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Oração humilde e confiante: “Senhor, salva-me”

aureliano, 11.08.23

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19º Domingo do Tempo Comum [13 de agosto de 2023]

[Mt 14,22-33]

O relato de hoje está em continuidade com o relato da multiplicação dos pães (Mt 14,13-21). Aquele Jesus que multiplicou os pães, dando um sinal do Reino anunciado nas parábolas do capítulo 13 de Mateus, tem poder também sobre a tempestade do mar (como nos relatos teofânicos do Antigo Testamento). N’Ele se pode confiar. O discípulo pode assumir a participação em sua vida: “Dai-lhes vós mesmos de comer”, pois nas tempestades da vida, ele está junto, não abandona.

É interessante fazer a leitura da simbologia presente neste relato: o mar revolto, na mitologia antiga, representava o domínio das forças do mal. Aquilo que o homem não conseguia explicar ou dominar ele o atribuía a forças superiores: ou deuses, ou anjos, ou demônios, ou monstros marinhos. A noite significava o domínio das trevas. O barco, a realidade de cada um em meio aos desafios: ondas e ventos. Pode também significar a comunidade que faz experiências diferentes: sem a presença de Jesus, é tomada pelo medo; com Jesus, acalma-se e continua sua missão.

O evangelho de hoje nos ajuda a repensar muitas coisas. Primeiro, mostra Jesus orante. Mateus mostra Jesus orando apenas duas vezes: aqui, depois da multiplicação dos pães, e no Monte das Oliveiras, antes da sua prisão. Lucas já é mais farto em mostrar essa dimensão de Jesus. O fato é que Jesus reservava tempos fortes de oração ao Pai. E o fazia muitas vezes sozinho. Essa atitude de Jesus apresentado nos evangelhos nos faz perguntar: qual o tempo que reservo para a oração, a leitura orante da bíblia, para a celebração? Sem oração, vida de intimidade como o Pai, não se podem vencer as “tempestades” da vida.

Outro elemento é a relação de Jesus com os discípulos e com Pedro, particularmente: não os abandona à mercê das tempestades. Os discípulos quando viram Jesus, pensaram que fosse um fantasma e ficaram com medo. Ninguém podia dominar o mar, caminhar sobre ele! Jesus diz aquelas confortadoras palavras: “Tende confiança, sou eu, não tenhais medo”. A certeza de que Deus caminha conosco, que não nos abandona no meio das dificuldades é muito confortador! Sem a presença dele ficamos apavorados e com medo. Com ele ficamos serenos e confiantes. Pedro até arrisca caminhar sobre as águas! Mas a atitude de Pedro serviu de lição para si mesmo e também para nós. Jesus não pretende que seu discípulo caminhe sobre as águas, faça espetáculo, sinais mirabolantes. Por isso Pedro afunda. Todo aquele que confia em si mesmo, que busca o poder, assume atitude de dominação, assume atitudes de autossuficiência está na contramão do ensinamento de Jesus. E, consequentemente, afunda-se a si mesmo e aos outros. Nossa atitude deve ser sempre parecida com a de Jesus: confiar no Pai e estender a mão àqueles que estão afundando no mar da maldade, da injustiça, do sofrimento. Quantas pessoas a nos dizer todos os dias: “salva-me!”.

Um elemento que não pode passar despercebido é também a dimensão da fé. Muitas vezes entende-se fé como o conhecimento intelectual de um conjunto de verdades e doutrinas proclamadas e proferidas com os lábios. O relato do evangelho de hoje manifesta claramente que fé é um dom de Deus que precisa ser cultivado e que se manifesta em atitude de vida.  É uma abertura confiante a Jesus Cristo como sentido último da existência. É ter a coragem de “caminhar sobre as águas”. Ou seja, entregar-se confiante a Deus e não aos ídolos cotidianos que nos iludem, sugam nossas energias e desviam nossa atenção do caminho do bem. É viver sustentados não por nossas seguranças materiais e argumentos puramente racionais, mas por nossa confiança n’Aquele que nos toma pela mão. Aquele que nos move a dar a mão a quem está sendo sufocado pela maldade humana ou pelas dores da vida. É egoísmo rezar: “Senhor acalma minha tempestade”, quando não me sensibilizo diante da tempestade do outro que pode ser maior do que a minha. Ou pior ainda, quando sou motivo de tempestade na vida do outro trazendo-lhe dor, sofrimento, angústia, miséria.

Por outro lado, este relato dá margem para refletir sobre as incertezas e falta de fé muito presentes em nossa sociedade contemporânea. Hoje já se fala de sociedade pós-cristã. Experimentamos uma realidade social religiosa, porém sem fé cristã. Muitos buscam expressões e manifestações religiosas, mas não querem se comprometer com a fé proclamada. Fazem da religião uma espécie de supermercado. Cada um busca na religião o que lhe convém, aquilo que mais lhe agrada ou atende a seus anseios e sentimentos do momento. A falta de fé, as dúvidas, as incertezas não estão longe de nós. Estão dentro de nossas casas, de nossas comunidades, até mesmo dentro de nós ocorre experimentarmos aquele sentimento de Pedro e a atitude dos discípulos - medo, insegurança, incerteza - que mereceram a advertência de Jesus: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31). Por outro lado, Jesus o tomou pela mão, bem como dissera aos discípulos: “Tende confiança, sou eu, não tenhais medo” (Mt 14,27).

Finalmente, um grande ensinamento deste relato é o modo como Deus se manifesta: na brisa suave (1Rs 19, 9-13). Nosso Deus não é um Deus da ameaça, do medo, da punição, do castigo. De jeito nenhum. O Deus que Jesus revela é um Deus misericordioso, manso, que se dá a conhecer nas pequenas coisas. Isso não significa que seja um Deus de moleza, complacente, pois tem mais força do que o mar. Ele quer que não tenhamos medo, mas uma fé confiante. E essa fé não é de momento, de entusiasmo, como fogo de palha, mas constante, indo até Ele sem se deixar “levar pelas ondas”.

Senhor, salva-nos da corrupção, da falta de ética, da mentira, da perversidade de coração que ameaça milhões de brasileiros desempregados, injustiçados e invisíveis. Salva-nos, Senhor, de gente corrupta, mentirosa e depravada. Salva-nos, Senhor, quando a mesquinhez e a ganância ameaçam tomar conta de nosso coração. Salva-nos, Senhor, quando a fé, a confiança, a esperança se mostrarem enfraquecidas e ressequidas pelas ondas do materialismo, do hedonismo, do narcisismo, do desencanto e do relativismo. Salva-nos, Senhor! Toma-nos pela mão, sobretudo quando nos faltarem forças, quando o desânimo nos ameaçar, quando a escuridão embaçar nossos horizontes. Salva-nos, Senhor! Toma-nos pela mão! Tira todo medo de nosso coração. Ajuda a nossa pouca fé! Amém.

*Nesse mês consagrado às vocações, e nesse ano vocacional, seria bom intensificarmos nossa oração pelas vocações e também promovermos o trabalho vocacional em nossas comunidades. Muitas pessoas não assumem ministérios na comunidade ou mesmo não entram para a vida consagrada e presbiteral por falta de motivação, apoio. Que você tem feito pelas vocações?

**Comemoramos neste domingo o Dia dos Pais. Penso que seria oportuno lembrarmos, com mais piedade e carinho, de nossos pais, vivos ou falecidos. Fazer uma viagem na nossa própria história e descobrirmos aí motivos para agradecermos ao Pai do céu o dom de nossa vida cuidada pelos nossos pais. Quanta luta, quanto trabalho, quantas angústias nossos pais sofreram e enfrentaram para nos criar e educar! Também seria bom exercitarmos a atitude de perdão para com nosso pai se porventura temos motivo para isso: naquelas situações que nosso pai não exerceu com seriedade e responsabilidade a paternidade. Enfim, cada qual sabe como deverá se colocar diante de Deus para louvar e agradecer.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

A oração que vem de dentro

aureliano, 21.10.22

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30º Domingo do Tempo Comum [23 de outubro de 2022]

[Lc 18,9-14]

Esta é uma pergunta de fundo da parábola de hoje: que postura de vida agrada a Deus? O fariseu era um religioso fiel, dedicado, comprometido com o que determinava a Lei. Era, de alguma forma, ‘impecável’. Já o publicano não era exemplo de vida. Um cobrador de impostos malvisto pelos correligionários, tirava proveito de uma situação política para arranjar recursos ou para enriquecer-se ou para sobreviver às penúrias da dominação romana. Mas este volta para casa justificado.

Os dois vão ao mesmo templo, com o ‘mesmo objetivo’ e começam sua oração com a mesma invocação “ó Deus”. O conteúdo da oração deles é que determina a intencionalidade, a postura de fé. O primeiro eleva uma oração belíssima, de louvor e de ação de graças, completa do ponto de vista da estrutura literário-litúrgica, mas totalmente autossuficiente, orgulhosa, reveladora de uma prática religiosa que não leva em conta nem a Deus nem o próximo. Coloca-se no centro, dirige-se a si mesmo. O segundo, porém, coloca-se em atitude de dependência e necessidade da misericórdia de Deus. Mostra-se verdadeiramente um homem de fé porque deposita toda sua confiança em Deus. Não atribui nada a si mesmo. Reconhece-se pecador e quer retomar o caminho da vida e da salvação. E sabe que isso não depende somente dele, mas, sobretudo do Pai compassivo.

A oração do fariseu não leva em conta ninguém mais a não ser a si mesmo. Não pensa nos pobres, nos pequenos, nos excluídos. Julga que, observando as práticas externas da Lei, já está agradando o Criador. No entanto, Jesus ensina que não basta uma prática externa da Lei. É preciso de uma vida que acompanhe a oração. Ou melhor, é preciso de uma oração que informe a vida para lhe dar sentido. Oração que chega ao coração do Pai é aquela que brota de uma alma humilde, pequena, simples, confiante, misericordiosa, preocupada com as necessidades dos irmãos.

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É DEUS QUEM NOS FAZ JUSTOS

Quando Jesus, no evangelho deste domingo, fala a respeito de duas posturas (fariseu e publicano) distintas na oração, quer nos mostrar que não basta praticar uma religião de modo formal apenas, mas é preciso reconhecer nossa realidade diante de Deus. Ninguém pode salvar-se sozinho, ou seja, entrar na amizade de Deus por conta própria. A primeira atitude deve ser de reconhecer nossa impotência diante de Deus e abrir-nos ao seu amor.

Os fariseus, termo que significa separado, constituíam um grupo que buscava observar fielmente a Torah (o Ensinamento de Deus). Eram pessoas bem intencionadas e até estimadas pelo povo com quem trabalhavam. O problema é que eles se tornaram muito rigorosos com aqueles que, por motivo de pressão dos dominadores romanos, não observavam a Lei com todo o rigor. Estabelecia-se entre eles e os publicanos uma distância, até mesmo uma inimizade.

Jesus quer mostrar que não basta cumprir a Lei pela Lei, mas é preciso colocar-se numa relação amorosa. O que conta mesmo é o amor.

A conclusão da parábola nos leva a compreender por que o publicano voltou justificado para casa: ele se reconheceu pecador, necessitado da misericórdia de Deus na qual acreditava. Reconhecer-se pecador e clamar por misericórdia é demonstrar a necessidade de ser ajudado, amparado por Deus. E Deus se dá a conhecer no perdão, na vida nova que ele concede a quem a busca nele, com humildade. O que nos justifica diante de Deus não são nossos méritos, mas a bondade de Deus que nos fortalece para a prática da justiça: a caridade.

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MISSÃO: FAZER ECOAR O AMOR DE DEUS

Nesse final de semana a Igreja realiza a Campanha Missionária. Uma oportunidade de participarmos financeiramente das ações missionárias no Brasil e no mundo. Às vezes se tem uma visão deturpada de missão. Isto parece dever-se ao fato de ter-nos sido imposta pelos colonizadores europeus uma cultura que, em nome da fé, sacrificou muitas vidas. Ficamos então pensando que fazer missão é pregar para os outros, impondo nossa maneira de pensar e de viver. Fazer todo mundo ir para a igreja, ser católico etc. Hoje entendemos que as “sementes do Verbo”, isto é, o próprio Deus já está presente nas pessoas e nas comunidades. Resta-nos ajudar a descobrir, pela força da Palavra, Sua presença nessas realidades e não deixar que o pecado, fruto do egoísmo humano, mate ou devaste a beleza do Criador em cada ser humano.

Nossa ação missionária se dá de diversas formas: pela oração, pela visita, pela acolhida, pelo trabalho na comunidade, pelo perdão, pelo jeito de trabalhar e de realizar o cotidiano, pela honestidade no trabalho e nos negócios, por uma vida digna e honrada aos olhos de Deus, marcados pelos “sentimentos que havia em Jesus Cristo” (Fl 2,5).

Ser missionário não é uma questão de opção, mas é intrínseca à fé cristã. O cristão não pode dizer que não quer ser missionário. Ser cristão implica necessariamente a missão. É resultado de um amor que transborda de dentro de nós e nos faz inquietos. O que é bom para mim, faz sentido para mim, me enche de alegria interior quero-o também para os outros. ”Dai de graça o que de graça recebestes”. Isto é missão.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Pra que rezar? Como rezar?

aureliano, 23.07.22

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17º Domingo do Tempo Comum [24 de julho de 2022]

[Lc 11,1-13]

Dois elementos fundantes devem acompanhar a reflexão do cristão sobre a oração: o risco de reduzir Deus a um bem de consumo para solução de suas próprias insuficiências e preguiça, e o risco de reduzir-se a si mesmo a um ser que lança sobre os outros sua própria responsabilidade.

Notamos, sobretudo no evangelho de Lucas, que Jesus era um homem profundamente orante. Buscava estar sempre em sintonia e comunhão com o Pai. No relato de hoje Jesus está em oração e os discípulos lhe pedem: “Senhor ensina-nos a rezar”. E Jesus, antes de tudo, lhes ensina a oração do Pai nosso.

Jesus introduz um jeito novo de rezar. Ensina aos discípulos uma oração de profundidade, de comunhão, de adoração, de comprometimento com as necessidades das pessoas. Uma oração de confiança, de entrega, de perseverança. O sentido da oração está em colocar-se na presença de Deus para viver sempre n’Ele, por Ele e para Ele.

Pra que pedir ao Pai se Ele já sabe de nossas necessidades? (Cf. Mt 6,8). A oração não tem o condão de convencer a Deus, como se fôssemos bons advogados, mas de nos colocarmos como dependentes do Pai, tal como a criança diante dos seus pais. Não damos conta de caminhar sozinhos, de resolver as coisas sozinhos, de dar sentido ao nosso viver independentes do Criador. É Ele que nos preenche e satisfaz.

Dizia o Papa Francisco aos jovens no Rio de Janeiro: “É verdade, o ter, o dinheiro, o poder podem gerar um momento de embriaguez, a ilusão de ser feliz, mas, no fim de contas, são eles que nos possuem e nos levam a querer ter sempre mais, a nunca estar saciados. E acabamos empanturrados, mas não nutridos; e é muito triste ver uma juventude empanturrada, mas fraca. A juventude deve ser forte, nutrir-se da sua fé e não empanturrar-se com outras coisas! «Bote Cristo» na sua vida, bote n’Ele a sua confiança e você nunca se decepcionará!” (25 de julho de 2013). Francisco quer dizer que somente Jesus Cristo e uma vida vivida segundo o Evangelho nos poderão preencher profundamente.

Nossa oração deverá, pois, perfazer o caminho que Jesus fez. A oração de Jesus é o modelo de oração para todos nós: “Eu te louvo, ó Pai, porque revelaste estas coisas aos pequeninos”. “Pai, santificado seja teu nome, venha teu reino, seja feita a tua vontade”. “Pai, faça-se a tua vontade e não a minha”. “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”.  A oração dos pobres que acorriam a Jesus deve ser modelo de nossa oração: “Filho de Davi, tem piedade de mim”. “Senhor, se queres, podes curar-me”. “Senhor, vem antes que meu filho morra”. “Senhor, eu não sou digno que entres em minha casa”.

Segundo os ensinamentos do evangelho de hoje, nossa oração não pode ser na linha de reduzir Deus a um objeto de consumo, mantendo com Ele uma relação de compra e venda. O que não seria Deus, mas uma caricatura de Deus. Também não podemos jogar para Deus aquilo que é de nossa responsabilidade. Não podemos pedir a Deus que resolva nossos problemas, mas pedir a Ele que venha em nosso socorro para que saibamos lidar com os problemas de cada dia. Pois Deus não é uma conquista, mas um dom. A única coisa que nos cabe é acolhê-lo com gratuidade e alegria como Senhor absoluto de nossa vida.

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A ORAÇÃO DO DISCÍPULO DE JESUS

É interessante observar como se multiplicam as orações e as fórmulas de orações por aí! Muitos insistem em orações poderosas. Parece que determinadas orações têm mais poder do que outras. Fazendo-se determinadas preces e realizando-se certos rituais se alcança o que se pede etc.

É bom olharmos o Evangelho de hoje. Em primeiro lugar, aparece Jesus como um homem orante. Quando termina sua oração os discípulos lhe pedem: “Ensina-nos a orar”. Daqui se depreende que em primeiríssimo lugar precisamos aprender de Jesus a fazer nossas orações. Ou seja, precisamos olhar para Jesus. Como ele rezava, o que rezava, em que situações rezava.

A oração que ele ensinou de imediato aos discípulos é a oração que costumamos fazer muitas vezes ao dia: o Pai nosso. Aqui está resumido todo o ensinamento de Jesus. Uma oração que nos remete sempre ao Pai e ao comprometimento com os irmãos. Isso significa que a oração de petição: “pedi e recebereis”, deve sempre nos colocar no coração do Pai e na vida dos irmãos. Nossa oração deve nos ajudar a sair de nós mesmos.

Uma oração egoísta não atinge o coração do Pai. A oração que fazemos pedindo ao Pai pelos outros, pela comunidade será sempre atendida, pois não buscamos nossos interesses egoístas, mas os interesses da comunidade. E Deus sempre atende à oração que nos abre aos outros, pois aí se realiza a vontade do Pai. A oração deve nos fazer melhores.

A vida de Jesus foi sempre conduzida pelo Pai. Sua oração era sempre em vista de realizar a vontade do Pai. Colocar-se confiante nas mãos do Pai, eis a melhor oração que alguém pode fazer.

Onde e quando devemos fazer nossa oração? A casa, o quarto, a capela, o local de trabalho, a rua etc. Todo lugar é lugar de oração. Quando conseguimos um espaço mais silencioso e calmo, certamente nossa oração será mais centrada, mais meditativa, mais contemplativa, mais eficaz. Cada um deve buscar um espaço para sua oração. O importante é não passar sem oração.

A manhã, sem dúvida, é o melhor tempo para nossa oração mais profunda. Dizia o grande teólogo protestante, Bonhöeffer: “A oração da manhã decide o dia. O tempo desperdiçado, as tentações às quais sucumbimos, a preguiça e a falta de coragem no trabalho, a desordem e a indisciplina dos nossos pensamentos e das nossas relações com os outros, têm muitas vezes a sua origem no fato de sermos negligente na oração da manhã”. Lutero dizia que rezar deveria ser a primeira coisa a fazer quando acordamos.

Quanto às fórmulas de oração, há muitas: espontâneas, prontas, leitura orante, liturgia das horas e a oração por excelência, a Eucaristia. Esta deve estar no coração de nossa vida. É aí que culminamos nossas ações do cotidiano. É aí, na Eucaristia, que nos alimentamos para não desanimarmos no caminho da realização da vontade do Pai.

Cada um busque fazer sua oração de intimidade com o Pai, sem busca desesperada de negociar com Deus. Mas pedindo ao Pai sua presença amorosa para si e para aqueles que precisam da graça dEle mediada pela nossa presença e participação. Pois uma oração que não nos faz melhores, mais humanizados, mais humildes, mais servidores é sinal de que não é oração inspirada em Jesus, mas no próprio egoísmo. A oração precisa nos humanizar, nos divinizar. E isto, não pela nossa força, mas pela ação da Graça de Deus que encontra abertura em nós.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN.

Oração, Jejum e Esmola para a conversão

aureliano, 28.02.22

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Quarta-feira de Cinzas [02 de março de 2022]

[Mt 6,1-6.16-18]

Não nos é dado saber com certeza data e local precisos do surgimento da Quaresma na vida litúrgica da Igreja. O que sabemos é que ela foi se formando progressivamente. Estava entranhada na consciência dos cristãos a necessidade de dedicar um tempo em preparação à celebração da Páscoa do Senhor. As primeiras alusões a um período pré-pascal estão registradas lá pelo século IV. Consta também que, na Quinta-Feira Santa, acontecia a reconciliação dos pecadores; e que na Vigília Pascal se realizavam os batizados dos catecúmenos (aqueles que estavam preparados para o batismo). Esses dois costumes, vividos desde a antiguidade da fé cristã, vem mostrar que esse tempo nos remete à renovação das promessas batismais ou preparação para o batismo e a práticas penitenciais que nos levem a uma conversão profunda do coração.

A propósito desse elemento da história, o Concílio Vaticano II recomenda: “Tanto na liturgia quanto na catequese litúrgica, esclareça-se melhor a dupla índole quaresmal, que, principalmente pela lembrança ou preparação do batismo e pela penitência, fazendo os fiéis ouvirem com mais frequência a Palavra de Deus e entregarem-se à oração, os dispõe à celebração do Mistério Pascal. Por isso, utilizem-se com mais abundância os elementos batismais próprios da liturgia quaresmal; segundo as circunstâncias, restaurem-se certos elementos da tradição anterior. Diga-se o mesmo dos elementos penitenciais” (SC 109).

É bom entender que a Quaresma não é um tempo de práticas penitenciais ultrapassadas, mas é um tempo de experiência de um Deus que está vivo no nosso meio e quer que todos vivam: “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). Um tempo em que somos chamados a participar dos sofrimentos de Cristo para participarmos também de sua glória (cf. Rm 8,17). O acento não está, portanto, nas práticas de penitência, mas na graça santificadora do Senhor que nos convida todos os dias à conversão.

Por possuir um caráter fundamentalmente batismal, a Quaresma nos convida a entrar numa dinâmica de permanente conversão para nos mantermos no caminho encetado pelo batismo. Mortos com Cristo, ressuscitamos com ele para uma vida nova. Quem ressuscitou com Cristo busca as “coisas do alto”. Compromete-se com a vida de todas as pessoas, particularmente com aqueles que não contam, que não são visíveis aos olhos da sociedade, os “sobrantes”.

As três práticas propostas pela Igreja, com raiz na tradição judaica são a oração, o jejum e a esmola. Elas nos ajudam no processo de conversão.

O JEJUM quer nos ajudar a deixar de lado o consumismo proposto por uma sociedade governada por ricos e poderosos que querem ganhar sempre mais à custa dos pobres. Querem arrancar o pouco que o pobre tem. Neste tempo é bom a gente aprender a viver com pouco, a reaproveitar as coisas, a levar uma vida mais simples, mais sóbria. Não se trata de passar necessidade ou fome, pois não é isso que Deus quer. Mas a gente pode viver de modo mais simples sem entrar no modismo da sociedade consumista que mata e exclui. Mais do que jejuar, talvez fosse muito proveitoso evitar o desperdício, jogar o lixo na lixeira, manter limpo os espaços públicos; cuidar das fontes e rios; usar a água tratada com mais consciência, como dom do Pai; reutilizar lixo e água; preocupar-se e solidarizar-se com quem passa necessidade; superar toda forma de violência; ser mais terno e comedido nas palavras; evitar ofender, maldizer; ser mais paciente no trânsito; tomar as dores e defender aqueles que sofrem violência; promover a paz através do diálogo, da tolerância e do respeito às diferenças; maior empenho por uma educação que leve em conta a totalidade da pessoa humana; lutar por um sistema de saúde que trabalhe preventivamente e que cuide com zelo e responsabilidade dos doentes etc. Trata-se de um ‘esvaziar-se’ para encher-se dos sentimentos de Jesus; encher-se da bondade de Deus.

A ESMOLA quer despertar-nos para a solidariedade com os mais pobres. Uma conversão que nos torne capazes de partilhar com os outros os bens e os dons que temos. Que nos mobilize pelas causas justas, em favor dos menores, dos ‘invisíveis’, sem voz nem vez. É a luta contra a ganância que faz tantas vítimas em nosso meio. A esmola nos tira de nós mesmos e nos remete em direção dos irmãos pelo gesto da partilha solidária. Não se trata apenas de darmos algo de nós, mas darmo-nos a nós mesmos. A visita a um doente, idoso, pobre é um bom gesto que ajuda no processo de conversão. É a oferta do tempo que temos para nós e que doamos a alguém.

A ORAÇÃO nos coloca numa profunda comunhão com o Pai. Sem uma vida orientada pela oração não podemos construir um mundo de acordo com o sonho de Deus. E a oração verdadeira é aquela que nos coloca em sintonia com o querer de Deus, que nos move em direção aos pobres e sofredores. Ele veio “para que todos tenham vida”. Aproveitar esse tempo para reforçar a leitura orante da bíblia. Rezar todos os dias algum texto bíblico! Oramos não porque Deus desconhece nossas necessidades, mas porque queremos nos entregar a Ele e descobrir a melhor forma de servi-lo nos irmãos. A Leitura Orante ilumina nosso caminho, nossa vida. Oramos para nos colocarmos na presença de Deus gratuitamente, generosamente. Talvez fosse bom redistribuir o tempo despendido às redes sociais: não deixar que os bate-papos e diversões da internet roubem o tempo da oração.

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A Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema: “Fraternidade e  Educação”, com o lema: “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31,26). Vejamos alguns números que nos  ajudam a perceber a importância da temática:

“A realidade da educação nos interpela e exige profunda conversão de todos. Verdadeira mudança de mentalidade, reorientação da vida, revisão das atitudes e busca de um caminho que promova o desenvolvimento pessoal integral, a formação para a vida fraterna e para a cidadania. Refletir e atuar a favor da educação é uma forma de viver a penitência quaresmal. É reconhecer que algo pode e deve mudar neste cenário e, principalmente, em nossas relações” (Texto Base, 05).

“Somos convidados a ver a realidade da educação em diversos âmbitos, iluminá-la com a Palavra de Deus, encontrando e redescobrindo meios eficazes que favoreçam processos mais adequados e criativos a fim de que ninguém seja excluído de um caminho educativo integral que humanize, promova a vida e estabeleça relações de proximidade, justiça e paz. A educação é um indispensável serviço à vida. Ela nos ajuda a crescer na vivência do amor, do cuidado e da fraternidade” (Texto-Base, 06).

“Da pandemia da Covid-19 nos cabe tirar as lições e os compromissos para o presente e o futuro. Aprender lições com a vida é imperativo para todos os educadores: pais, professores, lideranças comunitárias e religiosas. Educar, antes de dar lições, é aprender com as lições cotidianas e com as crises. Precisamos aprender para passar pelas crises e para enfrentar suas futuras versões de forma mais qualificada. Se as crises são, de certa forma, uma constante na sociedade, o aprendizado também precisa ser. Aprender não é só uma capacidade humana, mas é condição da nossa própria humanidade. ‘A tribulação, a incerteza, o medo e a consciência dos próprios limites, que a pandemia despertou, fazem ressoar o apelo a repensar os nossos estilos de vida, as nossas relações, a organização das nossas sociedades e, sobretudo, o sentido da nossa existência’” (Texto-Base, 34).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O culto deve brotar do bom coração

aureliano, 27.08.21

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22º Domingo do Tempo Comum [29 de agosto de 2021]

   [Mc 7,1-8.14-15.21-23]

Neste domingo estamos de volta ao evangelho de Marcos.  No relato de hoje vemos um confronto entre Jesus e os escribas e fariseus. Aqueles (os escribas), provenientes de Jerusalém, eram os entendidos da Escritura; estes (os fariseus), uma espécie de irmandade que se caracterizava pela observância rigorosa da Lei. Jesus afirma que aquelas tradições que guardavam e exigiam que se guardassem não eram divinas, mas humanas, inventadas pelos que estão longe de Deus, embora se julguem próximos dele. O contexto é da discussão entre cristãos provindos do judaísmo que insistiam na necessidade da observância da Lei de Moisés e os cristãos provindos do helenismo que não tinham o costume de tais práticas. Marcos quer dizer que, com a presença de Jesus, o que voga agora é a Lei do Espírito: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

Os povos antigos e, dentre estes, os judeus, tinham muita dificuldade de lidar com as situações de doenças graves e de morte, pois eram realidades que eles não podiam compreender nem dominar. Por isso criavam uma série de leis e normas que os distanciavam e, de algum modo, os “imunizavam” deste desconforto. Explica-se, então, a exigência de os judeus lavarem as mãos antes das refeições: ficarem puros para a relação com o divino.

As palavras de Jesus lembrando a profecia de Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”, são critério para repensarmos nossa relação com Deus. É uma denúncia de determinadas atitudes que parecem cristãs e católicas, mas que trazem no seu bojo uma grande hipocrisia. Não basta colocar uma “capa” cristã para a oração, e continuar com um coração impuro, perverso, rancoroso, desonesto, insensível, distante de Deus. “Não adianta ir à Igreja rezar e fazer tudo errado” já dizia o poeta cantor.

“O que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai de seu interior. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo”. Com essas palavras Jesus traz uma liberdade muito grande para os pobres. Antes viviam preocupados com a observância das leis sem conta e quase não podiam viver. Agora estão livres desta preocupação. Jesus vem libertar o ser humano de leis externas e coloca no seu coração a Lei do Espírito, do Amor. Ama e faze o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos” (Santo Agostinho).

Volto aqui à citação que Marcos faz do profeta Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (Is 29,13). É a queixa de Deus. O que caracteriza toda religião é prestar culto a Deus. Acontece, porém que, de modo geral, se entende prestar culto com os lábios, repetindo fórmulas, recitando ou cantando salmos e hinos etc. Enquanto o coração está longe d’Ele.

Não há dúvida, porém, de que o culto que agrada a Deus nasce do coração, da adesão interior, desse centro profundo da pessoa, donde brotam as decisões, desejos e projetos. Quando nosso coração está longe de Deus, nosso culto fica sem conteúdo. A falta de vida, de escuta sincera da Palavra de Deus, de amor ao irmão torna vazio nosso culto. O que dá conteúdo ao nosso culto é a fidelidade cotidiana, a atenção aos mais necessitados, a prática da misericórdia e da justiça, o empenho em ser parecido com Jesus: “Quero misericórdia e não sacrifício”. Ou lendo Tiago: “A religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 1,27).

“As doutrinas que ensinam são preceitos humanos”. A propósito destas palavras de Jesus, diz Pe. Antônio Pagola: “Em toda religião há tradições que são ‘humanas’. Normas, costumes, devoções que nascem para viver a religiosidade em determinada cultura. Podem fazer muito bem. Porém, fazem muito mal quando nos distraem e nos distanciam da Palavra de Deus. Nunca poderão ter a primazia. Ao terminar a citação do profeta Isaías, Jesus resume seu pensamento com palavras muito sérias: ‘Deixais de lado o mandamento de Deus para apegardes à tradição dos homens’. Quando nos apegamos cegamente a tradições humanas, corremos o risco de esquecer o mandamento do amor e nos desviarmos do seguimento a Jesus, Palavra de Deus encarnada. Na religião cristã o primeiro é sempre Jesus e seu chamado ao amor. Só depois vêm nossas tradições humanas, por mais importantes que possam parecer. Não podemos deixar o essencial cair no esquecimento”.

Pode ilustrar as tradições que distraem, por exemplo, os excessos nas vestes litúrgicas, os enfeites exagerados, a busca de brilho e de ritos inventados. Os elementos litúrgicos devem ajudar a entrar em comunhão com o Pai na celebração. Jamais cansar, distrair, desfocar do essencial da celebração, a Páscoa do Senhor. Outros elementos que matam o culto ou a celebração acontecem na celebração de alguns sacramentos como o matrimônio, o batismo, a primeira eucaristia, ordenação. Por vezes há um excesso de parafernália que não deixa a gente encontrar Jesus. Se se pergunta: “Onde estava Jesus naquela celebração?”, a resposta pode ser decepcionante. Fica parecendo um culto pagão. Os elementos do evangelho ficam ofuscados pelo brilho da vaidade, da autorreferencialidade, do sucesso, do narcisismo. É urgente revermos isso!

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CINQUENTENÁRIO DO MÊS DA BÍBLIA

Desde 1971 o mês de setembro é dedicado à Bíblia. Uma iniciativa da Arquidiocese de Belo Horizonte e que foi assumida pela CNBB em 1985. Portanto, estamos celebrando o 50º ano desta iniciativa tão iluminada!

Neste ano, o mês da Bíblia traz como tema a Carta de Paulo aos Gálatas e o lema é “Todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28d), extraído do “hino batismal”, descrito em Gl 3,26-28, quando Paulo afirma que todos são filhos e filhas de Deus. Portanto, pelo Batismo, as divisões foram superadas e, dessa forma, “não há mais judeu ou grego, nem escravo ou livre, nem macho ou fêmea”, pois somos um em Cristo Jesus.

Participe de um encontro de estudo sobre esse tema, entre num grupo de reflexão ou círculo bíblico, faça uma pesquisa/estudo em algum site católico sobre este tema etc. Faça o esforço de ler a Carta aos Gálatas. É bom termos diante dos olhos as palavras de São Jerônimo: “Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo”.

Pe. Aureliano de Moura  Lima, SDN

A oração que transforma

aureliano, 26.06.21

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13º Domingo do Tempo Comum [27 de junho de 2021]

   [Mc 5,21-43]

Continuando a leitura do evangelho de Marcos, Jesus mostra as consequências de uma fé verdadeira. O relato traz dois acontecimentos que mostram a bondade de Jesus e a atitude confiante de duas pessoas que dele se aproximam.

Aquela mulher não tem nome, como Jairo. Aproxima-se timidamente, receosa de ser enxotada ou recriminada, mas enfrenta-se a si mesma e a multidão. Não toca no Mestre, pois a Lei proibia o contato físico para quem sofria daquele tipo de enfermidade. Mas toca na roupa, por detrás. Não ousa colocar-se diante do Mestre. Não sente necessidade disso, tamanha sua confiança

Jesus não se faz de desentendido. Sente que alguém o tocou. É sensível aos pequenos e sofredores. Veio, preferivelmente, para estes. Os discípulos, porém não entenderam nada: “Estás vendo que a multidão te comprime e ainda perguntas: ‘Quem me tocou?’”. Jesus percebe a força que dele saiu em favor daquela mulher. Sua vinda ao mundo foi para dispensar sua ‘força’, suas energias em favor dos doentes, pobres e pecadores.

Este relato nos faz pensar naquelas pessoas de nossas comunidades que são discriminadas por causa de sua condição de raça, por ser pobre ou outra situação de vida. Talvez mais do que pensar nas pessoas, nos leva a pensar nas nossas atitudes de discriminação e desprezo para com aqueles que vem buscar uma palavra de conforto, um apoio necessário, um gesto de acolhida. Ainda mais: há muitas pessoas que sofrem terrivelmente na alma por causa de escrúpulos e condenações recebidas por parte de líderes religiosos que as jogam num inferno de dúvidas, angústias e desilusões.

O gesto acolhedor de Jesus aliado à prece humilde e confiante daquela anônima mulher sofredora, arrancou do coração de Deus o conforto para aquela alma sofredora. Uma comunidade que busca assumir a atitude de Jesus, acolhendo os pequenos e sofredores, certamente fará sair aquela ‘força’ divina que restaura e reanima os sofredores, restaurando-lhes a dignidade e a alegria de viver. Sem esses gestos, a comunidade perde totalmente seu sentido.

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A ORAÇÃO DE JAIRO

Outro relato significativo no texto de hoje é a cura da filha de Jairo. Este já tem nome, fala diretamente com Jesus, diferentemente da mulher anônima e que não fala com Jesus: somente o ‘toca’.

É interessante tecer algumas considerações em torno da oração. A primeira pergunta pode ser: a quem a gente reza? E outra pergunta: para que a gente reza? Os ‘Mestres da suspeita’ do século passado diziam que quando o homem se ajoelha em oração, ele se ajoelha diante de si mesmo. A oração seria uma espécie de busca de si mesmo diante da impotência frente ao mal ou à angústia da vida. Uma fuga, um ‘ópio’.

Se considerarmos atentamente o que esses homens considerados ateus diziam a respeito do cristão, encontramos aí alguma verdade. Muitas vezes a oração pode ser ateia ou idolátrica. Parece uma afirmação contraditória. Mas, se nossa oração visar ao nosso interesse próprio, à busca de nós mesmos, certamente é oração ateia, isto é, sem o Deus de Jesus; ou uma idolatria, quando criamos um deus à nossa imagem e semelhança. É como se a gente vivesse uma ilusão.

Segundo o evangelho de hoje, alguns da sinagoga queriam levar Jairo a desistir: “Tua filha morreu. Por que ainda incomodas o mestre?” Mas a palavra de Jesus foi reconfortante: “Não tenhas medo. Basta ter fé!”. Jairo não buscava a si mesmo. Ele se preocupava com a vida de sua filhinha, ainda menina. Firma-se confiante na palavra de Jesus. Este ‘levanta’ (ressuscita) aquela que estava morta.

Em ambos os episódios do evangelho deste domingo notamos o despertar da fé confiante na palavra e na pessoa de Jesus. A mulher hemorroíssa e a menina ‘adormecida’ recebem de Jesus a vida nova, o ‘toque’ proibido pela Lei e censurado pelos circunstantes, que lhes introduz numa relação, não mais de exclusão, de preconceito, de censura, mas de plena integração na comunidade que ele inicia com seus discípulos. Uma nova forma de relacionar-se com Deus na oração, traz uma nova forma de viver e de se relacionar com os irmãos.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Oração, Jejum e Esmola para a conversão

aureliano, 16.02.21

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Quarta-feira de Cinzas [17 de fevereiro de 2021]

[Mt 6,1-6.16-18]

Não nos é dado saber com certeza data e local precisos do surgimento da Quaresma na vida litúrgica da Igreja. O que sabemos é que ela foi se formando progressivamente. Estava entranhada na consciência dos cristãos a necessidade de dedicar um tempo em preparação à celebração da Páscoa do Senhor. As primeiras alusões a um período pré-pascal estão registradas lá pelo século IV. Consta também que, na Quinta-Feira Santa, acontecia a reconciliação dos pecadores; e que na Vigília Pascal se realizavam os batizados dos catecúmenos (aqueles que estavam preparados para o batismo). Esses dois costumes, vividos desde a antiguidade da fé cristã, vem mostrar que esse tempo nos remete à renovação das promessas batismais ou preparação para o batismo e a práticas penitenciais que nos levem a uma conversão profunda do coração.

A propósito desse elemento da história, o Concílio Vaticano II recomenda: “Tanto na liturgia quanto na catequese litúrgica, esclareça-se melhor a dupla índole quaresmal, que, principalmente pela lembrança ou preparação do batismo e pela penitência, fazendo os fiéis ouvirem com mais frequência a Palavra de Deus e entregarem-se à oração, os dispõe à celebração do Mistério Pascal. Por isso, utilizem-se com mais abundância os elementos batismais próprios da liturgia quaresmal; segundo as circunstâncias, restaurem-se certos elementos da tradição anterior. Diga-se o mesmo dos elementos penitenciais” (SC 109).

É bom entender que a Quaresma não é um tempo de práticas penitenciais ultrapassadas, mas é um tempo de experiência de um Deus que está vivo no nosso meio e quer que todos vivam: “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). Um tempo em que somos chamados a participar dos sofrimentos de Cristo para participarmos também de sua glória (cf. Rm 8,17). O acento não está, portanto, nas práticas de penitência, mas na graça santificadora do Senhor que nos convida todos os dias à conversão.

Por possuir um caráter fundamentalmente batismal, a Quaresma nos convida a entrar numa dinâmica de permanente conversão para nos mantermos no caminho encetado pelo batismo. Mortos com Cristo, ressuscitamos com ele para uma vida nova. Quem ressuscitou com Cristo busca as “coisas do alto”. Compromete-se com a vida de todas as pessoas, particularmente com aqueles que não contam, que não são visíveis aos olhos da sociedade, os “sobrantes”.

As três práticas propostas pela Igreja, com raiz na tradição judaica são a oração, o jejum e a esmola. Elas nos ajudam no processo de conversão.

O JEJUM quer nos ajudar a deixar de lado o consumismo proposto por uma sociedade governada por ricos e poderosos que querem ganhar sempre mais à custa dos pobres. Querem arrancar o pouco que o pobre tem. Neste tempo é bom a gente aprender a viver com pouco, a reaproveitar as coisas, a levar uma vida mais simples, mais sóbria. Não se trata de passar necessidade ou fome, pois não é isso que Deus quer. Mas a gente pode viver de modo mais simples sem entrar no modismo da sociedade consumista que mata e exclui. Mais do que jejuar, talvez fosse muito proveitoso evitar o desperdício, cuidar melhor de jogar o lixo na lixeira, manter limpo os espaços públicos; cuidar das fontes e rios; usar a água tratada com mais consciência, como dom do Pai; reutilizar lixo e água; tomar conhecimento dos biomas de nosso País e cuidar deles; preocupar-se e solidarizar-se com quem passa necessidade; superar toda forma de violência; ser mais terno e comedido nas palavras; evitar ofender, maldizer; ser mais paciente no trânsito; tomar as dores e defender aqueles que sofrem violência; promover a paz através do diálogo, da tolerância e do respeito às diferenças etc. Trata-se de um ‘esvaziar-se’ para encher-se dos sentimentos de Jesus; encher-se da bondade de Deus.

A ESMOLA quer despertar-nos para a solidariedade com os mais pobres. Uma conversão que nos torne capazes de partilhar com os outros os bens e os dons que temos. Que nos mobilize pelas causas justas, em favor dos menores, dos ‘invisíveis’, sem voz nem vez. É a luta contra a ganância que faz tantas vítimas em nosso meio. A esmola nos tira de nós mesmos e nos remete em direção dos irmãos pelo gesto da partilha solidária. Não se trata apenas de darmos algo de nós, mas darmo-nos a nós mesmos. A visita a um doente, idoso, pobre é um bom gesto que ajuda no processo de conversão. É a oferta do tempo que temos para nós e que doamos a alguém.

A ORAÇÃO nos coloca numa profunda comunhão com o Pai. Sem uma vida orientada pela oração não podemos construir um mundo de acordo com o sonho de Deus. E a oração verdadeira é aquela que nos coloca em sintonia com o querer de Deus, que nos move em direção aos pobres e sofredores. Ele veio “para que todos tenham vida”. Aproveitar esse tempo para reforçar a leitura orante da bíblia. Rezar todos os dias algum texto bíblico! Oramos não porque Deus desconhece nossas necessidades, mas porque queremos nos entregar a Ele e descobrir a melhor forma de servi-lo nos irmãos. A Leitura Orante ilumina nosso caminho, nossa vida. Oramos para nos colocarmos na presença de Deus gratuitamente, generosamente. Talvez fosse bom redistribuir o tempo despendido às redes sociais: não deixar que os bate-papos da internet roubem o tempo da oração.

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A Campanha da Fraternidade desse ano tem como tema a “Fraternidade e diálogo, compromisso de amor”, com o lema: “Cristo é nossa Paz: do que era dividido, fez uma unidade” (Ef 2,14a). Vou reproduzir um relato do Texto-Base que retrata a importância do respeito e ajuda mútua entre pessoas de religiões diferentes. Uma experiência inspiradora e iluminadora.

 “Uma das grandes belezas do Brasil é a sua diversidade religiosa. No entanto, nem sempre se reconhece o valor desta força pulsante que nos caracteriza. Ao longo do Texto-Base, lemos sobre o racismo religioso que é a intolerância dirigida para religiões características de uma determinada raça e etnia. Esse e o caso da intolerância contra as religiões de matriz africana.

No ano de 2016, na cidade de Brasília, um Terreiro bastante conhecido foi incendiado em consequência de intolerância. Nesse Terreiro, eram desenvolvidos vários projetos sociais, principalmente com jovens. Alguns dias após o incêndio, a diretoria do CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs) reuniu-se em Brasília para uma de suas reuniões anuais. Nos mesmos dias, ocorreu o Congresso Nacional da Juventude, que contou com a participação de jovens das Igrejas membros do CONIC. Decidimos, junto com a Iniciativa das Religiões Unidas, realizar uma visita de solidariedade à Mãe de Santo responsável pelo Terreiro. Ligamos para ela perguntando o que poderíamos levar para minimizar as perdas provocadas pelo incêndio. Ela pediu uma muda de Pau-Brasil, pois entre as várias árvores que ela tinha no Terreiro essa era uma que ainda faltava. Conseguimos a muda e nos organizamos para ir. Participaram da visita aproximadamente 20 lideranças religiosas de diferentes Igrejas, entre pessoas ordenadas e leigas. A Mãe de Santo nos contou a história do Terreiro, mostrou a área queimada, falou sobre os projetos que desenvolvia e que precisaram ser interrompidos e do impacto disso na vida de jovens pobres. Falou da dor que sentia por ver seu espaço sagrado destruído e que se sentia agradecida por ninguém ter sido ferido. No cair da tarde, fomos plantar a árvore que levamos para ela. O local do plantio já estava devidamente preparado. Plantamos a árvore ao pôr do sol, com tambores tocando e celebrando o plantio da árvore, símbolo da amizade e do diálogo. Foi um momento bastante forte e significativo. Depois disso, todos os anos, celebramos o aniversário da árvore que se tornou uma marca do respeito entre as religiões” (Texto-Base, p. 57-58).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Fidelidade em meio às tentações

aureliano, 28.02.20

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1º Domingo da Quaresma [1º de março de 2020]

[Mt 4,1-11]

O tempo da Quaresma nos remete aos quarenta anos de travessia do deserto pelo Povo de Israel. Tempo e lugar de provação, de cansaço, de dor, de carências e privações. Lugar de encontro com Deus e com o Diabo. Lugar de fortalecer as raízes no caminho do bem. Por que não dizer que o deserto é também o nosso cotidiano? As desordens da vida, as seduções, as provações, as aflições e desafios que a vida nos coloca são nosso deserto. A quem recorremos? Como lidamos? De que armas nos servimos? Por quem optamos? De que lado nos colocamos?

Jesus faz essa experiência: quarenta dias se preparando para a missão. Esse tempo representa toda a sua vida que foi tempo de prova, das tentações de um messianismo sectário, mas também de experiência do Pai a quem foi sempre fiel.

As tentações de Jesus são também as nossas. O tentador quer levá-lo a desviar-se do projeto do Pai. Primeiro sugere-lhe transformar a pedra em pão. Jesus não veio para si, mas para todos. Não veio fazer milagres; veio anunciar um Reino de partilha fundado na vivência da Palavra de Deus. Quem se alimenta da Palavra de Deus partilha, multiplica, solidariza-se. “Vê, sente compaixão e cuida da pessoa” (Lc 10,33-34). Não vive em função de si, mas do Reino do Pai.

A segunda tentação coloca Jesus no ponto mais alto do Templo sugerindo que ele se lance dali, pois os anjos o tomarão nas mãos. É a tentação da busca de prestígio pessoal, da fama, da ostentação de poder, de capricho próprio. É a tentação de deixar tudo por conta de Deus, de lançar-se na vida sem as devidas precauções, pensando que Deus deve fazer tudo por nós, sem nenhum esforço de nossa parte. Ou seja, não se pode jogar para Deus aquilo que é responsabilidade do ser humano. Essa tentação mostra explicitamente o uso da religião para busca de sucesso. Quanta gente anda atrás de promessa, de milagres, de adivinhações etc. Na verdade, cada um deveria assumir seu papel na sociedade. Como cristãos o Senhor nos chama a lançar sobre o mundo um olhar de misericórdia. Ele nos convida a deixarmos de buscar a nós mesmos, nosso bem-estar, nossos desejos realizados, nosso sucesso e voltarmos nosso olhar para fora, para o outro. O rosto do outro precisa me interpelar, me incomodar e me desacomodar. Essa foi a atitude que Jesus assumiu diante do Pai.  É diabólico organizar uma religião como um sistema de crenças e práticas para se conseguir segurança. Não se constrói um mundo mais humano refugiando-se cada um em sua religião. É preciso arriscar-se confiando em Deus, como Jesus.

A terceira e última tentação é a de servir ao projeto do diabo, abandonando o projeto de Deus em troca de poder e glória mundanos. São aquelas tentações que sofremos diante de possibilidade de ganhar mais dinheiro, de ter mais, de dominar mais, com prejuízo para muitos. É trocar o projeto do Pai pelo próprio projeto egoísta e consumista. É aquela situação que nos possibilita crescer dando prejuízo aos outros; que leva a abandonar a família, os filhos para vantagem pessoal, deixando muitos no sofrimento. É a exploração irresponsável da natureza com prejuízo para o meio ambiente: a terra geme dores de agonia. É também a troca de projetos de políticas públicas que tiram milhões da miséria, por projetos de políticas capitalistas que entregam bens e serviços nas mãos de banqueiros, latifundiários, empresários e políticos sem consciência que só pensam em tirar proveito dos espaços de poder.

Estão aí as tentações de Jesus que são também nossas. Ele as venceu todas pela força da Palavra, da oração, da comunhão profunda com o Pai. E nós? Quais são os instrumentos de que lançamos mão para vencer as tentações do poder, da glória, do consumismo? Como está nossa vida de oração? Que lugar ocupa a Palavra de Deus em nossa vida? Quanto tempo tiramos por dia para fazer oração? Quanto tempo reservamos para a comunidade, para o serviço gratuito, generoso? Quando nos ocorre uma tentação, que fazemos? De que nos valemos?

Quaresma é tempo de revisão de vida, de conversão, de convergir as forças para o “único necessário” (cf. Lc 10,42). É bom que cada um de nós verifique qual pecado precisa ser excluído de sua vida a fim de curar as feridas que por vezes provocou no coração e na vida dos irmãos.

*Campanha da Fraternidade 2020: “Na parábola dos trabalhadores da décima primeira hora (Mt 20,1-11), encontramos um exemplo de justiça restaurativa. Aquele que saiu à procura de trabalhadores para sua vinha contratou vários operários ao longo de todo o dia. No entardecer, na hora do pagamento, os primeiros a serem chamados pensam que, por merecimento, deveriam receber mais do que aqueles que chegaram ao findar do dia. Foi então que o dono da vinha surpreendeu a todos, pois para ele, não havia diferença. Todos receberam o mesmo valor pelo serviço prestado. Para o dono da vinha, as pessoas não são classificadas em razão do que podem render pelos serviços prestados. São classificas a partir de um amor que é graça radical que as considera, simplesmente, porque elas existem” (Texto-base, 127).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Como está minha vida cristã?

aureliano, 24.02.20

Quarta-feira de cinzas - 2020.jpg

Quarta-feira de Cinzas [26 de fevereiro de 2020]

[Mt 6,1-6.16-18]

Não nos é dado saber, com absoluta certeza, data e local precisos do surgimento da Quaresma na vida litúrgica da Igreja. O que sabemos é que esse tempo litúrgico foi se formando progressivamente. Estava entranhada na consciência dos cristãos a necessidade de dedicar um tempo em preparação à celebração da Páscoa do Senhor. As primeiras alusões a um período pré-pascal estão registradas lá pelo século IV. Consta também que, na Quinta-Feira Santa, acontecia a reconciliação dos pecadores; e que na Vigília Pascal se realizavam os batizados dos catecúmenos (aqueles que estavam preparados para o batismo). Essas duas práticas litúrgicas, celebradas desde a antiguidade da fé cristã, vêm mostrar que esse tempo nos remete à renovação das promessas batismais ou preparação para o batismo e a práticas penitenciais que nos levem a uma conversão profunda do coração. Portanto, batismo e penitência/conversão.

A propósito desse elemento da história, o Concílio Vaticano II recomenda: “Tanto na liturgia quanto na catequese litúrgica, esclareça-se melhor a dupla índole quaresmal, que, principalmente pela lembrança ou preparação do batismo e pela penitência, fazendo os fiéis ouvirem com mais frequência a palavra de Deus e entregarem-se à oração, os dispõe à celebração do Mistério Pascal. Por isso, utilizem-se com mais abundância os elementos batismais próprios da liturgia quaresmal; segundo as circunstâncias, restaurem-se certos elementos da tradição anterior. Diga-se o mesmo dos elementos penitenciais” (SC 109).

É bom entender que a Quaresma não é um tempo de práticas penitenciais, mas é um tempo de experiência de um Deus que está vivo no nosso meio e quer que todos vivam: “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). Um tempo em que somos chamados a participar dos sofrimentos de Cristo para participarmos também de sua glória (cf. Rm 8,17). O acento não está, portanto, nas práticas de penitência, mas na graça santificadora do Senhor que nos convida todos os dias à conversão. A penitência ajuda a predispor nosso coração à conversão.

Por possuir um caráter fundamentalmente batismal, a Quaresma nos convida a entrar numa dinâmica de permanente conversão para nos mantermos no caminho encetado pelo batismo. Mortos com Cristo, ressuscitamos com ele para uma vida nova. Quem ressuscitou com Cristo busca as “coisas do alto”. Compromete-se com a vida de todas as pessoas, particularmente com aqueles que não contam, que não são visíveis aos olhos da sociedade, os “sobrantes”, os sem importância. Esse foi o caminho de Jesus!

As três práticas propostas pela Igreja, com raiz na tradição judaica são a oração, o jejum e a esmola. Elas ajudam no processo da conversão cotidiana em que o cristão deve sempre se empenhar.

O JEJUM quer nos ajudar a deixar de lado o consumismo proposto por uma sociedade governada por ricos e poderosos que querem ganhar sempre mais à custa dos pobres. Querem arrancar o pouco que o pobre tem. Neste tempo é bom a gente aprender a viver com pouco, a reaproveitar as coisas, a levar uma vida mais simples, mais sóbria. Não se trata de passar necessidade ou fome, pois não é isso que Deus quer. - O jejum de alimento nos ajuda a solidarizarmos com quem não pode tomar três refeições diárias! - Podemos viver de modo mais simples sem entrar no modismo da sociedade consumista que mata e exclui. Além de jejuar, talvez fosse muito proveitoso também evitar o desperdício, manter limpos os espaços públicos; cuidar dos rios e nascentes; usar a água com mais consciência, como dom do Pai; reutilizar lixo; preocupar-se e solidarizar-se com quem passa necessidade; tomar conhecimento das políticas públicas e empenhar-se nelas pelo bem dos mais pobres; superar toda forma de violência; ser mais terno e comedido nas palavras; evitar ofender, maldizer; ser mais paciente no trânsito; tomar as dores e defender aqueles que sofrem violência etc. Trata-se de um ‘esvaziar-se’ para encher-se dos sentimentos de Jesus; encher-se da bondade de Deus. “O homem bom, do bom tesouro do coração tira o que é bom” (Lc 6,45).

A ESMOLA quer despertar-nos para a solidariedade com os mais pobres. Uma conversão que nos torne capazes de partilhar com os outros os bens e os dons que temos. Que nos mobilize pelas causas justas, em favor dos menores, sem voz nem vez. É a luta contra a ganância que faz tantas vítimas em nosso meio. A esmola nos tira de nós mesmos e nos remete em direção dos irmãos pelo gesto da partilha solidária. Não se trata apenas de darmos algo que temos, mas darmo-nos a nós mesmos. A visita a um doente, idoso, pobre é um bom gesto que ajuda no processo de conversão. Participar de ONGs, associações de bairros, conselhos comunitários e iniciativas de promoção do bem comum. É a oferta do tempo que temos para nós e que doamos a alguém, a alguma causa nobre.

A ORAÇÃO nos coloca numa profunda comunhão com o Pai. Sem uma vida orientada pela oração não podemos construir um mundo de acordo com o sonho de Deus. E a oração verdadeira é aquela que nos coloca em sintonia com o querer de Deus, que nos move em direção aos pobres e sofredores. Ele veio “para que todos tenham vida”. Aproveitar esse tempo para reforçar a leitura orante da bíblia. Rezar todos os dias algum texto bíblico! Oramos não porque Deus desconhece nossas necessidades, mas porque queremos nos entregar a Ele e descobrir a melhor forma de servi-lo nos irmãos. A Leitura Orante ilumina nosso caminho, nossa vida. Oramos para nos colocarmos na presença de Deus gratuitamente, generosamente. Talvez fosse bom redistribuir o tempo despendido nas redes sociais: não deixar que os bate-papos e curiosidades das mídias sociais roubem o tempo da oração.

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A Campanha da Fraternidade desse ano tem como tema “Fraternidade e vida: dom e compromisso”, cujo lema reza: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34). A parábola do Bom Samaritano nos coloca a realidade do próximo que precisa de nossos cuidados. “A vida é essencialmente samaritana tal qual o homem que interrompeu sua rotina de quem estava caído à beira do caminho (Lc 10,25-37). Não se pode viver a vida passando ao largo das dores dos irmãos e irmãs” (Texto-Base, Apresentação).

“O rompimento da indiferença torna o samaritano mais humano. A compaixão expressa o zelo aos moldes de Deus: aproximar-se e fazer-se útil ao outro. Servi-lo! Ver, sentir compaixão e cuidar apresentam-se como um autêntico Programa quaresmal:

  1. Escuta da Palavra que converte o coração;
  2. Verdadeira atenção pelos outros;
  3. Romper com a indiferença frente ao sofrimento;
  4. Disponibilidade para o serviço”; (Texto-Base, 15).

“Não te rendas à noite (...) o mundo caminha graças ao olhar de tantos homens que abriram frestas, que construíram pontes, que sonharam e acreditaram; mesmo quando ao seu redor ouviam palavras de escárnio” (Papa Francisco, Texto-Base, 225).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Qual é a postura acertada diante de Deus?

aureliano, 25.10.19

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30º Domingo do Tempo Comum [27 de outubro de 2019]

[Lc 18,9-14]

Essa é uma pergunta de fundo da parábola de hoje: que postura de vida agrada a Deus? O fariseu era um religioso fiel, dedicado, comprometido com o que determinava a Lei. Era, de alguma forma, ‘impecável’. Já o publicano não era exemplo de vida. Um cobrador de impostos malvisto pelos correligionários, tirava proveito de uma situação política para arranjar recursos ou para enriquecer-se ou para sobreviver às penúrias da dominação romana. Mas este volta para casa justificado.

Os dois vão ao mesmo templo, com o ‘mesmo objetivo’ e começam sua oração com a mesma invocação “ó Deus”. O conteúdo da oração deles é que determina a intencionalidade, a postura de fé. O primeiro eleva uma oração belíssima, de louvor e de ação de graças, completa do ponto de vista da estrutura literário-litúrgica, mas totalmente autossuficiente, orgulhosa, reveladora de uma prática religiosa que não leva em conta nem a Deus nem o próximo. Coloca-se no centro, dirige-se a si mesmo. O segundo, porém, coloca-se em atitude de dependência e necessidade da misericórdia de Deus. Mostra-se verdadeiramente um homem de fé porque deposita toda sua confiança em Deus. Não atribui nada a si mesmo. Reconhece-se pecador e quer retomar o caminho da vida e da salvação. E sabe que isso não depende somente dele, mas, sobretudo do Pai compassivo.

A oração do fariseu não leva em conta ninguém mais a não ser a si mesmo. Não pensa nos pobres, nos pequenos, nos excluídos. Julga que, observando as práticas externas da Lei, já está agradando o Criador. No entanto, Jesus ensina que não basta uma prática externa da Lei. É preciso de uma vida que acompanhe a oração. Ou melhor, é preciso de uma oração que informe a vida para lhe dar sentido. Oração que chega ao coração do Pai é aquela que brota de uma alma humilde, pequena, simples, confiante, misericordiosa, preocupada com as necessidades dos irmãos.

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É DEUS QUEM NOS FAZ JUSTOS

 Estamos caminhando para o final do mês missionário. Às vezes se tem uma visão deturpada de missão. Isto parece dever-se ao fato de ter-nos sido imposta pelos colonizadores europeus uma cultura que, em nome da fé, sacrificou muitas vidas. Ficamos então pensando que fazer missão é pregar para os outros, impondo nossa maneira de pensar e de viver. Fazer todo mundo ir para a igreja, ser católico etc. Hoje entendemos que as “sementes do Verbo”, isto é, o próprio Deus já está presente nas pessoas e nas comunidades. Resta-nos ajudar a descobrir, pela força da Palavra, Sua presença nessas realidades e não deixar que o pecado, fruto do egoísmo humano, mate ou devaste a beleza do Criador em cada ser humano.

Nossa ação missionária se dá de diversas formas: pela oração, pela visita, pela acolhida, pelo trabalho na comunidade, pelo perdão, pelo jeito de trabalhar e de realizar o cotidiano, pela honestidade no trabalho e nos negócios, por uma vida digna e honrada aos olhos de Deus, marcados pelos “sentimentos que havia em Jesus Cristo” (Fl 2,5).

Quando Jesus, no evangelho deste domingo, fala a respeito de duas posturas (fariseu e publicano) distintas na oração, quer nos mostrar que não basta praticar uma religião de modo formal apenas, mas é preciso reconhecer nossa realidade diante de Deus. Ninguém pode salvar-se sozinho, ou seja, entrar na amizade de Deus por conta própria. A primeira atitude deve ser de reconhecer nossa impotência diante de Deus e abrir-nos ao seu amor.

Os fariseus, termo que significa separado, constituíam um grupo que buscava observar fielmente a Torah (o Ensinamento de Deus). Eram pessoas bem intencionadas e até estimadas pelo povo com quem trabalhavam. O problema é que eles se tornaram muito rigorosos com aqueles que, por motivo de pressão dos dominadores romanos, não observavam a Lei com todo o rigor. Estabelecia-se entre eles e os publicanos uma distância, até mesmo uma inimizade.

Jesus quer mostrar que não basta cumprir a Lei pela Lei, mas é preciso colocar-se numa relação amorosa. O que conta mesmo é o amor.

A conclusão da parábola nos leva a compreender por que o publicano voltou justificado para casa: ele se reconheceu pecador, necessitado da misericórdia de Deus na qual acreditava. Reconhecer-se pecador e clamar por misericórdia é demonstrar a necessidade de ser ajudado, amparado por Deus. E Deus se dá a conhecer no perdão, na vida nova que ele concede a quem a busca nele, com humildade. O que nos justifica diante de Deus não são nossos méritos, mas a bondade de Deus que nos fortalece para a prática da justiça: a caridade.

Ser missionário não é uma questão de opção, mas é intrínseca à fé cristã. O cristão não pode dizer que não quer ser missionário. Ser cristão implica necessariamente a missão. É resultado de um amor que transborda de dentro de nós e nos faz inquietos. O que é bom para mim, faz sentido para mim, me enche de alegria interior quero-o também para os outros. ”Dai de graça o que de graça recebestes”. Isto é missão.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN