“Escutai o que Ele diz”
2º Domingo da Quaresma [13 de março de 2022]
[Lc 9,28b-36]
O segundo domingo da quaresma apresenta-nos o relato da Transfiguração do Senhor. Antes de tudo é preciso notar que Jesus “subiu a montanha para rezar”. Lucas é o evangelista que mostra a particularidade da oração na vida de Jesus. E não vai rezar sozinho desta vez. Leva consigo alguns dos discípulos. Na oração, seu rosto se transfigura e sua roupa torna-se brilhante. Parece que este relato quer-nos dizer que nossa oração precisa nos transfigurar, nos encher de luz. Fomos iluminados no batismo. Essa luz precisa ganhar cada vez mais força. É a luz de Deus. O pecado quer sempre obscurecê-la. Por isso a necessidade da luta permanente contra o pecado, pois obscurece a mente e o coração.
A propósito do pecado que obscurece a mente e endurece o coração, podemos interpretar que, ao chamar esses três - Pedro, Thiago e João - Jesus tencionava trabalhar o coração deles para melhor compreensão de sua pessoa e missão. Pedro queria demover Jesus do caminho de fidelidade ao Pai (cf. Mt 16,22); renegou o Mestre (Jo 18,17); recusou que lhe lavasse os pés (Jo 13,6-9). Thiago e João, filhos de Zebedeu, pediram para ocupar os primeiros lugares, ambicionando poder e glória (Mc 10,35ss). Pediram castigo para aqueles samaritanos que se recusaram receber Jesus (cf. Lc 9,54). Enfim, esses três precisavam de fazer uma experiência mais profunda a fim de perceberem quem era mesmo Jesus. Então não foram chamados e escolhidos para estarem com o Mestre por serem melhores do que os outros, mas por necessitarem de fazer um caminho de luz e conversão. Nas palavras do Evangelho, precisavam ser transfigurados.
A sonolência de Pedro e demais companheiros simbolizam nossa indolência diante da graça e da vida em Deus. Paulo, que compreendeu bem a oposição entre pecado e graça, trevas e luz, exorta: “Eis a hora de sairdes do vosso sono; hoje, com efeito, a salvação está mais próxima de nós do que no momento em que abraçamos a fé. A noite vai adiantada, o dia está bem próximo. Rejeitemos as obras das trevas e revistamos as armas da luz. Comportemo-nos, honestamente, como em pleno dia, sem comezainas nem bebedeiras, sem licenciosidades nem devassidões, sem brigas nem invejas. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Rm 13,11-13).
Diante da beleza contemplada, Pedro manifesta o desejo de ficar por ali: “Mestre, é bom estarmos aqui”. Mas ele “não sabia o que estava dizendo”. Pensava que era suficiente estar na montanha em oração. Não queria “descer para Nazaré”. As “Nazarés” da vida são o lugar de confronto com aquilo que rezamos no “monte”. Uma oração que não se encarna na realidade, no cotidiano da vida, não faz sentido. É oca, vazia, alienante como os ídolos que são um “nada” (1Cor 8,4; Sl 96,5). Buscamos a Deus para enfrentar os embates da vida e estes nos fazem buscar a Deus.
Além do mais, Pedro pensou em três tendas iguais. Não soube distinguir o rosto do Senhor. Moisés e Elias não estavam no mesmo nível de Jesus. Seus rostos não resplandeciam. É preciso distinguir o rosto do Senhor. A palavra do Pai é reveladora do seu Filho: alguém a quem se deve escutar: “Este é o meu Filho, o Eleito; ouvi-o” (Lc 9,35). Jesus deve ser sempre ouvido. Nossas decisões, atitudes, gestos devem se inspirar nele.
O rosto transfigurado de Jesus nos leva a pensar nos rostos desfigurados de tantos sofredores, oprimidos, esquecidos, “invisíveis”, marginalizados, vítimas das tragédias-crime. Sobretudo de rostos de jovens violentados, assassinados, desencaminhados, desesperançados, usados, desiludidos. Os rostos dos idosos abandonados, maltratados, incompreendidos, desprezados. Rostos de estudantes sem vibração, desiludidos, amedrontados, sem sonhos. Rostos de educadores cansados, desvalorizados, desencantados. O rosto da Mãe Terra envenenada, maltratada, sucateada. Tanto a Casa Comum como as pessoas esperam por uma reconfiguração à imagem de Jesus. Essa missão é nossa. Como dar uma figura renovada a esses rostos? O que estamos fazendo?
A voz que brota da nuvem confirma Aquele que foi transfigurado: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que ele diz”. Jesus, transfigurado na montanha, mostrou aos discípulos a beleza de sua interioridade. Habitado pelo Pai e pelo Espírito Santo. Portanto, eles podiam ouvi-lo e segui-lo sem medo, pois é o Filho querido do Pai. Não vão se decepcionar nem se frustrar. É habitado pela divindade e quer transmiti-la àqueles que nele acreditam e o seguem. Quem se compromete com Jesus é tomado por essa Luz e será também transfigurado na ressurreição dos justos.
Ali estavam Moisés e Elias, figuras representativas da Antiga Aliança: a Lei e o Profetismo. A voz do Pai, porém, não pede para ouvi-los, e sim, o Filho. Escutar o que Jesus diz é o que dá identidade à fé cristã. Não basta olhar para Jesus. Não basta admirar a vida que ele levou nem o que ele fez. É preciso nos comprometermos com ele, ouvindo e colocando em prática seus ensinamentos. Assumindo em nossa vida a forma de vida de Jesus (cf. Fl 2,5).
A escuta deve ser a primeira atitude do discípulo. Ouvir é interiorizar, colocar dentro do coração aquela realidade que cremos, em que esperamos. No meio da nuvem os discípulos ficaram com medo. E escutaram a “voz” que lhes trouxe conforto e esperança. Assim também ocorre conosco: em tempos nebulosos, e acometidos pelo medo, o Senhor sempre suscitará uma “voz” e pronunciará uma palavra que desperta a esperança e afugenta o medo. Em tempos de proclamação de muitas vozes, há que se retirar ao “monte” para ouvir e discernir a voz do Pai. Jesus é a voz, a palavra do Pai. Escutemo-lo. Confiemos nele. Ele não nos decepciona!
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN