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aurelius

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Como você se relaciona com o dinheiro?

aureliano, 12.10.24

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28º Domingo do Tempo Comum [13 de outubro 2024]

   [Mc 10,17-30]

No evangelho do domingo passado refletimos sobre Jesus orientando a vida familiar. A relação conjugal não se fundamenta numa relação de dominação, mas de respeito, de corresponsabilidade, de ajuda mútua. Em síntese, marido e mulher são co-criadores com o Pai.

Neste domingo, prosseguindo a leitura do evangelho de Marcos, Jesus continua a instruir seus discípulos para que a vida deles seja um marco diferencial na sociedade e na história. O cristão precisa fazer a diferença. Agora Jesus ensina a se relacionar com os bens. Realidade muito próxima do casamento. A gente sabe que muitas crises no relacionamento conjugal brotam da relação e gestão dos bens, da casa, do dinheiro. Quantas brigas por conta de dívidas, por conta de diferença de salários, por conta de compra e venda! Quanta confusão, depois da separação, por causa de bens e de pensão! Quanta confusão e, por vezes, morte por causa de herança! Então vamos acompanhar a orientação de Jesus a respeito desse caminho que o discípulo deve fazer.

Esse moço que recorre a Jesus se preocupa com a vida eterna. Não lhe interessa tanto a vida presente uma vez que os bens já lhe estão garantidos. Primeiramente Jesus faz com que sua atenção se volte para o Pai e não tanto para Jesus: “Só Deus é bom”. Os mandamentos da Lei relativos ao próximo ele os tem observado. Notamos, porém, que os Dez Mandamentos não foram citados. Apenas alguns e mesmo assim naquela conotação negativa: “não”. Então lhe faltava a dimensão positiva da vida. Ele observava a Lei, mas não sabia partilhar. Não tinha gratuidade. Não tinha plena consciência e conhecimento do que estava fazendo. Observava a lei por costume e tradição. Como aqueles casos muito comuns entre nós: “Por que você quer batizar seu filho?” Ou “Por que você é católico?” A resposta normalmente ecoa: “Porque todo mundo batiza” Ou “Porque meu pai é católico”. Ou simplesmente: “Por que nasci numa tradição católica”. E por aí se vai. Uma fé sem fundamento, sem gratuidade, sem generosidade, sem conhecimento, sem razão, sem convicção e decisão livre e consciente.

Jesus quis ajudar aquele homem a dar um passo decisivo na vida. É algo que faz parte integrante da fé cristã: o desapego dos bens e o espírito de partilha. “Vai, vende tudo o que tens. Dá o dinheiro aos pobres. Depois vem e segue-me”. Não basta, pois, dividir os bens com os pobres. É preciso seguir a Jesus. O seguimento de Jesus é que caracteriza o cristão. Poder-se-iam distribuir os bens por vaidade. E nesse aspecto Paulo já alertara: “Ainda que eu desse todos os meus bens aos pobres; se não tivesse amor, isso de nada valeria” (1Cor 13,3).

No desenrolar do texto Jesus percebe a dificuldade de o rico entrar no Reino. Jesus não está falando de vida depois da morte, não. Ele está falando do Reino de Deus. A vida eterna começa aqui, com a erupção do Reino de Deus. Quem não se desapega, como aquele moço que não teve coragem de se desvencilhar dos bens, não pode entrar na vida de Deus. A vida eterna é a vida em Deus.

A salvação é dom de Deus: “Para Deus tudo é possível”. Ninguém compra a vida de Deus, repartindo seus bens, fazendo caridade etc. Deus nos salva de graça. Porém nossos gestos de bondade, de generosidade, de partilha, de perdão, de tolerância, de respeito, de solidariedade são nossa resposta à bondade de Deus que nos salva. Quem vive preso às suas coisas, fechado em si mesmo, indiferente ao sofrimento alheio ou, pior ainda, buscando sempre oportunidades para aumentar suas posses, defraudando os outros, extorquindo, sonegando impostos, deixando de cumprir com as obrigações sociais de seus funcionários, está cada vez mais longe do Reino de Deus, da salvação. Sua vida está atravancando a ação salvadora de Deus. É uma pedra de tropeço, um escândalo, que impede a vida de florescer. Mata a alegria e as esperanças das pessoas.

Na prática, cada um de nós podia dar uma olhadinha no modo como lida com os bens e posses. O que fazemos com o dinheiro? Onde o guardamos? Em que o empregamos? Com que finalidade? O que estamos comprando? Para que compramos? Tem gente que renova as mobílias todos os anos. Compra sem necessidade nenhuma. Tem gente que está sempre na ponta da tecnologia. É necessário estar na “crista da onda”? Por outro lado, há pessoas que deixam de comprar coisas essenciais para a casa, que deixam de cuidar da saúde da família para guardar o dinheiro ou aumentar o patrimônio. E, muitas vezes, se endividando com prestações a perder de vista. Tem gente que nem consulta a família para fazer certos gastos. Tem gente que gasta o salário com jogos de azar, com prostituição e adultério, com bebedeira sem conta, com churrascada desmedida para amigos, com drogas de toda qualidade. Tem gente que vive uma vida miserável para aplicar o dinheiro em rendimentos bancários. Mas não é capaz de partilhar um centavo com os mais pobres!

Isso sem falar da agiotagem que assassina milhares de famílias. Um pecado que brada aos céus: o sujeito tem dinheiro; vê o irmão na pior; empresta-lhe a juros exorbitantes; escraviza o pobre coitado que nunca ou quase nunca consegue pagar (Cf. Sl 15,5). E o que dizer daqueles que transferem sua fortuna para os “paraísos fiscais”, deixando os pobres brasileiros a “ver navios”? Pior: muitos destes tais se dizem cristãos!

“A maneira sadia de lidar com o dinheiro é ganhá-lo de forma limpa, utilizá-lo com inteligência, fazê-lo frutificar com justiça e saber compartilhá-lo com os mais necessitados” (Pe. J. A. Pagola). O acúmulo de bens é idolatria. O reino pessoal, a busca de si mesmo não garante lugar no Reino de Deus.

Não está na hora de colocarmos a mão na consciência e rezarmos um pouco mais nosso ser cristão? Aquele homem do evangelho voltou triste porque possuía muitos bens. Conclui-se que a posse de muitos bens não traz alegria para ninguém. A verdadeira alegria está no bom uso dos bens, do dinheiro. Quando sabemos partilhar, distribuir, comprar ou vender dentro de critérios honestos e a partir de um diálogo respeitoso e cristão dentro de nossa casa, estamos no caminho do verdadeiro discipulado de Jesus. Então experimentaremos a verdadeira alegria que brota de uma vida vivida em Deus, na construção do Reino de partilha, de paz e de justiça.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Eucaristia: vida tomada, partida e doada

aureliano, 25.07.24

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17º Domingo do Tempo Comum [28 de julho de 2024]

[Jo 6,1-15]

Estávamos até então refletindo o evangelho de Marcos. Neste e nos próximos domingos vamos refletir o capítulo 6º de João. A Igreja pensou numa oportunidade de se considerar o evangelho de João tão rico, mas com pouco espaço no calendário litúrgico, a não ser no Tempo Pascal.

Marcos, o evangelho mais antigo, trata do sinal da multiplicação dos pães de modo a notar maior solidariedade entre os cristãos. Ele envolve os discípulos na cena: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.

Mas o fato é que os discípulos não se preocupam com a fome das pessoas. Por isso eles recomendam a Jesus que os despeça para que comprem pão pelo caminho. Ou seja: deixe que eles se virem.

O problema é que, quem tem dinheiro vai se alimentar. Mas quem não o tem, vai continuar com fome. Notamos que a solução apresentada pelos discípulos foi extremamente egoísta. Cada um deve se virar! É a proposta da economia neoliberal: quem tem condições, capital, investe e cresce. Quem não tem, sobra. O caminho proposto por muitos de nossos legisladores e governantes é esse. Exatamente porque já estão com sua vida financeira resolvida.

No evangelho de João, Jesus age de modo soberano. Enquanto Marcos esconde o mistério e a missão de Jesus aos ouvintes, pois não eram capazes de compreender, João revela para o cristão a glória de Deus.

Interessante no texto de hoje é esse olhar misericordioso de Jesus. No evangelho do domingo passado vimos Jesus manifestando sua compaixão pelo povo, pois estava “como ovelhas sem pastor”. Então ele inventa um jeito de cuidar do rebanho.

Ninguém precisa ficar esperando milagre do céu. É só mudar a mente e o coração e começar a colocar em comum os bens e os dons. Aqueles pães e peixes, depois que estão nas mãos de Jesus, que dá graças sobre eles, não são mais do jovem nem dos apóstolos, mas de Deus para a multidão faminta. Isso mostra que os bens e dons que temos, vividos na dimensão da “ação de graças” não são mais nossos, mas “eucaristizados” para “eucaristizar”, ou seja, usados numa partilha alegre e comprometida.

A Eucaristia de que participamos semanalmente deve nos levar a essa “vida eucarística”, numa partilha generosa para que “todos tenham vida”.

Vimos, pelo evangelho de hoje, que o problema da fome no mundo não se resolve com dinheiro. Somente o espírito de partilha e de solidariedade é capaz de diminuir a fome nos países e regiões empobrecidos. Enquanto prevalecer desperdício, acúmulo, ganância, propina, desonestidade haverá famintos e necessitados no mundo.

A Igreja tem a missão de atuar profeticamente no mundo para que haja mais partilha e justa distribuição de renda. Para isso a Igreja precisa ser pobre. Somente uma Igreja pobre, no espírito de São Francisco de Assis, conforme tem preconizado tantas vezes o Papa Francisco, poderá ter credibilidade e influência na história. Tudo isso, porém a partir do encontro profundo com a pessoa de Jesus de Nazaré. Pois sem conversão do coração, atuada pela graça libertadora de Deus em nós, não se entende nem se exerce a partilha dos dons e dos bens.

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AS CONSEQUÊNCIAS DA CELEBRAÇÃO DA EUCARISTIA

Os exegetas interpretam Jo 6,1-15 como um relato eucarístico. Ou seja, ele quer significar o sentido da celebração da Eucaristia na Igreja. Sendo assim podemos afirmar que só faz sentido a celebração eucarística que compromete os participantes com os necessitados da comunidade. Aliás, há um belíssimo texto do século II, escrito por São Justino, que fornece as indicativas para a celebração da Eucaristia:

“No dia que se chama do Sol [domingo] celebra-se uma reunião dos que moram nas cidades e nos campos e ali se lêem, quanto o tempo permite, as Memórias dos Apóstolos ou os escritos dos profetas. Assim que o leitor termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos tão belos exemplos. Erguemo-nos, então, e elevamos em conjunto as nossas preces, após as quais se oferecem pão, vinho e água, como já dissemos. O presidente também, na medida de sua capacidade, faz elevar a Deus suas preces e ações de graças, respondendo todo o povo ‘Amém’. Segue-se a distribuição a cada um, dos alimentos consagrados pela ação de graças, e seu envio aos doentes, por meio dos diáconos. Os que têm, e querem, dão o que lhes parece, conforme sua livre determinação, sendo a coleta entregue ao presidente, que assim auxilia os órfãos e viúvas, os enfermos, os pobres, os encarcerados, os forasteiros, constituindo-se, numa palavra, o provedor de quantos se acham em necessidade.” (Apologias).

Esse último parágrafo nos remete ao texto do evangelho de hoje: a Eucaristia deve nos mover à partilha, à sensibilidade para com os necessitados. Os bens e os dons são oferecidos para o bem dos mais pobres e carentes.

Por vezes se levantam questões meramente rituais: se o ministro deixou de fazer isso ou aquilo dentro da celebração. Outros ficam implicados se a comunhão deve ser dada na mão ou na boca. Se o fulano pode ou não pode comungar etc. Com isso se esquece do essencial da Eucaristia que é o louvor ao Pai em Cristo e na força do Espírito que se concretiza na caridade fraterna.

Outro texto dos primeiros séculos do cristianismo também vai nessa mesma direção. São Cipriano (século III), bispo de Cartago, exortava a uma matrona rica da cidade: “De resto, tal como és, nem podes praticar a caridade na Igreja. Com efeito, teus olhos cobertos por espessas trevas e pela escuridão da pintura negra, não vêem o necessitado e o pobre. És abastada e rica e pensas que celebras o domingo. Tu, que nem sequer olhas para a caixa de esmolas, vens à celebração dominical sem oblação, e ainda participas da oblação que o pobre ofereceu?” (Patrística, Obras Completas I, Vol. 35,1).

A Eucaristia é o espaço e o ambiente cultual próprio que deve mover à partilha. Participar, comungar e voltar para casa como se nada acontecesse ao derredor é um descaso e uma ofensa ao Senhor que se oferece por nós. Pois ele lançou um olhar sobre a multidão faminta e providenciou-lhe o alimento (cf. Mc 6, 35-44).

Ainda insistindo na importância da Eucaristia na vida da Igreja chamada a ser Sinal de Cristo no mundo, tomo aqui uma catequese do Papa Francisco para nos ajudar a perceber o sentido e as consequências da celebração da Ceia do Senhor: “Ao primeiro gesto de Jesus, ‘tomou o pão e o cálice do vinho’, corresponde assim a preparação dos dons, é a primeira parte da preparação eucarística. É bom que sejam os fiéis a apresentar o pão e o vinho ao sacerdote, porque eles significam a oferta espiritual da Igreja ali recolhida para a Eucaristia. Ainda que hoje os fiéis já não levem, como antes, o seu próprio pão e vinho destinados à Liturgia, todavia o rito da apresentação destes dons conserva o seu valor e significado espiritual.

A propósito, é significativo que, na ordenação de um presbítero, o bispo, quando lhe entrega o pão e o vinho, diz: ‘Recebe as ofertas do povo santo para o sacrifício eucarístico’; é o povo de Deus que leva a oferta para a missa. Portanto, nos sinais do pão e do vinho o povo fiel coloca a própria oferta nas mãos do sacerdote, o qual a depõe sobre o altar ou mesa do Senhor, que é o centro de toda a Liturgia Eucarística. O centro da missa é o altar e o altar é Cristo. No ‘fruto da terra e do trabalho do homem’ é por isso oferecido o compromisso dos fiéis a fazer de si próprios, obedientes à Palavra divina, um ‘sacrifício agradável a Deus Pai todo-poderoso’, ‘para o bem de toda a sua santa Igreja’. Desta maneira a vida dos fiéis, o seu sofrimento, a sua oração, o seu trabalho são unidos aos de Cristo e à sua oferta total, e deste modo adquirem um valor novo.

É verdade que a nossa oferta é coisa pouca, mas Cristo precisa deste pouco – como acontece na multiplicação dos pães – para o transformar no dom eucarístico que a todos alimenta e irmana no seu Corpo que é a Igreja. Pede-nos pouco o Senhor e dá-nos tanto, boa vontade, coração aberto, sermos melhores, e na Eucaristia pede-nos estas ofertas simbólicas que se tornarão Corpo e Sangue. Uma imagem deste movimento oblativo de oração é representada pelo incenso que, consumido no fogo, liberta um fumo perfumado que sobe para o alto: incensar as ofertas, a cruz, o altar, o sacerdote e o povo sacerdotal manifesta visivelmente o vínculo do ofertório que une toda esta realidade ao sacrifício de Cristo. Recordemos que o primeiro altar é a Cruz.

É quanto exprime também a oração sobre as ofertas. Nela o sacerdote pede a Deus que aceite os dons que a Igreja lhe oferece, invocando o fruto do admirável intercâmbio entre a nossa pobreza e a sua riqueza. No pão e no vinho apresentamos-lhe a oferta da nossa vida, a fim de que seja transformada pelo Espírito Santo no sacrifício de Cristo e se torne com Ele uma única oferta espiritual agradável ao Pai. Enquanto se conclui assim a preparação dos dons, a assembleia dispõe-se para a Oração Eucarística.

A espiritualidade do dom de si, que este momento da missa nos ensina, possa iluminar os nossos dias, as relações com os outros, as coisas que fazemos, os sofrimentos que encontramos, ajudando-nos a construir a cidade terrena à luz do Evangelho” (fonte: www.snpcultura.org).

Não é o dinheiro que vai resolver o problema da fome no Brasil e no mundo. Resolve-se a fome com a partilha, com a generosidade, com a disponibilidade de não reter somente para si “os cinco pães e os dois peixes”. Quem tem muito dinheiro, ao invés de ajudar a diminuir a fome, aprofunda o fosso da miséria. A fome é debelada pelo espírito de partilha, de solidariedade, de cuidado, de justiça, de não deixar desperdiçar-se o alimento, de distribuir equitativamente o pão. E essa compreensão e atitude estão enraizadas na vida de Jesus de Nazaré cujo Memorial é a Eucaristia.

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DIA DOS AVÓS

Celebramos nesse final de semana o IV Dia Mundial dos  Avós e dos Idosos. O Papa Francisco nos convida a repensar nossas atitudes em relação às pessoas idosas. A propósito transcrevo um excerto da Mensagem que ele nos dirige esse ano. O exemplo de Rute que decide ficar com a sogra Noemi para ampará-la na velhice nos comove e encanta.

“Em muitos idosos, é possível notar aquele sentimento de resignação de que fala o livro de Rute quando narra como a anciã Noemi, após a morte do marido e dos filhos, convida as duas noras, Orpa e Rute, a regressarem ao seu país natal e à sua casa (cf. Rt 1, 8). Noemi – como muitos idosos de hoje – tem receio de ficar sozinha, mas não consegue imaginar nada diferente. Como viúva, tem consciência de valer pouco aos olhos da sociedade e está convencida de que é um peso para aquelas duas jovens que, ao contrário dela, têm toda a vida pela frente. Por isso, acha melhor afastar-se; e ela mesma convida as suas noras jovens a deixá-la para ir construir o futuro delas noutros lugares (cf. Rt 1, 11-13). As suas palavras são um concentrado de convenções sociais e religiosas que parecem imutáveis e que marcam o próprio destino.

Chegada aqui, a narração bíblica apresenta-nos duas opções diferentes face ao convite de Noemi e, consequentemente, face à velhice. Uma das duas noras, Orpa, que também ama Noemi, beija-a com um gesto carinhoso, mas aceita a solução que também lhe parece ser a única possível e segue o seu caminho. Rute, porém, não se separa de Noemi, dirigindo-se-lhe com palavras surpreendentes: «Não insistas para que te deixe» (Rt 1, 16). Não tem medo de desafiar os costumes e o sentimento comum; acha que aquela mulher idosa precisa dela e, com coragem, permanece ao seu lado naquela que será, para ambas, o início duma nova viagem. A todos nós – rendidos à ideia de que a solidão seja um destino inevitável –, Rute ensina que, à imploração «não me abandones», é possível responder «não te abandonarei!» Não hesita em subverter o que parece ser uma realidade imutável: viver sozinhos não pode ser a única alternativa. Não é por acaso que Rute – aquela que fica junto da idosa Noemi – foi uma antepassada do Messias (cf. Mt 1, 5), de Jesus, o Emanuel, Aquele que é «Deus conosco», Aquele que aconchega e aproxima a Deus todos os homens, de todas as condições, de todas as idades.

A liberdade e a coragem de Rute convidam-nos a percorrer uma nova estrada: sigamos os seus passos, ponhamo-nos a caminho com esta jovem mulher estrangeira e com a idosa Noemi, não tenhamos medo de mudar os nossos hábitos e imaginar um futuro diferente para os nossos anciãos. A nossa gratidão estende-se a todas as pessoas que, mesmo à custa de muitos sacrifícios, realmente seguiram o exemplo de Rute e estão a cuidar dum idoso ou simplesmente a demonstrar diariamente solidariedade a parentes ou conhecidos que não têm mais ninguém. Rute escolheu permanecer junto de Noemi e foi abençoada: com um casamento feliz, uma descendência, uma terra. Isto é válido sempre e para todos: mantendo-se junto dos idosos, reconhecendo o papel insubstituível que eles têm na família, na sociedade e na Igreja, também nós receberemos muitos dons, tantas graças, inúmeras bênçãos!” (Papa Francisco – Mensagem para o Dia Mundial dos Avós 2024).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Um encontro que transforma

aureliano, 29.10.22

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31º Domingo do Tempo Comum [30 de outubro de 2022]

[Lc 19,1-10]

No evangelho do domingo passado ouvimos o relato do publicano fazendo oração no Tempo. Hoje temos outro publicano. Aqui, porém vemo-lo encontrando-se com Jesus, o Templo vivo do Pai.

“Deus não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva” (Ez 18,23). É por isso que vemos Jesus, caminhando para Jerusalém, realizando encontro com os pecadores, levando-os à conversão.

Note-se que esse relato de Lucas vem imediatamente depois da cura do cego na mesma cidade de Jericó que Jesus atravessa. O desejo do cego era poder ver, recuperar a vista (cf. Lc 18,41). E ao recuperá-la, “foi seguindo Jesus, dando glória a Deus” (Lc 18,43). O cego de Jericó quer ver. Zaqueu também “procurava ver quem era Jesus” (Lc 19,3). Portanto, o cego curado torna-se discípulo de Jesus. Zaqueu, convertido, também assume uma vida nova: “Pois bem, Senhor, eu reparto aos pobres a metade dos meus bens e, se prejudiquei alguém, restituo-lhe o quádruplo” (Lc 19,8).

Jesus caminha para Jerusalém, cidade que o rejeitará, o condenará, o matará. Jericó, ao contrário torna-se a cidade que o acolhe e lhe dá novos seguidores. Encontros transformadores de vida.

É muito interessante o relato de Lucas sobre o encontro de Jesus com Zaqueu. Este quer ver Jesus, mas esbarra em duas dificuldades: é baixinho e é publicano (chefe!): os vizinhos o detestavam. Por isso ele sobe numa árvore. Porém é um homem que busca: “procurava ver quem era Jesus”.

Jesus vale-se desta busca de Zaqueu e estabelece com ele um encontro. Não em cima da árvore, mas no “chão”. É preciso “descer”. Jesus não se relaciona conosco em situações distantes, nas nuvens, cheios de orgulho, arrogância e autossuficiência. Ele quer que desçamos para o chão de nossa história, de nosso cotidiano. É em nossa “casa” que ele quer entrar para nos transformar.

Jesus vai à casa de Zaqueu, homem rico, não para usufruir das benesses de sua riqueza, não para se aproveitar da oportunidade e ganhar alguma coisa. Não! Jesus não negocia sua hombridade. Ele vai à casa de Zaqueu para movê-lo à conversão. O convívio com os ricos pode nos levar a trair o evangelho de Jesus! O ambiente social marcado pelo luxo e pelo consumismo enfraquece da Palavra de Jesus: “Ai de vós, os ricos!” (Lc 6,24). Podemos desvirtuá-la, justificando nossas posturas incoerentes. Jesus veio para todos. Para os pobres, a fim de serem amparados; para os ricos a fim de que olhem para os pobres e repartam com eles os seus bens.

A verdadeira conversão, tanto do pobre como do rico, mexe com as estruturas do mal e torna o Reino mais próximo. A conversão da pessoa abala a estrutura da iniquidade. O episódio de Zaqueu, chefe dos publicanos, traz à baila a questão do poder: de modo geral, quando se chega ao poder, começa-se a se beneficiar dele, defraudando os outros. Por isso a necessidade da conversão verdadeira para se mudarem as estruturas de morte na sociedade a partir do encontro pessoal com Jesus de Nazaré. Ele é o modelo de homem acabado. Se nossos políticos entendessem isto, e fizessem mais encontros com Jesus de Nazaré, nosso mundo seria muito melhor. Vale o mesmo para as lideranças religiosas de nossas comunidades: a experiência do encontro verdadeiro e profundo com Jesus transforma nossa vida, nossas famílias e nossas comunidades. A isso se dá o nome de conversão.

A propósito, vem-me à memória um hino bastante cantado em alguns encontros por aí que pretende interpretar esse relato de Zaqueu. Mas esta música mutila e deturpa o evangelho que quer ressaltar o caminho da conversão. Ela é do jeitinho que os ricos gostam. Faz chorar de emoção os pobres e justifica a ganância dos ricos, pois não menciona o gesto concreto da conversão de Zaqueu: devolver o que roubou e partilhar com os pobres o que tem.

Sem um encontro verdadeiro com Jesus, num olhar que transforma por dentro, a salvação não entra na nossa casa. A iniciativa é de Deus, mas precisamos “procurar ver o Senhor”, como fizera Zaqueu. Oxalá pudéssemos dizer, depois da celebração eucarística, voltando para nossas casas: “Hoje a salvação entrou nesta casa!”. Deve ser uma experiência que nos encha de alegria: “Zaqueu desceu depressa e o acolheu com toda alegria” (Lc19,6).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Acúmulo de bens é idolatria

aureliano, 08.10.21

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28º Domingo do Tempo Comum [10 de outubro 2021]

   [Mc 10,17-30]

No evangelho do domingo passado refletimos sobre Jesus orientando a vida familiar. A relação conjugal não se fundamenta numa relação de dominação, mas de respeito, de corresponsabilidade, de ajuda mútua. Em síntese, marido e mulher são co-criadores com o Pai.

Neste domingo, continuando a leitura do evangelho de Marcos, Jesus continua a instruir seus discípulos para que a vida deles seja um marco diferencial na sociedade. O cristão precisa fazer a diferença. Agora Jesus ensina a se relacionar com os bens. Realidade muito próxima do casamento. A gente sabe que muitas crises no relacionamento conjugal brotam da relação com o dinheiro. Quantas brigas por conta de dívidas, por conta de diferença de salários, por conta de compra e venda! Quanta confusão, depois da separação, por causa de bens e de pensão! Quanta confusão e, por vezes, morte por causa de herança! Então vamos acompanhar a orientação de Jesus a respeito desse caminho que o discípulo deve fazer.

Esse moço que recorre a Jesus se preocupa com a vida eterna. Não lhe interessa tanto a vida presente uma vez que os bens já lhe estão garantidos. Primeiramente Jesus faz com que sua atenção se volte para o Pai e não tanto para Jesus: “Só Deus é bom”. Os mandamentos da Lei relativos ao próximo ele os tem observado. Notamos, porém, que os Dez Mandamentos não foram citados. Apenas alguns e mesmo assim naquela conotação negativa: “não”. Então lhe faltava a dimensão positiva da vida. Ele observava a Lei, mas não sabia partilhar. Não tinha gratuidade. Não sabia o que estava fazendo. Fazia por fazer. Como aqueles casos muito comuns entre nós: “Por que você quer batizar seu filho?” Ou “Por que você é católico?” A resposta normalmente ecoa: “Porque todo mundo batiza” Ou “Porque meu pai é católico”. Ou simplesmente: “Por que nasci numa tradição católica”. E por aí se vai. Uma fé sem fundamento, sem gratuidade, sem generosidade, sem conhecimento, sem razão.

Jesus quis ajudar aquele homem a dar um passo decisivo na vida. É algo que caracteriza a fé cristã: a partilha. “Vai, vende tudo o que tens. Dá o dinheiro aos pobres. Depois vem e segue-me”. Não basta dividir os bens com os pobres. É preciso seguir a Jesus. O seguimento de Jesus é que caracteriza o cristão. Poder-se-iam distribuir os bens por vaidade. E nesse aspecto Paulo já alertara: “Ainda que eu desse todos os meus bens aos pobres; se não tivesse amor, isso de nada valeria” (1Cor 13,3).

No desenrolar do texto Jesus percebe a dificuldade de o rico entrar no Reino. Jesus não está falando de vida depois da morte, não. Ele está falando do Reino de Deus. A vida eterna começa aqui, com a erupção do Reino de Deus. Quem não se desapega, como aquele moço que não teve coragem de se desvencilhar dos bens, não pode entrar na vida de Deus. A vida eterna é a vida em Deus.

A salvação é dom de Deus: “Para Deus tudo é possível”. Ninguém compra a vida de Deus, repartindo seus bens, fazendo caridade etc. Deus nos salva de graça. Porém nossos gestos de bondade, de generosidade, de partilha, de perdão, de tolerância, de respeito, de solidariedade são nossa resposta à bondade de Deus que nos salva. Quem vive preso às suas coisas, fechado em si mesmo, indiferente ao sofrimento alheio ou, pior ainda, buscando sempre oportunidades para aumentar suas posses, defraudando os outros, está cada vez mais longe da salvação. Sua vida está atravancando a ação salvadora de Deus. É uma pedra de tropeço, um escândalo, que impede a vida de florescer. Mata a alegria e as esperanças das pessoas.

Na prática, cada um de nós podia dar uma olhadinha no modo como lida com os bens e posses. O que fazemos com o dinheiro? Onde o guardamos? Com que finalidade? O que estamos comprando? Para que compramos? Tem gente que renova as mobílias todos os anos. Compra sem necessidade nenhuma. Tem gente que está sempre na ponta da tecnologia. É necessário estar na “crista da onda”? Por outro lado, há pessoas que deixam de comprar coisas essenciais para a casa, que deixam de cuidar da saúde da família para guardar o dinheiro ou aumentar o patrimônio. E, muitas vezes, se endividando com prestações a perder de vista. Tem gente que nem consulta a família para fazer certos gastos. Tem gente que gasta o salário com jogatina, com prostituição e adultério, com bebedeira sem conta, com churrascada desmedida para amigos, com drogas de toda qualidade. Tem gente que vive uma vida miserável para aplicar o dinheiro em rendimentos bancários. Mas não é capaz de partilhar um centavo com os mais pobres!

Isso sem falar da agiotagem que assassina milhares de famílias. Um pecado que brada aos céus: o sujeito tem dinheiro; vê o irmão na pior; empresta-lhe a juros exorbitantes; escraviza o pobre coitado que nunca ou quase nunca consegue pagar (Cf. Sl 15,5). E o que dizer daqueles que transferem sua fortuna para os “paraísos fiscais”, deixando os pobres brasileiros a “ver navios”? Pior: muitos destes tais se dizem cristãos!

“A maneira sadia de lidar com o dinheiro é ganhá-lo de forma limpa, utilizá-lo com inteligência, fazê-lo frutificar com justiça e saber compartilhá-lo com os mais necessitados” (Pe. J. A. Pagola). O acúmulo de bens é idolatria. O reino pessoal, a busca de si mesmo não dá lugar ao Reino de Deus.

Não está na hora de colocarmos a mão na consciência e rezarmos um pouco mais nosso ser cristão? Aquele homem do evangelho voltou triste porque possuía muitos bens. Conclui-se que a posse de muitos bens não traz alegria para ninguém. A verdadeira alegria está no bom uso dos bens, do dinheiro. Quando sabemos partilhar, distribuir, comprar ou vender dentro de critérios honestos e a partir de um diálogo respeitoso e cristão dentro de nossa casa, estamos no caminho do verdadeiro discipulado de Jesus. Então experimentaremos a verdadeira alegria que brota de uma vida vivida em Deus, na construção do Reino de partilha, de paz e de justiça.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Crer em Jesus significa comprometer-se com Ele

aureliano, 30.07.21

18º Domingo do TC - B - 01 de agosto.jpg

18º Domingo do Tempo Comum [1º de agosto de 2021]

   [Jo 6,24-35]

Uma pergunta intrigante: Por que continua o interesse pela pessoa de Jesus mesmo depois de dois mil anos de sua vida em Nazaré? Por que seus ensinamentos continuam mexendo com os corações e as mentes de tanta gente?

Aproximando-nos do evangelho deste domingo (Jo 6, 24-35), quando Jesus, depois de alimentar uma multidão faminta, lhe diz: “Esforçai-vos pelo alimento que não se perde”, notamos aí que o pão material não preenche o vazio do coração humano. Este busca algo maior, mais consistente, permanente, que ultrapasse a fome de apenas consumir, de satisfação físico-psíquica.

Em primeiro lugar deve vir o pão material, é claro. Não é possível evangelizar alguém que passa fome, pois o primeiro sinal do evangelho é a promoção da vida: “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). Por isso Jesus multiplica os pães. Ou seja, move as pessoas a realizar a partilha daquilo que elas mesmas já têm: cinco pães e dois peixes. Nas mãos de um só, alimentava o individualismo humano. Nas mãos de Jesus, depois de dar graças, alimenta uma multidão. Tudo que é partilhado se multiplica. Tudo que é acumulado estraga e míngua (a vida própria e dos outros).

A resposta de Jesus a um povo que o procura por causa dos milagres, pode parecer, à primeira vista, um tanto dura e, até mesmo, sinal de desprezo pelos que saciara no dia anterior. Mas não se trata nem de menosprezo nem de indelicadeza nem de dureza. Jesus quis mostrar que o sinal realizado deveria servir de lição para os líderes do povo. Estes são os primeiros responsáveis por promover entre o povo a partilha e a solidariedade. Confiar em ‘salvador da pátria’ ou ‘herói nacional’ sempre foi desastroso. A História mostra isto. O líder deve ajudar o grupo a desenvolver suas próprias capacidades e seus próprios dons para que não falte a ninguém as condições necessárias à vida.

Porém, Jesus quer ajudar ainda o grupo a sair de uma dimensão materialista e mesquinha da vida. O relato mostra que o povo tem sede de algo mais. E que, além disso, não sabe caminhar sozinho. E pode, por conseguinte, entrar numa relação de dependência e comodismo.  Por isso Jesus recomenda realizar as obras de Deus que é “crer naquele que ele enviou”. E crer significa comprometer-se, acolher na esperança, investir todas as forças e energias na proposta do Reino que Jesus veio revelar, aderir à sua Pessoa. Significa assumir na própria vida as atitudes de Jesus. Ainda mais: fé cristã não é aderir ou cumprir uma série de regras e normas eclesiásticas e divinas.  Fé cristã é a busca permanente, cotidiana de conformar a própria vida com a vida de Jesus. É procurar ter as atitudes de Jesus: acolhida, perdão, compreensão, respeito, partilha, entrega.

Jesus percebe nossa fome e quer saciar-nos. Sabe que temos fome de justiça, de paz, de fraternidade, de perdão, de sentido de vida, de verdade. Jesus se apresenta como “o pão da vida”, aquele que alimenta, que “dá vida ao mundo”. É esse alimento que nos dá alento no sofrimento, nas tribulações, nas angústias, na hora da morte. É o pão que perdura para a vida eterna. Quem come deste pão, a vida de Jesus, nunca mais terá fome ou sede.

É por isso que a vida e a pessoa de Jesus, não obstante dois mil anos passados, continuam atraindo e provocando as pessoas. Ele é o pão verdadeiro. Há muitos alimentos por aí com aparência de ‘pão’, mas envenenados. Quanto mais a pessoa os consome, mais fome tem, mais vazia fica. Somente Jesus preenche o vazio do coração humano. Por isso aquela gente grita: “Senhor, dá-nos sempre deste pão”.

Com aquela multidão queremos também pedir ao Senhor que desperte em nós a preocupação com os que passam fome de pão e de paz, de alegria e de harmonia, de justiça e de fraternidade. Não pensemos apenas no nosso pão, na nossa mesa, na nossa casa, mas também nos que precisam de nossa colaboração para conseguir o pão. Esse é o sentido da Eucaristia que semanalmente celebramos: uma vez eucaristizados, nos tornamos eucaristia para os outros: pão tomado por Deus, partido e entregue para o povo: “Fazei isto em memória de mim”.

*Neste primeiro domingo de agosto celebramos o Dia do Padre. É oportunidade de agradecermos a Deus pelos padres que passaram por nossa vida, nos ajudaram, nos deram os sacramentos. Alguns já partiram desta vida. Outros continuam no meio de nós. É dia também de rezarmos e refletirmos sobre as vocações sacerdotais. O que você tem feito pelas vocações? Você ajuda, reza, apoia os vocacionados? Você ajuda a nós padres a sermos mais pastores, mais próximos, mais dedicados? Não trate o padre como ‘coitadinho’, não! Ele escolheu essa vocação atendendo ao chamado de Deus e da Igreja. Colocou-se livremente a serviço do evangelho. Precisa ser ajudado a viver com fidelidade e dedicação. E você, cristão leigo, deve ajudá-lo a ser um verdadeiro colaborador e servidor das comunidades, rezando por ele, fazendo a correção fraterna quando necessário, sendo colaborativo nos serviços e ministérios da comunidade! Ajude-nos a sermos mais pastores, mais misericordiosos, mais generosos, mais paternais. Ajude-nos a ser homens de Deus, santos.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O sentido da Celebração Eucarística

aureliano, 23.07.21

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17º Domingo do Tempo Comum [25 de julho de 2021]

[Jo 6,1-15]

Estávamos até então refletindo o evangelho de Marcos. Neste e nos próximos domingos vamos refletir o capítulo 6º de João. A Igreja pensou numa oportunidade de se considerar o evangelho de João tão rico, mas com pouco espaço no calendário litúrgico.

Marcos, o evangelho mais antigo, trata do sinal da multiplicação dos pães de modo a notar maior solidariedade entre os cristãos. Ele envolve os discípulos na cena: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.

Mas o fato é que os discípulos não se preocupam com a fome das pessoas. Por isso eles recomendam a Jesus que os despeça para que comprem pão pelo caminho. Ou seja: deixe que eles se virem.

O problema é que, quem tem dinheiro vai se alimentar. Mas quem não o tem, vai continuar com fome. Notamos que a solução apresentada pelos discípulos foi extremamente egoísta. Cada um deve se virar! É a proposta da economia neoliberal: quem tem condições, capital, investe e cresce. Quem não tem, sobra. O caminho do atual governo do nosso País é exatamente esse: preocupação absoluta com o mercado e abandono das políticas públicas e sociais.

No evangelho de João, Jesus age de modo soberano. Enquanto Marcos esconde o mistério e a missão de Jesus aos ouvintes, pois não eram capazes de compreender, João revela para o cristão a glória de Deus.

Interessante no texto de hoje é esse olhar misericordioso de Jesus. No evangelho do domingo passado vimos Jesus manifestando sua compaixão pelo povo, pois estava “como ovelhas sem pastor”. Então ele inventa um jeito de cuidar do rebanho.

Ninguém precisa ficar esperando milagre do céu. É só mudar a mente e o coração e começar a colocar em comum os bens e os dons. Aqueles pães e peixes, depois que estão nas mãos de Jesus, que dá graças sobre eles, não são mais do jovem nem dos apóstolos, mas de Deus para a multidão faminta. Isso mostra que os bens e dons que temos, vividos na dimensão da “ação de graças” não são mais nossos, mas “eucaristizados” para “eucaristizar”, ou seja, usados numa partilha alegre e comprometida.

A Eucaristia de que participamos semanalmente deve nos levar a essa “vida eucarística”, numa partilha generosa para que “todos tenham vida”.

Vimos, pelo evangelho de hoje, que o problema da fome no mundo não se resolve com dinheiro. Somente o espírito de partilha e de solidariedade é capaz de diminuir a fome nos países e regiões empobrecidos. Enquanto prevalecer desperdício, acúmulo, ganância, propina, desonestidade haverá famintos e necessitados no mundo.

A Igreja tem a missão de atuar profeticamente no mundo para que haja mais partilha e justa distribuição de renda. Para isso a Igreja precisa ser pobre. Somente uma Igreja pobre, no espírito de São Francisco de Assis, conforme tem preconizado tantas vezes o Papa Francisco, poderá ter credibilidade e influência na história. Tudo isso, porém a partir do encontro profundo com a pessoa de Jesus de Nazaré. Pois sem conversão do coração, atuada pela graça libertadora de Deus em nós, não se entende nem se exerce a partilha dos dons e dos bens.

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AS CONSEQUÊNCIAS DA CELEBRAÇÃO DA EUCARISTIA

Os exegetas interpretam Jo 6,1-15 como um relato eucarístico. Ou seja, ele quer significar o sentido da celebração da Eucaristia na Igreja. Sendo assim podemos afirmar que só faz sentido a celebração eucarística que compromete os participantes com os necessitados da comunidade. Aliás, há um belíssimo texto do século II, escrito por São Justino, que fornece as indicativas para a celebração da Eucaristia: “No dia que se chama do Sol [domingo] celebra-se uma reunião dos que moram nas cidades e nos campos e ali se lêem, quanto o tempo permite, as Memórias dos Apóstolos ou os escritos dos profetas. Assim que o leitor termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos tão belos exemplos. Erguemo-nos, então, e elevamos em conjunto as nossas preces, após as quais se oferecem pão, vinho e água, como já dissemos. O presidente também, na medida de sua capacidade, faz elevar a Deus suas preces e ações de graças, respondendo todo o povo ‘Amém’. Segue-se a distribuição a cada um, dos alimentos consagrados pela ação de graças, e seu envio aos doentes, por meio dos diáconos. Os que têm, e querem, dão o que lhes parece, conforme sua livre determinação, sendo a coleta entregue ao presidente, que assim auxilia os órfãos e viúvas, os enfermos, os pobres, os encarcerados, os forasteiros, constituindo-se, numa palavra, o provedor de quantos se acham em necessidade.” (Apologias).

Esse último parágrafo nos remete ao texto do evangelho de hoje: a Eucaristia deve nos mover à partilha, à sensibilidade para com os necessitados. Os bens e os dons são oferecidos para o bem dos mais pobres e carentes.

Por vezes se levantam questões meramente rituais: se o ministro deixou de fazer isso ou aquilo dentro da celebração. Outros ficam implicados se a comunhão deve ser dada na mão ou na boca. Se o fulano pode ou não pode comungar etc. Com isso se esquece do essencial da Eucaristia que é o louvor ao Pai em Cristo e na força do Espírito que se concretiza na caridade fraterna.

Outro texto dos primeiros séculos do cristianismo também vai nessa mesma direção. São Cipriano (século III), bispo de Cartago, exortava a uma matrona rica da cidade: “De resto, tal como és, nem podes praticar a caridade na Igreja. Com efeito, teus olhos cobertos por espessas trevas e pela escuridão da pintura negra, não vêem o necessitado e o pobre. És abastada e rica e pensas que celebras o domingo. Tu, que nem sequer olhas para a caixa de esmolas, vens à celebração dominical sem oblação, e ainda participas da oblação que o pobre ofereceu?” (Patrística, Obras Completas I, Vol. 35,1).

A Eucaristia é o espaço e o ambiente cultual próprio que deve mover à partilha. Participar, comungar e voltar para casa como se nada acontecesse ao derredor é um descaso e uma ofensa ao Senhor que se oferece por nós. Pois ele lançou um olhar sobre a multidão faminta e providenciou-lhe o alimento (cf. Mc 6, 35-44).

Ainda insistindo na importância da Eucaristia na vida da Igreja chamada a ser Sinal de Cristo no mundo, tomo aqui uma catequese do Papa Francisco para nos ajudar a perceber o sentido e as consequências da celebração da Ceia do Senhor: “Ao primeiro gesto de Jesus, ‘tomou o pão e o cálice do vinho’, corresponde assim a preparação dos dons, é a primeira parte da preparação eucarística. É bom que sejam os fiéis a apresentar o pão e o vinho ao sacerdote, porque eles significam a oferta espiritual da Igreja ali recolhida para a Eucaristia. Ainda que hoje os fiéis já não levem, como antes, o seu próprio pão e vinho destinados à Liturgia, todavia o rito da apresentação destes dons conserva o seu valor e significado espiritual.

A propósito, é significativo que, na ordenação de um presbítero, o bispo, quando lhe entrega o pão e o vinho, diz: ‘Recebe as ofertas do povo santo para o sacrifício eucarístico’; é o povo de Deus que leva a oferta para a missa. Portanto, nos sinais do pão e do vinho o povo fiel coloca a própria oferta nas mãos do sacerdote, o qual a depõe sobre o altar ou mesa do Senhor, que é o centro de toda a Liturgia Eucarística. O centro da missa é o altar e o altar é Cristo. No ‘fruto da terra e do trabalho do homem’ é por isso oferecido o compromisso dos fiéis a fazer de si próprios, obedientes à Palavra divina, um ‘sacrifício agradável a Deus Pai todo-poderoso’, ‘para o bem de toda a sua santa Igreja’. Desta maneira a vida dos fiéis, o seu sofrimento, a sua oração, o seu trabalho são unidos aos de Cristo e à sua oferta total, e deste modo adquirem um valor novo.

É verdade que a nossa oferta é coisa pouca, mas Cristo precisa deste pouco – como acontece na multiplicação dos pães – para o transformar no dom eucarístico que a todos alimenta e irmana no seu Corpo que é a Igreja. Pede-nos pouco o Senhor e dá-nos tanto, boa vontade, coração aberto, sermos melhores, e na Eucaristia pede-nos estas ofertas simbólicas que se tornarão Corpo e Sangue. Uma imagem deste movimento oblativo de oração é representada pelo incenso que, consumido no fogo, liberta um fumo perfumado que sobe para o alto: incensar as ofertas, a cruz, o altar, o sacerdote e o povo sacerdotal manifesta visivelmente o vínculo do ofertório que une toda esta realidade ao sacrifício de Cristo. Recordemos que o primeiro altar é a Cruz.

É quanto exprime também a oração sobre as ofertas. Nela o sacerdote pede a Deus que aceite os dons que a Igreja lhe oferece, invocando o fruto do admirável intercâmbio entre a nossa pobreza e a sua riqueza. No pão e no vinho apresentamos-lhe a oferta da nossa vida, a fim de que seja transformada pelo Espírito Santo no sacrifício de Cristo e se torne com Ele uma única oferta espiritual agradável ao Pai. Enquanto se conclui assim a preparação dos dons, a assembleia dispõe-se para a Oração Eucarística.

A espiritualidade do dom de si, que este momento da missa nos ensina, possa iluminar os nossos dias, as relações com os outros, as coisas que fazemos, os sofrimentos que encontramos, ajudando-nos a construir a cidade terrena à luz do Evangelho” (fonte: www.snpcultura.org).

Não é o dinheiro que vai resolver o problema da fome no Brasil e no mundo. Resolve-se a fome com a partilha, com a generosidade, com a disponibilidade de não reter somente para si “os cinco pães e os dois peixes”. Quem tem muito dinheiro, ao invés de ajudar a diminuir a fome, aprofunda o fosso da miséria. A fome é debelada pelo espírito de partilha, de solidariedade, de cuidado, de justiça, de não deixar desperdiçar-se o alimento, de distribuir equitativamente o pão. E essa compreensão e atitude estão enraizadas na vida de Jesus de Nazaré cujo Memorial é a Eucaristia.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Repartir o pão de Deus

aureliano, 01.08.20

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18º Domingo do Tempo Comum [02 de agosto de 2020]

[Mt 14,13-21]

Mateus retrata dois relatos da multiplicação dos pães, a saber, o relato de hoje e também Mt 15, 32-39. O mesmo ocorre com Marcos. Somente João e Lucas relatam uma única vez. Marcos e Mateus fazem como que uma reprise da primeira, diferindo somente o lugar do acontecimento: a primeira, na Galiléia; a segunda, em território exclusivo dos gentios.

O discípulo está iniciado no Reino de Deus a partir do capítulo 13: as parábolas do Reino. O relato de hoje dá uma amostra para o discípulo de como deve ser o Reino de Deus: curar os doentes e dar pão aos famintos: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. A missão da Igreja deve ser a de tomar a defesa dos famintos, distribuindo o pão da Palavra que leva à partilha do pão material, ao cuidado com os mais necessitados. Não adianta a comunidade se reunir para o culto da Palavra, para a oração do Terço, para a Adoração se essa oração não leva a atitudes concretas de comprometimento com o Reino de Deus. O fruto da Palavra, e esta vem primeiro, deve ser a partilha que brota de um coração compadecido como o de Jesus.

É importante observar no relato do evangelho alguns símbolos que nos ajudam a perceber por onde o autor do evangelho nos quer conduzir. O texto fala de 5 pães, de 2 peixes, de 12 cestos e 5 mil homens. O número 5 nos remete à Torá, os cinco primeiros livros da Bíblia, que contêm os Ensinamentos de Deus para todo judeu. Os 5 mil homens podem corresponder àqueles que ouvem e seguem a Lei de Deus. O peixe lembra a presença salvadora de Jesus. Nos primeiros séculos tornou-se o símbolo dos cristãos diante da perseguição romana. Isso porque, em grego, a palavra peixe se escreve IXTUS, como um acróstico para a formulação da fé cristã: Iesùs Xristòs Theòu Uiòs Soteèr, que significa “Jesus Cristo Filho de Deus Salvador”. O número 12, símbolo da plenitude, lembra as 12 Tribos de Israel e os 12 Apóstolos.

Outro elemento como o deserto, lembra o lugar da peregrinação do Povo de Israel e sua organização quando se liberta da escravidão do Faraó; lugar da provação, do encontro com Deus. Aqueles que vêm ao encontro de Jesus querem se libertar do poder opressor de Herodes que, no relato anterior, mandara executar João Batista. O sentar-se na grama também tem seu sentido: sentar-se, na tradição judaica, é sinal de acolhida, de dignidade, de soberania. O pão distribuído recorda o maná que alimentou o povo no deserto. Aqui aponta para a Eucaristia, o Pão que nos alimenta e nos impulsiona à partilha.

Por esses elementos percebemos que esse relato quer nos indicar a pessoa de Jesus como aquele que veio dar um novo sentido à vida. O povo estava como “ovelha sem pastor”’, sequioso de uma palavra, um gesto que enchesse seu coração. E Jesus lhes dirige a Palavra e dá-lhes o pão. Indica o caminho que deve seguir: dar de comer a quem tem fome (cf. Mt 25,31-46).

Não adianta permanecer num ritualismo estéril: preocupação com o que pode e não pode dentro da celebração, mas trazer para a celebração a vida das pessoas, seus anseios, alegrias e dores. É preciso dar um novo sentido às nossas celebrações. Os dois gestos significativos de Jesus quando cura os doentes e alimenta os famintos nos impelem a continuar sua ação no mundo: “Dai-lhes vós mesmo de comer”. A Eucaristia urge consequência em nossa vida.

A propósito da celebração eucarística, os bispos advertem: “É necessário promover uma liturgia essencial, que não sucumba aos extremos do subjetivismo emotivo nem tampouco da frieza e da rigidez rubricista e ritualística, mas que conduza os fiéis a mergulhar no mistério de Deus, sem deixar o chão concreto da história de fora da oração comunitária” (Diretrizes Gerais, 2019-2023, 162). E mais adiante recomendam não desligar fé e vida, culto e misericórdia: “Em tempo de individualismo extremo, em que o eu parece ser o centro de tudo, é preciso dar o salto para uma espiritualidade comunitária, na qual a oração pessoal e comunitária sejam abertas ao coletivo, especialmente aos que estão nas periferias sociais, existenciais, geográficas e eclesiais” (Ibidem, 163).

A multiplicação do pão material mostra que Jesus nos alimenta com o pão que vem de Deus, sua palavra, a mensagem do Reino. É um gesto que inaugura o Reino de Deus. O pão material é o primeiro fruto do pão da Palavra. O pão material não é o último dom, mas é o aperitivo do Reino. Por isso mesmo precisamos cuidar que ele tenha gosto de Deus e não do materialismo. Para isso, antes de realizar o sinal da multiplicação, Jesus “ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção”. A propósito de remeter tudo o que temos a Deus, dizia um rabino dos primeiros séculos que ‘tomar o alimento sem dar graças é roubar o pão a Deus’. O reconhecimento de que o pão não é nosso, mas de Deus, portanto, para todos.

É missão da Igreja também denunciar toda forma de exploração e de usurpação dos direitos dos pequenos e pobres. A Igreja precisa dizer com Jesus: “Dai-lhes de comer”. Quando o Estado e/ou donos do poder exploram ou cometem qualquer tipo de injustiça que leve a faltar o pão na mesa dos pobres, a Igreja precisa levantar a voz profética, sob pena de ser perseguida e  seus líderes profetas serem assassinados.  “Na dúvida, fique do lado dos pobres” (Dom Pedro Casaldáliga).

É muito oportuno, quanto se trata do cuidado para com os pobres, lembrar algumas palavras do Papa Francisco por ocasião do Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Roma (2014): “Terra, teto, trabalho. É estranho, mas quando falo sobre estas coisas, para alguns parece que o Papa é comunista. Não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho.” E acrescenta Francisco que terra, casa e trabalho são “direitos sagrados”, “é a Doutrina social da Igreja”. E pronuncia esse apelo emblemático: “Nenhuma família sem casa. Nenhum camponês sem terra! Nenhum trabalhador sem direitos! Nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá”.

*Neste primeiro domingo de agosto celebramos o Dia do Padre. É oportunidade de agradecermos a Deus pelos padres que passaram por nossa vida, nos ajudaram, nos deram os sacramentos. Alguns já partiram desta vida. Outros continuam no meio de nós. É dia também de rezarmos e refletirmos sobre as vocações sacerdotais. O que você tem feito pelas vocações? Você ajuda, reza, apoia os vocacionados? Você ajuda a nós padres a sermos mais pastores, mais próximos, mais dedicados? Não trate o padre como ‘coitadinho’, não! Ele escolheu essa vocação atendendo ao chamado de Deus e da Igreja. Colocou-se livremente a serviço do evangelho. Precisa ser ajudado a viver com fidelidade e dedicação. E você, cristão leigo/a, deve ajudá-lo a ser um verdadeiro colaborador e servidor das comunidades, rezando por ele, fazendo a correção fraterna quando necessário, sendo colaborativo nos serviços e ministérios da comunidade! Ajudem-nos a sermos mais pastores, mais misericordiosos, mais generosos, mais paternais.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Eucaristia: um amor que se reparte

aureliano, 08.04.20

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Quinta-feira Santa [09 de abril de 2020]

[Jo 13,1-15]

Neste primeiro dia do Tríduo Pascal celebramos a instituição da Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do Senhor, que se desdobra em dois aspectos: a instituição do Sacerdócio Ministerial e o Serviço Fraterno da Caridade.

Perpassando o evangelho de João, notamos que não há referências aos gestos rituais de Jesus sobre o pão e vinho como o fazem os outros evangelistas. O discurso de Jesus sobre a Eucaristia está no capítulo 6° de seu evangelho.

No discurso de despedida, João salienta o gesto de Jesus ao lavar os pés de seus discípulos. Não pede que seu gesto seja reproduzido ritualmente, mas que devemos “fazer como ele fez”. Ou seja, devemos refazer em nossas relações o que Jesus fez naquele gesto simbólico: amor gratuito que torna presente o “sacramento” do amor de Cristo por todos nós. O “lava-pés” deve ser o modo de proceder, o estilo de vida da comunidade dos seguidores de Jesus: “Dei-vos o exemplo para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,15).

O sacramento do amor

A Eucaristia, memorial do sacrifício de Jesus, é o sacramento do Corpo e Sangue de Cristo que nos é dado como alimento: “Todas as vezes, de fato, que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte do Senhor até que ele venha” (1Cor 11,26). Esta presença real-sacramental do Senhor ressuscitado no pão e no vinho se estende também, de algum modo, aos irmãos. Por isto não se pode conceber a comunhão eucarística sem referência aos irmãos. Particularmente aos mais pobres e necessitados. E Paulo alerta: “Quando, pois, vos reunis, o que fazeis não é comer a Ceia do Senhor; cada um se apressa em comer a sua própria ceia; e, enquanto um passa fome, o outro fica embriagado” (1Cor 11,20).

Enquanto a Igreja propõe reflexão e ação sobre Políticas Públicas, sobre o cuidado do ser humano: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”, na busca de se efetivarem os direitos dos cidadãos, Executivo, Legislativo e Judiciário, por vezes “em nome de deus”, retiram os poucos direitos adquiridos. Assistimos recentemente à morte de vários conselhos de participação popular nas políticas de gestão do patrimônio público e de direitos do cidadão. Enquanto uns se locupletam, outros passam fome. Dizer-se crente em Jesus Cristo e decretar a morte dos indefesos é um pecado que “brada aos céus e pede a Deus vingança”.

Se a Eucaristia que celebramos não nos move a gestos eucarísticos de partilha, de respeito, de cuidados, de acolhida a cada irmão e irmã, não estamos celebrando a Memória de Jesus. A Eucaristia se efetiva em nossos gestos e atitudes de misericórdia para com nossos irmãos e irmãs.

SACERDÓCIO MINISTERIAL

Os gestos que Jesus realiza de “levantar-se”, “tirar o manto”, “vestir o avental”, “lavar os pés” revelam como devem ser as relações na comunidade: não de poder, mas de serviço. Portanto, o sacerdócio ministerial, para ser coerente com o dom recebido, deve ter como inspiração os gestos de Jesus no ‘Lava-pés’.

Quem preside à comunidade, preside também a Eucaristia. Reúne a comunidade para a oração, para a escuta da Palavra, para o serviço aos pobres, distribui as tarefas e partilha os bens ofertados. Assim proclama o Concílio Vaticano II sobre a missão do sacerdote: “De coração, feitos modelos para o rebanho, presidam e sirvam de tal modo sua comunidade local, que esta dignamente possa ser chamada com aquele nome pelo qual só e todo o Povo de Deus é distinguido, a saber: Igreja de Deus” (LG, 28).

Neste dia, na Missa Crismal (que esse ano será adiada pelo motivo do isolamento social), o presbitério renova as promessas sacerdotais diante do Bispo. Uma destas promessas revela claramente a missão do padre. Ela reza assim: “Quereis ser fiéis distribuidores dos mistérios de Deus pela missão de ensinar, pela sagrada Eucaristia e demais celebrações litúrgicas, seguindo o Cristo Cabeça e Pastor, não levados pela ambição dos bens materiais, mas apenas pelo amor aos seres humanos?”

CENA SIMBÓLICA

Vamos contemplar os gestos de Jesus e sua relação com nossa vida:

- vestir o avental: revestir-se de simplicidade, de ternura, de presença, de serviço desinteressado.

- tirar o manto: arrancar tudo que impede o serviço, a prontidão, a disponibilidade.

- levantar-se da mesa: estar à mesa é muito bom. Mas há sempre uma situação que nos espera, um ambiente carente, um serviço urgente. Levantar-se da mesa e sentar-se à mesa é uma dinâmica constante em nossa vida. Movimentos de partida e de chegada.

- levantou-se da mesa: não se pode servir permanecendo no comodismo. Algo precisa ser feito. O Senhor “precisa” de mim, como precisou do jumentinho: “O Senhor precisa dele”.

- ficar de pé: é a atitude que tomamos quando ouvimos o evangelho na celebração. Significa prontidão para deslocar-se, para sair em qualquer direção. Prontidão para viver a Boa Nova do Reino de Deus. Estar à mesa é sinal de fraternidade, mas é preciso saber a hora certa de se levantar e sair para servir.

- tirou o manto: é abrir mão do poder. Algo que brota de dentro. O manto impede a liberdade dos movimentos. Ele traz a aparência de poder. Há “mantos” que prendem e amarram. O Senhor trocou o manto pelo avental. Quais são meus “mantos”? Costumo colocar o avental?

- colocou água na bacia...: Jesus não faz serviço pela metade. Não tem receio de se inclinar até o chão para lavar os pés dos seus discípulos. Não faz distinção de ninguém. Lava os pés de todos.

- depois, voltou à mesa: retomou o manto, mas não tirou o avental. Ele quer mostrar que seu discípulo deve ser sempre servidor. Não se pode tirar o avental do serviço. Qualquer posto ou cargo ou ministério que se ocupar deve estar ali, sob o manto do poder, o avental do serviço. Então deve ser poder-serviço. Todo exercício de poder sem a dimensão do serviço (avental) está fadado a oprimir, a se corromper, a sacrificar vidas.

Vê-se, pois, que a Eucaristia foi instituída para formar um só Corpo. O corpo sacramental de Cristo no pão consagrado deve transformar o comungante no Corpo eclesial. O Espírito Santo transforma o pão e o vinho no Corpo e Sangue de Cristo, para que a assembléia celebrante e comungante se transforme no Corpo do Senhor, a Igreja. Provém daí a expressão clássica: a Eucaristia faz a Igreja e a Igreja faz a Eucaristia. Isto tem consequências profundas em nossa vida. A comunhão eucarística nos compromete com os membros (do corpo) que sofrem, que passam fome, que pecam, que estão afastados, que experimentam o abandono, que padecem por causa de nossas omissões e covardias. O senhor deu-nos o exemplo para que façamos o mesmo que ele fez: amou-nos até o fim!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Como lidar com os bens materiais

aureliano, 13.10.18

28º Domingo do Tempo Comum [14 de outubro 2018]

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   [Mc 10,17-30]

No evangelho do domingo passado refletimos sobre Jesus orientando a vida familiar. A relação conjugal não se fundamenta numa relação de dominação, mas de respeito, de corresponsabilidade, de ajuda mútua. Em síntese, marido e mulher são co-criadores com o Pai.

Neste domingo, continuando a leitura do evangelho de Marcos, Jesus continua a instruir seus discípulos para que a vida deles seja um marco diferencial na sociedade. O cristão precisa fazer a diferença. Agora Jesus ensina a se relacionar com os bens. Realidade muito próxima do casamento. A gente sabe que muitas crises no relacionamento conjugal brotam da relação com o dinheiro. Quantas brigas por conta de dívidas, por conta de diferença de salários, por conta de compra e venda! Quanta confusão, depois da separação, por causa de bens e de pensão! Quanta confusão e, por vezes, morte por causa de herança! Então vamos acompanhar a orientação de Jesus a respeito desse caminho que o discípulo deve fazer.

Esse moço que recorre a Jesus se preocupa com a vida eterna. Não lhe interessa tanto a vida presente uma vez que os bens já lhe estão garantidos. Primeiramente Jesus faz com que sua atenção se volte para o Pai e não tanto para Jesus: “Só Deus é bom”. Os mandamentos da Lei relativos ao próximo ele os tem observado. Notamos, porém, que os Dez Mandamentos não foram citados. Apenas alguns e mesmo assim naquela conotação negativa: “não”. Então lhe faltava a dimensão positiva da vida. Ele observava a Lei, mas não sabia partilhar. Não tinha gratuidade. Não sabia o que estava fazendo. Fazia por fazer. Como aqueles casos muito comuns entre nós: “Por que você quer batizar seu filho?” Ou “Por que você é católico?” A resposta normalmente ecoa: “Porque todo mundo batiza” Ou “Porque meu pai é católico”. Ou simplesmente: “Por que nasci numa tradição católica”. E por aí vai. Uma fé sem fundamento, sem gratuidade, sem generosidade, sem conhecimento, sem razão.

Jesus quis ajudar aquele homem a dar um passo decisivo na vida. É algo que caracteriza a fé cristã: a partilha. “Vai, vende tudo o que tens. Dá o dinheiro aos pobres. Depois vem e segue-me”. Não basta dividir os bens com os pobres. É preciso seguir a Jesus. O seguimento de Jesus é que caracteriza o cristão. Poder-se-iam distribuir os bens por vaidade. E nesse aspecto Paulo já alertara: “Ainda que eu desse todos os meus bens aos pobres; se não tivesse amor, isso de nada valeria” (1Cor 13,3).

No desenrolar do texto Jesus percebe a dificuldade de o rico entrar no Reino. Jesus não está falando de vida depois da morte, não. Ele está falando do Reino de Deus. A vida eterna começa aqui, com a erupção do Reino de Deus. Quem não se desapega, como aquele moço que não teve coragem de se desvencilhar dos bens, não pode entrar na vida de Deus. A vida eterna é a vida em Deus.

A salvação é dom de Deus: “Para Deus tudo é possível”. Ninguém compra a vida de Deus, repartindo seus bens, fazendo caridade etc. Deus nos salva de graça. Porém nossos gestos de bondade, de generosidade, de partilha, de perdão, de tolerância, de respeito, de solidariedade são nossa resposta à bondade de Deus que nos salva. Quem vive preso às suas coisas, fechado em si mesmo, indiferente ao sofrimento alheio ou, pior ainda, buscando sempre oportunidades para aumentar suas posses, defraudando os outros, está cada vez mais longe da salvação. Sua vida está atravancando a ação salvadora de Deus. É uma pedra de tropeço, um escândalo, que impede a vida de florescer. Mata a alegria e as esperanças das pessoas.

Na prática, cada um de nós podia dar uma olhadinha no modo como lida com os bens e posses. O que fazemos com o dinheiro? Onde o guardamos? Com que finalidade? O que estamos comprando? Para quê compramos? Tem gente que renova as mobílias todos os anos. Compra sem necessidade nenhuma. Tem gente que está sempre na ponta da tecnologia. É necessário estar na “crista da onda”? Por outro lado, há pessoas que deixam de comprar coisas essenciais para a casa, que deixam de cuidar da saúde da família para guardar o dinheiro ou aumentar o patrimônio. E, muitas vezes, se endividando com prestações a perder de vista. Tem gente que nem consulta a família para fazer certos gastos. Tem gente que gasta o salário com jogatina, com prostituição e adultério, com bebedeira sem conta, com churrascada desmedida para amigos, com drogas de toda qualidade. Tem gente que vive uma vida miserável para aplicar o dinheiro em rendimentos bancários. Mas não é capaz de partilhar um centavo com os mais pobres!

Isso sem falar da agiotagem que assassina milhares de famílias. Um pecado que brada aos céus: o sujeito tem dinheiro; vê o irmão na pior; empresta-lhe a juros exorbitantes; escraviza o pobre coitado que nunca ou quase nunca consegue pagar (Cf. Sl 15,5).

“A maneira sadia de lidar com o dinheiro é ganhá-lo de forma limpa, utilizá-lo com inteligência, fazê-lo frutificar com justiça e saber compartilhá-lo com os mais necessitados” (Pe. J. A. Pagola).

Não está na hora de colocarmos a mão na consciência e rezarmos um pouco mais nosso ser cristão? Aquele homem do evangelho voltou triste porque possuía muitos bens. Conclui-se que a posse de muitos bens não traz alegria para ninguém. A verdadeira alegria está no bom uso dos bens, do dinheiro. Quando sabemos partilhar, distribuir, comprar ou vender dentro de critérios honestos e a partir de um diálogo respeitoso e cristão dentro de nossa casa, estamos no caminho do verdadeiro discipulado de Jesus. Então experimentaremos a verdadeira alegria que brota de uma vida vivida em Deus, na construção do Reino de partilha, de paz e de justiça.

Penso ser oportuno lembrar também os milhões roubados dos cofres públicos pela corrupção; os desvios sem conta de dinheiro público para os bolsos de gestores e políticos sem consciência; os privilégios garantidos por legislação injusta como auxílio-moradia, auxílio-doença, auxílio-transporte, verba indenizatória para quem já ganha salários exorbitantes: a lei pode garantir, mas não significa que seja justo; as privatizações das empresas estatais, o desejo de alguns mandatários de tomar as reservas indígenas e quilombolas para repassá-las a empresários que não têm mais onde guardar dinheiro. A distância entre ricos e pobres tende a aumentar cada vez mais em nosso País. E pior: com o aval do ‘sufrágio universal’ (votos nas urnas). A estatística confirma que, nas últimas eleições, cresceu no Congresso Nacional o número de milionários. Eles irão propor ou votar projetos que favoreçam os mais pobres em detrimento de aumentarem seu patrimônio? Vamos pensar nisso.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

"Dai-lhes vós mesmos de comer"

aureliano, 27.07.18

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17º Domingo do Tempo Comum [29 de julho de 2018]

 [Jo 6,1-15]

Estávamos até então refletindo o evangelho de Marcos. Neste e nos próximos domingos vamos refletir o capítulo 6º de João. A Igreja pensou numa oportunidade de se considerar o evangelho de João tão rico, mas com pouco espaço no calendário litúrgico.

Marcos, o evangelho mais antigo, trata do sinal da multiplicação dos pães de modo a notar maior solidariedade entre os cristãos. Ele envolve os discípulos na cena: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.

Mas o fato é que os discípulos não se preocupam com a fome das pessoas. Por isso eles recomendam a Jesus que os despeça para que comprem pão pelo caminho. Ou seja: deixe que eles se virem.

O problema é que, quem tem dinheiro vai se alimentar. Mas quem não o tem, vai continuar com fome. Notamos que a solução apresentada pelos discípulos foi extremamente egoísta. Cada um deve se virar! É a proposta da economia neoliberal: quem tem condições, capital, investe e cresce. Quem não tem, sobra. O caminho do atual governo do nosso País é exatamente esse: preocupação absoluta com o mercado e abandono das políticas públicas e sociais.

No evangelho de João, Jesus age de modo soberano. Enquanto Marcos esconde o mistério e a missão de Jesus aos ouvintes, pois não eram capazes de compreender, João revela para o cristão a glória de Deus.

Interessante no texto de hoje é esse olhar misericordioso de Jesus. No evangelho do domingo passado vimos Jesus manifestando sua compaixão pelo povo, pois estava “como ovelhas sem pastor”. Então ele inventa um jeito de cuidar do rebanho.

Ninguém precisa ficar esperando milagre do céu. É só mudar a mente e o coração e começar a colocar em comum os bens e os dons. Aqueles pães e peixes, depois que estão nas mãos de Jesus, que dá graças sobre eles, não são mais do jovem nem dos apóstolos, mas de Deus para a multidão faminta. Isso mostra que os bens e dons que temos, vividos na dimensão da “ação de graças” não são mais nossos, mas “eucaristizados” para “eucaristizar”, ou seja, usados numa partilha alegre e comprometida.

A Eucaristia de que participamos semanalmente deve nos levar a essa “vida eucarística”, numa partilha generosa para que “todos tenham vida”.

Vimos, pelo evangelho de hoje, que o problema da fome no mundo não se resolve com dinheiro. Somente o espírito de partilha e de solidariedade é capaz de diminuir a fome nos países e regiões empobrecidos. Enquanto prevalecer desperdício, acúmulo, ganância, propina, desonestidade haverá famintos e necessitados no mundo.

A Igreja tem a missão de atuar profeticamente no mundo para que haja mais partilha e justa distribuição de renda. Para isso a Igreja precisa ser pobre. Somente uma Igreja pobre, no espírito de São Francisco de Assis, conforme tem preconizado tantas vezes o Papa Francisco, poderá ter credibilidade e influência na história. Tudo isso, porém a partir do encontro profundo com a pessoa de Jesus de Nazaré. Pois sem conversão do coração, atuada pela graça libertadora de Deus em nós, não se entende nem se exerce a partilha dos dons e dos bens.

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AS CONSEQUÊNCIAS DA CELEBRAÇÃO DA EUCARISTIA

Os exegetas interpretam Jo 6,1-15 como um relato eucarístico. Ou seja, ele quer significar o sentido da celebração da Eucaristia na Igreja. Sendo assim podemos afirmar que só faz sentido a celebração eucarística que compromete os participantes com os necessitados da comunidade. Aliás, há um belíssimo texto do século II, escrito por São Justino, que fornece as indicativas para a celebração da Eucaristia: “No dia que se chama do Sol [domingo] celebra-se uma reunião dos que moram nas cidades e nos campos e ali se lêem, quanto o tempo permite, as Memórias dos Apóstolos ou os escritos dos profetas. Assim que o leitor termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos tais belos exemplos. Erguemo-nos, então, e elevamos em conjunto as nossas preces, após as quais se oferecem pão, vinho e água, como já dissemos. O presidente também, na medida de sua capacidade, faz elevar a Deus suas preces e ações de graças, respondendo todo o povo ‘Amém’. Segue-se a distribuição a cada um, dos alimentos consagrados pela ação de graças, e seu envio aos doentes, por meio dos diáconos. Os que têm, e querem, dão o que lhes parece, conforme sua livre determinação, sendo a coleta entregue ao presidente, que assim auxilia os órfãos e viúvas, os enfermos, os pobres, os encarcerados, os forasteiros, constituindo-se, numa palavra, o provedor de quantos se acham em necessidade.” (Apologias).

Esse último parágrafo nos remete ao texto do evangelho de hoje: a Eucaristia deve nos mover à partilha, à sensibilidade para com os necessitados. Os bens e os dons são oferecidos para o bem dos mais pobres e carentes.

Por vezes se levantam questões meramente rituais: se o ministro deixou de fazer isso ou aquilo dentro da celebração. Outros ficam implicados se a comunhão deve ser dada na mão ou na boca. Se o fulano pode ou não pode comungar etc. Com isso se esquece do essencial da Eucaristia que é o louvor ao Pai em Cristo e na força do Espírito que se concretiza na caridade fraterna.

Outro texto dos primeiros séculos do cristianismo também vai nessa mesma direção. São Cipriano (século III), bispo de Cartago, exortava a uma matrona rica da cidade: “De resto, tal como és, nem podes praticar a caridade na Igreja. Com efeito, teus olhos cobertos por espessas trevas e pela escuridão da pintura negra, não vêem o necessitado e o pobre. És abastada e rica e pensas que celebras o domingo. Tu, que nem sequer olhas para a caixa de esmolas, vens à celebração dominical sem oblação, e ainda participas da oblação que o pobre ofereceu?” (Patrística, Obras Completas I, Vol. 35,1).

A Eucaristia é o espaço e o ambiente cultual próprio que deve mover à partilha. Participar, comungar e voltar para casa como se nada acontecesse ao derredor é um descaso e uma ofensa ao Senhor que se oferece por nós. Pois ele lançou um olhar sobre a multidão faminta e providenciou-lhe o alimento (cf Mc 6, 35-44).

Ainda insistindo na importância da Eucaristia na vida da Igreja chamada a ser Sinal de Cristo no mundo, tomo aqui uma catequese do Papa Francisco para nos ajudar a perceber o sentido e as consequências da celebração da Ceia do Senhor: “Ao primeiro gesto de Jesus, ‘tomou o pão e o cálice do vinho’, corresponde assim a preparação dos dons, é a primeira parte da preparação eucarística. É bom que sejam os fiéis a apresentar o pão e o vinho ao sacerdote, porque eles significam a oferta espiritual da Igreja ali recolhida para a Eucaristia. Ainda que hoje os fiéis já não levem, como antes, o seu próprio pão e vinho destinados à Liturgia, todavia o rito da apresentação destes dons conserva o seu valor e significado espiritual.

A propósito, é significativo que, na ordenação de um presbítero, o bispo, quando lhe entrega o pão e o vinho, diz: ‘Recebe as ofertas do povo santo para o sacrifício eucarístico’; é o povo de Deus que leva a oferta para a missa. Portanto, nos sinais do pão e do vinho o povo fiel coloca a própria oferta nas mãos do sacerdote, o qual a depõe sobre o altar ou mesa do Senhor, que é o centro de toda a Liturgia Eucarística. O centro da missa é o altar e o altar é Cristo. No ‘fruto da terra e do trabalho do homem’ é por isso oferecido o compromisso dos fiéis a fazer de si próprios, obedientes à Palavra divina, um ‘sacrifício agradável a Deus Pai todo-poderoso’, ‘para o bem de toda a sua santa Igreja’. Desta maneira a vida dos fiéis, o seu sofrimento, a sua oração, o seu trabalho são unidos aos de Cristo e à sua oferta total, e deste modo adquirem um valor novo.

É verdade que a nossa oferta é coisa pouca, mas Cristo precisa deste pouco – como acontece na multiplicação dos pães – para o transformar no dom eucarístico que a todos alimenta e irmana no seu Corpo que é a Igreja. Pede-nos pouco o Senhor e dá-nos tanto, boa vontade, coração aberto, sermos melhores, e na Eucaristia pede-nos estas ofertas simbólicas que se tornarão Corpo e Sangue. Uma imagem deste movimento oblativo de oração é representada pelo incenso que, consumido no fogo, liberta um fumo perfumado que sobe para o alto: incensar as ofertas, a cruz, o altar, o sacerdote e o povo sacerdotal manifesta visivelmente o vínculo do ofertório que une toda esta realidade ao sacrifício de Cristo. Recordemos que o primeiro altar é a Cruz.

É quanto exprime também a oração sobre as ofertas. Nela o sacerdote pede a Deus que aceite os dons que a Igreja lhe oferece, invocando o fruto do admirável intercâmbio entre a nossa pobreza e a sua riqueza. No pão e no vinho apresentamos-lhe a oferta da nossa vida, a fim de que seja transformada pelo Espírito Santo no sacrifício de Cristo e se torne com Ele uma única oferta espiritual agradável ao Pai. Enquanto se conclui assim a preparação dos dons, a assembleia dispõe-se para a Oração Eucarística.

A espiritualidade do dom de si, que este momento da missa nos ensina, possa iluminar os nossos dias, as relações com os outros, as coisas que fazemos, os sofrimentos que encontramos, ajudando-nos a construir a cidade terrena à luz do Evangelho” (fonte: www.snpcultura.org).

Não é o dinheiro que vai resolver o problema da fome no Brasil e no mundo. Resolve-se a fome com a partilha, com a generosidade, com a disponibilidade de não reter somente para si “os cinco pães e os dois peixes”. Quem tem muito dinheiro, ao invés de ajudar a diminuir a fome, aprofunda o fosso da miséria. A fome é debelada pelo espírito de partilha, de solidariedade, de cuidado, de justiça, de não deixar desperdiçar-se o alimento, de distribuir equitativamente o pão. E essa compreensão e atitude estão enraizadas na vida de Jesus de Nazaré cujo Memorial é a Eucaristia.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN