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aurelius

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Ele vive para além da morte

aureliano, 03.04.21

Ressurreição do Senhor - B.jpg

Páscoa do Senhor [04 de abril de 2021]

[Mc 16,1-8; Jo 20,1-9]

O Senhor ressuscitou em verdade (cf Lc 24, 34). A Igreja celebra a ressurreição do Senhor no primeiro dia da semana, o domingo. Domingo vem de dominus, senhor. Ele dominou a morte e o pecado. Por isso é Senhor. Ele exerce o senhorio sobre nós. Não de dominação, mas de cuidado, libertação e salvação. Ele é mais forte do que o mal que nos ameaça e, por vezes, domina.

O evangelho diz que Maria Madalena foi ao túmulo “quando ainda estava escuro”. Essa escuridão simboliza as sombras (angústias) vividas pelos discípulos após a morte de Jesus. Era como se todo o sonho tivesse acabado. Não sabiam o que fazer. Estavam na escuridão.

O testemunho da ressurreição inclui dois elementos: o sepulcro vazio e a aparição do Ressuscitado. O sepulcro vazio constitui um sinal negativo. Só fala ao “discípulo que ele amava”: “Ele viu e acreditou”. Ou seja, os sinais falam quando o coração está aquecido pelo amor. É preciso ser amigo de Jesus para compreender seus sinais. Já a aparição do Ressuscitado acontece no caminho de Emaús (Lc 24), aos discípulos desejosos de ver o Senhor e auscultar sua Palavra. No gesto da partilha do pão seus olhos se abrem e eles o reconhecem. Em seguida assumem a missão: “Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém” (Lc 24, 33).

A escuridão da madrugada e o túmulo vazio nos dizem que por vezes ficamos confusos diante da maldade humana, diante de tantos abusos do poder, de tanta violência e morte, de tanta corrupção que desencanta e desestimula o poder do voto nas eleições, diante do sofrimento sem fim dos refugiados de guerras civis, diante da morte de 325.000 pessoas pela covid-19 usada politicamente em vista de lucro econômico e eleitoreiro. Somos levados a perguntar: “Deus, onde estás?”. Mas a experiência de fé nos diz que na morte (‘túmulo vazio’, ‘noite’) há sinais de vida; na escuridão há lampejos de luz. Para isso é preciso ser “amigo de Jesus” (discípulo amado), ou seja, ser próximo dele, conviver com ele, reclinar-se sobre seu peito (cf. Jo 13,25).

Esse tempo pascal nos convida a assumir a vida nova que Jesus Ressuscitado veio nos trazer sendo uma presença de luz, de testemunho vivo contra toda maldade junto àqueles que o Pai colocou no nosso caminho.

Ressurreição é luta contra o tráfico de seres humanos, contra as injustiças sociais, contra a prostituição e abuso de crianças e adolescentes, contra o negacionismo da ciência, contra a polarização geradora de ódio e de violência, contra o armamento da população, contra a fome e o desemprego, contra o capitalismo neoliberal selvagem que mata e destrói os mais pobres. É dizer não ao desrespeito aos povos indígenas, ao mundo das drogas, à indiferença ecológica que destrói a Casa Comum. Ressurreição é se contrapor, ainda que à semelhança de alguém que ‘clama no deserto’, a esse mar de corrupção e mentiras, ganância e deslealdade que pervadem nossa sociedade brasileira; é dizer não aos desmandos de quem se julga no direito de retirar o pão da mesa dos trabalhadores pobres, das mulheres sofridas, das crianças sem amparo. Páscoa é libertação de tudo o que oprime, maltrata e fere. Porque Páscoa é Vida!

Ressurreição é ser testemunha da esperança numa sociedade materialista e desumana, onde o túmulo está vazio e as sombras da morte parecem prevalecer. Páscoa é continuar afirmando com a vida: “Ele vive e está no meio de nós!”.

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A MORTE FOI VENCIDA PELO AUTOR DA VIDA

Pedro e Madalena representam a comunidade que ainda duvidava da ressurreição de Jesus. Estavam em busca de provas e elementos que dessem sentido à vida deles, uma vez que, aquele em quem confiavam, morrera na cruz.

Quando o evangelho menciona “o primeiro dia da semana”, remete o leitor à Criação do mundo, narrada no livro do Gênesis, para mostrar que a Ressurreição de Jesus é a Nova Criação. O fiel cristão, batizado, entra numa vida nova, na Nova Criação de Deus. O mundo velho passou. Agora, é tudo novo. Uma vida que deve ser parecida com a de Jesus. Adão não pode ser referência de vida.

A “madrugada” lembra o alvorecer que desfaz as trevas da morte. Agora a vida brilhou no horizonte. A madrugada, embora traga em si o sinal do dia, possui também uma penumbra que impede de enxergar com clareza. É o que acontecia com Maria Madalena: “ainda estava escuro”. A comunidade ainda estava temerosa.

A “pedra removida” e o “túmulo vazio” são sinais de que algo novo aconteceu. É um sinal negativo da ressurreição. Esses sinais indicavam que Jesus não estava ali, porém não garantiam sua ressurreição.  A “pedra removida” significa que a morte foi vencida. O túmulo não é o último lugar do ser humano. Em Cristo ressuscitado, o ser humano vence também a morte e entra na vida que não tem fim, a vida eterna que já começa aqui, a partir da vida vivida em Deus, à semelhança de Cristo.

O “túmulo vazio” não é prova da ressurreição. A fé na ressurreição não vem da visão, mas da experiência de fé. As “aparições” de Jesus ressuscitado é que consolidam a fé dos discípulos. É o dado da fé. Uma realidade que transcende a razão. Não contradiz a razão, mas está para além da compreensão puramente racional. Por isso Santo Agostinho dirá: “Credo ut intelligam”: creio para compreender. Nós cremos pelo testemunho de fé da comunidade. A fé nos é transmitida. Cremos a partir da experiência que outros fizeram. Fazendo nós também essa experiência, transmitimo-la àqueles que a buscam. Porém, tudo é ação da Graça de Deus.

Pedro e o “outro discípulo” vão correndo ao túmulo. O “discípulo amado” chega primeiro que Pedro. Quem ama tem pressa. Ele “viu, e acreditou”. É o amor que faz reconhecer na ausência (túmulo vazio), a presença gloriosa do Cristo ressuscitado. Agora os discípulos entendem o que significa “ressuscitar dos mortos”. Agora eles vêem, não com os olhos humanos, mas com os olhos da fé. Agora estão iluminados pelo sopro do Espírito Divino que animou Jesus.

Nenhum evangelista se atreveu a narrar a ressurreição de Jesus. Não é um fato “histórico” propriamente dito, como tantos outros que acontecem no mundo e que podemos constatar e verificar, empiricamente. É um “fato real”, que aconteceu realmente. Para nós cristãos, é o fato mais importante e decisivo que já aconteceu na história da humanidade. Um acontecimento que traz sentido novo à vida humana, que fundamenta a verdadeira esperança, que traz sentido para uma das realidades mais angustiantes do ser humano: a morte. Esta não tem mais a última palavra. A pedra que fechava o túmulo foi retirada. A ressurreição é um convite, em última instância, a crer que Deus não abandona aqueles que o amaram até o fim, que tiveram a coragem de viver e de morrer por Ele.

O núcleo central da ressurreição de Jesus é o encontro que os discípulos fizeram com ele, agora cheio de vida, a transmitir-lhes o perdão e a paz. Daqui brota a missão: transmitir, comunicar aos outros essa experiência nova e fundante de suas vidas. Não se trata de transmitir uma doutrina, mas de despertar nos novos discípulos o desejo de aprender a viver a partir de Jesus e se comprometer a segui-lo fielmente. Ressuscitados com Cristo, buscamos “as coisas do alto”, temos o nosso “coração no alto”. A consagração batismal fez de nós novas criaturas. Incorporados a Cristo, enxertados n’Ele, queremos viver “por Cristo, com Cristo e em Cristo” para a glória de Deus Pai. É um modo de vida que transforma a pessoa, a comunidade e a sociedade. Transbordamento de uma alegria que não cabe dentro de nós: é comunicada aos outros. Não nos conformamos mais com injustiça, com mentira, com violência, com traição, com desrespeito, com maldade de toda sorte. Nossa vida se torna profetismo, esperança, inconformismo, saída, cuidado, encontro vivificador.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Quem vive na luz não teme as trevas

aureliano, 13.03.21

4º Domingo da Quaresma [14 de março de 2021]

 [Jo 3,14-21]

O contexto do evangelho de hoje é a conversa de Jesus com Nicodemos, um homem estranho, embora notável entre os judeus, que entra em cena de repente, e desaparece de repente. A resposta de Jesus a ele e o contexto da liturgia quaresmal – preparação para o batismo e vida batismal – nos ajuda a entender o que significa o batismo: “Ninguém, a não ser que nasça da água e do Espírito, pode entrar no Reino de Deus” (Jo 3,5).

É interessante notar, em primeiro lugar, o fato de Nicodemos ter procurado Jesus “de noite”.  Nicodemos representa o discípulo que começa a sair das trevas para entrar na luz, por isso procura Jesus “de noite”, isto é, nas trevas dos conflitos e desafios da vida. E Nicodemos realiza o encontro desejado. Por isso não entra mais em cena, pois encontrou aquele a quem buscava. E Jesus continua seu discurso mostrando que é preciso deixar as trevas e se aproximar da luz.

Crer num homem crucificado, abandonado, considerado maldito por Deus não é algo simples. Nós estamos acostumados com cruzes por todo canto. Inclusive nas salas de órgãos públicos brasileiros vemos o crucificado presenciando cada atitude que traz pavor e vergonha aos cristãos e não-cristãos honestos e sérios. Porém raramente paramos para refletir sobre o significado deste objeto sagrado. Referindo-se à cruz, diz o Papa Francisco: “A cruz não é um ornamento, que nós devemos meter sempre nas igrejas sobre o altar. Não é um símbolo que nos distingue dos outros. A Cruz é o mistério, o mistério do amor de Deus, que se humilha a si próprio, faz-se um nada, faz-se pecado. O perdão que nos dá Deus são as chagas do seu Filho na Cruz, erguido na Cruz. Que Ele nos atraia para Si e que nós nos deixemos curar”.

“... Assim, é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna” (Jo 3, 15). Aquele que veio “como Luz” está crucificado! Suas mãos não podem mais tocar os leprosos. Seus braços não podem abraçar as crianças. Seus olhos estão impedidos de olhar, com ternura, para os pecadores e as prostitutas. Seus ouvidos não ouvem mais o grito do cego de Jericó ou clamor da Cananéia. Um homem de dores, pendurado num madeiro, vítima da maldade, para eliminar, para sempre, do coração humano, toda maldade e violência.

Jesus mostra, no relato de hoje, a face amorosa do Pai que “não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva”. Não veio para condenar, mas para salvar. Corremos o risco de anunciar Deus como um juiz implacável, irado contra a humanidade. Por vezes assumimos o posto de juiz de vivos e de mortos. Sentamos na cadeira de juiz enquanto Jesus deitou-se numa cruz. Colocou-se do lado dos injustiçados e condenados, desde o seu nascimento, quando não encontrou lugar na hospedaria.

 “Quem nele crê não é condenado”. Crer em Jesus é assumir seu modo de viver. É arcar com as conseqüências da fé cristã. Fé é dom de Deus. Salvação é graça. “É pela graça que fostes salvos mediante a fé. E isso não vem de vós; é dom de Deus! Não vem das obras para que ninguém se orgulhe” (Ef 2,8). Pe. Konings diz que “não fomos salvos pelas obras, mas para as obras”. Ou seja, as obras encarnam nossa fé. Tiago diz que “a fé sem obras é morta” (Tg 2,26). Nosso relacionamento com Deus não é comercial (nem doutrinal, como querem alguns), mas vivencial, experiencial. Nossa relação com Deus se deve dar na gratuidade e não como compra e venda dos dons de Deus, ou na mera observância formal de uma lei ou doutrina.

A salvação depende também da acolhida que lhe faz o ser humano. Deus não salva ninguém à força. Nesse sentido a salvação é dom e tarefa, graça e liberdade. Há pessoas que rejeitam a salvação, que se recusam a aproximar-se da luz, exatamente para que suas ações más não sejam conhecidas. “Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas” (Jo 3,20). A vida de Jesus, que é luz, mostra por onde anda aquele que dele se aproxima.  Quem “pratica a verdade”, ou seja, quem procura viver como Jesus, na justiça, na honestidade, na solidariedade, no serviço generoso aos irmãos, “aproxima-se da luz para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus” (Jo 3,21).

Um respeitado teólogo jesuíta, Mário de França Miranda, diz o seguinte a propósito da inculturação da fé: “A iniciativa salvífica de Deus só chega à sua meta quando é livremente acolhida pelo ser humano na fé. Só temos propriamente revelação ou Palavra de Deus no interior de uma resposta de fé, ela mesma fruto da ação de Deus em nós. Portanto, o acolhimento na fé é parte constitutiva da revelação; sem ela os eventos salvíficos seriam meros fatos históricos, a Palavra de Deus seria palavra humana e a pessoa de Jesus Cristo nos seria desconhecida, como o foi para os fariseus de seu tempo” (A reforma de Francisco, p. 64).

Aproximando-nos da Luz, que é Jesus, somos aquecidos, iluminados, transformados por ele. Tornamo-nos mais parecidos com ele. Então nossa presença junto à família, à comunidade, àqueles que Deus colocou no nosso caminho será uma presença de luz. “Brilhe vossa luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a Deus Pai” (cf Mt 5,16). Essa luz não é autógena, fruto de esforço pessoal, mas luz que foi infundida por Deus em nós no batismo e, uma vez acolhida, deve ser levada aos outros.

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A Campanha da Fraternidade desse ano quer nos ajudar a desenvolver a arte do diálogo como instrumento de paz e de unidade na Igreja e na sociedade. A segunda leitura deste domingo nos recorda que fomos salvos pela Graça do Pai (Ef 2,5). Portanto, a salvação é dom de Deus (Ef 2,8). Esse dom não é somente nosso, mas deve se multiplicar na vida da humanidade pela nossa ação missionária, construindo fraternidade. Assim reza a Campanha da Fraternidade: “Efésios (2,1-10) chama a atenção dos gentios, que assumiram a fé em Jesus Cristo, para que não repitam o mesmo erro da comunidade dos judeus que, mesmo vivendo sob a graça da Boa Nova, ainda se orientavam pela Lei excludente. O autor da Carta aos Efésios ensina que orgulho religioso é contrário ao Evangelho, porque gera sectarismo e não a unidade. O autor relembra a rejeição que as comunidades de não judeus, seguidoras de Jesus,  sofreram por parte dos judeus (Ef 2,8-13). A todo o momento que fala aos gentios, o escritor usa a expressão “vocês”, mas sabiamente, ao se referir a Cristo, inclui-os no grupo, e fala de “nós”. O alerta para o orgulho, que produz divisões, pode ser percebido em afirmações como “com efeito, é pela graça que vós sois salvos por meio da fé; e isso não depende de vós, é dom de Deus” (2,8). Esse alerta é perfeitamente justificado com a afirmação “pois é ele quem nos fez; nos fomos criados em Jesus Cristo para as boas obras, que Deus preparou de antemão, a fim de que nelas nos empenhemos” (2,10)” (Texto-Base, 133). Nosso empenho deve ser sempre construir pontes à semelhança de Jesus. Ele que “sempre se mostrou cheio de misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doentes e pecadores, colocando-se ao lado dos perseguidos e marginalizados” (Prefácio da Oração Eucarística VI-D).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Luz que dissipa as trevas e gera coragem

aureliano, 06.04.18

2º Domingo da Páscoa - B - 08 de abril.jpg

2º Domingo da Páscoa [08 de abril de 2018]

[Jo 20,19-31]

“Era noite e as portas estavam fechadas por medo”. Não nos pode passar despercebida essa realidade vivida pelos discípulos logo após a tragédia do Calvário. Para eles não havia luz: era noite. Não tinham horizonte. Não podiam vislumbrar novas possibilidades. Aquele em quem depositaram sua confiança ‘fracassara na cruz’.

As portas estavam fechadas. A missão lhes era impossível. Não tinham coragem de sair.  Portas fechadas para que ninguém entrasse. Também ninguém podia se beneficiar da ação deles, pois se prenderam dentro da casa. Quem está de portas fechadas não sai nem permite alguém entrar. No Apocalipse lemos aquelas provocadoras palavras: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele” (Ap 3,20). Comunidade cristã, discípulo de Jesus não combina com porta fechada. Aliás, o Papa Francisco tem alertado para nossos templos católicos com portas fechadas: “A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai. Um dos sinais concretos dessa abertura é ter, por todo lado, igrejas com portas abertas” (EG, 47).

E o medo? Realidade terrível! Esse sentimento paralisa as pessoas. Impede que se façam boas ações. Muitas vezes reduz a pessoa dentro de seu eu, tornando-a ensimesmada, autocentrada, idiota. O medroso não arrisca. Mantém a porta fechada. Investe em sua própria segurança, por vezes em detrimento dos demais. O medo não permite amar. Impede de amar o mundo como Jesus amou. Não lhe confere o ‘sopro’ da vida e da esperança.

Eis que Jesus entra na casa. Para ele não há noite nem portas fechadas nem, muito menos, medo. Ele vem libertar os discípulos desses males que emperram a missão que lhes confiara. Não lhes impõe as mãos nem lhes dá a bênção, como sói fazer aos doentes. Jesus sopra sobre eles o sopro da força que vence o medo e lhes comunica a esperança. O sopro santo que tira o pecado e os envia em missão. As portas então se abrem, o medo se dissipa, pois a Luz venceu a escuridão que os envolvia.

É Jesus ressuscitado que salva a Igreja. É ele que vence o medo que nos envolve e paralisa. É ele que abre as portas do egoísmo e da indiferença. É ele que dá a esperança. Na força dele realizamos a missão. Cremos que ele continua vivo em nosso meio. Conhecedor de nossa fragilidade, ele continua a nos dizer: “Recebei o Espírito Santo”.

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A COMUNIDADE BROTA E SE ALIMENTA DO RESSUSCITADO

O evangelho narra a aparição de Jesus aos Apóstolos no dia da Páscoa, primeiro dia da semana, e o episódio de Tomé oito dias depois. Por isso chamamos domingo o primeiro dia da semana: o dia do Senhor. É o dia da Ressurreição de Jesus, dia da Criação, dia do descanso do Homem/Mulher criados por Deus. Dia em que a comunidade cristã se reúne para dar graças ao Pai na celebração eucarística.

O relato mostra que aquele que ressuscitou é o mesmo que foi crucificado. Por isso o Ressuscitado mostra a Tomé as marcas da paixão. Tomé representa a comunidade que duvida e que depois acredita. Aqueles que devem crer no testemunho dos apóstolos. Se no início a comunidade é acometida pelo medo, agora é tomada pelo novo vigor e alegria de crer no Cristo ressuscitado, presente em seu meio.

“Bem-aventurados os que crerem sem terem visto”. Em vez de provas palpáveis, nos é transmitido o testemunho escrito das testemunhas oculares de tudo quanto Jesus fez e ensinou. Vivemos num mundo em que se exigem provas para acreditar. Muitos correm atrás de “milagres”. Se para acreditar precisamos de provas, de sinais do céu, restar-nos-ia acreditar em quê? Nossa fé não vem de provas palpáveis, mas das “testemunhas designadas por Deus” (At 10, 41). Nós acreditamos naquilo que elas acreditaram. Sabemos que seremos felizes se crermos sem ter visto.

Acreditamos na comunidade que os Apóstolos fundaram a partir da fé na ressurreição. É nesta comunidade que somos iniciados na fé, no discipulado. “A fé e o tesouro da mensagem evangélica são realidades que não se recebem pessoalmente, mas através da comunidade. A iniciação cristã pressupõe uma comunidade de fé” (Dom A. Possamai). Não é possível ser cristão sem estar inserido numa comunidade de fé. Nossa fé não é privada, mas apostólica e eclesial. “Para ser fiel a Cristo não basta orar e celebrar; é preciso fazer o que ele fez: repartir a vida com os irmãos. Crer não é somente aceitar verdades. É agir segundo a verdade do ser discípulo e seguidor de Cristo” (Pe. J. Konings).

Mais. Enquanto Tomé não fizera o encontro com o Senhor Ressuscitado tocando-lhe a chaga, não acreditara naquele a quem seguira por anos. O texto não diz que Tomé tocou a chaga do Mestre, mas permite perceber que ele a vira: “Estende tua mão e põe-na no meu lado... Porque viste, creste...” (Jo 20,27.29). Concluímos que, somente aquele que “tocar” a chaga do Ressuscitado poderá fazer uma profissão de fé que brota de dentro, isto é, verdadeira e comprometida. E que “chaga” é esta? Os pobres, preferidos do Senhor com quem ele se identifica: “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Em outras palavras: quem diz crer em Jesus Ressuscitado e não o reconhece (“toca”) nos pobres e sofredores, mostra uma fé cristã imatura e inadequada. E se Tomé representa a comunidade cristã, o que foi dito vale para a comunidade que se diz cristã, mas não “toca” os pobres.

A propósito ainda de Tomé, esta figura controvertida do evangelho de João, podemos afirmar que suas dúvidas e objeções transformaram-se em bênçãos para nós. Quando na Ceia Jesus afirmou: “Para onde eu vou, vós já conheceis o caminho”, Tomé responde: “Senhor, não sabemos para onde vais; como podemos conhecer o caminho?” Esta objeção de Tomé arrancou de Jesus uma das mais sublimes palavras do evangelho: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,4-6). São Gregório Magno, a propósito de Tomé, escreveu em uma de suas homilias: “A incredulidade de Tomé foi para nós mais útil do que a fé dos discípulos que haviam acreditado”. Suas dúvidas beneficiaram a fé na ressurreição.

Mais um pouquinho de Tomé. O Mestre, naquele encontro com seu apóstolo “incrédulo”, faz com que eleve seu nível de fé. Restabelecido pela presença do Ressuscitado, Tomé pronuncia aquelas palavras que ainda nenhum apóstolo atrevera a dizer, ao menos que se tenha registrado nos Evangelhos, a respeito de Jesus: “Meu Senhor e meu Deus”.

Peçamos ao Senhor que nos ajude na nossa pouca fé para que as sombras da dúvida, as incertezas e mesmo a perseguição ou o fracasso não nos dominem impedindo de levar a alegria da boa nova àqueles que jazem no desencanto, na desesperança, no isolamento. A experiência do encontro com o Ressuscitado deu novo vigor à comunidade para que pudesse continuar a missão entregue por Jesus. E, já que não podemos “tocar” ou “ver” as chagas do Ressuscitado, Ele, como fizera ao leproso que lhe suplicara: “Senhor, se queres podes curar-me”, ao que responde: “Quero; fica curado!” (cf. Mt 8,2-3), toque e cure nossas chagas, incontestavelmente diversas das suas, pois produzidas pelo pecado e não pelo amor. Que a Eucaristia que celebramos, encontro com o Ressuscitado, nos liberte do medo, nos encha de alegria e de ardor para partilharmos com os mais necessitados o pão, a palavra, o afeto, a acolhida, a solidariedade, o perdão.

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UM ENCONTRO QUE TRANSFORMA

O evangelho deste domingo nos convida a lançar um olhar sobre nossas assembleias dominicais: como celebramos e que sentido continua tendo o domingo para nós cristãos? As celebrações não precisam de teatros e shows para “atrair” as pessoas. Nem se destinam a isso! Precisamos de celebrações que ajudem os fiéis a fazer uma verdadeira experiência de Deus. E o domingo, o dia do Senhor, dia do descanso, dia da Criação, dia da Ressurreição, precisa recuperar seu sentido na vida do cristão.

Vivemos um tempo de crise sem precedentes na história da Igreja. Também a trajetória política e econômica de nosso País nos desencanta e entristece. Se não nos voltarmos para Jesus Cristo, realizando um encontro profundo com ele, um encontro capaz de renovar nossas estruturas mentais, de romper as dobras de nosso coração, não se manterá viva na história a memória de Jesus Ressuscitado. Pois há motivos de sobra para nos desacorçoarmos e desistirmos de nossa missão profética na história. Assim a Igreja ficaria omissa na sua missão de continuadora e atualizadora, pela força do Espírito Santo, dos gestos e palavras de Jesus.

O encontro com Jesus ressuscitado transformou a vida dos discípulos. E Tomé foi movido por aquela alegria contagiante de seus companheiros que lhe disseram: “Vimos o Senhor!” Embora tenha, inicialmente, relutado a crer, a fé dos seus irmãos o motivou a continuar dentro da comunidade. E Jesus lhe confirma a fé.

Tomé duvidou. O relato tem duas intenções: primeiro, quer mostrar que fora da comunidade é muito difícil de se crer e se salvar; segundo, esse relato quer dizer que é preciso crer no testemunho dos discípulos. Não é preciso ver para crer. Confirma o que ocorreu ao discípulo que Jesus amava: viu o túmulo vazio e creu (cf. Jo 20,8). Sem ter visto o Senhor ressuscitado, acreditou. Quem ama, crê. Isso veio desfazer uma mentalidade crescente, na época, que todos os que quisessem aderir à fé cristã precisavam “ver” o Ressuscitado. De ora em diante se confirmou: “Bem-aveturados os que creram sem terem visto”.

Ainda um elemento que não pode ser esquecido no relato de hoje é o dom da Paz que Jesus dá aos discípulos e o dom do Perdão, grande presente pascal. A alegria da comunidade é experimentar, em meio ao medo da perseguição das autoridades judaicas, a paz que brota do coração amoroso de Cristo. E Jesus, sabendo das fraquezas humanas e dos pecados que daí provinham, oferece a “segunda tábua de salvação”, o sacramento da Reconciliação: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados”.

Mais do que nunca é urgente reafirmar nossa fé no Ressuscitado e na sua presença em nosso meio. Não se trata de pregar, de falar, de tentar convencer com afirmações doutrinais apenas, num proselitismo fanático. Isso vale muito pouco para o mundo em que vivemos. É preciso fazer experiência de um encontro verdadeiro. É notável quando uma comunidade está verdadeiramente imbuída do espírito de Jesus Ressuscitado. Ela procura viver como Jesus viveu: sabe escutar, tem sensibilidade, está atenta ao mais sofrido e necessitado. Não se rege por normas e leis, mas pela misericórdia. Não tem medo de enfrentar dificuldades e perseguições por causa de Cristo e em defesa dos pequenos e sofredores. Essa comunidade não se deixa levar pelo medo nem pela mania de grandeza nem pela ganância do dinheiro, do poder e da competição. Ela manifesta, no seu agir, o agir de Cristo. A comunidade se torna um espaço em que se experimenta a presença viva do Ressuscitado.

Sem a força do Cristo ressuscitado continuaremos com medo e de portas fechadas. Se não buscamos nele a força e orientação de como lidar com os desafios atuais, não conseguiremos alimentar a esperança daqueles que ainda permanecem em nossas comunidades e, muito menos, atingiremos os ‘de fora’.

A paz, o perdão e a alegria são frutos da ressurreição. Quando participamos das celebrações e atividades de nossas comunidades precisamos voltar para casa mais animados, mais apaixonados por Jesus Cristo, mais confiantes, mais seguros de que estamos no caminho certo, mais vibrantes em nossa fé, mais dispostos a colaborar e em construir fraternidade. Se isso não estiver acontecendo, precisamos rever nossas celebrações, nossas comunidades e nossa vida.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN