A palavra de Jesus e as “águas profundas”
5º Domingo do Tempo Comum [09 de fevereiro de 2025]
[Lc 5,1-11]
Nos últimos dois domingos rezamos e refletimos a pessoa de Jesus, o Ungido do Pai, enviado para evangelizar os pobres. Enfrenta rejeição em sua própria terra e entre seus parentes e familiares. “O profeta só não é bem aceito em sua própria terra”. O ungido de Deus para evangelizar os pobres é desprezado e perseguido na sua missão entre os seus.
No relato deste domingo, Lucas coloca Jesus em outra terra: às margens do lago de Genezaré. Aqui é ouvido por uma multidão que se aperta ao seu redor. Um detalhe interessante que não pode passar despercebido: as pessoas estavam ali “para ouvir a palavra de Deus”. Ao passo que, na sinagoga de Nazaré, o pessoal estava à cata de milagres: “Faze em tua terra o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum”. – Uma pergunta desconcertante: “Você frequenta a igreja para ouvir a Palavra de Deus e entrar num caminho de conversão ou para receber milagres e favores?”
No relato de hoje aparecem duas cenas: o anúncio da palavra de Deus às multidões e a pesca milagrosa. Dois acontecimentos que iluminam a caminhada e a missão da Igreja. A Palavra de Deus ilumina, aquece, inspira, fortalece, perdoa, abre caminhos. Por isso Simão Pedro dirá: “Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes”.
O trabalho sem a presença de Deus, sem a iluminação de sua Palavra, é inútil. Já rezava o salmista: “A salvação dos justos vem do Senhor, sua fortaleza no tempo da angústia. O Senhor os ajuda e liberta, ele vai libertá-los dos ímpios e salvá-los, porque neles se abrigaram” ”(Sl 37,39-40). E ainda: “Nosso refúgio e rocha firme é o Senhor” (Sl 62,8). E em outro lugar: “Se o Senhor não construir nossa cidade, em vão trabalharão os construtores” (Sl 127,1). Por isso Pedro e os demais pescadores, ainda que peritos no mar e na pesca, não conseguiram nada. – Outra pergunta: “Que lugar ocupa a Palavra de Deus na sua vida? E nas reuniões pastorais? Tem prioridade sobre trabalho, lazer e Redes Sociais?”
Esse relato quer mostrar à Igreja iniciante, representada na Barca de Simão, que a autossuficiência era a causa de prováveis desânimos na comunidade. Certamente a Palavra de Jesus, a confiança nele, a convicção de que os êxitos devem ser atribuídos a ele estavam meio distantes do horizonte da comunidade. O que os levava a voltar desanimados da “pesca”. A autossuficiência é uma praga que acaba com a comunidade, com a família, com a pessoa. Todo aquele que julga bastar-se a si mesmo, acha que não precisa de mais nada nem de ninguém, que tem todo conhecimento e dinheiro para sobreviver, que não aceita opinião nem sugestão de ninguém, está cavando seu próprio inferno e sendo um inferno para sua família e comunidade.
A abertura de Pedro, velho e experimentado pescador, em acolher a palavra de um “carpinteiro”, questiona nossos fechamentos e cabeça dura diante do novo que nos interpela. Uma mudança de época exige novos métodos de evangelização. Se as pessoas estão se afastando do evangelho, ou mesmo usando o evangelho para justificar suas falcatruas, é sinal de que precisamos rever nossa maneira de evangelizar. A “pesca” precisa ser diferente. A presença de Jesus deve ser mais concreta, real. Ele precisa “estar na barca”. A confiança nele precisa ser redobrada. O trabalho precisa ser feito em nome dele e para ele: “Em atenção à tua palavra vou lançar as redes”. Parece ser urgente retomar o lema de Carlos de Foucauld: “Gritar o evangelho com a vida”.
São Paulo VI, em 1975, ensinava: “E antes de mais nada, sem querermos estar a repetir tudo aquilo já recordado anteriormente, é conveniente realçar isto; para a Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização. ‘O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas’. São Pedro exprimia isto mesmo muito bem, quando evocava o espetáculo de uma vida pura e respeitável, ‘para que, se alguns não obedecem à Palavra, venham a ser conquistados sem palavras, pelo procedimento’. Será pois, pelo seu comportamento, pela sua vida, que a Igreja há de, antes de mais nada, evangelizar este mundo; ou seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao Senhor Jesus, testemunho de pobreza, de desapego e de liberdade frente aos poderes deste mundo; numa palavra, testemunho de santidade” (Evangelii Nuntiandi, 41).
Diante do milagre operado pela palavra do “filho do carpinteiro”, Pedro se lança aos pés de Jesus e se reconhece frágil, pecador: “Senhor, afasta-te de mim porque sou um pecador”. Notem a atitude de Jesus: diante do pedido de Pedro para que Jesus se afaste, este se aproxima ainda mais: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens”. Essa atitude de Jesus revela a bondade e a misericórdia do Pai. O Deus de Jesus não é o Deus terrível que espanta, que amedronta, que se mantém distante. Ele está perto e diz: “Não tenhas medo!”. E ainda lhe dá uma missão. Jesus quer que aqueles discípulos sejam continuadores de sua missão no mundo. É a missão da Igreja. Perdoar o pecado. Expulsar o fantasma do medo. Ajudar a pessoas a viverem com alegria, encanto e dignidade.
As “águas profundas” por vezes espantam. É preciso ser forte e confiante para entrar em ambientes e situações desconhecidas, ameaçadoras. Mas os “peixes” estão lá. A gente muitas vezes prefere ficar com aquelas mesmas pessoas de sempre, que frequentam nossa capela/comunidade. Residem no bairro ou córrego duas mil pessoas. Mas nos contentamos com as oitenta que frequentam nossa comunidade. Ao passo que Jesus diz: “Avancem para águas mais profundas”. Além disso, o Papa Francisco nos convida a irmos às “periferias existenciais”. Ou seja, há realidades difíceis, terríveis, destruidoras de vida, dolorosas que precisam da presença missionária: “águas profundas...”.
A atitude dos primeiros discípulos de Jesus nos convida a rever nossos apegos. “Levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus”. Quais são os apegos que não nos deixam avançar? A Sagrada Escritura diz: “Não seja o vosso proceder inspirado pelo amor ao dinheiro” (Hb 13,5). E em outro lugar: “Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perde sua vida por causa de mim, vai salvá-la” (Lc 9,24). Como está o nosso seguimento a Jesus? Que coisas precisamos abandonar?
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN