘fiéis’, quer dizer que há algo mais do que uma mera função cumprida. O cristão e todo aquele que busca viver os valores do Evangelho não termina sua vida na morte. Não perde simplesmente uma função ao morrer. Sua vida está “escondida com Cristo em Deus” (cf. Cl 3,1-4). Para quem busca a vida, defende a vida, dá a vida pela vida, não há morte. Deus não o abandona na “sombra da morte”. O que o Pai fez com seu Filho, fará também com todo aquele que busca viver como Cristo viveu.

A liturgia de hoje propõe vários textos para escolha da equipe de liturgia. Escolhi este relato do evangelho de João. Julguei muito interessante trabalhar esta cena do evangelho, talvez pouco explorada na liturgia.

O capítulo 11 de João é uma catequese sobre a ressurreição. No evangelho de João encontramos Jesus realizando sete sinais. O primeiro aconteceu em Caná da Galileia, na transformação da água em vinho. O sétimo é o relato da ressuscitação de Lázaro. João não fala de milagres, mas de sinais. O que Jesus realiza é para levar o discípulo a confiar nele, a reafirmar sua fé no Cristo Ressuscitado. O relato de hoje prepara o discípulo para entrar confiante e esperançoso na cena da paixão. Em outras palavras, a paixão de Jesus, sua cruz e morte não devem ser motivo de desânimo nem de desencanto para o discípulo, mas motivo de se firmar no caminho da cruz, pois esta leva à glória do Pai.

Uma afirmação central no relato de hoje, deve sempre nos acompanhar: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Esta palavra tem sentido quando se torna viva e eficaz dentro de nós. A pergunta de Jesus à Marta e sua consequente resposta coloca nossa vida cristã em constante desafio de fidelidade, sobretudo nas situações-limite da vida. “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” (Jo 11,26). Marta, aqui, simboliza o discípulo que não desiste da fidelidade e da confiança em meio às tribulações, e professa sua fé: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir ao mundo” (Jo 11,27).

Outro elemento, relacionado ao que acabamos de comentar, é o do significado de Marta e de Maria neste relato. Maria, pela atitude de ficar em casa, mergulhada na tristeza, prisioneira do círculo da morte e do pranto, representa aquele que se fecha à possibilidade da fé. Marta, no entanto, embora triste e sofrida pela morte do irmão, se abre confiante ao Senhor como Aquele que pode libertá-la da prisão da morte. Sai do mundo da morte para ser mensageira d’Aquele que é o portador da vida. Uma vez alimentada e confirmada na esperança, vai confortar e animar sua irmã que jaz no círculo da morte. É a nossa missão!

Ainda uma breve palavra a respeito de Jesus nesta cena. Vemos claramente a humanidade de Jesus: “E Jesus chorou”. Dizem que este é o menor versículo da Sagrada Escritura. Jesus era um homem que tinha sentimentos. Chorou a morte do amigo! O interessante para nós é que Jesus não se prendia aos sentimentos. Nem os reprimia. O norte da vida de Jesus era a vontade do Pai. Tinha consciência de sua missão. Sabia que devia levá-la até o fim. Ao realizar aquele sinal da revivificação de Lázaro, no contexto do diálogo com Marta e Maria e na presença de seus inimigos, sabe que sua ação terá consequências em vista do Reino de Deus.

Então não há problema em chorar e lamentar a morte de alguém. Mas é preciso ressignificá-la na fé. Marta se torna para nós inspiração de abertura, de discipulado, de adesão firme e confiante ao Senhor que se nos revela nos acontecimentos dolorosos da história.

A morte permanece para o ser humano como um mistério profundo. Ainda não se descobriu a pílula da imortalidade! Todos morreremos: ricos e pobres, sãos e doentes, novos e velhos, religiosos e descrentes. É o fim de todos. O modo como cada um encara este momento é que varia. Para o cristão, a morte segue o caminho de Jesus. Pode ser um cálice amargo que se deve beber até o fim. Porém com aquela certeza de que, se cumprirmos a vontade do Pai, ele nos acolherá de braços abertos para a vida que não tem ocaso.

Como se dará isso, certamente, não o sabemos. Mas a Igreja reza assim: “Nele (Cristo) refulge para nós a esperança da feliz ressurreição. E aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Ó Pai, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada, e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Prefácio da missa).

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Cemitério vem do grego koimetérion (dormitório, quarto de dormir), pelo latim coemeterium. O conceito ajuda a interpretar a morte como “sono eterno”. Para nós, cristãos, as pessoas que morreram em Deus, não caíram no abismo eterno, mas adormeceram no Senhor: “Felizes os mortos, os que desde agora morreram no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham” (cf. Ap 14,13). E, mais adiante: “Ele (Deus) enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais” (Ap 21,4).

Essa fundamentação semântica e bíblica da morte pode ajudar-nos a viver melhor. A redescobrir o sentido da vida. A visita ao cemitério, que normalmente se faz nesse dia, deve adquirir novo sentido. Não estamos visitando os mortos. Estamos, sim, reafirmando nossa fé na “comunhão dos santos”, rezando por aqueles que já partiram antes de nós.

A Igreja celebra Todos os Santos no dia 1º de novembro (cuja solenidade no Brasil foi transferida para o domingo seguinte) e Finados no dia 02 com o intuito de juntar essas duas realidades post-mortem à nossa de peregrinos em Cristo. Na linguagem tradicional: Igreja militante ou peregrina (os vivos em peregrinação), Igreja padecente (os que terminaram sua peregrinação) e Igreja triunfante (aqueles que já estão na Luz que não se apaga).

Mas nota-se que o povo se identifica mais com o cemitério, com a morte, com o sofrimento. Parece ser a realidade que ele conhece, experimenta. A Glória lhe é desconhecida. O importante, porém, é tentar fazer sempre o caminho da esperança, da conversão, da morte para a vida.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

A morte foi vencida pelo Autor da vida

aureliano, 16.04.22

Domingo de Páscoa - 21 de abril - C.jpg

Páscoa do Senhor [17 de abril de 2022]

[Mc 16,1-8; Jo 20,1-9]

Pedro e Madalena representam, aqui, a comunidade que ainda duvidava da ressurreição de Jesus. Estavam em busca de provas e elementos que dessem sentido à vida deles, uma vez que, aquele em quem confiavam, morrera na cruz.

Quando o evangelho menciona “o primeiro dia da semana”, remete o leitor à criação do mundo, narrada no livro do Gênesis, para mostrar que a Ressurreição de Jesus é a Nova Criação. O fiel cristão, batizado, entra numa vida nova, na Nova Criação de Deus. O mundo velho passou. Agora, é tudo novo.

A “madrugada” lembra o alvorecer que desfaz as trevas da morte. Agora a vida brilhou no horizonte. A madrugada, embora traga em si o sinal do dia, possui também uma penumbra que impede de enxergar com clareza. É o que acontecia com Maria Madalena: “ainda estava escuro”. A comunidade ainda estava temerosa.

A “pedra removida” e o “túmulo vazio” são sinais de que algo novo aconteceu. É um sinal negativo da ressurreição. Esses sinais indicavam que Jesus não estava ali, porém não garantiam sua ressurreição.  A “pedra removida” significa que a morte foi vencida. O túmulo não é último lugar do ser humano. Este, pelo Cristo ressuscitado, vence também a morte e entra na vida que não tem fim, a vida eterna que já começa aqui, a partir da vida vivida em Deus, à semelhança de Cristo.

O “túmulo vazio” não é prova da ressurreição. A fé na ressurreição não vem da visão, mas da experiência de fé. As “aparições” de Jesus ressuscitado é que consolidam a fé dos discípulos. É o dado da fé. Uma realidade que transcende a razão. Não contradiz a razão, mas está para além da compreensão puramente racional. Por isso Santo Agostinho dirá: “Credo ut intelligam”: creio para compreender. Nós cremos pelo testemunho de fé da comunidade. A fé nos é transmitida. Cremos a partir da experiência que outros fizeram. Fazendo nós também essa experiência, transmitimo-la àqueles que a buscam. Porém, tudo é ação da Graça de Deus.

Pedro e o “outro discípulo” vão correndo ao túmulo. O “discípulo amado” chega primeiro que Pedro. Quem ama tem pressa. Ele “viu, e acreditou”. É o amor que faz reconhecer na ausência (túmulo vazio), a presença gloriosa do Cristo ressuscitado. Agora os discípulos entendem o que significa “ressuscitar dos mortos”. Agora eles vêem, não com os olhos humanos, mas com os olhos da fé. Agora estão iluminados pelo sopro do Espírito Divino que animou Jesus.

Nenhum evangelista se atreveu a narrar a ressurreição de Jesus. Não é um fato “histórico” propriamente dito, como tantos outros que acontecem no mundo e que podemos constatar e verificar, empiricamente. É um “fato real”, que aconteceu realmente. Para nós cristãos, é o fato mais importante e decisivo que já aconteceu na história da humanidade. Um acontecimento que traz sentido novo à vida humana, que fundamenta a verdadeira esperança, que traz sentido para uma das realidades mais angustiantes do ser humano: a morte. Esta não tem mais a última palavra. A pedra que fechava o túmulo foi retirada. A ressurreição é um convite, em última instância, a crer que Deus não abandona aqueles que o amaram até o fim, que tiveram a coragem de viver e de morrer por Ele.

O núcleo central da ressurreição de Jesus é o encontro que os discípulos fizeram com ele, agora cheio de vida, a transmitir-lhes o perdão e a paz. Daqui brota a missão: transmitir, comunicar aos outros essa experiência nova e fundante de suas vidas. Não se trata de transmitir uma doutrina, mas de despertar nos novos discípulos o desejo de aprender a viver a partir de Jesus e se comprometer a segui-lo fielmente. Ressuscitados com Cristo, buscamos “as coisas do alto”, temos o nosso “coração no alto”. A consagração batismal fez de nós novas criaturas. Incorporados a Cristo, enxertados n’Ele, queremos viver “por Cristo, com Cristo e em Cristo” para a glória de Deus Pai. É um modo de vida que transforma a pessoa, a comunidade e a sociedade. Transbordamento de uma alegria que não cabe dentro de nós: é comunicada aos outros. Não nos conformamos mais com injustiça, com mentira, com violência, com traição, com desrespeito, com preconceito, com maldade de toda sorte. Nossa vida se torna profetismo, esperança, inconformismo, saída, cuidado, encontro vivificador.

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ELE VIVE PARA ALÉM DA MORTE

O Senhor ressuscitou em verdade (cf Lc 24, 34). A Igreja celebra a ressurreição do Senhor no primeiro dia da semana, o domingo. Domingo vem de dominus, senhor. Ele dominou a morte e o pecado. Por isso é Senhor. Ele exerce o senhorio sobre nós. Não de dominação, mas de cuidado, libertação e salvação. Ele é mais forte do que o mal que nos ameaça e, por vezes, domina.

O evangelho diz que Maria Madalena foi ao túmulo “quando ainda estava escuro”. Essa escuridão simboliza as sombras (angústias) vividas pelos discípulos após a morte de Jesus. Era como se todo o sonho tivesse acabado. Não sabiam o que fazer. Estavam na escuridão.

O testemunho da ressurreição inclui dois elementos: o sepulcro vazio e a aparição do Ressuscitado. O sepulcro vazio constitui um sinal negativo. Só fala ao “discípulo que ele amava”: “Ele viu e acreditou”. Ou seja, os sinais falam quando o coração está aquecido pelo amor. É preciso ser amigo de Jesus para compreender seus sinais. Já a aparição do Ressuscitado acontece no caminho de Emaús (Lc 24), aos discípulos desejosos de ver o Senhor e auscultar sua Palavra. No gesto da partilha do pão seus olhos se abrem e eles o reconhecem. Em seguida assumem a missão: “Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém” (Lc 24, 33).

A escuridão da madrugada e o túmulo vazio nos dizem que por vezes ficamos confusos diante da maldade humana, diante de tantos abusos do poder, de tanta violência e morte, de tanta corrupção que desencanta e desestimula o poder do voto nas eleições, diante do sofrimento sem fim dos refugiados de guerras civis; e somos levados a perguntar: “Deus, onde estás?”. Mas a experiência de fé nos diz que na morte (‘túmulo vazio’, ‘noite’) há sinais de vida; na escuridão há lampejos de luz. Para isso é preciso ser “amigo de Jesus” (discípulo amado), ou seja, ser próximo dele, conviver com ele, reclinar-se sobre seu peito (cf. Jo 13,25).

Esse tempo pascal nos convida a assumir a vida nova que Jesus Ressuscitado veio nos trazer sendo uma presença de luz, de testemunho vivo contra toda maldade junto àqueles que o Pai colocou no nosso caminho.

Ressurreição é luta contra o tráfico de seres humanos, contra as injustiças sociais, contra a prostituição e abuso de crianças e adolescentes. É dizer não ao desrespeito aos povos indígenas, ao mundo das drogas, à indiferença ecológica. Ressurreição é se contrapor, ainda que à semelhança de alguém que ‘clama no deserto’, a esse mar de corrupção e mentiras, ganância e deslealdade que pervadem nossa sociedade brasileira; é dizer não aos desmandos de quem se julga no direito de retirar o pão da mesa dos trabalhadores pobres, das mulheres sofridas, das crianças sem amparo, negando-lhes o salário mínimo do benefício da Previdência Social. Páscoa é libertação de tudo o que oprime, maltrata e fere.

Ressurreição é ser testemunha da esperança numa sociedade materialista e desumana, onde o túmulo está vazio e as sombras da morte parecem prevalecer. Páscoa é continuar afirmando com a vida: “Ele vive e está no meio de nós!”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

U’a morte que trouxe a vida!

aureliano, 02.04.21

Solenidade de Jesus Cristo Rei - 24 de novembro -

Sexta-feira Santa [02 de abril de 2021]

[Jo 18,1 – 19,42]

Incluindo a Quinta-feira à noite, a Sexta-feira Santa é o primeiro dia do Tríduo Pascal. Dia de jejum como sinal sacramental da participação no sacrifício de Cristo. Também é um gesto de solidariedade com as vítimas da fome e da miséria. Hoje é o único dia do ano em que não se celebra a Eucaristia, absolutamente. Faz-se a celebração solene da Liturgia da Palavra, à tarde, com adoração do Cristo na Cruz e distribuição da Comunhão Eucarística.  Não é o dia de luto da Igreja, mas de amorosa contemplação da oferta de Cristo na cruz pela humanidade. Essa contemplação tem um caráter de ressurreição, uma vez que a morte de Cristo é inseparável de sua ressurreição. Por isso chamada de beata passio, santa e feliz paixão.

De algum modo a Sexta-feira Santa se prolonga no Sábado. Dia em que a Igreja se coloca em silêncio orante. Celebra o repouso de Cristo no sepulcro, depois da vitória na cruz. É a experiência da morte humana pela qual Cristo passou. É a esperança da vitória de Cristo sobre a sombra da morte: “O Filho do homem... deve... ser levado à morte e ressurgir ao terceiro dia” (Lc 9,22).

Este tempo não é de morte, mas de vida germinal; é noite que aponta à aurora; são as noites escuras da vida que desembocam na alegria da alvorada. É tempo de esperança. “A esperança não decepciona porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

O Mistério Pascal constitui o núcleo central da fé cristã. A morte e a ressurreição de Jesus de Nazaré e a consequente efusão do Espírito sobre toda a Criação trouxe vida nova para toda a humanidade. Um triunfo paradoxal: morte que trouxe vida!

A celebração litúrgica da tarde não tem ritos iniciais: começa com a oração-coleta. Os atos litúrgicos constam de quatro partes: Liturgia da Palavra, Preces Universais, Adoração de Cristo na Cruz, Distribuição da Comunhão Eucarística (Santas Reservas da missa de Quinta-feira Santa).

MEDITANDO O EVANGELHO:

Os relatos da Paixão do Senhor segundo João trazem alguns elementos significativos que gostaria de ressaltar:

“Sou eu” (Jo 18,5): Essas palavras proferidas por Jesus fizeram com que os soldados caíssem por terra. Querem mostrar a liberdade com que Jesus caminha para a morte: “Ninguém tira a minha vida porque eu a dou livremente” (Jo 10,18).

“Embainha a tua espada” (Jo 18,11): Jesus é o Príncipe da Paz. Não admite combater violência com violência. Ademais, ele veio para cumprir a vontade do Pai. Nenhuma força humana deve ser empecilho para que ele leve adiante a missão que o Pai lhe confiou. Combater a violência em nosso País por meio de ação violenta e repressão não pode ser o caminho da paz e da harmonia que todos desejam. A indústria da armamento e da guerra, a posse e o porte de arma de fogo por civis são um atentado contra o Evangelho da Paz. “Cristo é a nossa Paz. Do que era dividido ele fez uma unidade”, proclama com São Paulo a Campanha da Fraternidade desse ano. Dizer que “conhece a verdade” do Evangelho e mandar matar é uma contradição inconcebível. É uma aberração!

“Se falei bem, por que me bates?” (Jo 18,23): Este quadro da Paixão merece longa contemplação. Diante da resposta objetiva e verdadeira de Jesus ao Sumo Sacerdote, um guarda desfecha-lhe uma bofetada. A atitude de Jesus deixa sem resposta qualquer ação violenta. Uma cena que revela o altíssimo grau de serenidade de Jesus diante dos perseguidores e sua ternura para com os violentos. “Não resistais ao homem mau; antes, àquele que lhe fere a face direita oferece-lhe também a esquerda” (Mt  5,39).

“Meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36): Jesus se coloca majestosamente em sua paixão diante dos poderosos que brigam e matam pela conquista e resguardo do poder. Ele não reina pela força, pelo exército, pela violência. Ao entrar em Jerusalém montado num jumentinho e não num cavalo, quis mostrar a que veio: promover a paz na simplicidade, na humildade, no serviço. Conquista e reina nos corações daqueles que assumem em sua própria vida o que ele ensinou. Ele não domina, mas conquista, atrai.

“Não terias poder algum sobre mim se não te fosse dado do alto” (Jo 19,11): Essa resposta de Jesus a Pilatos mostra que toda autoridade e poder vêm de Deus. Ora, sendo Deus o Autor e Criador de todas as coisas, não se pode compreender nem aceitar que alguém faça uso do poder ou autoridade em benefício próprio. Todo poder deve ser exercido em vista do bem de todos. É o poder-serviço ensinado por Jesus aos seus discípulos: “Sabeis que os governadores das nações as tiranizam e os grandes as dominam. Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vós, seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo” (Mt 20,26-27). Infelizmente, as forças políticas, econômicas e, por vezes, as religiosas, caminham na contramão do Evangelho: busca do “poder e glória” (cf Lc 4,6).

“Repartiram entre si minhas roupas” (Jo 19,24): Notamos nesta passagem que Jesus não possuía nada. A única coisa que trazia consigo, sua veste, torna-se objeto de disputa. No que tange aos pobres de quem os ricaços arrancam o manto e a carne, calha bem a advertência da Escritura: “Se tomares o manto do teu próximo em penhor, tu lho restituirás antes do pôr-do-sol. Porque é com ele que se cobre, é a veste do seu corpo: em que deitaria? Se clamar a mim, eu ouvirei, porque sou compassivo” (Êx 22,25-26).

“Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19,26): Aqui, conforme a tradição da Igreja, Jesus nos dá Maria, sua mãe, por nossa Mãe. Ele nos assume como irmãos, não nos deixa órfãos. Dá-nos o que tem de mais precioso: sua Mãe. O discípulo amado, isto é, aquele que vive no amor de Deus, tem Maria por sua Mãe. Nesta cena do evangelho se consuma o que fora iniciado nas bodas de Caná: “Minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). A Hora de Jesus é a Cruz. A mulher, Maria, simboliza a comunidade salva na entrega de Jesus, o Noivo, na Cruz.

“Tenho sede” (Jo 19,28): Este clamor de Jesus na cruz nos remete ao relato de seu encontro com a samaritana no poço de Jacó (cf. Jo 4, 1-42). “Dá-me de beber” disse ele àquela mulher. Jesus tem sede de salvar, de perdoar, de se doar. E, ao mesmo tempo, ele é a água que sacia nossa sede: “Quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede” (Jo 4,14).

“Está consumado” (Jo 19,30): Foram as últimas palavras de Jesus. Ele consumou a missão que o Pai lhe confiara. Não recuou, não desistiu, não se intimidou frente às ameaças, não se deixou levar pelos encantos enganosos da fama e do poder. Com ele e por ele, Paulo pode dizer mais tarde: “Quanto a mim, já fui oferecido em libação, e chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (2Tm 4,6-7). Oxalá cada um de nós possa dizer com serenidade de consciência tais palavras como prece ao Pai na hora derradeira da vida!

“Entregou o espírito” (Jo 19,30b): Essa palavra do evangelho tem o sentido da entrega de sua vida ao Pai, mas também da entrega do Espírito Santo à Igreja, àqueles que continuam sua missão no mundo. Um Pentecostes! É no Espírito de Jesus que a Igreja deve caminhar: oferecer-se em oblação pela vida e pela paz no mundo. Podemos fazer a memória de Estêvão, protomártir da fé cristã, que também ‘entregou o espírito’: “Senhor Jesus, recebe meu espírito”. Confirmando que nele agia o mesmo Espírito que agiu em Jesus, ainda perdoa seus algozes antes de morrer: “Senhor, não lhes leves em conta este pecado” (At 7,59-60).

Hoje é dia de silêncio, de recolhimento, de contemplação. É a maior prova do amor de Jesus por nós: entregar sua vida na cruz. Com a Igreja rezamos: “Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos porque pela vossa santa cruz remistes o mundo”. E proclamamos na liturgia da tarde: “Eis o lenho da cruz do qual pendeu a salvação do mundo. Vinde adoremos!”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

U’a morte que trouxe a vida!

aureliano, 09.04.20

Sexta-feira santa - 10 de abril.jpg

Sexta-feira Santa [10 de abril de 2020]

[Jo 18,1 – 19,42]

Incluindo a Quinta-feira à noite, a Sexta-feira Santa é o primeiro dia do Tríduo Pascal. Dia de jejum como sinal sacramental da participação no sacrifício de Cristo. Também é um gesto de solidariedade com as vítimas da fome e da miséria. Hoje é o único dia do ano em que não se celebra a Eucaristia, absolutamente. Faz-se a celebração solene da Liturgia da Palavra, à tarde, com adoração do Cristo na cruz e distribuição da comunhão.  Não é o dia de luto da Igreja, mas de amorosa contemplação da oferta de Cristo na cruz pela humanidade. Essa contemplação tem um caráter de ressurreição, uma vez que a morte de Cristo é inseparável de sua ressurreição. Por isso chamada de beata passio, santa e feliz paixão.

De algum modo a Sexta-feira Santa se prolonga no Sábado. Dia em que a Igreja se coloca em silêncio orante. Celebra o repouso de Cristo no sepulcro, depois da vitória na cruz. É a experiência da morte humana pela qual Cristo passou. É a esperança da vitória de Cristo sobre a sombra da morte: “O Filho do homem... deve... ser levado à morte e ressurgir ao terceiro dia” (Lc 9,22).

Este tempo não é de morte, mas de vida germinal; é noite que aponta à aurora; são as noites escuras da vida que desembocam na alegria da alvorada. É tempo de esperança. “A esperança não decepciona porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

O Mistério Pascal constitui o núcleo central da fé cristã. A morte e a ressurreição de Jesus de Nazaré e a consequente efusão do Espírito sobre toda a Criação trouxe vida nova para toda a humanidade. Um triunfo paradoxal: morte que trouxe vida!

A celebração litúrgica da tarde não tem ritos iniciais: começa com a oração-coleta. Os atos litúrgicos constam de quatro partes: Liturgia da Palavra, Preces Universais, Adoração de Cristo na Cruz, Distribuição da Comunhão Eucarística (Santas Reservas da missa de Quinta-feira Santa).

MEDITANDO O EVANGELHO:

Os relatos da Paixão do Senhor segundo João trazem alguns elementos significativos que gostaria de ressaltar:

“Sou eu” (Jo 18,5): Essas palavras proferidas por Jesus fizeram com que os soldados caíssem por terra. Querem mostrar a liberdade com que Jesus caminha para a morte: “Ninguém tira a minha vida porque eu a dou livremente” (Jo 10,18).

“Embainha a tua espada” (Jo 18,11): Jesus é o Príncipe da Paz. Não admite combater violência com violência. Ademais, ele veio para cumprir a vontade do Pai. Nenhuma força humana deve ser empecilho para que ele leve adiante a missão que o Pai lhe confiou. Combater a violência em nosso País por meio de ação violenta e repressão não pode ser o caminho da paz e da harmonia que todos desejam. A indústria da armamento e da guerra, a posse e o porte de arma de fogo por civis são um atentado contra o Evangelho da Paz. Dizer que “conhece a verdade” do Evangelho e mandar matar é uma contradição inconcebível.

“Se falei bem, por que me bates?” (Jo 18,23): Este quadro da Paixão merece longa contemplação. Diante da resposta objetiva e verdadeira de Jesus ao Sumo Sacerdote, um guarda desfecha-lhe uma bofetada. A atitude de Jesus deixa sem resposta qualquer ação violenta. Uma cena que revela o altíssimo grau de serenidade de Jesus diante dos perseguidores e sua ternura para com os violentos. “Não resistais ao homem mau; antes, àquele que lhe fere a face direita oferece-lhe também a esquerda” (Mt  5,39).

“Meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36): Jesus se coloca majestosamente em sua paixão diante dos poderosos que brigam e matam pela conquista e resguardo do poder. Ele não reina pela força, pelo exército, pela violência. Ao entrar em Jerusalém montado num jumentinho e não num cavalo, quis mostrar a que veio: promover a paz na simplicidade, na humildade, no serviço. Conquista e reina nos corações daqueles que assumem em sua própria vida o que ele ensinou. Ele não domina, mas conquista, atrai.

“Não terias poder algum sobre mim se não te fosse dado do alto” (Jo 19,11): Essa resposta de Jesus a Pilatos mostra que toda autoridade e poder vêm de Deus. Ora, sendo Deus o Autor e Criador de todas as coisas, não se pode compreender nem aceitar que alguém faça uso do poder ou autoridade em benefício próprio. Todo poder deve ser exercido em vista do bem de todos. É o poder-serviço ensinado por Jesus aos seus discípulos: “Sabeis que os governadores das nações as tiranizam e os grandes as dominam. Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vós, seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo” (Mt 20,26-27). Infelizmente, as forças políticas, econômicas e, por vezes, as religiosas, caminham na contramão do Evangelho: busca do poder pelo poder.

“Repartiram entre si minhas roupas” (Jo 19,24): Notamos nesta passagem que Jesus não possuía nada. A única coisa que trazia consigo, sua veste, torna-se objeto de disputa. No que tange aos pobres de quem os ricaços arrancam o manto e a carne, calha bem a advertência da Escritura: “Se tomares o manto do teu próximo em penhor, tu lho restituirás antes do pôr-do-sol. Porque é com ele que se cobre, é a veste do seu corpo: em que deitaria? Se clamar a mim, eu ouvirei, porque sou compassivo” (Êx 22,25-26).

“Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19,26): Aqui, conforme a tradição da Igreja, Jesus nos dá Maria, sua mãe, por nossa Mãe. Ele nos assume como irmãos, não nos deixa órfãos. Dá-nos o que tem de mais precioso: sua Mãe. O discípulo amado, isto é, aquele que vive no amor de Deus, tem Maria por sua Mãe. Nesta cena do evangelho se consuma o que fora iniciado nas bodas de Caná: “Minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). A Hora de Jesus é a Cruz. A mulher, Maria, simboliza a comunidade salva na entrega de Jesus, o Noivo, na Cruz.

“Tenho sede” (Jo 19,28): Este clamor de Jesus na cruz nos remete ao relato de seu encontro com a samaritana no poço de Jacó (cf. Jo 4, 1-42). “Dá-me de beber” disse ele àquela mulher. Jesus tem sede de salvar, de perdoar, de se doar. E, ao mesmo tempo, ele é a água que sacia nossa sede: “Quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede” (Jo 4,14).

“Está consumado” (Jo 19,30): Foram as últimas palavras de Jesus. Ele consumou a missão que o Pai lhe confiara. Não recuou, não desistiu, não se intimidou frente às ameaças, não se deixou levar pelos encantos enganosos da fama e do poder. Com ele e por ele, Paulo pode dizer mais tarde: “Quanto a mim, já fui oferecido em libação, e chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (2Tm 4,6-7). Oxalá cada um de nós possa dizer com serenidade de consciência tais palavras como prece ao Pai na hora derradeira da vida!

“Entregou o espírito” (Jo 19,30b): Essa palavra do evangelho tem o sentido da entrega de sua vida ao Pai, mas também da entrega do Espírito Santo à Igreja, àqueles que continuam sua missão no mundo. Um Pentecostes! É no Espírito de Jesus que a Igreja deve caminhar: oferecer-se em oblação pela vida e pela paz no mundo. Podemos fazer a memória de Estêvão, protomártir da fé cristã, que também ‘entregou o espírito’: “Senhor Jesus, recebe meu espírito”. Confirmando que nele agia o mesmo Espírito que agiu em Jesus, ainda perdoa seus algozes antes de morrer: “Senhor, não lhes leves em conta este pecado” (At 7,59-60).

Hoje é dia de silêncio, de recolhimento, de contemplação. É a maior prova do amor de Jesus por nós: entregar sua vida na cruz. Com a Igreja rezamos: “Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos porque pela vossa santa cruz remistes o mundo”. E proclamamos na liturgia da tarde: “Eis o lenho da cruz do qual pendeu a salvação do mundo. Vinde adoremos!”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Jesus é ressurreição e vida

aureliano, 27.03.20

5º Domingo da Quaresma - A - 29 de março.jpg

5º Domingo da Quaresma [29 de março de 2020]

[Jo 11,1-45]

Ao escrever o evangelho, João descreve Jesus realizando “sinais”; não fala de “milagres”. Este é o sétimo sinal realizado por Jesus, segundo João. Diante da morte do amigo Lázaro e diante da própria morte que se aproxima, Jesus diz: “Eu sou a ressurreição e a vida”. É a grande revelação de Jesus. A ressurreição em Cristo depende da fé em Jesus. Aderir a Jesus, à semelhança do amigo Lázaro, é aderir à Vida em pessoa: “Nele estava a vida” (Jo 1,4). Lázaro é sinal de uma vida que não morre: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11,25).

Como temos lembrado, para os primeiros cristãos a quaresma era o tempo de se prepararem aqueles que seriam batizados na Vigília Pascal. E os textos nos querem ajudar a mergulhar no sentido do batismo para o cristão.  À medida que compreendermos bem o batismo e suas consequências para a vida cristã, teremos menos “problemas” na pastoral do batismo e, consequentemente, construiremos uma Igreja que seja mais significativa e mais incisiva na história, como é o propósito do sacramento do batismo.

O relato da revivificação de Lázaro é uma imagem do batismo cristão. Batismo é a vida nova assumida e vivida em Cristo: “Se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vós, aquele que ressuscitou Cristo Jesus dentre os mortos dará vida também a vossos corpos mortais mediante o seu Espírito que habita em vós” (Rm 8,11). A vida eterna não é algo que está ainda para acontecer plenamente depois desta vida terrestre, mas já é realidade para aquele que crê em Jesus Cristo. É o “já e ainda não” de quem segue a Jesus. O Espírito faz viver nossos corpos mortais apesar da morte; faz-nos viver a vida de Deus no meio da morte. Embora no meio da morte, estamos vivos: “Se, porém, Cristo está em vós, o corpo está morto, pelo pecado, mas o Espírito é vida, pela justiça” (Rm 8,10). Na perspectiva cristã a história não caminha para o caos, a confusão, a desordem, para um nada, mas para a ressurreição final.

“Quem não tem o Espírito de Cristo não pertence a Cristo” (Rm 8,9). Se o batismo nos dá o Espírito que animou o Cristo, não podemos agir por outro espírito, com o “espírito de porco”, por exemplo. Ou seja, o cristão deve traduzir em obras a fé que proclama no Cristo. Isso significa transformar a sociedade de morte em uma sociedade de vida, onde reine a justiça, a bondade e a comunhão. É renunciar a uma vida “segundo a carne”, isto é, movidos pelos desejos egoístas, e buscarmos viver “segundo o espírito”, isto é, numa abertura cada vez maior àqueles que precisam de nós. Numa verdadeira eucaristia: vida doada, entregue pela salvação e libertação de todos.

Ó Deus de bondade, dai-nos por vossa graça caminhar com alegria na mesma caridade que levou o vosso Filho a entregar-se à morte no seu amor pelo mundo. Amém.

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DIANTE DA MORTE: CHORAR, MAS TAMBÉM CONFIAR

O relato de hoje traz um fato muito interessante de Jesus: ele chorou diante da morte do amigo Lázaro. Esse fato vem mostrar o sentimento de humanidade de Jesus. Ele não chorou simplesmente pela morte do amigo, mas sentiu na alma a dor da impotência humana diante da morte. Duas atitudes tomadas por Jesus diante da morte: chorar e confiar em Deus.

A morte é sempre uma realidade de dor e de sofrimento. Há dentro de todos nós um desejo insaciável de viver. Por que a vida não se prolonga mais? Por que não se tem mais saúde para uma vida mais ditosa? Que é feito da “pílula da imortalidade” que os cientistas insistem em descobrir?

O ser humano de hoje carrega cravadas em seu coração as perguntas mais inquietantes e mais difíceis de se responderem: ‘Que será de cada um de nós? Que podemos fazer? Rebelar-nos? Deprimir-nos?’ – Sabemos que vamos morrer. Mas quando, onde, se sozinhos ou assistidos... não sabemos. Mas seria muito bom termos ao nosso lado, naquele momento derradeiro, alguém que nos ajudasse a “entregar o espírito”! Mesmo assim, porém, ninguém se livra da solidão da morte! Naquele momento, ainda que esteja uma multidão ao nosso lado, morremos sozinhos!

Diante do mistério último de nosso destino não é possível apelar a dogmas científicos nem a explicações espiritualistas e extraordinárias. A razão não dá conta de nos explicar este mistério. Nós cristãos devemos nos colocar com humildade diante do fato obscuro da morte. E fazermos isso com humildade, numa radical confiança no mistério da bondade do Pai manifestada em Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês nisto?”. A resposta confiante de Marta quer mostrar o caminho que o discípulo de Jesus deve percorrer no confronto com a situação da morte: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que deve vir ao mundo”.

O relato do evangelho deste domingo quer mostrar-nos que a presença do Senhor faz brotar a esperança. Marta, que crê na ressurreição de Cristo, na vida que ele veio trazer, torna-se para sua irmã, Maria, mensageira do chamado do Senhor que a faz sair do mundo da morte em que estava mergulhada, para estar diante do Senhor da vida.

Dizem que Hans Küng afirmava a respeito da morte: “Morrer é descansar no mistério da misericórdia de Deus”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A Torá relida por Jesus

aureliano, 14.02.20

6º Domingo do TC - A - 16 de fevereiro.jpg

6º Domingo do Tempo Comum [16 de fevereiro de 2020]

[Mt 5,17-37]

Estamos no capítulo 5º de Mateus. No domingo retrasado rezamos o Evangelho das Bem-aventuranças: a verdadeira felicidade está em viver segundo o Espírito de Jesus. No domingo passado vimos que o discípulo é chamado a iluminar e a dar novo sabor à própria vida e à vida dos outros a partir de Jesus. Hoje, continuando a leitura do mesmo capítulo, ouvimos o ensinamento novo de Jesus em relação à Lei.

A fidelidade à Lei ou Torá, Ensinamento do Senhor, era o que colocava o judeu piedoso no caminho da santidade e da justiça. A dificuldade apontada por Jesus na reforma que ele faz da Lei era o entendimento corrente no seu tempo, de que bastava a fidelidade externa, uma observância à letra da Lei para ser justo. Jesus mostra que cumprir a Lei não é executar o que está prescrito ou deixar de fazer o que é proibido. Cumprir a Lei e realizar toda justiça, é agir de acordo com a vontade amorosa do Pai que está por trás da letra da Lei. É viver o espírito da Lei. É a intencionalidade de cada um que dá sentido ao que se vive.

Assim, quando a Lei diz “não matarás”, ela quer dizer, não sufocarás teu irmão por desprezo ou por rixa, por meio do preconceito ou da lei da ‘vantagem’. É claro que o mandamento “não matarás” refere-se também a atitudes e legislações que tiram da pessoa a possibilidade de viver com dignidade, de ter acesso à saúde e à educação, ao pão de cada dia.

Pelo que se constata, não há dúvida de que as atitudes do Governo brasileiro (Executivo, Congresso e Judiciário) estão levando à morte milhares de pessoas. Uma considerável parte de políticos e empresários desonestos roubou e continua roubando o patrimônio brasileiro. Há uma manobra satânica para livrá-los da condenação à devolução do que roubaram. Outros nem são levados a julgamento. Há ainda aqueles que, por omissão e maldade, sucateiam o patrimônio público, se valem dos cargos e funções para prejudicar os pobres e suprimir direitos adquiridos. Isto mata muita gente e coloca em dificuldade muitas vidas.

É terrível cair nas mãos de um grupo que age movido somente por interesses politiqueiros, sem o mínimo de consciência ética, desdenhando totalmente o bem comum, o clamor dos pobres. É um daqueles pecados que, na linguagem da catequese tradicional, “bradam aos céus e pedem a Deus por vingança”. Não que Deus seja vingativo, mas são pecados que afrontam a ordem natural da Criação, que destroem a humanidade. “Lembrai-vos de que o salário, do qual privastes os trabalhadores que ceifaram os vossos campos, clama, e os gritos dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos” (Tg 5,4).

Da mesma forma, o “não adulterarás” dever ir além. Deve levar o discípulo de Jesus a lutar contra a cobiça que habita o coração de toda pessoa. No entendimento dos rabinos do tempo de Jesus, se a mulher olhasse para outro homem ou se demonstrasse qualquer insinuação de desejo por possuí-lo, já era motivo para divorciar-se dela. Porém o homem (varão) era imune a essas penalizações. Jesus, porém, coloca homem e mulher no mesmo nível de compromisso e de fidelidade.

O mal é gestado nas más intenções que brotam do coração (cf. Mc 7, 21) tanto do homem quanto da mulher. Nesse mesmo sentido é preciso entender que o divórcio não faz parte do plano de Deus. Ainda que, em determinadas circunstâncias, seja um mal menor, é sempre um mal. Todos sabemos bem das consequências danosas, ainda que por vezes inevitáveis, provocadas pela separação do casal!

O evangelho de hoje nos ajuda a entender que diante de nós estão dois caminhos: “Diante dos homens está a vida e a morte, o bem e o mal; ser-te-á dado o que preferires” (Eclo, 15, 17; cf Dt 30,15-20). A Lei de Moisés nos ajuda a escolher qual o melhor caminho. Jesus, interpretando a Lei, nos mostra a necessidade de ir além de sua literalidade. Em outras palavras: se alguém pensa que para servir a Deus basta ir ao templo, “assistir” à missa ou ao culto, sem cultivar o amor e o cuidado para com os pais; ou que, em relação ao casamento, basta honrar o “contrato matrimonial”, sem necessidade de se preocupar em renovar o amor, o respeito e a fidelidade ao esposo, à esposa, aos filhos todos os dias, está fora do projeto de Deus; não está cumprindo a justiça do Reino. É o caso também de quem pensa que roubar ou matar é tirar algo do outro ou tirar a vida de alguém, podendo andar de mãos dadas com a corrupção e a mentira. Ou mesmo não se importando com a devastação do meio ambiente que geme dores de morte etc.

Viver o espírito da Lei, o Ensinamento de Deus, para se cumprir a justiça do Reino anunciado por Jesus, leva o discípulo a olhar para seu interior onde está inscrita a vontade do Pai. Escutando a consciência, voz de Deus, conferindo-a com a Palavra que ouvimos, vamos percebendo por onde andamos e que contornos de conversão precisamos fazer.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Finados: a volta para a casa do Pai

aureliano, 01.11.18

Finados.jpg

Comemoração de todos os fiéis defuntos [02 de novembro de 2018]

[Mt 25,31-46 ou Jo 6,37-40]

Para o cristão, celebrar Finados é o mesmo que celebrar a Esperança. A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte é critério para o cristão no momento decisivo de sua partida, ou na participação na morte de alguém. “O último inimigo a ser vencido é a morte” (1Cor 15, 26). O mistério da vinda do Filho de Deus a este mundo (Encarnação) e sua Morte e Ressurreição colocou um ponto final sobre a nossa morte.

“A vontade daquele que me enviou é esta: que eu não perca nada do que ele me deu, mas que o ressuscite no último dia” (Jo 6,39). Quando Jesus faz essa afirmação na sinagoga de Cafarnaum, numa belíssima palavra sobre sua vinda a esse mundo como “pão da vida”, deixa claro o desígnio do Pai a respeito do ser humano: fomos criados para a comunhão plena com Deus, participando de uma vida que não tem ocaso. A ressurreição para a vida é a meta de todo aquele que empenha suas forças em ser bom à semelhança de Jesus de Nazaré: “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Ele põe abaixo aquela ideia existencialista de que o ser humano é um “ser para a morte”.

A morte para o cristão é um mistério. Isto é, ela só pode ser compreendida à luz do que aconteceu com Jesus de Nazaré. Assim como Ele foi aprovado por Deus, assim também aquele que procura viver como ele viveu será aprovado, ressuscitado pelo Pai. Ressurreição é passagem da morte para a vida (cf. Jo 20,1-18); do pecado para a graça (cf. Cl 1,21-22). É chegar à comunhão com Deus para viver com ele eternamente (cf. Ap 21,1-7). Ressurreição é uma vida vivida em Deus, para Deus, a serviço dos pequeninos do Reino.

Finados ou o falecimento de pessoas queridas pode ser uma “pedra de toque” na nossa vida. Ajuda-nos a valorizar o que ultrapassa os limites da matéria. Lembra-nos a importância de morrermos para nós mesmos. A morte é uma realidade espiritual que confirma a definitiva e inabalável superação do homem confinado na perspectiva material.

Um texto que ajuda a despertar a esperança e a confiança são aquelas palavras de Isaías: “Por acaso uma mulher se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem, eu não me esqueceria de ti!” (Is 49,15).

Aquele que nos deu a vida e nos fez sair do aconchegante ventre materno para a luz do dia, há de nos fazer sair deste mundo, demasiadamente limitado, para a luz e a paz de Deus. “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

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EM CRISTO, A VIDA PREVALECE SOBRE A MORTE

(Jo 11,17-45)

Defunto vem do particípio latino, defunctu, de+fungor, significa falecido, aquele que cumpriu inteiramente sua função. Quando, na Igreja, esta palavra é acrescida do termo ‘fiéis’, quer dizer que há algo mais do que uma mera função cumprida. O cristão e todo aquele que busca viver os valores do Evangelho não termina sua vida na morte. Não perde simplesmente uma função ao morrer. Sua vida está “escondida com Cristo em Deus” (cf. Cl 3,1-4). Para quem busca a vida, defende a vida, dá a vida pela vida, não há morte. Deus não o abandona na “sombra da morte”. O que o Pai fez com seu Filho, fará também com todo aquele que busca viver como Cristo viveu.

A liturgia de hoje propõe vários textos para escolha da equipe de liturgia. Escolhi este relato do evangelho de João. Julguei muito interessante trabalhar esta cena do evangelho, talvez pouco explorada na liturgia.

O capítulo 11 de João é uma catequese sobre a ressurreição. No evangelho de João encontramos Jesus realizando sete sinais. O primeiro aconteceu em Caná da Galileia, na transformação da água em vinho. O sétimo é o relato da ressuscitação de Lázaro. João não fala de milagres, mas de sinais. O que Jesus realiza é para levar o discípulo a confiar nele, a reafirmar sua fé no Cristo Ressuscitado. O relato de hoje prepara o discípulo para entrar confiante e esperançoso na cena da paixão. Em outras palavras, a paixão de Jesus, sua cruz e morte não devem ser motivo de desânimo nem de desencanto para o discípulo, mas motivo de se firmar no caminho da cruz, pois esta leva à glória do Pai.

Uma afirmação central no relato de hoje, deve sempre nos acompanhar: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Esta palavra tem sentido quando se torna viva e eficaz dentro de nós. A pergunta de Jesus à Marta e sua consequente resposta coloca nossa vida cristã em constante desafio de fidelidade, sobretudo nas situações-limite da vida. “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” (Jo 11,26). Marta, aqui, simboliza o discípulo que não desiste da fidelidade e da confiança em meio às tribulações, e professa sua fé: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir ao mundo” (Jo 11,27).

Outro elemento, relacionado ao que acabamos de comentar, é o do significado de Marta e de Maria neste relato. Maria, pela atitude de ficar em casa, mergulhada na tristeza, prisioneira do círculo da morte e do pranto, representa aquele que se fecha à possibilidade da fé. Marta, no entanto, embora triste e sofrida pela morte do irmão, se abre confiante ao Senhor como Aquele que pode libertá-la da prisão da morte. Sai do mundo da morte para ser mensageira d’Aquele que é o portador da vida. Uma vez alimentada e confirmada na esperança, vai confortar e animar sua irmã que jaz no círculo da morte. É a nossa missão!

Ainda uma breve palavra a respeito de Jesus nesta cena. Vemos claramente a humanidade de Jesus: “E Jesus chorou”. Dizem que este é o menor versículo da Sagrada Escritura. Jesus era um homem que tinha sentimentos. Chorou a morte do amigo! O interessante para nós é que Jesus não se prendia aos sentimentos. Nem os reprimia. O norte da vida de Jesus era a vontade do Pai. Tinha consciência de sua missão. Sabia que devia levá-la até o fim. Ao realizar aquele sinal da revivificação de Lázaro, no contexto do diálogo com Marta e Maria e na presença de seus inimigos, sabe que sua ação terá consequências em vista do Reino de Deus.

Então não há problema em chorar e lamentar a morte de alguém. Mas é preciso ressignificá-la na fé. Marta se torna para nós inspiração de abertura, de discipulado, de adesão firme e confiante ao Senhor que se nos revela nos acontecimentos dolorosos da história.

A morte permanece para o ser humano como um mistério profundo. Ainda não se descobriu a pílula da imortalidade! Todos morreremos: ricos e pobres, sãos e doentes, novos e velhos, religiosos e descrentes. É o fim de todos. O modo como cada um encara este momento é que varia. Para o cristão, a morte segue o caminho de Jesus. Pode ser um cálice amargo que se deve beber até o fim. Porém com aquela certeza de que, se cumprirmos a vontade do Pai, ele nos acolherá de braços abertos para a vida que não tem ocaso.

Como se dará isso, certamente, não o sabemos. Mas a Igreja reza assim: “Nele (Cristo) refulge para nós a esperança da feliz ressurreição. E aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Ó Pai, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada, e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Prefácio da missa).

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Cemitério vem do grego koimetérion (dormitório, quarto de dormir), pelo latim coemeterium. O conceito ajuda a interpretar a morte como “sono eterno”. Para nós, cristãos, as pessoas que morreram em Deus, não caíram no abismo eterno, mas adormeceram no Senhor: “Felizes os mortos, os que desde agora morreram no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham” (cf. Ap 14,13). E, mais adiante: “Ele (Deus) enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais” (Ap 21,4).

Essa fundamentação semântica e bíblica da morte pode ajudar-nos a viver melhor. A redescobrir o sentido da vida. A visita ao cemitério, que normalmente se faz nesse dia, deve adquirir novo sentido. Não estamos visitando os mortos. Estamos, sim, reafirmando nossa fé na “comunhão dos santos”, rezando por aqueles que já partiram antes de nós.

A Igreja celebra Todos os Santos no dia 1º de novembro (cuja solenidade no Brasil foi transferida para o domingo seguinte) e Finados no dia 02 com o intuito de juntar essas duas realidades post-mortem à nossa de peregrinos em Cristo. Na linguagem tradicional: Igreja militante ou peregrina (os vivos em peregrinação), Igreja padecente (os que terminaram sua peregrinação) e Igreja triunfante (aqueles que já estão na Luz que não se apaga).

Mas nota-se que o povo se identifica mais com o cemitério, com a morte, com o sofrimento. Parece ser a realidade que ele conhece, experimenta. A Glória lhe é desconhecida. O importante, porém, é tentar fazer sempre o caminho da esperança, da conversão, da morte para a vida.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN