Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

aurelius

aurelius

Importa dar a vida por mais vida

aureliano, 19.04.24

4º Domingo da Páscoa - 22 de abril.jpg

4º Domingo da Páscoa [21 de abril de 2024]

[Jo 10,11-18] 

O quarto domingo da Páscoa sempre traz o tema do Bom Pastor. A comunidade de Israel estava habituada a lidar com a imagem de pastor porque era um povo de pastores de ovelhas e cabras. Um grande pastor que se tornou ícone para a comunidade israelita foi Davi. De simples pastor do rebanho de seu pai, tornou-se rei de Israel e Judá. Ainda jovem salvou o rebanho de seu pai enfrentando o leão, arriscando sua própria vida (cf. 1Sm 17,34-37).

Houve outros líderes da comunidade, além de Davi, que foram pastores como Moisés e Saul. Com o passar do tempo os chefes de Israel eram tidos como pastores. Mas a maioria portava-se como mercenária. Os profetas levantaram a voz contra estes tais: “Ai dos pastores de Israel que apascentam a si mesmos! Não é o rebanho que eles devem apascentar? Comeis as partes gordas, vos vestis com a lã, sacrificando os animais cevados; mas o rebanho, não o apascentais” (Ez 34, 2-3).

Num tempo em que começaram a haver desentendimentos nas primeiras comunidades cristãs acerca da compreensão de liderança, o relato de hoje quer mostrar que Jesus não é ‘um’ pastor, mas ele é ‘o’ Pastor. Os olhares e os corações devem se voltar para ele. A liderança religiosa deve se inspirar nele, permitir que ele, Jesus, pastoreie as comunidades.

Jesus é o Bom Pastor. Ele tem coragem de dar a vida “livremente”. Ele é a “porta” do curral: não prende, não fecha. Ele veio libertar das garras dos lobos e mercenários. Ele enfrenta o lobo, cura as feridas, protege as ovelhas tornando-as autônomas e protagonistas. Enfrenta a morte “para que todos tenham vida”.

Algumas considerações:

  1. O mercenário não se interessa pelas ovelhas, pois busca seu próprio interesse. Há mercenários na política e na religião que continuam confundindo e explorando os pobres e simples, enganando com promessas de solução fácil. Só enganam e exploram os incautos. É preciso ter cuidado!
  2. Hoje é o dia das Pastorais da Igreja. Estas são um modo de Jesus pastorear seu rebanho. Um modo de servir às várias necessidades das comunidades. Pastoral do batismo, da liturgia, da catequese, da criança, das vocações, da mulher marginalizada, do menor, dos encarcerados etc. Não se trata de uma mera organização. Trata-se de um modo de serviço, a partir de Jesus, dentro da Igreja, às várias necessidades das pessoas. É importante assumir esse serviço como um ‘lavar os pés’. Jamais como meio de autopromoção, de desfile dentro do templo nos corredores e presbitérios a cata de aplausos e reconhecimento. Há pessoas na liderança da comunidade (padres e leigos) que vivem buscando vantagens, lucros, em constante competição, atrás de benesses sociais e financeiras. Contemplemos os gestos do Bom Pastor...
  3. Há muitas formas de ser pastor: pastores devem ser os pais, os professores, os chefes de órgãos públicos. Como você está exercendo seu serviço? Suas atitudes se aproximam mais das de Jesus ou das atitudes do mercenário? Qual é o grau de seu interesse pela pessoa humana? De que modo você manifesta isso?
  4. Ovelhas ou protagonistas? Em tempos de aprofundamento e vivência do laicato na Igreja, uma pergunta se faz necessária e oportuna: como anda o protagonismo do cristão leigo em contraposição à submissão da ovelha? Os pastores enfrentam o grande desafio de conhecer e compreender a nova situação do leigo. Para isso precisam conhecer os verdadeiros anseios que estão no coração de todas as pessoas tanto rurais como urbanas. Devem conhecer suas angústias, seus desejos e frustrações. Já as ovelhas: que se decidam a ser protagonistas de suas vidas, para que a decisão de seguir o Bom Pastor não seja apenas um ato de acompanhamento da massa, mas a  decisão livre e corajosa de construir o Reino de Deus junto ao Bom Pastor, para um mundo mais justo, fraterno e acolhedor.
  5. Reforçando essa ideia do pastoreio, gostaria de enfatizar ainda o seguinte: Jesus é o “bom Pastor” porque ele “dá a vida”. Não pode vir em primeiro lugar a ideia de que pastor é o organizador, o controlador, o coordenador, o mantenedor da ordem, o zelador da doutrina e das normas litúrgicas. A partir de Jesus, deve vir em primeiro lugar a disposição de “dar a vida” para aliviar o sofrimento e transmitir a alegria de viver. Não foi isso que Jesus fez? Então pastor/pastora é todo aquele/a que está disposto a sair de si, a doar a vida, a cuidar dos sofredores, a aliviar a dor, a acolher, a curar as feridas, a carregar nos ombros, a zelar pelas ovelhas mais sofridas e abandonadas. É em consequência disso e para o maior bem do rebanho que ele vai se preocupar com a doutrina e o ensinamento. Jesus é o “bom pastor” não por saber governar e guiar melhor do que os outros, mas porque “amou até o fim”, porque foi capaz de empenhar a sua vida pelo rebanho.

-----------xxxxx-----------

É oportuno também, neste dia do Bom Pastor, refletir sobre a Mensagem da CNBB ao Povo Brasileiro por ocasião da 61ª Assembleia em Aparecida. Eles são nossos Pastores.

“O passado recente nos ensina que a busca de soluções para o Brasil passa necessariamente pelo diálogo e pelo entendimento. Muito do que superamos deveu-se à articulação entre agentes lúcidos e cidadãos compromissados com a vida, a democracia e o país. As instituições brasileiras e a sociedade civil são fundamentais nesse processo. Os três poderes da República são instados a viver o que preconiza a Constituição. Independência e harmonia não são opções de momento, são deveres permanentes e irrenunciáveis.

Na sociedade do diálogo, a paz é um imperativo. O primeiro dom do Ressuscitado foi de que a paz estivesse no nosso meio (cf. João 20,21). Papa Francisco recorda que a paz, por ação da força “mansa e santa” dos que creem, deve ser buscada como forma de “se opor ao ódio da guerra” (Papa Francisco, 1º. de janeiro de 2024). Desejamos paz para os inúmeros países em guerra, cujas consequências são milhares de mortes e milhões de deslocados e refugiados. Os gastos militares em 2023 foram os mais altos desde a Segunda Guerra Mundial, enquanto a fome cresceu e alcança parcela significativa da população mundial” (Mensagem dos Bispos Católicos ao Povo Brasileiro).

----------xxxxx---------

Nesse Domingo a Igreja é convidada a rezar pelas vocações. Há vários anos que o Papa escreve uma mensagem motivando a oração pelas vocações. Na mensagem para este ano Francisco recomenda a gratidão, a esperança e a oração. Agradecer pelos que dizem um sim generoso cotidianamente, incansavelmente: na família ou na vida consagrada. Alimentarmos a esperança que nos ilumina e inspira nas incertezas e escuridão da vida. E rezarmos pelas vocações, pedindo ao Senhor da messe que desperte em nossos jovens o desejo de seguir a Jesus, de se deixar fascinar por ele.

“Este Dia proporciona-nos sempre uma boa ocasião para recordar, com gratidão, diante do Senhor o compromisso fiel, quotidiano e muitas vezes escondido daqueles que abraçaram uma vocação que envolve toda a sua vida. Penso nas mães e nos pais que não olham primeiro para si mesmos, nem seguem a tendência dum estilo superficial, mas organizam a sua existência cuidando das relações com amor e gratuidade, abrindo-se ao dom da vida e pondo-se ao serviço dos filhos e seu crescimento. Penso em todos aqueles que realizam, dedicadamente e em espírito de colaboração, o seu trabalho; naqueles que, em diferentes campos e de vários modos, se empenham por construir um mundo mais justo, uma economia mais solidária, uma política mais equitativa, uma sociedade mais humana, isto é, em todos os homens e mulheres de boa vontade que se dedicam ao bem comum. Penso nas pessoas consagradas, que oferecem a sua existência ao Senhor quer no silêncio da oração quer na atividade apostólica, às vezes na linha de vanguarda e sem poupar energias, servindo com criatividade o seu carisma e colocando-o à disposição de quantos encontram. E penso naqueles que acolheram a chamada ao sacerdócio ordenado, se dedicam ao anúncio do Evangelho, repartem a sua vida – juntamente com o Pão Eucarístico – pelos irmãos, semeiam esperança e mostram a todos a beleza do Reino de Deus. (Mensagem do Papa Francisco para o 61º Dia Mundial de Oração pelas Vocações).

Refletindo: Você reza pelas vocações? O que você faz para que mais pessoas tenham a coragem de dar seu sim generoso ao chamado do Pai para um serviço específico na Igreja como padre, religioso, religiosa? Precisamos pedir ao Pai que “envie trabalhadores para a messe”. E, junto à oração, incentivar e apoiar aqueles que se dispõem a entrar nesse caminho.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Entre pastores e mercenários: vigiai!

aureliano, 10.05.19

4º Domingo da Páscoa - C - 12 de maio.jpg

4º Domingo da Páscoa [12 de maio de 2019]

[Jo 10,27-30]

O contexto do evangelho de hoje é o de Jesus passeando dentro do Templo, por ocasião da festa da Dedicação, quando um grupo de judeus se aproxima, ameaçando-o. Jesus lhes recrimina a falta de fé: “Vós não credes porque não sois das minhas ovelhas” (Jo 10,26). Ouvindo estas palavras os judeus queriam apedrejá-lo (Jo 10,31).

E Jesus lhes diz que, para ser ovelhas do seu rebanho, precisam escutar a sua voz: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem”. Aqui está o que é essencial na fé cristã: ouvir a voz de Jesus e segui-lo. Não é cristão quem se recusa a escutar a Jesus e não se dispõe a segui-lo.

A primeira coisa que precisamos trabalhar em nós é a capacidade de escutar. Em meio a tantas vozes que ressoam aos nossos ouvidos, precisamos desenvolver a capacidade de distinguir a voz do Bom Pastor. Sua voz não se mistura com os gritos do consumismo, da teologia da prosperidade, do desespero, das ameaças, dos moralismos, do preconceito, daqueles que defendem e propagam a violência e uso das armas de fogo. A voz de Jesus se confunde com sua própria vida. Ele dá a vida por suas ovelhas. Quem não tem coragem de dar a vida, de se colocar a serviço, não pode ser ouvido nem seguido. É a voz do lobo que quer devorar: pensa somente em si mesmo. O pastor se sacrifica pelo bem das ovelhas; o mercenário sacrifica as ovelhas em seu próprio benefício.

A palavra viva, concreta e inconfundível de Jesus deve ocupar o centro de nossa vida, de nossas famílias e de nossas comunidades. Por isso precisaríamos adotar o piedoso costume de, todas as manhãs, rezar um trechinho da Sagrada Escritura. Assim vamos nos aproximando daquele ideal de discípulo que sabe ouvir e sabe dizer uma palavra de conforto ao que sofre: “O Senhor Deus me deu língua de discípulo para que soubesse trazer ao cansado uma palavra de conforto. De manhã em manhã, sim, desperta o meu ouvido, para que eu ouça como os discípulos. O Senhor Deus abriu-me o ouvido, e eu não fui rebelde, não recuei” (Is 50,4-5).

Juntamente com a escuta da voz do Pastor vem a segunda parte determinante no discipulado: o seguimento. Prega-se por aí uma religião aburguesada, descomprometida com as dores do povo. Como se o culto fosse um lugar de ‘sedar’ as consciências, de busca de ‘conforto’ espiritual, de uma espécie de ‘negócio’ com Deus. Ao ouvir a Palavra, precisamos nos posicionar. A fé cristã incide diretamente no modo de viver do cristão. A oração (diálogo com Deus) nos coloca na dinâmica da realização da vontade do Pai. É o seguimento de Jesus: crer no que ele creu, dar importância ao que ele deu, defender a causa que ele defendeu, aproximar-se dos pequenos e indefesos como ele se aproximou, confiar no Pai como ele confiou, enfrentar a cruz com a esperança que ele enfrentou.

Escutar a voz do Bom Pastor pode ser até fácil. Mas segui-lo demanda tomada de decisão, atitude cotidiana de conversão. Pe. Antônio Pagola diz que “É fácil instalar-nos na prática religiosa, sem deixar-nos questionar pelo chamado que Jesus nos faz no evangelho deste domingo. Jesus está dentro da religião, mas não nos arrasta para seguirmos seus passos. Sem dar-nos conta nos acostumamos a viver de maneira rotineira e repetitiva. Falta-nos a criatividade, a renovação e a alegria de quem vive esforçando-se por seguir a Jesus” (www.musicaliturgica.com).

Considerações necessárias:

  1. Hoje é o dia das Pastorais da Igreja. Estas são um modo de Jesus pastorear seu rebanho. Um modo de servir às várias necessidades das comunidades. Pastoral do batismo, da liturgia, da catequese, da criança, da mulher marginalizada, do menor, dos encarcerados etc. Não se trata de uma mera organização. Trata-se de um modo de serviço, a partir de Jesus, dentro da Igreja, às várias necessidades das pessoas. É importante assumir esse serviço como um ‘lavar os pés’. Jamais como meio de autopromoção, de desfile dentro do templo nos corredores e presbitérios a cata de aplausos e reconhecimento. Há pessoas na liderança da comunidade (padres e leigos) que vivem buscando vantagens, lucros, em constante competição, atrás de benesses sociais e financeiras, transformando o espaço litúrgico num palco. É preciso lançar um olhar para o Bom Pastor. Papa Francisco não se cansa de repetir que “Missa não é espetáculo, mas encontro com o Senhor”.
  2. É urgente lembrar que hoje é dia, também, de oração pelas vocações sacerdotais, religiosas e ministeriais na Igreja. Você reza pelas vocações? O que você faz para que mais pessoas tenham a coragem de dar seu sim generoso ao chamado do Pai para um serviço específico na Igreja, como padre, religioso, religiosa? Precisamos pedir ao Pai que “envie trabalhadores para a messe”. E, junto à oração, incentivar e apoiar aqueles que se dispõem a entrar nesse caminho.
  3. Há muitas formas de ser pastor: pastores devem ser os pais, os professores, os chefes de órgãos públicos. Como os líderes religiosos e políticos estão exercendo seu serviço? São pastores ou mercenários? Qual é o nível de seu interesse pela pessoa humana? – Infelizmente, o que temos presenciado, ultimamente, nos homens públicos de nosso país, enche-nos de vergonha: uma busca desenfreada pelo poder, pelo dinheiro, por benefícios pessoais, sem o mínimo de ética e de respeito pelo pobres de nossa nação! Na campanha eleitoral enchem a boca para dizer que vão defender os direitos dos pobres. Depois, enchem o bolso de dinheiro surrupiado dos pobres.
  4. Convido o leitor para ler com atenção esse trechinho da Mensagem dos Bispos, nossos Pastores, por ocasião da 57ª Assembleia Geral: “A violência também atinge níveis insuportáveis. Aos nossos ouvidos de pastores chega o choro das mães que enterram seus filhos jovens assassinados, das famílias que perdem seus entes queridos e de todas as vítimas de um sistema que instrumentaliza e desumaniza as pessoas, dominadas pela indiferença. O feminicídio, o submundo das prisões e a criminalização daqueles que defendem os direitos humanos reclamam vigorosas ações em favor da vida e da dignidade humana. O verdadeiro discípulo de Jesus terá sempre no amor, no diálogo e na reconciliação a via eficaz para responder à violência e à falta de segurança, inspirado no mandamento “Não matarás”, e não em projetos que flexibilizem a posse e o porte de armas”.
  5. Celebramos também o Dia das Mães. Seria bom nos lembrarmos neste dia das mães sofredoras. Há mães que não experimentam alegrias neste dia. Talvez experimentem ainda uma dor maior. Que tal fazermos uma visita solidária a alguma mãe sofrida? Que tal darmos uma presença a crianças que não têm a mãe por perto? Mais do que festanças, comilanças e bebedeiras, precisamos caminhar na direção de maior solidariedade!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Pastores e Pastorais, cuidem do rebanho!

aureliano, 20.07.18

16º domingo do TC - B.jpg

16º Domingo do Tempo Comum [22 de julho de 2018]

  [Mc 6,30-34]

Estamos ainda no capítulo sexto de Marcos. Se você notar bem, houve um salto em relação aos versículos proclamados no evangelho do último domingo. O texto retoma o envio dos discípulos: a volta da missão. O relato do assassinato do Batista (6,17-28) mostra um banquete de morte. Jesus vem oferecer um banquete de vida.

Jesus oferece aos discípulos, que retornam cansados da missão, um descanso. Esse descanso, porém não é uma ociosidade improdutiva. Mas, pelo entendimento que o autor sagrado tem do deserto, trata-se de uma retirada para um encontro com Deus. Pois deserto, na Sagrada Escritura, é o lugar da luta contra o espírito do mal e do encontro com o Pai, na oração. De qualquer modo, é um lugar de revisão de vida, encontro consigo mesmo, de confronto e luta espiritual. Ajuda a descobrir por que caminhos Deus nos quer conduzir.

Para surpresa do grupo de Jesus, a multidão chegou lá antes deles. O que surpreende ainda mais é a atitude de Jesus. Em vez de expulsar, de maldizer a multidão, de reclamar ‘contra Deus e o mundo’, pois estavam em busca de “descansar um pouco”, enche-se de compaixão “porque eram como ovelhas sem pastor”. Jesus nunca decepciona aqueles que o buscam. Tem sempre um gesto, uma palavra que conforta e reanima.

Essa atitude de Jesus é o centro do relato de hoje. Jesus não sabia olhar para ninguém com indiferença. Não suportava ver as pessoas sofrendo. Esse seu jeito de ser entrou no coração das primeiras gerações cristãs. Por isso Marcos recorda esse fato, num tempo em que, certamente, a indiferença e mesmo o cansaço ameaçavam minar a vida da comunidade. Então começam a perceber que Jesus se compadecia das crianças sem carinho, dos enfermos abandonados e sofredores, dos que passavam fome. Estava atento ao que se passava ao seu redor. Não era um alienado e ensimesmado.

Essas atitudes de Jesus levam a comunidade a reconhecê-lo como o Pastor prometido em Ezequiel 34: “Eu mesmo vou buscar meu rebanho para cuidar dele”. Cuida das ovelhas fracas, cura as feridas, conforta as doentes, alimenta as famintas, busca e reconduz as desgarradas e perdidas. É o bom Pastor do Salmo 23 (22) que não abandona “no vale tenebroso” aqueles que a Ele se entregam confiantes.

Esse gesto de Jesus nos insta a olhar com mais cuidado ao nosso redor. Pode ser u’a mãe que não sabe o que fazer com o filho rebelde ou desencontrado. Pode ser um pai desempregado e desiludido. Pode ser uma esposa que não suporta mais a droga na família. Pode ser um jovem decepcionado com os pais. Pode ser uma pessoa perdida em relação ao sentido da vida e à religião. Pode ser uma jovem que engravidou e não sabe o que fazer para não ser expulsa de casa ou abandonada pelo namorado. Precisamos estar atentos, compassivamente, como Jesus. As dores e angústias das pessoas estremeciam-lhe a alma, moviam-lhe a entranhas.

Às vezes perdemos tempo e energia discutindo ninharias, falando mal dos outros, ou mesmo envolvidos em questões mesquinhas, enquanto há tantas “ovelhas sem pastor”. Há, pois, necessidade urgente de formarmos lideranças que sejam verdadeiros pastores e pastoras para o povo. Chega de lobos travestidos de ovelhas, de mercenários travestidos de pastores!

A nomenclatura que tanto usamos nas comunidades – pastoral - tem aí sua raiz. Por isso, hoje, o importante não é multiplicar atividades chamando-as de pastoral, mas estar atento para que, os que as realizam, tenham alma de pastor, atitude de pastor: acolhida, liderança e amor até doar a própria vida. É preciso adquirir o “cheiro das ovelhas”. E as “ovelhas” não são apenas as pessoas que frequentam nosso grupo, mas toda pessoa em situação de necessidade.

“Pastoral é conduzir o povo pelo caminho de Deus. É inspirada não pelo desejo de poder, mas pelo espírito de serviço. Jesus não procurou arrebanhar o povo para si. Inclusive, vendo o entusiasmo equivocado, se retirou (Jo 6,14-15). Ele procura levar o rebanho ao Pai, nada mais. Ser pastor não é autoafirmação, mas o dom de orientar carinhosamente o povo eclesial para Deus” (Pe. J. Konings).

Note bem: Uma das razões do celibato consagrado dos religiosos e dos padres é deixá-los mais disponíveis para cuidar das ovelhas sem pastor. Sendo assim, o tempo que gastariam consigo mesmos e com suas coisas, gastam-no com o rebanho que lhes foi confiado. Rezemos para que nossos padres, religiosos e religiosas vivam com alegria sua consagração e se dediquem, com generosidade, ao serviço das ovelhas, principalmente daquelas abandonadas e infelizes, sem medir esforços, sem adiar urgências, sem mediocridade, mas com o espírito de Jesus, Bom Pastor.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O Bom Pastor arrisca; o mercenário foge

aureliano, 20.04.18

4º Domingo da Páscoa - 22 de abril.jpg

4º Domingo da Páscoa [22 de abril de 2018]

[Jo 10,11-18] 

O quarto domingo da Páscoa sempre traz o tema do Bom Pastor. A comunidade de Israel estava habituada a lidar com a imagem de pastor porque era um povo de pastores de ovelhas e cabras. Um grande pastor que se tornou ícone para a comunidade israelita foi Davi. De simples pastor do rebanho de seu pai, tornou-se rei de Israel e Judá. Ainda jovem salvou o rebanho de seu pai enfrentando o leão, arriscando sua própria vida (cf. 1Sm 17,34-37).

Houve outros líderes da comunidade, além de Davi, que foram pastores como Moisés e Saul. Com o passar do tempo os chefes de Israel eram tidos como pastores. Mas a maioria portava-se como mercenária. Os profetas levantaram a voz contra estes tais: “Ai dos pastores de Israel que apascentam a si mesmos! Não é o rebanho que eles devem apascentar? Comeis as partes gordas, vos vestis com a lã, sacrificando os animais cevados; mas o rebanho, não o apascentais” (Ez 34, 2-3).

Num tempo em que começaram a haver desentendimentos nas primeiras comunidades cristãs acerca da compreensão de liderança, o relato de hoje quer mostrar que Jesus não é ‘um’ pastor, mas ele é ‘o’ Pastor. Os olhares e os corações devem se voltar para ele. A liderança religiosa deve se inspirar nele, permitir que ele, Jesus, pastoreie as comunidades.

Jesus é o Bom Pastor. Ele tem coragem de dar a vida “livremente”. Ele é a “porta” do curral: não prende, não fecha. Ele veio libertar das garras dos lobos e mercenários. Ele enfrenta o lobo, cura as feridas, protege as ovelhas tornando-as autônomas e protagonistas. Enfrenta a morte “para que todos tenham vida”.

Algumas considerações:

  1. O mercenário não se interessa pelas ovelhas, pois busca seu próprio interesse. Há mercenários na política e na religião que continuam confundindo e explorando os pobres e simples, enganando com promessas de solução fácil. Só enganam e exploram os incautos. É preciso ter cuidado!
  2. Hoje é o dia das Pastorais da Igreja. Estas são um modo de Jesus pastorear seu rebanho. Um modo de servir às várias necessidades das comunidades. Pastoral do batismo, da liturgia, da catequese, da criança, da mulher marginalizada, do menor, dos encarcerados etc. Não se trata de uma mera organização. Trata-se de um modo de serviço, a partir de Jesus, dentro da Igreja, às várias necessidades das pessoas. É importante assumir esse serviço como um ‘lavar os pés’. Jamais como meio de autopromoção, de desfile dentro do templo nos corredores e presbitérios a cata de aplausos e reconhecimento. Há pessoas na liderança da comunidade (padres e leigos) que vivem buscando vantagens, lucros, em constante competição, atrás de benesses sociais e financeiras. Contemplemos os gestos do Bom Pastor...
  3. Há muitas formas de ser pastor: pastores devem ser os pais, os professores, os chefes de órgãos públicos. Como você está exercendo seu serviço? Suas atitudes se aproximam mais das de Jesus ou das atitudes do mercenário? Qual é o grau de seu interesse pela pessoa humana? De que modo você manifesta isso?
  4. Ovelhas ou protagonistas? Em tempos de aprofundamento e vivência do laicato na Igreja, uma pergunta se faz necessária e oportuna: como anda o protagonismo do cristão leigo em contraposição à submissão da ovelha? Os pastores enfrentam o grande desafio de conhecer e compreender a nova situação do leigo. Para isso precisam conhecer os verdadeiros anseios que estão no coração de todas as pessoas tanto rurais como urbanas. Devem conhecer suas angústias, seus desejos e frustrações. Já as ovelhas: que se decidam a ser protagonistas de suas vidas, para que a decisão de seguir o Bom Pastor não seja apenas um ato de acompanhamento da massa, mas a  decisão livre e corajosa de construir o Reino de Deus junto ao Bom Pastor, para um mundo mais justo, fraterno e acolhedor.
  5. Reforçando essa ideia do pastoreio, gostaria de enfatizar ainda o seguinte: Jesus é o “bom Pastor” porque ele “dá a vida”. Não pode vir em primeiro lugar a ideia de que pastor é o organizador, o controlador, o coordenador, o mantenedor da ordem, o zelador da doutrina e das normas litúrgicas. A partir de Jesus, deve vir em primeiro lugar a disposição de “dar a vida” para aliviar o sofrimento e transmitir a alegria de viver. Não foi isso que Jesus fez? Então pastor/pastora é todo aquele/a que está disposto a sair de si, a doar a vida, a cuidar dos sofredores, a aliviar a dor, a acolher, a curar as feridas, a carregar nos ombros, a zelar pelas ovelhas mais sofridas e abandonadas. É em consequência disso e para o maior bem do rebanho que ele vai se preocupar com a doutrina e o ensinamento. Jesus é o “bom pastor” não por saber governar e guiar melhor do que os outros, mas porque “amou até o fim”, porque foi capaz de empenhar a sua vida pelo rebanho.

-----------xxxxx------------

Nesse Domingo a Igreja é convidada a rezar pelas vocações. Transcrevi algumas palavras do Papa Francisco para esse dia:

“Não poderemos descobrir a chamada especial e pessoal que Deus pensou para nós, se ficarmos fechados em nós mesmos, nos nossos hábitos e na apatia de quem desperdiça a sua vida no círculo restrito do próprio eu, perdendo a oportunidade de sonhar em grande e tornar-se protagonista daquela história única e original que Deus quer escrever conosco.

(...) A alegria do Evangelho, que nos abre ao encontro com Deus e os irmãos, não pode esperar pelas nossas lentidões e preguiças; não nos toca, se ficarmos debruçados à janela, com a desculpa de continuar à espera dum tempo favorável; nem se cumpre para nós, se hoje mesmo não abraçarmos o risco duma escolha. A vocação é hoje! A missão cristã é para o momento presente! E cada um de nós é chamado – à vida laical no matrimônio, à vida sacerdotal no ministério ordenado, ou à vida de especial consagração – para se tornar testemunha do Senhor, aqui e agora.

(...) O Senhor continua hoje a chamar para O seguir. Não temos de esperar que sejamos perfeitos para dar como resposta o nosso generoso «eis-me aqui», nem assustar-nos com as nossas limitações e pecados, mas acolher a voz do Senhor com coração aberto. Escutá-la, discernir a nossa missão pessoal na Igreja e no mundo e, finalmente, vivê-la no «hoje» que Deus nos concede” (Mensagem do Papa Francisco para o 55º Dia mundial de oração pelas vocações).

Refletindo: Você reza pelas vocações? O que você faz para que mais pessoas tenham a coragem de dar seu sim generoso ao chamado do Pai para um serviço específico na Igreja como padre, religioso, religiosa? Precisamos pedir ao Pai que “envie trabalhadores para a messe”. E, junto à oração, incentivar e apoiar aqueles que se dispõem a entrar nesse caminho.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN