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Deixar-se podar pelo Pai

aureliano, 26.04.24

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5º Domingo da Páscoa [28 de abril de 2024]

[Jo 15,1-8]       

A alegoria da vinha como o Povo de Deus aparece já no Antigo Testamento: “A vinha do Senhor dos Exércitos é a casa de Israel. Deles esperava o direito, mas o que produziram foi a transgressão” (Is 5, 7). E ainda: “Eu te plantara como uma vinha excelente, toda de cepas legítimas. Como te transformaste para mim em ramos degenerados de uma vinha bastarda?” (Jr 2, 21). Israel, qual vinha de agricultor zeloso, era cuidado por Deus com todo carinho, porém os frutos eram pouco generosos. A infidelidade, a idolatria, impedia a ação de Deus na vida do seu povo.

No relato de hoje Jesus se apresenta como “videira verdadeira” (no domingo passado apresentava-se como bom Pastor). O Pai é o agricultor. Vários cuidados são empregados para que produza frutos: poda dos galhos “bons”; corte e queima dos ramos secos; permanecer ligado ao tronco; produzir frutos.

O essencial deste relato é o “permanecer”. Este verbo aparece oito vezes nestes poucos versículos. Percebemos aí a importância da ligação com Jesus. Sem uma vida de encontro profundo com Cristo ressuscitado que faça com que a vida de Cristo corra em nossas veias, não haverá produção abundante de frutos. Galho seco agarrado ao tronco não serve para nada. Rama de uva cheia de folhas, mas sem nenhuma uva, não serve para nada. As palavras do Mestre devem “permanecer” em nós. Vida de oração é manter-se “plugado” a Jesus na busca permanente da vontade do Pai. É vida de permanente comunhão e intimidade com Deus.

As palavras de Jesus: “Sem mim nada podeis fazer”, nos remete a uma realidade que vivemos hoje de desconhecimento da pessoa de Jesus e do desejo prometéico incutido no coração e na mente humana de autossuficiência e de autorreferencialidade. O ser humano caminha para o caos levado pelo desejo da absoluta autonomia e independência. Julga-se o senhor de tudo e de todos. Prescinde cada vez mais da experiência de fé e de fraternidade. As crises morais, existenciais, hídricas (sic!), étnicas, culturais, econômicas que vivemos estão profundamente vinculadas à autossuficiência humana. Sem a referência a Jesus e aos valores vividos e ensinados por ele, não é possível uma transformação social que perdure.

Ainda mais. O tronco é Jesus. Nós somos os ramos. Ninguém pode ter a petulância de se colocar como tronco: dono da verdade, dono do poder, dono das pessoas, dono do dinheiro, dono das decisões, dono da comunidade. O ensinamento de Jesus quer incutir em nós a igualdade na comunidade. Todos somos ramos. Cuidado com o poder (da hierarquia e da política, do mercado e do dinheiro) que por vezes seca os ramos ou se enche de folhagem inútil! É preciso levar os ramos a se ligarem profundamente ao Tronco para que produzam frutos.

Sem cultivo da intimidade com Jesus Cristo, colocando-o como centro de nossa vida e de nossas decisões, corremos o risco de reduzir nossa fé a um folclore, a um ritualismo vazio, a uma relação comercial com uma realidade sagrada que denominamos deus. Então nos tornaremos galho seco ou ramo enfeitado, mas vazio daquilo que é essencial: frutos, uva doce, atitude que dê sabor à vida dos outros. Enganamos os outros, exploramos sem escrúpulo, azedamos a vida daqueles que nos circundam e machucamos aqueles que nos buscam.

Os frutos que devem ser produzidos são claros: crer em Jesus e amar uns aos outros (cf. 1Jo 3, 23). É o resultado do permanecer em Deus que, consequentemente, produz frutos.

As podas que o Pai faz são integrantes do processo de cultivo e produção. Elas ajudam a produzir. Por isso precisamos estar abertos a outras possibilidades: abertura ao novo, diálogo, correção fraterna, abrir mão das próprias idéias, conviver com diferenças, ser mais tolerante, superar preconceito de raça, religião, condição social ou orientação sexual. As podas não são necessariamente provação vazia, perseguição inócua; elas são graça de Deus para produzirmos frutos. É deixar o Pai arrancar de nós aqueles excessos que nos impedem de ser melhores.

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Quando Jesus chama seu Pai de “agricultor”, ele derruba essa imagem que insistem em incutir em nós de um Deus todo poderoso e distante, juiz implacável, alguém que nos ameaça constantemente. Agricultor: aquele que cuida do campo, das plantas, que cultiva a terra. Ele nos deu seu filho Jesus como “verdadeira videira”. Quem quiser produzir frutos bons precisa permanecer nessa videira e deixar-se cultivar, limpar, podar pelo Pai/Agricultor.

Os ramos devem produzir frutos. Do contrário precisam ser cortados. Não adianta estar grudado na videira e permanecer seco, sem vida, sem fruto. O ramo seco é retirado. Os ramos verdes são limpos, podados para produzir ainda mais.

O Pai/Agricultor nos limpa e faz produzir frutos com que instrumento? A Palavra de seu filho Jesus. Ela é viva e eficaz. A palavra de Jesus mexe com a vida da gente. Ela nos incomoda e desacomoda. Ela nos tira de nós mesmos, de nosso egoísmo e fechamento. Ela nos purifica dos desejos de grandeza, de um coração ganancioso, da busca de ser mais do que outros.

Somos todos ramos. Não tem ninguém mais do que ninguém. Seja cristão leigo, seja padre, seja bispo, todos somos ramos. Jesus é o tronco. O que mais importa é estarmos plugados nele. Esse verbo “permanecer” que aparece várias vezes nesse capítulo 15 de João insiste em nos dizer que o mais importante na vida cristã é permanecer em Jesus. A grande luta de todos nós deve ser a de permanecer em Jesus. Não buscarmos nas coisas e nas pessoas razões para vivermos. Jesus é o sentido e orientação absolutos de nossa vida. “Sem mim nada podeis fazer”.

Oração: Pai, ajuda-nos a reconhecer nossa pequenez, nossos excessos, nossa infidelidade. Faze com que tua vida penetre cada vez mais em nós para que não sejamos ramos secos, desligados de ti e dos irmãos, nem ramagem formosa, mas improdutiva. Enche-nos de teu amor e de tua vida. Amém.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Enxergar e socorrer Cristo nos pobres

aureliano, 22.03.24

Domingo de Ramos - 14 de abril - B.jpg

Domingo de Ramos [24 de março de 2024]

 [Mc 11,1-10 (Ramos) e Mc 14,1 – 15,47 (Paixão)]

Estamos entrando na Semana Santa! Esta Semana passou a ser celebrada com a intenção de rememorar a Paixão do Senhor. Na Idade Média ela tomou corpo e fôlego, sobretudo pela tentativa de reviver o episódio da Paixão do Senhor descrita pelos evangelistas. Esta semana era até chamada de Semana Dolorosa, pelo fato de se dramatizarem os sofrimentos de Cristo.

Parece simples, mas o conhecimento desse dado histórico é interessante porque pode nos ajudar a entender o porquê das vias sacras e outras representações da paixão do Senhor. Ressaltando que as dramatizações e representações dos quadros da Paixão do Senhor constituíam-se em uma forma de evangelização dos fiéis, uma vez que pouquíssimas pessoas tinham acesso à alfabetização. Quase todo mundo não sabia nem ler nem escrever.

Mas é preciso estarmos atentos para não nos perdermos nos folclores e dramatizações, mas adentrarmos mais profundamente no Mistério profundo da entrega de Jesus, manifestação do amor do Pai, e nos atermos ao mistério fundante de nossa fé cristã, a Ressurreição do Senhor.

Este domingo se chama, na verdade, Domingo da Paixão nos Ramos. Jesus entra triunfante em Jerusalém para sofrer a Paixão. Portanto, celebramos dois acontecimentos: a aclamação de Jesus como o “Bendito que vem em nome do Senhor” e a contemplação de sua Paixão. É o único domingo do ano que a Igreja celebra a Paixão propriamente dita de Jesus, proclamando no Evangelho os relatos da Paixão.

Algumas considerações: Jesus pediu aos discípulos para buscar um jumentinho. Deviam dizer aos interrogantes: “O Senhor precisa dele”. O Senhor quer também precisar de nós. Somos os “jumentinhos” do Senhor. Nós temos nos colocado à disposição dele?

Ainda mais: as pessoas espalhavam roupas e ramos pelo caminho aclamando a Jesus. E nós? Aplaudimos Jesus passando pela Cruz até à sua Ressurreição? Temos dado algo de nós para Jesus passar? Notamos que ele passa diante de nós no irmão que sofre?

Nesta semana a Igreja nos convida a contemplar Jesus que oferece sua vida como dom ao Pai. Ele não vai à cruz porque gosta de sofrer ou porque quer morrer. Jesus não é nenhum suicida nem sado-masoquista! A paixão e sofrimento por que passa é consequência de sua fidelidade ao Pai. A contemplação de Cristo na cruz deveria nos levar a agradecer ao Pai por nos ter dado Jesus como Salvador. O Pai olha para seu Filho, vítima da maldade humana, como a olhar para todos aqueles que são injustiçados, vitimados por uma sociedade que sacrifica os menores. Quem é que sofre mais em consequência do mau atendimento do SUS, da falta de médicos e medicamentos? Quem é que morre em consequência de desvio de verbas, da propina, da corrupção sistematizada, dos jogos políticos para se ganharem e venderem cargos?

Jesus continua passando pelas nossas ruas e praças. Às vezes aplaudimos Jesus em uma celebração ou culto e o insultamos no rosto do catador de material reciclável, do embriagado, do prostituído, do faminto e invisibilizado! Por vezes nos silenciamos diante da maldade perpetrada contra os sobrantes da sociedade. Atribui-se a Martin Luther King uma frase de valor inquestionável: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. O silencio pode esconder cumplicidade no crime e na maldade. Isso é muito grave! Precisamos de um sério exame de consciência nesta Semana Santa na busca de um caminho de manifestação da bondade do Pai em nossas ações cotidianas. Fecundar a sociedade estéril, porque individualista e narcisista, com uma atitude de quem serve: “Eu vim para servir” (Mt 20,28).

E, nas trilhas da superação da violência, queremos nos lembrar de que somos todos irmãos (cf. Mt 23,8). Portanto ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém; ninguém pode morrer à míngua; ninguém pode sofrer violência seja de qualquer natureza; ninguém pode ser abandonado à sua própria sorte; ninguém pode ser discriminado por motivos de raça, religião, de orientação sexual ou condição social.

Portanto, a celebração de entrada de Jesus em Jerusalém deve valorizar não tanto os ramos, mas o mistério expresso pela procissão que proclama a realeza messiânica de Cristo. Uma vida entregue livremente para que toda violência e maldade fossem eliminadas da face da terra. Eis a nossa missão.

*Lembramos que hoje é o Dia Nacional da Coleta da Solidariedade. A Igreja espera e conta com a participação de todos fiéis com esse gesto de compromisso com as incontáveis vítimas da violência e outras formas de destruição da vida que campeiam ao redor de nós. Esse gesto fraterno e solidário é uma demonstração de nosso desejo de conversão quaresmal, de volta para Deus presente nos irmãos e irmãs sofredores para aliviar um pouco de seus sofrimentos.

“O resultado integral das coletas realizadas nas celebrações do Domingo de Ramos, coleta da solidariedade, com ou sem envelope, deve ser encaminhado à respectiva Diocese. Do total arrecadado pela Coleta da Solidariedade, a Diocese deve enviar 40% ao Fundo Nacional de Solidariedade (FNS), gerenciado pela CNBB. A outra parte, 60%, permanece nas dioceses para atender projetos locais, pelos respectivos Fundos Diocesanos de Solidariedade (FDS)” (Texto-Base, p. 78). Nosso Arcebispo, Dom Juarez Marques, em reunião com o clero essa semana, exortava a motivar a coleta e enviá-la quanto antes, pois já tem gente na fila de espera em busca de socorro.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Cristo se entrega livremente e por amor

aureliano, 31.03.23

Domingo de Ramos - A - 05 de abril.jpg

Domingo de Ramos [02 de abril de 2023]

[Mt 21,1-11;26,14 – 27,66]

Estamos entrando na Semana Santa! Esta Semana passou a ser celebrada com a intenção de rememorar a Paixão do Senhor. Na Idade Média ela tomou corpo e fôlego, sobretudo pela tentativa de reviver o episódio da Paixão do Senhor descrito pelos evangelistas. Esta semana era até chamada de Semana Dolorosa, pelo fato de se dramatizarem os sofrimentos de Cristo.

Parece simples, mas o conhecimento desse dado histórico é interessante porque pode nos ajudar a entender o porquê das vias sacras e outras representações da Paixão do Senhor. Ficaremos então atentos para não nos perdermos nos folclores e dramatizações, mas adentrarmos mais profundamente no Mistério profundo da entrega de Jesus, manifestação do amor do Pai, e nos atermos ao Mistério fundante de nossa fé cristã, a Ressurreição do Senhor, vitorioso sobre o pecado e a morte.

Este domingo se chama, na verdade, Domingo da Paixão nos Ramos. Jesus entra triunfante em Jerusalém para sofrer a Paixão. Portanto, celebramos dois acontecimentos: a aclamação de Jesus como o “Bendito que vem em nome do Senhor”, e a contemplação de sua Paixão. É o único domingo do ano em que a Igreja celebra a Paixão propriamente dita de Jesus, proclamando no Evangelho os relatos da Paixão.

Jesus pediu aos discípulos para buscar um jumentinho. Deviam dizer aos interrogantes: “O Senhor precisa dele”. O Senhor quer também precisar de nós. Somos os “jumentinhos” do Senhor. Nós temos nos colocado à disposição dele? Ou costumamos “empacar”, buscando nossos próprios interesses egoístas, seguir nossas idéias e não as de Cristo?

Ainda mais: as pessoas espalhavam roupas e ramos pelo caminho aclamando a Jesus. Poucos dias depois pediam sua crucifixão. E nós: estamos com Jesus somente no sucesso e na saúde? E quando passamos por tribulações, baixas, perdas, desprezos? Temos dado algo de nós para Jesus que passa diante de nós nos pobres e sofredores?

Algumas considerações:

No Crucificado vemos, não somente um inocente condenado, mas nele, nós cristãos, contemplamos todas as vítimas do preconceito, da maldade e da injustiça de todos os tempos. Na cruz com Jesus estão as vítimas da fome, as crianças abandonadas e exploradas, as mulheres vítimas de maus tratos e feminicídio, os explorados por nosso bem-estar, os quilombolas e indígenas invadidos e despejados, os esquecidos por nossa Igreja, os espoliados pela cultura da corrupção descarada e pela ganância do acúmulo, os enganados pelas mentiras e desonestidade.

Esse Deus crucificado não é o Deus controlador, que está em busca de honra e glória. Não! É o Deus paciente e humilde que respeita a liberdade de seus filhos e lhes quer sempre o bem, a felicidade e a alegria. Não é um Deus vingativo, justiceiro. Mas um Deus que manifesta sempre o perdão e a misericórdia.

Nós cristãos continuamos a celebrar o Deus crucificado porque vemos nele o Deus “louco” de amor por todos nós. Ele é a força que sustenta nossa esperança e nossa luta pela justiça e pela paz. Acreditamos que Deus não passa ao largo de nossas lágrimas, sofrimentos, lutas e fracassos. Ele está no calvário de nossa existência. A cruz erguida entre as nossas cruzes nos lembra que Deus sofre conosco.

Nesta semana a Igreja nos convida a contemplar Jesus que oferece sua vida como dom ao Pai. Ele não vai à cruz porque gosta de sofrer ou porque quer morrer. Jesus não é nenhum suicida! A paixão e sofrimento por que passa são consequências de sua fidelidade ao Pai. A contemplação de Cristo na cruz deveria nos levar a agradecer ao Pai por nos ter dado Jesus como Salvador. O Pai olha para seu Filho, vítima da maldade humana, como a olhar para todos aqueles que são injustiçados, vitimados por uma sociedade que sacrifica os que não dão lucro.

Jesus continua passando pelas nossas ruas e praças. Por vezes aplaudimos Jesus em uma celebração ou culto, depois o insultamos no rosto do desvalido! Isso é muito grave! Precisamos de um sério exame de consciência nesta Semana Santa.

Portanto, a celebração da entrada de Jesus em Jerusalém deve valorizar não tanto os ramos, mas o mistério expresso pela procissão que proclama a realeza messiânica de Cristo.

Campanha da Fraternidade: “A fome nos desafia e desinstala. É preciso agir! Não é possível ficar parados diante do grito da realidade brasileira e do mandamento de Jesus. É a dimesnsão social da fé que exige de nós engajamento na busca de soluções eficazes para o drama da fome. A realidade da fome chega ao coração do Bom Pastor e Ele mobiliza os seus discípulos missionários para uma ação pontual que resolva aquele problema, não a partir da lógica do dinheiro ou da indiferença, mas a partir da lógica de Jesus e do seu Evangelho” (Texto-Base, 157).

Relembramos que, neste Domingo de Ramos, a Igreja faz a Coleta Nacional da Solidariedade. Cada um dê de acordo com seu coração. 60% desses valores ficam no Fundo Diocesano de Solidariedade (FDS), gerido pela própria diocese; e 40% são entregues ao Fundo Nacional de Solidariedade, administrado pelo Departamento Social da CNBB. O resultado financeiro desta coleta é investido na sustentação de projetos sociais da Igreja no Brasil.

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JESUS SE ENTREGA POR NÓS

A Igreja é a comunidade pascal, nascida do “lado aberto” de Cristo, do Coração amoroso de Jesus que se entregou por nós. Ele passou da morte à vida e fundou a Igreja para que seja sempre arauto da vida nova que ele veio trazer.

A quaresma é um tempo marcadamente batismal. É um mergulho nas fontes batismais com tudo o que o batismo significa para o cristão. A espiritualidade quaresmal não se baseia somente numa postura interior e individual, mas também externa e comunitária em quatro aspectos: abominação do pecado como ofensa a Deus; consequências sociais do pecado; parte da Igreja na ação penitencial; oração pelos pecadores.

A Semana Santa, chamada também a “Grande Semana”, desenvolveu-se sobretudo a partir da historicização dos sofrimentos de Cristo em Jerusalém. Com isso entraram na prática celebrativa elementos devocionais que, de alguma forma, buscam reviver os acontecimentos da paixão descritos pelos evangelistas e pelos evangelhos apócrifos. Essas representações, por um lado permitem atentar para cada episódio da paixão do Senhor, por outro, pode prejudicar a unidade do mistério pascal. Em outras palavras: destacando os aspectos do sofrimento provocando certa emoção, pode-se afastar de seu aspecto salvífico na vitória sobre a morte com a ressurreição.

No intuito de enfatizar o aspecto salvífico da paixão do Senhor, queremos lembrar as principais celebrações desta semana, com destaque para o Tríduo Pascal, centro e cume da liturgia da Igreja.

Domingo de Ramos: Comemoração do Cristo Senhor que entra em Jerusalém para cumprir plenamente seu mistério pascal. A procissão dos ramos (memória da entrada de Jesus em Jerusalém) expressa a realeza messiânica de Cristo. É o único domingo do ano que celebra o mistério da morte do Senhor com a proclamação do relato da paixão. Jesus entra triunfalmente em Jerusalém para aí consumar sua páscoa de morte e ressurreição.

Quinta-feira Santa: É a conclusão da quaresma. Duas celebrações marcam esse dia: a missa do Crisma e a Instituição da Eucaristia (já no Tríduo Pascal). A missa do Crisma com a bênção do óleo dos enfermos, dos catecúmenos e, principalmente do sagrado crisma, é a oportunidade de reunir o presbitério em torno de seu Bispo e fazer da celebração uma festa do sacerdócio ministerial, através da renovação das promessas sacerdotais. O ministério presbiteral está intimamente ligado à eucaristia da qual o presbítero deve ser expressão.

Tríduo Pascal: Tem início com a missa da Ceia do Senhor, cujo ápice é a Vigília Pascal e cujo término se dá na tarde (Vésperas) do domingo da ressurreição.

Missa da Ceia do Senhor: É feita à noite com tom festivo. Os textos bíblicos realçam o fato de que Cristo nos deu sua páscoa no rito da ceia que exige, por parte da Igreja, o vínculo indissolúvel entre o serviço e a caridade fraterna: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). O lava-pés deve ser visto neste contexto, e não como mera representação do gesto de Jesus. No fim da celebração eucarística, as Sagradas Espécies (as partículas consagradas para a distribuição aos fiéis na Sexta-feira Santa) são conduzidas para um lugar previamente preparado. Faz-se a adoração ao Santíssimo até por volta de meia-noite. Não se trata de sepulcro para Jesus, mas de solene exposição e adoração ao Senhor vencedor da morte.

Sexta-feira Santa: Incluindo a Quinta à noite, é o primeiro dia do Tríduo. Dia de jejum como sinal sacramental da participação no sacrifício de Cristo. Também é um gesto de solidariedade com as vítimas da fome e da miséria. Não se celebra a eucaristia nesse dia. Faz-se a celebração solene da Liturgia da Palavra, à tarde, com adoração do Cristo na cruz e distribuição da comunhão.  Não é o dia de luto da Igreja, mas de amorosa contemplação da oferta de Cristo na cruz pela humanidade. Essa contemplação tem um caráter de ressurreição, uma vez que a morte de Cristo é inseparável de sua ressurreição. Por isso chamada de beata passio, santa e feliz paixão.

Sábado santo (dia): Nesse dia a Igreja se coloca em silêncio orante. Celebra o repouso de Cristo no sepulcro, depois da vitória na cruz. É a experiência da morte humana pela qual Cristo passou. É a esperança da vitória de Cristo sobre a sombra da morte: “O Filho do homem... deve... ser levado à morte e ressurgir ao terceiro dia” (Lc 9,22).

Sábado santo (noite): Celebração da “Mãe de todas as noites”, na expressão de Agostinho. A Vigília Pascal se caracteriza pelo sentido batismal que desemboca na celebração eucarística. Temos nesta noite a bênção do fogo novo e do círio com o canto do precônio (louvação) pascal, a liturgia da Palavra (nove leituras), liturgia batismal e liturgia eucarística. É a celebração da “noite iluminada”, da “noite vencida pelo dia”, demonstrando que a graça brotou da morte de Cristo. A passagem das trevas para a luz exprime a realidade do mistério da páscoa em Cristo e em nós.

Nosso desejo é que cada um, nesta semana de graça e de vida para a Igreja, se coloque naquela postura do Servo Sofredor, aberto à graça do Pai para colaborar na construção de um mundo mais de Deus: “O Senhor Deus me deu uma língua de discípulo para que eu soubesse trazer ao cansado uma palavra de conforto. De manhã ele desperta o meu ouvido para que eu ouça como os discípulos” (Is 50,4).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Entre aclamações e insultos

aureliano, 09.04.22

domingo de ramos.jpg

Domingo de Ramos [10 de abril de 2022]

[Lc 9,28-40 (Ramos); Lc 22,14 – 23,56 (Paixão)]

Estamos entrando na Semana Santa! Esta Semana passou a ser celebrada com a intenção de rememorar a Paixão do Senhor. Na Idade Média ela tomou corpo e fôlego, sobretudo pela tentativa de reviver o episódio da Paixão do Senhor descrito pelos evangelistas. Esta semana era até chamada de Semana Dolorosa, pelo fato de se dramatizarem os sofrimentos de Cristo.

Parece simples, mas o conhecimento desse dado histórico é interessante porque pode nos ajudar a entender o porquê das vias sacras e outras representações da Paixão do Senhor. Fiquemos então atentos para não nos perdermos nos folclores e dramatizações, mas adentrarmos misticamente no Mistério profundo da livre entrega de Jesus por nós (cf. Jo,10,18), manifestação do amor do Pai, e nos atermos ao Mistério fundante de nossa fé cristã, a Ressurreição do Senhor, vitorioso sobre o pecado e a morte.

RAMOS

Este domingo se chama, na verdade, Domingo de Ramos da Paixão do Senhor. Jesus entra triunfante em Jerusalém para sofrer a Paixão. Portanto, celebramos dois acontecimentos: a aclamação de Jesus como o “Bendito que vem em nome do Senhor”, e a contemplação de sua Paixão. É o único domingo do ano em que a Igreja celebra a Paixão propriamente dita de Jesus, proclamando no Evangelho os relatos da Paixão.

Jesus pediu aos discípulos para buscar um jumentinho. Deviam dizer aos interrogantes: “O Senhor precisa dele”. O Senhor quer também precisar de nós. Somos os “jumentinhos” do Senhor. Nós temos nos colocado à disposição dele? Ou costumamos “empacar”? – Refletindo sob outro aspecto: fazemos dos outros nossos jumentos, nossos escravos? Há falta de respeito, de fraternidade? Levo junto os fardos da vida ou jogo o peso sobre os ombros dos outros?

A PAIXÃO DO SENHOR

No Crucificado vemos, não somente um inocente condenado, mas nele, nós cristãos, contemplamos todas as vítimas do preconceito, da maldade e da injustiça de todos os tempos. Na cruz com Jesus estão as vítimas da fome, as crianças abandonadas e exploradas, as mulheres maltratadas, os explorados à custa de nosso bem-estar, os esquecidos por nossa Igreja, os espoliados pela cultura da corrupção descarada, os espancados e mortos pela truculência de alguns que, por terem uma arma na mão ou o poder de decidir, se julgam donos da vida alheia.

Esse Deus crucificado não é o Deus controlador, que está em busca de honra e glória. Não! É o Deus paciente e humilde que respeita a liberdade de seus filhos e lhes quer sempre o bem, a felicidade e a alegria. Não é um Deus vingativo, justiceiro. Mas um Deus que manifesta sempre o perdão e a misericórdia.

Nós cristãos continuamos a celebrar o Deus crucificado porque vemos nele o Deus “louco” de amor por todos nós. Ele é a força que sustenta nossa esperança e nossa luta pela justiça e pela paz. Acreditamos que Deus não passa ao largo de nossas lágrimas, sofrimentos, lutas e fracassos. Ele está no calvário de nossa existência. A cruz erguida entre as nossas cruzes nos lembra que Deus sofre conosco.

SEMANA SANTA

Nesta semana a Igreja nos convida a contemplar Jesus que oferece sua vida como dom ao Pai. Ele não vai à cruz porque gosta de sofrer ou porque quer morrer. Jesus não é suicida nem sado-masoquista! A paixão e sofrimento por que passa são consequências de sua fidelidade ao Pai. Seu amor e paixão pelo bem da humanidade o levam à cruz. A contemplação de Cristo crucificado deveria nos levar a agradecer ao Pai por nos ter dado Jesus como Salvador. O Pai olha para seu Filho, vítima da maldade humana, como a olhar para todos aqueles que são injustiçados, vitimados por uma sociedade que sacrifica os jovens, os idosos, os doentes, as mulheres e as crianças, todos vítimas indefesas dos detentores do poder político e econômico.

Jesus continua passando pelas nossas ruas e praças. Por vezes aplaudimos Jesus em uma celebração ou culto, depois o insultamos no rosto do desvalido! Isso é muito grave! Precisamos de um sério exame de consciência nesta Semana Santa!

Portanto, a celebração da entrada de Jesus em Jerusalém deve valorizar não tanto os ramos, mas o mistério expresso pela procissão que proclama a realeza messiânica de Cristo.

CAMPANHA DA FRATERNIDADE

Hoje é dia da coleta nacional da Campanha da Fraternidade! Trago aqui uma palavra do Papa Francisco que nos ajuda na sintonia e comunhão com nossa Igreja do Brasil.

“É nocivo e ideológico o erro das pessoas que vivem suspeitando do compromisso social dos outros, considerando-o algo de superficial, mundano, secularizado, imanentista, comunista, populista; ou então relativizam-no, como se houvesse outras coisas mais importantes, como se interessasse apenas uma determinada ética ou um arrazoado que eles defendem. A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e exige-o o amor por toda pessoa, independentemente do seu desenvolvimento. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura e em todas as formas de descarte. Não podemos propor um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo,  onde alguns festejam, gastam folgadamente e reduzem a sua vida às novidades do consumo, ao mesmo tempo que outros se limitam a olhar de fora enquanto a sua vida passa e termina miseravelmente(Gaudete et Exsultate, n.101).

Seu gesto solidário de cristão católico, demonstra sua participação efetiva nas ações da Igreja e de outras organizações sociais, a quem parte dessa coleta poderá chegar, beneficiando os excluídos do “bolo” que deve ser de todos.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Sem mim nada podeis fazer”

aureliano, 01.05.21

5º Domingo da Páscoa - B - 02 de maio.jpg

5º Domingo da Páscoa [02 de maio de 2021]

[Jo 15,1-8]       

A alegoria da vinha como o Povo de Deus aparece já no Antigo Testamento: “A vinha do Senhor dos Exércitos é a casa de Israel. Deles esperava o direito, mas o que produziram foi a transgressão” (Is 5, 7). E ainda: “Eu te plantara como uma vinha excelente, toda de cepas legítimas. Como te transformaste para mim em ramos degenerados de uma vinha bastarda?” (Jr 2, 21). Israel, qual vinha de agricultor zeloso, era cuidado por Deus com todo carinho, porém os frutos eram pouco generosos. A infidelidade, a idolatria, impedia a ação de Deus na vida do seu povo.

No relato de hoje Jesus se apresenta como “videira verdadeira” (no domingo passado apresentava-se como bom Pastor). O Pai é o agricultor. Vários cuidados são empregados para que produza frutos: poda dos galhos “bons”; corte e queima dos ramos secos; permanecer ligado ao tronco; produzir frutos.

O essencial deste relato é o “permanecer”. Este verbo aparece oito vezes nestes poucos versículos. Percebemos aí a importância da ligação com Jesus. Sem uma vida de encontro profundo com Cristo ressuscitado que faça com que a vida de Cristo corra em nossas veias, não haverá produção abundante de frutos. Galho seco agarrado ao tronco não serve para nada. Rama de uva cheia de folhas, mas sem nenhuma uva, não serve para nada. As palavras do Mestre devem “permanecer” em nós. Vida de oração é manter-se “plugado” a Jesus na busca permanente da vontade do Pai. É vida de permanente comunhão e intimidade com Deus.

As palavras de Jesus: “Sem mim nada podeis fazer”, nos remete a uma realidade que vivemos hoje de desconhecimento da pessoa de Jesus e do desejo prometéico incutido no coração e na mente humana de autossuficiência e de autorreferencialidade. O ser humano caminha para o caos levado pelo desejo da absoluta autonomia e independência. Julga-se o senhor de tudo e de todos. Prescinde cada vez mais da experiência de fé e de fraternidade. As crises morais, existenciais, hídricas (sic!), étnicas, culturais, econômicas que vivemos estão profundamente vinculadas à autossuficiência humana. Sem a referência a Jesus e aos valores vividos e ensinados por ele, não é possível uma transformação social que perdure.

Ainda mais. O tronco é Jesus. Nós somos os ramos. Ninguém pode ter a petulância de se colocar como tronco: dono da verdade, dono do poder, dono das pessoas, dono do dinheiro, dono das decisões, dono da comunidade. O ensinamento de Jesus quer incutir em nós a igualdade na comunidade. Todos somos ramos. Cuidado com o poder (da hierarquia e da política, do mercado e do dinheiro) que por vezes seca os ramos ou se enche de folhagem inútil! É preciso levar os ramos a se ligarem profundamente ao Tronco para que produzam frutos.

Sem cultivo da intimidade com Jesus Cristo, colocando-o como centro de nossa vida e de nossas decisões, corremos o risco de reduzir nossa fé a um folclore, a um ritualismo vazio, a uma relação comercial com uma realidade sagrada que denominamos deus. Então nos tornaremos galho seco ou ramo enfeitado, mas vazio daquilo que é essencial: frutos, uva doce, atitude que dê sabor à vida dos outros. Enganamos os outros, exploramos sem escrúpulo, azedamos a vida daqueles que nos circundam e machucamos aqueles que nos buscam.

Os frutos que devem ser produzidos são claros: crer em Jesus e amar uns aos outros (cf. 1Jo 3, 23). É o resultado do permanecer em Deus que, consequentemente, produz frutos.

As podas que o Pai faz são integrantes do processo de cultivo e produção. Elas ajudam a produzir. Por isso precisamos estar abertos a outras possibilidades: abertura ao novo, diálogo, correção fraterna, abrir mão das próprias idéias, conviver com diferenças, ser mais tolerante, superar preconceito de raça, religião, condição social ou orientação sexual. As podas não são necessariamente provação vazia, perseguição inócua; elas são graça de Deus para produzirmos frutos. É deixar o Pai arrancar de nós aqueles excessos que nos impedem de ser melhores.

Pai, ajuda-nos a reconhecer nossa pequenez, nossos excessos, nossa infidelidade. Faze com que tua vida penetre cada vez mais em nós para que não sejamos ramos secos, desligados de ti e dos irmãos, nem ramagem formosa, mas improdutiva. Enche-nos de teu amor e de tua vida. Amém.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Cristo padece nos pobres e sofredores

aureliano, 27.03.21

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Domingo de Ramos [28 de março de 2021]

 [Mc 11,1-10 (Ramos) e Mc 14,1 – 15,47 (Paixão)]

Estamos entrando na Semana Santa! Esta Semana passou a ser celebrada com a intenção de rememorar a Paixão do Senhor. Na Idade Média ela tomou corpo e fôlego, sobretudo pela tentativa de reviver o episódio da Paixão do Senhor descrita pelos evangelistas. Esta semana era até chamada de Semana Dolorosa, pelo fato de se dramatizarem os sofrimentos de Cristo.

Parece simples, mas o conhecimento desse dado histórico é interessante porque pode nos ajudar a entender o porquê das vias sacras e outras representações da paixão do Senhor. Ficaremos então atentos para não nos perdermos nos folclores e dramatizações, mas adentrarmos mais profundamente no Mistério profundo da entrega de Jesus, manifestação do amor do Pai, e nos atermos ao mistério fundante de nossa fé cristã, a Ressurreição do Senhor.

Este domingo se chama, na verdade, Domingo da Paixão nos Ramos. Jesus entra triunfante em Jerusalém para sofrer a Paixão. Portanto, celebramos dois acontecimentos: a aclamação de Jesus como o “Bendito que vem em nome do Senhor” e a contemplação de sua Paixão. É o único domingo do ano que a Igreja celebra a Paixão propriamente dita de Jesus, proclamando no Evangelho os relatos da Paixão.

Algumas considerações: Jesus pediu aos discípulos para buscar um jumentinho. Deviam dizer aos interrogantes: “O Senhor precisa dele”. O Senhor quer também precisar de nós. Somos os “jumentinhos” do Senhor. Nós temos nos colocado à disposição dele?

Ainda mais: as pessoas espalhavam roupas e ramos pelo caminho aclamando a Jesus. E nós? Aplaudimos Jesus passando pela Cruz até à sua Ressurreição? Temos dado algo de nós para Jesus passar? Notamos que ele passa diante de nós no irmão que sofre?

Nesta semana a Igreja nos convida a contemplar Jesus que oferece sua vida como dom ao Pai. Ele não vai à cruz porque gosta de sofrer ou porque quer morrer. Jesus não é nenhum suicida nem sado-masoquista! A paixão e sofrimento por que passa é consequência de sua fidelidade ao Pai. A contemplação de Cristo na cruz deveria nos levar a agradecer ao Pai por nos ter dado Jesus como Salvador. O Pai olha para seu Filho, vítima da maldade humana, como a olhar para todos aqueles que são injustiçados, vitimados por uma sociedade que sacrifica os menores. Quem é que sofre mais em consequência do mau atendimento do SUS, da falta de médicos e medicamentos? Quem é que morre em consequência de desvio de verbas, da propina, da corrupção sistematizada, dos jogos políticos para se ganharem e venderem cargos?

Jesus continua passando pelas nossas ruas e praças. Às vezes aplaudimos Jesus em uma celebração ou culto e o insultamos no rosto do desvalido! Por vezes nos silenciamos diante da maldade perpetrada. Atribui-se a Martin Luther King uma frase de valor inquestionável: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. O silencio pode esconder cumplicidade no crime e na maldade. Isso é muito grave! Precisamos de um sério exame de consciência nesta Semana Santa na busca de um caminho de manifestação da bondade do Pai em nossas ações cotidianas. Fecundar a sociedade estéril, porque individualista e narcisista, com uma atitude de quem serve: “Eu vim para servir” (Mt 20,28).

E, nas trilhas da superação da violência, queremos nos lembrar de que somos todos irmãos (cf. Mt 23,8). Portanto ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém; ninguém pode morrer à míngua; ninguém pode sofrer violência seja de qualquer natureza; ninguém pode ser abandonado à sua própria sorte; ninguém pode ser discriminado por motivos de raça, religião, de orientação sexual ou condição social.

Portanto, a celebração de entrada de Jesus em Jerusalém deve valorizar não tanto os ramos, mas o mistério expresso pela procissão que proclama a realeza messiânica de Cristo. Uma vida entregue livremente para que toda violência e maldade fossem eliminadas da face da terra. Eis a nossa missão.

*Lembramos que hoje é o Dia Nacional da Coleta da Solidariedade. A Igreja espera e conta com a participação de todos os fiéis com esse gesto de compromisso com as incontáveis vítimas da violência e de outras formas de destruição da vida que campeiam ao redor de nós. Esse gesto fraterno e solidário é uma demonstração de nosso desejo de conversão quaresmal, de volta para Deus presente nos irmãos e irmãs sofredores para aliviar-lhes um pouco a dor.

“O resultado integral das coletas realizadas nas celebrações do Domingo de Ramos, coleta da solidariedade, com ou sem envelope, deve ser encaminhado à respectiva Diocese. Do total arrecadado pela Coleta da Solidariedade, a Diocese deve enviar 40% ao Fundo Nacional de Solidariedade (FNS), gerenciado pela CNBB. A outra parte, 60%, permanece nas dioceses para atender projetos locais, pelos respectivos Fundos Diocesanos de Solidariedade (FDS)” (Texto-Base, p. 78).

Obs.: Tendo em vista esse tempo de pandemia e isolamento social em que não faremos celebrações presenciais, cada um esteja atento às orientações diocesanas e paroquiais para a data e a modalidade da entrega da Contribuição Solidária.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Cristo se oferece livremente e por amor

aureliano, 03.04.20

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Domingo de Ramos [05 de abril de 2020]

[Mt 21,1-11;26,14 – 27,66]

Estamos entrando na Semana Santa! Esta Semana passou a ser celebrada com a intenção de rememorar a Paixão do Senhor. Na Idade Média ela tomou corpo e fôlego, sobretudo pela tentativa de reviver o episódio da Paixão do Senhor descrito pelos evangelistas. Esta semana era até chamada de Semana Dolorosa, pelo fato de se dramatizarem os sofrimentos de Cristo.

Parece simples, mas o conhecimento desse dado histórico é interessante porque pode nos ajudar a entender o porquê das vias sacras e outras representações da Paixão do Senhor. Ficaremos então atentos para não nos perdermos nos folclores e dramatizações, mas adentrarmos mais profundamente no Mistério profundo da entrega de Jesus, manifestação do amor do Pai, e nos atermos ao Mistério fundante de nossa fé cristã, a Ressurreição do Senhor, vitorioso sobre o pecado e a morte.

Este domingo se chama, na verdade, Domingo da Paixão nos Ramos. Jesus entra triunfante em Jerusalém para sofrer a Paixão. Portanto celebramos dois acontecimentos: a aclamação de Jesus como o “Bendito que vem em nome do Senhor”, e a contemplação de sua Paixão. É o único domingo do ano em que a Igreja celebra a Paixão propriamente dita de Jesus, proclamando no Evangelho os relatos da Paixão.

Jesus pediu aos discípulos para buscar um jumentinho. Deviam dizer aos interrogantes: “O Senhor precisa dele”. O Senhor quer também precisar de nós. Somos os “jumentinhos” do Senhor. Nós temos nos colocado à disposição dele? Ou costumamos “empacar”, buscando nossos próprios interesses egoístas?

Ainda mais: as pessoas espalhavam roupas e ramos pelo caminho aclamando a Jesus. Poucos dias depois pediam sua crucifixão. E nós: estamos com Jesus somente no sucesso e na saúde? Ou também quando ele sofre rejeição, maus tratos, perseguições? Temos dado algo de nós para Jesus que passa diante de nós nos pobres e sofredores?

Algumas considerações:

No Crucificado vemos, não somente um inocente condenado, mas nele, nós cristãos, contemplamos todas as vítimas do preconceito, da maldade e da injustiça de todos os tempos. Na cruz com Jesus estão as vítimas da fome, as crianças abandonadas e exploradas, as mulheres vítimas de maus tratos e feminicídio, os explorados por nosso bem-estar, os quilombolas e indígenas invadidos e despejados, os esquecidos por nossa Igreja, os espoliados pela cultura da corrupção descarada e pela ganância do acúmulo, os enganados pelas mentiras e desonestidade.

Esse Deus crucificado não é o Deus controlador, que está em busca de honra e glória. Não! É o Deus paciente e humilde que respeita a liberdade de seus filhos e lhes quer sempre o bem, a felicidade e a alegria. Não é um Deus vingativo, justiceiro. Mas um Deus que manifesta sempre o perdão e a misericórdia.

Nós cristãos continuamos a celebrar o Deus crucificado porque vemos nele o Deus “louco” de amor por todos nós. Ele é a força que sustenta nossa esperança e nossa luta pela justiça e pela paz. Acreditamos que Deus não passa ao largo de nossas lágrimas, sofrimentos, lutas e fracassos. Ele está no calvário de nossa existência. A cruz erguida entre as nossas cruzes nos lembra que Deus sofre conosco.

Nesta semana a Igreja nos convida a contemplar Jesus que oferece sua vida como dom ao Pai. Ele não vai à cruz porque gosta de sofrer ou porque quer morrer. Jesus não é nenhum suicida! A paixão e sofrimento por que passa são consequências de sua fidelidade ao Pai. A contemplação de Cristo na cruz deveria nos levar a agradecer ao Pai por nos ter dado Jesus como Salvador. O Pai olha para seu Filho, vítima da maldade humana, como a olhar para todos aqueles que são injustiçados, vitimados por uma sociedade que sacrifica os que não dão lucro.

Jesus continua passando pelas nossas ruas e praças. Por vezes aplaudimos Jesus em uma celebração ou culto, depois o insultamos no rosto do desvalido! Isso é muito grave! Precisamos de um sério exame de consciência nesta Semana Santa.

Portanto, a celebração da entrada de Jesus em Jerusalém deve valorizar não tanto os ramos, mas o mistério expresso pela procissão que proclama a realeza messiânica de Cristo.

Campanha da Fraternidade: “Todos somos filhos do mesmo Deus que faz chover sobre maus e bons (Mt 5,45). Onde, portanto, está o erro quando o senhor da vinha paga por igual a trabalhadores que cumpriram jornadas diferentes (Mt 20,1-11)? Terá o Senhor Jesus errado na parábola, ou estaremos nós marcados por um conceito incompleto de justiça que não enxergamos a amplitude de um coração que é, ao mesmo tempo, justo e misericordioso? Em Jesus, justiça e misericórdia, não se contrapõem. Ao contrário, complementam-se, ampliam-se, levando-nos a tangenciar a eternidade. O Dono da vinha paga por igual, não porque os trabalhadores renderam por igual, mas porque todos são humanos e, por isso, são iguais. A justa misericórdia, ou a misericordiosa justiça de Deus, ultrapassa qualquer situação para ver a pessoa que ali está e  dela cuidar, principalmente quando não merece. “Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa boa, talvez alguém ouse morrer. Deus, contudo, prova o seu amor para conosco, pelo fato de que Cristo morreu por nós, quando ainda éramos pecadores” (Rm 5,7-8)" (Texto-Base, 104).

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JESUS SE ENTREGA POR NÓS

A Igreja é a comunidade pascal, nascida do “lado aberto” de Cristo, do Coração amoroso de Jesus que se entregou por nós. Ele passou da morte à vida e fundou a Igreja para que seja sempre arauto da vida nova que ele veio trazer.

A quaresma é um tempo marcadamente batismal. É um mergulho nas fontes batismais com tudo o que o batismo significa para o cristão. A espiritualidade quaresmal não se baseia somente numa postura interior e individual, mas também externa e comunitária em quatro aspectos: abominação do pecado como ofensa a Deus; conseqüências sociais do pecado; parte da Igreja na ação penitencial; oração pelos pecadores.

A Semana Santa, chamada também a “Grande Semana”, desenvolveu-se sobretudo a partir da historicização dos sofrimentos de Cristo em Jerusalém. Com isso entraram na prática celebrativa elementos devocionais que, de alguma forma, buscam reviver os acontecimentos da paixão descritos pelos evangelistas e pelos evangelhos apócrifos. Essas representações, por um lado permitem atentar para cada episódio da paixão do Senhor, por outro, pode prejudicar a unidade do mistério pascal. Em outras palavras: destacando os aspectos do sofrimento provocando certa emoção, pode-se afastar de seu aspecto salvífico na vitória sobre a morte com a ressurreição.

No intuito de enfatizar o aspecto salvífico da paixão do Senhor, queremos lembrar as principais celebrações desta semana, com destaque para o Tríduo Pascal, centro e cume da liturgia da Igreja.

Domingo de Ramos: Comemoração do Cristo Senhor que entra em Jerusalém para cumprir plenamente seu mistério pascal. A procissão dos ramos (memória da entrada de Jesus em Jerusalém) expressa a realeza messiânica de Cristo. É o único domingo do ano que celebra o mistério da morte do Senhor com a proclamação do relato da paixão. Jesus entra triunfalmente em Jerusalém para aí consumar sua páscoa de morte e ressurreição.

Quinta-feira Santa: É a conclusão da quaresma. Duas celebrações marcam esse dia: a missa do Crisma e a Instituição da Eucaristia (já no Tríduo Pascal). A missa do Crisma com a bênção do óleo dos enfermos, dos catecúmenos e, principalmente do sagrado crisma, é a oportunidade de reunir o presbitério em torno de seu Bispo e fazer da celebração uma festa do sacerdócio ministerial, através da renovação das promessas sacerdotais. O ministério presbiteral está intimamente ligado à eucaristia da qual o presbítero deve ser expressão.

Tríduo Pascal: Tem início com a missa da Ceia do Senhor, cujo ápice é a Vigília Pascal e cujo término se dá na tarde (Vésperas) do domingo da ressurreição.

Missa da Ceia do Senhor: É feita à noite com tom festivo. Os textos bíblicos realçam o fato de que Cristo nos deu sua páscoa no rito da ceia que exige, por parte da Igreja, o vínculo indissolúvel entre o serviço e a caridade fraterna: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). O lava-pés deve ser visto neste contexto, e não como mera representação do gesto de Jesus. No fim da celebração eucarística, as Sagradas Espécies (as partículas consagradas para a distribuição aos fiéis na Sexta-feira Santa) são conduzidas para um lugar previamente preparado. Faz-se a adoração ao Santíssimo até por volta de meia-noite. Não se trata de sepulcro para Jesus, mas de solene exposição e adoração ao Senhor vencedor da morte.

Sexta-feira Santa: Incluindo a Quinta à noite, é o primeiro dia do Tríduo. Dia de jejum como sinal sacramental da participação no sacrifício de Cristo. Também é um gesto de solidariedade com as vítimas da fome e da miséria. Não se celebra a eucaristia nesse dia. Faz-se a celebração solene da Liturgia da Palavra, à tarde, com adoração do Cristo na cruz e distribuição da comunhão.  Não é o dia de luto da Igreja, mas de amorosa contemplação da oferta de Cristo na cruz pela humanidade. Essa contemplação tem um caráter de ressurreição, uma vez que a morte de Cristo é inseparável de sua ressurreição. Por isso chamada de beata passio, santa e feliz paixão.

Sábado santo (dia): Nesse dia a Igreja se coloca em silêncio orante. Celebra o repouso de Cristo no sepulcro, depois da vitória na cruz. É a experiência da morte humana pela qual Cristo passou. É a esperança da vitória de Cristo sobre a sombra da morte: “O Filho do homem... deve... ser levado à morte e ressurgir ao terceiro dia”(Lc 9,22).

Sábado santo (noite): Celebração da “Mãe de todas as noites”, na expressão de Agostinho. A Vigília Pascal se caracteriza pelo sentido batismal que desemboca na celebração eucarística. Temos nesta noite a bênção do fogo novo e do círio com o canto do precônio (louvação) pascal, a liturgia da Palavra (nove leituras), liturgia batismal e liturgia eucarística. É a celebração da “noite iluminada”, da “noite vencida pelo dia”, demonstrando que a graça brotou da morte de Cristo. A passagem das trevas para a luz exprime a realidade do mistério da páscoa em Cristo e em nós.

Nosso desejo é que cada um, nesta semana de graça e de vida para a Igreja, se coloque naquela postura do Servo Sofredor, aberto à graça do Pai para colaborar na construção de um mundo mais de Deus: “O Senhor Deus me deu uma língua de discípulo para que eu soubesse trazer ao cansado uma palavra de conforto. De manhã ele desperta o meu ouvido para que eu ouça como os discípulos” (Is 50,4).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Entre aclamações e insultos

aureliano, 11.04.19

Domingo de Ramos - 14 de abril - B.jpg

Domingo de Ramos [14 de abril de 2019]

[Lc 9,28-40 (Ramos); Lc 22,14 – 23,56 (Paixão)]

Estamos entrando na Semana Santa! Esta Semana passou a ser celebrada com a intenção de rememorar a Paixão do Senhor. Na Idade Média ela tomou corpo e fôlego, sobretudo pela tentativa de reviver o episódio da Paixão do Senhor descrito pelos evangelistas. Esta semana era até chamada de Semana Dolorosa, pelo fato de se dramatizarem os sofrimentos de Cristo.

Parece simples, mas o conhecimento desse dado histórico é interessante porque pode nos ajudar a entender o porquê das vias sacras e outras representações da Paixão do Senhor. Fiquemos então atentos para não nos perdermos nos folclores e dramatizações, mas adentrarmos misticamente no Mistério profundo da livre entrega de Jesus por nós (cf. Jo10,18), manifestação do amor do Pai, e nos atermos ao Mistério fundante de nossa fé cristã, a Ressurreição do Senhor, vitorioso sobre o pecado e a morte.

RAMOS

Este domingo se chama, na verdade, Domingo de Ramos da Paixão do Senhor. Jesus entra triunfante em Jerusalém para sofrer a Paixão. Portanto, celebramos dois acontecimentos: a aclamação de Jesus como o “Bendito que vem em nome do Senhor”, e a contemplação de sua Paixão. É o único domingo do ano em que a Igreja celebra a Paixão propriamente dita de Jesus, proclamando no Evangelho os relatos da Paixão.

Jesus pediu aos discípulos para buscar um jumentinho. Deviam dizer aos interrogantes: “O Senhor precisa dele”. O Senhor quer também precisar de nós. Somos os “jumentinhos” do Senhor. Nós temos nos colocado à disposição dele? Ou costumamos “empacar”? – Refletindo sob outro aspecto: fazemos dos outros nossos jumentos, nossos escravos? Há falta de respeito, de fraternidade? Levo junto os fardos da vida ou jogo o peso sobre os ombros dos outros?

A PAIXÃO DO SENHOR

No Crucificado vemos, não somente um inocente condenado, mas nele, nós cristãos, contemplamos todas as vítimas do preconceito, da maldade e da injustiça de todos os tempos. Na cruz com Jesus estão as vítimas da fome, as crianças abandonadas e exploradas, as mulheres maltratadas, os explorados à custa de nosso bem-estar, os esquecidos por nossa Igreja, os espoliados pela cultura da corrupção descarada, os espancados e mortos pela truculência de alguns que, por terem uma arma na mão, se julgam donos da vida alheia.

Esse Deus crucificado não é o Deus controlador, que está em busca de honra e glória. Não! É o Deus paciente e humilde que respeita a liberdade de seus filhos e lhes quer sempre o bem, a felicidade e a alegria. Não é um Deus vingativo, justiceiro. Mas um Deus que manifesta sempre o perdão e a misericórdia.

Nós cristãos continuamos a celebrar o Deus crucificado porque vemos nele o Deus “louco” de amor por todos nós. Ele é a força que sustenta nossa esperança e nossa luta pela justiça e pela paz. Acreditamos que Deus não passa ao largo de nossas lágrimas, sofrimentos, lutas e fracassos. Ele está no calvário de nossa existência. A cruz erguida entre as nossas cruzes nos lembra que Deus sofre conosco.

SEMANA SANTA

Nesta semana a Igreja nos convida a contemplar Jesus que oferece sua vida como dom ao Pai. Ele não vai à cruz porque gosta de sofrer ou porque quer morrer. Jesus não é suicida nem sado-masoquista! A paixão e sofrimento por que passa são consequências de sua fidelidade ao Pai. Seu amor e paixão pelo bem da humanidade o levam à cruz. A contemplação de Cristo crucificado deveria nos levar a agradecer ao Pai por nos ter dado Jesus como Salvador. O Pai olha para seu Filho, vítima da maldade humana, como a olhar para todos aqueles que são injustiçados, vitimados por uma sociedade que sacrifica os jovens, os idosos, os doentes, as mulheres e as crianças, todos vítimas indefesas dos detentores do poder político e econômico.

Jesus continua passando pelas nossas ruas e praças. Por vezes aplaudimos Jesus em uma celebração ou culto, depois o insultamos no rosto do desvalido! Isso é muito grave! Precisamos de um sério exame de consciência nesta Semana Santa!

Portanto, a celebração da entrada de Jesus em Jerusalém deve valorizar não tanto os ramos, mas o mistério expresso pela procissão que proclama a realeza messiânica de Cristo.

CAMPANHA DA FRATERNIDADE

Hoje é dia da coleta nacional da Campanha da Fraternidade! Trago aqui uma palavra do Papa Francisco que nos ajuda na sintonia e comunhão com nossa Igreja do Brasil.

“É nocivo e ideológico o erro das pessoas que vivem suspeitando do compromisso social dos outros, considerando-o algo de superficial, mundano, secularizado, imanentista, comunista, populista; ou então relativizam-no, como se houvesse outras coisas mais importantes, como se interessasse apenas uma determinada ética ou um arrazoado que eles defendem. A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e exige-o o amor por toda pessoa, independentemente do seu desenvolvimento. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura e em todas as formas de descarte. Não podemos propor um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo,  onde alguns festejam, gastam folgadamente e reduzem a sua vida às novidades do consumo, ao mesmo tempo que outros se limitam a olhar de fora enquanto a sua vida passa e termina miseravelmente(Gaudete et Exsultate, n.101).

Seu gesto solidário de cristão católico, demonstra sua participação efetiva nas ações da Igreja e de outras organizações sociais, a quem parte dessa coleta poderá chegar, beneficiando os excluídos do “bolo” que deve ser de todos.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“Sem mim nada podeis fazer”

aureliano, 27.04.18

5º Domingo da Páscoa - 29 de abril.jpg

5º Domingo da Páscoa [29 de abril de 2018]

[Jo 15,1-8]       

A alegoria da vinha como o Povo de Deus aparece já no Antigo Testamento: “A vinha do Senhor dos Exércitos é a casa de Israel. Deles esperava o direito, mas o que produziram foi a transgressão” (Is 5, 7). E ainda: “Eu te plantara como uma vinha excelente, toda de cepas legítimas. Como te transformaste para mim em ramos degenerados de uma vinha bastarda?” (Jr 2, 21). Israel, qual vinha de agricultor zeloso, era cuidado por Deus com todo carinho, porém os frutos eram pouco generosos. A infidelidade, a idolatria, impedia a ação de Deus na vida do seu povo.

No relato de hoje Jesus se apresenta como “videira verdadeira” (no domingo passado apresentava-se como bom Pastor). O Pai é o agricultor. Vários cuidados são empregados para que produza frutos: poda dos galhos “bons”; corte e queima dos ramos secos; permanecer ligado ao tronco; produzir frutos.

O essencial deste relato é o “permanecer”. Este verbo aparece oito vezes nestes poucos versículos. Percebemos aí a importância da ligação com Jesus. Sem uma vida de encontro profundo com Cristo ressuscitado que faça com que a vida de Cristo corra em nossas veias, não haverá produção abundante de frutos. Galho seco agarrado ao tronco não serve para nada. Rama de uva cheia de folhas, mas sem nenhuma uva, não serve para nada. As palavras do Mestre devem “permanecer” em nós. Vida de oração é manter-se “plugado” a Jesus na busca permanente da vontade do Pai. É vida de permanente comunhão e intimidade com Deus.

As palavras de Jesus: “Sem mim nada podeis fazer”, nos remete a uma realidade que vivemos hoje de desconhecimento da pessoa de Jesus e do desejo prometéico incutido no coração e na mente humana de autossuficiência e de autorreferencialidade. O ser humano caminha para o caos levado pelo desejo da absoluta autonomia e independência. Julga-se o senhor de tudo e de todos. Prescinde cada vez mais da experiência de fé e de fraternidade. As crises morais, existenciais, hídricas (sic!), étnicas, culturais, econômicas que vivemos estão profundamente vinculadas à autossuficiência humana. Sem a referência a Jesus e aos valores vividos e ensinados por ele, não é possível uma transformação social que perdure.

Ainda mais. O tronco é Jesus. Nós somos os ramos. Ninguém pode ter a petulância de se colocar como tronco: dono da verdade, dono do poder, dono das pessoas, dono do dinheiro, dona das decisões, dono da comunidade. O ensinamento de Jesus quer incutir em nós a igualdade na comunidade. Todos somos ramos. Cuidado com o poder (da hierarquia e da política, do mercado e do dinheiro) que por vezes seca os ramos ou se enche de folhagem inútil! É preciso levar os ramos a se ligarem profundamente ao Tronco para que produzam frutos.

Sem cultivo da intimidade com Jesus Cristo, colocando-o como centro de nossa vida e de nossas decisões, corremos o risco de reduzir nossa fé a um folclore, a um ritualismo vazio, a uma relação comercial com uma realidade sagrada que denominamos Deus. Então nos tornaremos galho seco ou ramo enfeitado, mas vazio daquilo que é essencial: frutos, uva doce, atitude que dê sabor à vida dos outros. Enganamos os outros, exploramos sem escrúpulo, azedamos a vida daqueles que nos circundam e machucamos aqueles que nos buscam.

Os frutos que devem ser produzidos são claros: crer em Jesus e amar uns aos outros (cf. 1Jo 3, 23). É o resultado do permanecer em Deus que, consequentemente, produz frutos.

As podas que o Pai faz são integrantes do processo de cultivo e produção. Elas ajudam a produzir. Por isso precisamos estar abertos a outras possibilidades: abertura ao novo, diálogo, correção fraterna, abrir mão das próprias idéias, conviver com diferenças, ser mais tolerante, superar preconceito de raça, religião, condição social ou orientação sexual. As podas não são necessariamente provação vazia, perseguição inócua; elas são graça de Deus para produzirmos frutos. É deixar o Pai arrancar de nós aqueles excessos que nos impedem de ser melhores.

Pai, ajuda-nos a reconhecer nossa pequenez, nossos excessos, nossa infidelidade. Faze com que tua vida penetre cada vez mais em nós para que não sejamos ramos secos, desligados de ti e dos irmãos, nem ramagem formosa, mas improdutiva. Enche-nos de teu amor e de tua vida. Amém.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Entre a aclamação e o insulto

aureliano, 23.03.18

Domingo de Ramos B.jpg

Domingo de Ramos [25 de março de 2018]

[Mc 11,1-10 (Ramos) e Mc 14,1 – 15,47 (Paixão)]

Estamos entrando na Semana Santa! Esta Semana passou a ser celebrada com a intenção de rememorar a Paixão do Senhor. Na Idade Média ela tomou corpo e fôlego, sobretudo pela tentativa de reviver o episódio da Paixão do Senhor descrita pelos evangelistas. Esta semana era até chamada de Semana Dolorosa, pelo fato de se dramatizarem os sofrimentos de Cristo.

Parece simples, mas o conhecimento desse dado histórico é interessante porque pode nos ajudar a entender o porquê das vias sacras e outras representações da paixão do Senhor. Ficaremos então atentos para não nos perdermos nos folclores e dramatizações, mas adentrarmos mais profundamente no Mistério profundo da entrega de Jesus, manifestação do amor do Pai, e nos atermos ao mistério fundante de nossa fé cristã, a Ressurreição do Senhor.

Este domingo se chama, na verdade, Domingo da Paixão nos Ramos. Jesus entra triunfante em Jerusalém para sofrer a Paixão. Portanto, celebramos dois acontecimentos: a aclamação de Jesus como o “Bendito o que vem em nome do Senhor” e a contemplação de sua Paixão. É o único domingo do ano que a Igreja celebra a Paixão propriamente dita de Jesus, proclamando no Evangelho os relatos da Paixão.

Algumas considerações: Jesus pediu aos discípulos para buscar um jumentinho. Deviam dizer aos interrogantes: “O Senhor precisa dele”. O Senhor quer também precisar de nós. Somos os “jumentinhos” do Senhor. Nós temos nos colocado à disposição dele?

Ainda mais: as pessoas espalhavam roupas e ramos pelo caminho aclamando a Jesus. E nós? Aplaudimos Jesus passando pela Cruz até à sua Ressurreição? Temos dado algo de nós para Jesus passar? Notamos que ele passa diante de nós no irmão que sofre?

Nesta semana a Igreja nos convida a contemplar Jesus que oferece sua vida como dom ao Pai. Ele não vai à cruz porque gosta de sofrer ou porque quer morrer. Jesus não é nenhum suicida! A paixão e sofrimento por que passa é consequência de sua fidelidade ao Pai. A contemplação de Cristo na cruz deveria nos levar a agradecer ao Pai por nos ter dado Jesus como Salvador. O Pai olha para seu Filho, vítima da maldade humana, como a olhar para todos aqueles que são injustiçados, vitimados por uma sociedade que sacrifica os menores. Quem é que sofre mais em consequência do mau atendimento do SUS, da falta de médicos e medicamentos? Quem é que morre em consequência de desvio de verbas, da propina, da corrupção sistematizada, dos jogos políticos para se ganharem e venderem cargos?

Jesus continua passando pelas nossas ruas e praças. Às vezes aplaudimos Jesus em uma celebração ou culto e o insultamos no rosto do desvalido! Por vezes nos silenciamos diante da maldade perpetrada. Atribui-se a Martin Luther King uma frase de valor inquestionável: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. O silêncio pode esconder cumplicidade no crime e na maldade. Isso é muito grave! Precisamos de um sério exame de consciência nesta Semana Santa na busca de um caminho de manifestação da bondade do Pai em nossas ações cotidianas. Fecundar a sociedade estéril, porque individualista e narcisista, com uma atitude de quem serve: “Eu vim para servir” (Mt 20,28).

E, nas trilhas da superação da violência, queremos nos lembrar de que somos todos irmãos (cf. Mt 23,8). Ninguém, pois, tem o direito de tirar a vida de ninguém; ninguém pode morrer à míngua; ninguém pode sofrer violência seja de qualquer natureza; ninguém pode ser abandonado à sua própria sorte; ninguém pode ser discriminado por motivos de raça, religião, orientação sexual ou condição social.

Portanto, a celebração da entrada de Jesus em Jerusalém deve valorizar não tanto os ramos, mas o mistério expresso pela procissão que proclama a realeza messiânica de Cristo. Uma vida entregue livremente para que toda violência e maldade fossem eliminadas da face da terra. Eis a nossa missão.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN