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aurelius

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Cultivar um coração bom e reto

aureliano, 28.02.25

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8º Domingo do Tempo Comum [02 de março de 2025]

[Lc 6,39-45]

É a ultima parte do “Sermão da Planície”. Uma coletânea de sentenças em vista da construção da comunidade cristã. Tanto para os mestres, a liderança da comunidade, como para os discípulos, os fiéis participantes. O guia precisa enxergar bem para conduzir seus guiados (cf. Lc 6,39-40). Um guia desnorteado, vaidoso, iludido, insensato e mentiroso pode levar todos os seus guiados a se perderem. O mestre precisa estar bem iluminado, centrado no Mestre maior, Jesus, para que conduza com justiça e sabedoria os discípulos.

Sem hipocrisia

Jesus nos ensina que as pessoas devem ser avaliadas pelos seus frutos, e não por aquilo que aparece à primeira vista, pela aparência. A gente pode se enganar e se perder. Não são os belos discursos, as frases de efeito, as promessas de realização e sucesso que garantem a verdade e sinceridade do líder. Mas suas ações, sua atitude, os frutos produzidos. Isso é que garante a confiança que se pode colocar na pessoa que está à frente do grupo. Relembrando São Paulo VI: “O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres – dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos – ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas” (EN, 41).

Jesus condena um discurso marcado pela hipocrisia. “Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão” (Lc 6,42). Cada um deve olhar para dentro de si mesmo e avaliar como tem caminhado. O julgamento pertence a Deus. “Não julgueis, para não serdes julgados; não condeneis para não serdes condenados; perdoai, e vos será perdoado” (Lc 6,36-37).

Que frutos produzimos?

A nós compete tentar produzir frutos bons. E quais são os frutos que o Senhor espera de nós? A justiça amorosa, o serviço aos irmãos, o comprometimento com os desafios da família e da comunidade. O envolvimento nas políticas públicas. Sair daquele pensamento e atitude de conformismo e de que religião deve ser vivida dentro do templo. “Sujar” os pés na lama em busca de melhores condições de vida digna para os mais pobres a partir do Evangelho. “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (Papa Francisco).

Solidários e comprometidos

Uma Igreja que se empenha em ser fiel a Jesus Cristo, que assume o Evangelho como norma de vida, produz frutos. A verdadeira religião é aquela que atua pela libertação e salvação dos órfãos, das viúvas, dos pobres. “A religião pura e sem mácula diante de Deus, nosso Pai, consiste nisto: visitar os órfãos e as viúvas em suas tribulações e guardar-se livre da corrupção do mundo” (Tg 1,27).

E João já advertia a comunidade: “Se alguém, possuindo os bens deste mundo, vê o seu irmão na necessidade e lhe fecha o coração, como permaneceria nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade” (1Jo 3,17-18).

Nossa confiança deve ser investida naqueles que, por suas ações, mostram-se participantes do projeto do Reino de Deus. Aqueles que trabalham pela fraternidade, pela justiça e pela paz. Não adianta proclamar a Palavra ou carregar a Bíblia debaixo do braço ou fazer longas e fervorosas orações, mas continuar com atitudes que manifestam frutos podres de uma vida hipócrita, distante do evangelho. Estes tais não merecem nossa confiança. Só é digno de nossa confiança quem se coloca, a exemplo de Jesus, a serviço dos fracos, dos injustiçados, dos pequenos e sofredores, dos perseguidos e marginalizados.

Como anda nossa acolhida?

Um modo muito interessante e necessário de produzirmos frutos é a acolhida, o respeito, a ajuda aos sofredores. Quando não tornamos a vida dos irmãos mais difícil do que já está. Quando sabemos acolher, ouvir, respeitar a partilha que nos fazem aqueles que passam por momentos de dor e angústia. Quando não envenenamos com nossas fofocas e calúnias a vida dos outros. Quando desenvolvemos em nós o espírito de compaixão e solidariedade com os pecadores, acolhendo-os e perdoando-lhes as fraquezas. Quando respeitamos os idosos e lhes proporcionamos um pouco de alegria e bom sabor na vida já marcada pela insegurança, pelo medo, pela enfermidade. Acolher é a primeira e mais fecunda forma de evangelizar.

Fé e vida

Podemos pensar também nos cultos e liturgias que celebramos. Jesus invocou certa vez o profeta Isaías ao recriminar a hipocrisia na oração: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. Em vão me prestam culto, pois o que ensinam são pensamentos humanos” (Mt 15,8-9). Deus não se interessa por práticas religiosas vazias, descomprometidas. Às vezes há mais comércio, panos, fumaça, ritos e louvações inflados de vaidade e busca de se “amostrar” do que corações sinceros e retos com desejo de louvar a Deus e de buscar a conversão sincera e a mudança de vida. Não são os “sacrifícios e holocaustos” que agradam ao Senhor, mas um coração puro e reto. Quando o interior não for puro e reto, o futuro não será humano. “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração” (Lc 6,5).

Ser amante da verdade

As sentenças do evangelho de hoje nos permitem fazer uma reflexão sobre a verdade. Vivemos numa sociedade marcada e descaradamente mentirosa e falsa. As aparências e as máscaras é que dão as cartas. Merece credibilidade o que aparece, que brilha, que agrada, que dá lucro.

Há especialistas em mentir, em montar e espalhar fake news, em compartilhar desinformação, em armar estratégias malignas para enganar a população. As guerras, por exemplo, são geralmente realizadas dentro de esquemas mentirosos. Como diz o ditado: “A primeira vítima da guerra é a verdade”. Vejam a mentira em torno da guerra do Iraque e do Afeganistão. Que amparo os Estados Unidos e seus aliados ofereceram a essas populações espoliadas e destruídas? Estes dias nos deparamos com a guerra na Ucrânia e na Palestina. As potências econômicas mundiais é que decidem sobre as vidas alheias. Os jogos de interesses, de poder e de ter prevalecem sobre as realidades das vidas humanas que se tornam meras marionetes para atender interesses escusos. Nós, cristãos, não podemos nos aliar nem avalizar nenhuma ação ou proposta que destrói a vida humana. Jesus veio para que todos tenham vida (cf. Jo 10,10). O Papa Francisco tem rezado e instado a que cessem as guerras: “Renovo o apelo para que, com o dinheiro usado em armas e noutras despesas militares, constituamos um Fundo global para acabar de vez com a fome e para o desenvolvimento dos países mais pobres, a fim de que os seus habitantes não recorram a soluções violentas ou enganadoras, nem precisem de abandonar os seus países à procura duma vida mais digna” (Spes non confundit, 16).

A mentira não nos deixa ver os abusos, os desvios, os acordos perversos. A mentira nos cega. Líderes mentirosos trazem verdadeira miséria e desumanidade à população. Isso tanto em nível de política nacional e internacional, quanto em nível de Igreja, de comunidade, de família, de ambiente de trabalho.

Em nível de religião, é sabido que muitos se valem de discurso religioso mentiroso para enganar as pessoas e tirar proveito da situação. Incutem o medo, o desespero, o fanatismo na pessoa. Dominam. Então o “fiel” começa a fazer o que o falso mestre mandar. Há inúmeros charlatões enganando os pobres, sugando-lhes todas as forças e roubando-lhes o pouco que têm para sobreviver.

Pelos frutos é que se conhece a árvore. “Não existe árvore boa que dê frutos ruins, nem árvore ruim que dê frutos bons” (Lc 6,43). Estejamos, pois, atentos.

*Carnaval

Neste final de semana é tempo de carnaval. Inicialmente era uma festa pagã. A Igreja Católica quis dar-lhe um sentido. Então estabeleceu que, nos três dias imediatamente anteriores à Quarta-feira de Cinzas, dia em que tem início a Quaresma, se fariam as festas de despedida da “carne” (carne vale = adeus à carne) para se entrar com sobriedade no tempo de conversão e de penitência proposto pela Igreja aos seus fiéis.

Cada um vive esse tempo como lhe apraz: uns passeiam; outros rezam; outros brincam; outros fazem retiros. Não se pode perder de vista, porém, o respeito pela pessoa humana. O cristão precisa ser comedido e responsável no uso do álcool e outras drogas. Nesse tempo muitos acham que podem tudo. Há muita falta de respeito pelas pessoas. Muita droga e muito sexo desmedido. Realidades que não condizem com a vida cristã. Não há nada de mal em se festejar, brincar e se alegrar. O mal está na falta de respeito, no desperdício, nos excessos: “Conduzi-vos pelo Espírito e não satisfareis as obras da carne. (...) Os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com suas paixões e seus desejos. Se vivemos pelo Espírito, pelo Espírito também pautemos a nossa conduta” (Gl 5,16.24-25). Vamos nos divertir como cristãos e não como pagãos: “Outrora éreis treva, mas agora sois luz no Senhor: andai como filhos da luz” (Ef 5,8).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Pobres e ricos: que fim os aguarda?

aureliano, 14.02.25

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6º Domingo do Tempo Comum [16 de fevereiro de 2025]

[Lc 6,17.20-26]

No relato do evangelho do domingo passado (5º Domingo), vimos Jesus chamando os quatro primeiros discípulos. Quer que sejam “pescadores de homens”. E eles entendem que precisam se desapegar dos bens materiais para seguir a Jesus com liberdade e inteireza de coração (Lc 5,10-11). O relato transparece claramente que Jesus quer um novo modo de vida e de mentalidade para seus seguidores.

O relato do evangelho de hoje traz o “Sermão da Planície” em contraposição ao “Sermão da Montanha” de Mateus 5,1-12. Lucas tem perspectiva diferente de Mateus. Os destinatários são outros: comunidades provenientes da cultura grega, pagã. O conteúdo dos dois relatos é o mesmo. Mas aqui Jesus profere também uma maldição contra os ricos. Além disso, ao “descer a montanha”, Jesus quer mostrar a condescendência de Deus que vem até nós. Elemento fundante da nossa fé cristã é a revelação de um Deus que se faz um de nós (cf. Jo 1,14), que desceu e se tornou servo (cf. Fl 2,7). De rico que era, se fez pobre por nós (cf. 2Cor 8,9). Um Deus que “desce”.

A fé cristã provoca uma revolução no coração daquele que acredita. O encontro com Jesus Cristo transforma a pessoa, abre um horizonte novo, faz enxergar o mundo de modo diferente. Produz no coração do crente o desejo de Deus, o desapego, o espírito de partilha, de solidariedade, de cuidado com o outro e com a Casa Comum. Foi isso que aconteceu aos santos e santas: São Francisco de Assis, Beato Charles de Foucauld, Pe. Júlio Maria, Santa Teresa de Calcutá, Santa Dulce dos Pobres e tantos outros.

Mas convenhamos. Ouvir uma proclamação de felicidade para os pobres é muito bom! E todos gostam de ouvir e até de dizer. Mas ouvir que os ricos estão perdidos, não é coisa fácil: “Ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação”. O Profeta, na primeira leitura, visa a nos preparar para isso: “Maldito o homem que confia no homem e faz consistir sua força na carne humana” (Jr 17,5). Por outro lado, brota do coração de Deus uma palavra de consolo: “Bendito o homem que confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor” (Jr 17,7).

Alguém poderia argumentar: “Deus criou os bens deste mundo para serem usufruídos”. É verdade! Porém há que se distinguir: uma coisa é possuir os bens e usufruí-los; outra coisa é ser possuído por eles, ser escravo dos bens materiais. E como se não bastasse, escravizar os outros para possuir sempre mais. Atentemos à advertência de São Paulo: “Eis o que digo, irmãos: o tempo se faz curto. Resta, pois, que aqueles que têm esposa, sejam como se não tivessem; aqueles que choram, como se não chorassem; aqueles que se regozijam, como se não regozijassem; aqueles que compram, como se não possuíssem; aqueles que usam deste mundo, como se não usassem plenamente. Pois passa a figura deste mundo” (1Cor 7,29-31). Os bens materiais não podem ocupar o primeiro lugar em nossa vida. Porque eles não trazem dentro de si a felicidade permanente, verdadeira, intransferível.

A Sagrada Escritura quer nos mostrar que nenhum bem material é definitivo. Na parábola do homem que construiu um grande armazém para guardar sua colheita e se locupletar sozinho, Jesus mostra que a vida e os bens só têm sentido na medida em que são vividos e empregados segundo os critérios do Reino de Deus: “Insensato, nessa mesma noite ser-te-á reclamada a alma. E as coisas que acumulaste, de quem serão?” (cf. Lc 12,16-21). A vida do ser humano não consiste em possuir muitos bens, em ter muito dinheiro, em ser reconhecido pelo que tem (cf. Lc 12,15). Há muita vaidade por aí. Há pessoas que pensam somente em trabalhar para ganhar dinheiro; ganhar dinheiro para comprar coisas; comprar coisas para se exibir. E por aí se vai. Depois vem a desavença, a rivalidade, a velhice, a doença, a morte. E Depois?...

O programa de vida de Jesus é “anunciar a boa nova aos pobres”. Deus ama o ser humano por si mesmo. Não faz parte de sua “agenda” admirar stutus quo, reconhecimento social, aparência, sucesso, títulos, diplonas e aplausos. Deus ama o ser humano de graça. E quer que ele se faça simples , pequeno, pobre.

Além disso, quando Jesus proclama “Bem-aventurados vós, os pobres” não quer dizer que o pobre seja mais virtuoso do que o rico. É que Deus quis fazer sua “opção preferencial” pelos pobres. Com isso entende-se que a graça vem de Deus e não de algum favor humano. Os pobres não são felizes por causa de sua pobreza. Eles são felizes por saber que Deus está com eles. Seu sofrimento não durará para sempre. O Senhor lhes fará justiça. Jesus deixa claro: os que não interessam a ninguém são os que mais interessam a Deus. Deus quer estar com eles. E, para nós que vivemos na abundância, quando voltamos nosso olhar e nossa presença junto aos pobres, podemos ter aí uma grande oportunidade de fazer um caminho de conversão.

É bom ressaltar que Jesus não é contra os ricos. Por isso os exorta a mudar de mentalidade, a se esvaziarem de si mesmos, a se desapegarem de seus bens fazendo com que todos possam também usufruí-los. Os bens da criação devem ser distribuídos a todas as pessoas. Deus criou a terra e a deu ao ser humano para que cuidasse dela: “O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2,15). Basta ler o episódio de Jesus e Zaqueu (Lc 19, 1-10). O coração de Zaqueu encheu-se da salvação de Deus quando ele decidiu devolver o que roubara, e distribuir com os pobres parte dos bens: “Zaqueu, de pé, disse ao Senhor: ‘Senhor, eis que dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo’. Jesus lhe disse: ‘Hoje a salvação entrou nesta casa’” (Lc 19,8-9).

Senhor Jesus, desperta nosso coração para maior sensibilidade e solidariedade com os mais pobres. Ajuda-nos a ter um coração de pobre, um coração que saiba consolar, que saiba cuidar, que saiba chorar com os choram aquela dor doída. Inspira-nos palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos. E não deixes que a preocupação e a busca desenfreada dos bens materiais, do sucesso a todo custo, do lucro a qualquer preço tomem conta de nosso coração. Dá-nos enfim aquela coragem suficiente para anunciar teu Reino de amor e denunciar as perversidades contra os pequenos e sofredores da terra.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN