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Que a vingança dê lugar à reconciliação

aureliano, 21.02.25

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7º Domingo do Tempo Comum [23 de fevereiro de 2025]

[Lc 6,27-38]

Um sentimento que insiste em habitar no coração humano é o da vingança: pagar o mal com o mal. Uma forma de compensar a dor sofrida é fazer o outro sofrer também. Ou, no mínimo, desejar o mal a quem nos fez mal. Acompanhemos as palavras de Jesus no chamado “Sermão da Planície”, e guardemos no coração seu ensinamento para colaborarmos na construção de um mundo mais de acordo com o sonho de Deus.

Em A República, capítulo I, no diálogo em busca da definição de justiça no sentido de “dar a cada um o que lhe compete”, Sócrates faz Polemarco afirmar que “a Justiça é favorecer aos amigos e prejudicar os inimigos”. Ora, se o inimigo faz o mal, portanto deve-se-lhe devolver o que ele oferece: o mal. É muito bom prestarmos atenção nisso, pois é isso que escutamos e vemos todos os dias nas redes sociais e televisão. Pagar o mal com o mal. Quem faz o mal deve receber o mal. Recorrer às armas de fogo ou a qualquer outro armamento para combater o mal ou vingar-me do mal que recebi. Já prestaram atenção naquelas frases emblemáticas de para-brisa de carro ou para-choque de caminhões? “Que você receba em dobro tudo o que me deseja”. E por aí se vai...

A compreensão de justiça na Sagrada Escritura se distancia da compreensão filosófica. Jesus vem nos ensinar como se deve entender esse fazer justiça.  A justiça do Reino de Deus contesta e corrige a justiça humana. Colocar na mente e no coração a novidade trazida por Jesus que estabelece relações a partir do princípio da misericórdia não é tarefa fácil.

Nasce daqui a importância revolucionária que Jesus introduz nas relações humanas acometidas pelos conflitos e violência: “Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam” (Lc 6,27). Não se pode entender e praticar isso senão mediante o dom da fé. Uma relação amorosa e confiante com o Pai.

Quando Jesus fala do amor aos inimigos, não está falando de mero sentimento em relação a eles. Certamente o sentimento não será livre de dor, de mágoa, sobretudo quando ficam marcas, feridas profundas, cicatrizes que atravessam gerações. Quando deparamos com nossas dores diante do mal causado pelo inimigo, é natural dar-nos tempo para recuperar a paz. Aliás, não é possível ao ser humano simplesmente dizer que está perdoado, e pronto. O perdão não acontece de um dia para o outro. É um processo longo e trabalhoso. Não é fruto de sentimentos, mas de decisão.

Isso nos ajuda a entender que Deus também tem paciência conosco e nos espera no nosso tempo para nos perdoar.  Portanto, é bom compreendermos que Jesus está falando de atitude que brota da vontade, da decisão, de se interessar pelo bem do inimigo. E não de mero sentimento. Uma realidade que parte da experiência de fé. Por causa da minha fé em Jesus, da minha adesão a ele e ao seu evangelho, quero que o meu inimigo, aquele que me fez o mal, se converta e viva, mude de vida, peça perdão, assuma uma vida nova.

Há pessoas que dizem: “Fulano pra mim não existe mais. Não faz mais diferença em minha vida!”. Isso significa que o ofensor foi assassinado no coração. Está morto. Então não houve perdão, mas assassinato. Neste caso o ódio deu lugar à indiferença. Tanto pior.

A novidade introduzida por Jesus quebra a corrente da violência. Ao morrer na cruz, vítima do ódio e violência de seus inimigos, Jesus quis que a corrente da violência terminasse nele, em sua entrega de amor: “Ele é a nossa paz: de ambos os povos fez um só, tendo derrubado o muro da separação e suprimido em sua carne a inimizade (...) e de reconciliar a ambos com Deus em um só Corpo, por meio da cruz, na qual ele matou a inimizade” (Ef 2,14.16). Nós, seus discípulos, queremos também quebrar a corrente da violência. Ao pagar o mal com o bem, ao abençoar quem nos amaldiçoa, ao pedir a Deus pelos inimigos e ofensores, enfraquecemos a força do mal que insiste em prevalecer no mundo.

O que está em jogo aqui é o amor de Deus que está para além e envolve toda miséria humana. “Faz nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 6,45). Um amor gratuito, generoso, que não exige nada em troca. Não tem nada a ver com aquela liberalidade humana do chefe que, para agradar os subordinados e ser querido por eles, dá um lauto banquete e distribui presente a todos. Não! Não é isso. Trata-se de uma atitude amorosa, gratuita que se fundamenta em Deus, por causa de Deus, por amor a Deus.

A primeira leitura de hoje (1Sm 25,2.7-9.12-13.22-23) traz uma demonstração disso. Saul quis matar Davi. E este conseguiu se salvar da lança do Monarca. Quando surge uma oportunidade de Davi acabar com a vida de seu perseguidor, não o faz. Por quê?  Pelo fato de ser um ungido do Senhor: “Não o mates! Pois quem poderia estender a mão contra o ungido do Senhor, e ficar impune?” (1Sm 26,11). Davi entrega a Deus a causa: “O Senhor retribuirá a cada um conforme a sua justiça e fidelidade. Pois ele te havia entregue hoje em meu poder, mas eu não quis estender a mão contra o ungido do Senhor” (1Sm 26,23). Quando vemos no outro, por pior que ele nos possa parecer, a imagem de Deus, nos predispomos a fazer um caminho de perdão e de amor.

Essa passagem da Escritura poderia iluminar também as guerras e conflitos mundiais. Governantes que se dizem cristãos ficam de espreita para avançar e destroçar as comunidades, povos e nações. Sem piedade nem constrangimento nenhum pelo mal causado aos pequenos e fracos. Uma sede satânica de destruição, de usurpação, de avançar e tomar territórios e patrimônios dos outros! Um prazer em perpetrar o mal! Que tristeza! Que falta de humanidade! Que falta de Deus e do evangelho em nosso mundo!

“Sede misericordiosos como vosso pai é misericordioso” (Lc 6,36). Jesus não está pedindo que sejamos perfeitos como o Pai (como está dito em Mt 5,48), mas que imitemos sua bondade, seu gesto de perdão. A medida de nosso perdão oferecido aos ofensores e inimigos faz com que o Pai não nos julgue, não nos condene, mas nos perdoe sempre (cf. Lc 6,37). Pois “com a mesma medida que medirdes, sereis medidos” (Lc 6,38).

Podemos também dizer que o gesto de perdão proposto por Jesus não é uma questão opcional. Não depende de nossa escolha, como se cada um pudesse decidir se perdoa ou não, sem implicação para a humanidade. Não! A generosidade, o perdão, a busca do bem para as pessoas são constitutivos da busca do querer de Deus. É obra de “justiça” no sentido bíblico: nossa relação filial com Deus justo e santo. No perdão acontece nossa realização como cristãos. Em síntese, poderíamos dizer que, sem esse espírito, o nome de cristãos não corresponderia ao que dizemos ser e acreditar.

O cristão é aquele que, no seguimento de Cristo, faz um caminho diferente da proposta social. Caminha na contramão da história. Coloca-se em contestação da sociedade de consumo, de vingança, de violência, de dominação, de mentira, de aparência, de busca de sucesso e poder. Suas atitudes são “estranhas”, incompreensíveis: amar os inimigos, abençoar os que nos amaldiçoam, rezar pelos perseguidores (cf. Lc 23,24. At 7,60).

Portanto, perdoar não é esquecer. Perdoar é dar tempo ao tempo. É saber trabalhar dentro de si o desejo de vingança, o sentimento de ódio. É compartilhar com alguém a dor da ferida sofrida. É buscar a paz interior. É amar de novo. É dar nova oportunidade. É entregar o “devedor” nas mãos do Pai misericordioso. Todas as vezes que se lembrar da ofensa/dívida, que sentir a dor doída no coração, oferta ao Pai do céu ambos: o ofendido e o ofensor. E poderá dizer com toda confiança: “Pai nosso... perdoai-nos como nós perdoamos”.

Contemplemos o Cristo na Cruz que disse: “Pai, perdoa-lhes porque eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Estêvão, nas pegadas de Jesus, também perdoou: “Senhor, não lhes leve em conta este pecado” (At 7,60). Trilhemos este caminho de vida e de salvação!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Que a vingança dê lugar à reconciliação

aureliano, 16.09.23

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24º Domingo do Tempo Comum [17 de setembro de 2023]

[Mt 18,21-35]

Como já dissemos em outro momento, o capítulo 18 de Mateus é um discurso com orientações de Jesus sobre a Igreja. No domingo passado a liturgia da palavra nos ajudava a rever nossa vida comunitária marcada pelo pecado. Como lidarmos, na comunidade, com o irmão que peca (Mt 18,15-20)? O caminho é a tentativa permanente de salvar a pessoa porque “não é da vontade de vosso Pai que está nos céus, que um desses pequeninos se perca” (Mt 18,14).

O evangelho deste domingo quer nos ajudar a trabalhar a realidade do perdão de ofensas interpessoais. Pedro pergunta a Jesus se deve perdoar até sete vezes. Está sendo muito generoso, pois a compreensão que se tinha do perdão recíproco era bem mesquinha. Os mestres daquele tempo explicavam que Deus perdoa até três vezes. À mulher, aos filhos e aos irmãos se recomendava que fossem perdoados certo número de vezes. Mas não se sabia ao certo quantas vezes. Prevalecia, geralmente, lei do Talião: “olho por olho e dente por dente” (cf. Ex 21,22-25).

Jesus vem trazer um ensinamento novo. Pede que se perdoe sempre: “setenta vezes sete”. Número que simboliza a plenitude. É preciso perdoar sempre, ilimitadamente. Como, aliás, já ensinara: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5,44). Também no ensinamento sobre a oração, diz: “Perdoai-nos as nossas dívidas como nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6,12).

Na parábola de hoje Jesus ilumina o caminho do cristão em dificuldade com o irmão: o perdão dado ao ofensor é precedido pelo perdão recebido do Pai. O sentido da parábola está em que Deus perdoa gratuitamente, desinteressadamente a quem lhe pede perdão. A consequência disso é que o ser humano perdoado deve aprender a perdoar seus irmãos gratuitamente, isto é, ainda que não haja nenhum merecimento ou mostras de conversão ou arrependimento da parte de quem ofendeu.

A dimensão do perdão das ofensas tem profundas consequências para a história. Nenhuma comunidade humana se constrói sem perdão. Às vezes somos induzidos por algumas ideias de que o mundo seria melhor se se aplicasse uma estrita justiça, simplesmente castigando-se os maus, sem benevolência. Alguns, insanamente, estão a repetir por aí: “Bandido bom é bandido morto”. Mas qual seria o futuro de uma sociedade ou de uma comunidade em que se suprimisse o perdão? Aonde queremos chegar quando defendemos e promovemos o “olho por olho e dente por dente”? Como é possível conciliar a crença no evangelho e a defesa da tortura e matança? Devemos nos convencer de que só o perdão consegue impor um limite ao mal.

“Queres ser feliz por um momento? Vinga-te. Queres ser feliz para sempre? Perdoa”. Essa expressão de Lacordaire, pensador francês, diz muito. Num primeiro momento somos tomados pela ira e desejamos vingar-nos, pagar o mal com o mal. Mas a satisfação gerada por essa atitude é muito fugaz. Depois vem o remorso, peso na consciência etc. Por isso a Igreja reza: “Sim, ó Pai, porque é obra vossa que a busca da paz vença os conflitos, que o perdão supere o ódio, e a vingança dê lugar à reconciliação” (Oração Eucarística VIII).

Quem não perdoa irá sempre culpar alguém e vingar-se. Isso produz sofrimento físico e espiritual. Não perdoar gera amargura, azedume, tristeza. Quem perdoa não deixa a amargura enraizar-se no seu coração.

Perdoar é também não julgar, não condenar, compreender, tolerar. Quando perdoamos damos um novo significado ao fato que nos magoou. O perdão realiza o encontro com a verdade de si e do outro. Perdoar é gesto de gratuidade, de generosidade que fazemos de nós mesmos a Deus e aos irmãos.

Perdoar não quer dizer fazer de conta que o mal não existiu nem ignorar a injustiça sofrida nem tampouco esquecer tudo como se nada tivesse acontecido. Não! A injustiça precisa ser reparada de alguma forma. Os instrumentais para ajudar o processo de conversão, de mudança de atitude precisam ser aplicados. E pode ocorrer de nunca nos esquecermos do mal que alguém nos fez. Mas essa lembrança não pode se transformar em ódio e desejo de vingança. O perdão é que cura a ferida.

Sem o perdão somos pesados, doentes, depressivos, agressivos, desumanos. O ressentimento e o desejo de vingança nos envenenam, tornando-nos agressivos, doentes. Podemos ser tomados pela insônia. Morremos aos poucos. Ficamos insuportáveis. Muitas doenças e males físicos e psíquicos têm sua raiz na falta de perdão.

“As conseqüências negativas da falta de perdão são tão perigosas e destruidoras que a Bíblia aconselha a perdoar antes do pôr do sol. Não deixar para amanhã. Não ir dormir com raiva: ‘Não se ponha o sol sobre vossa ira’ (Ef 4,26). Igualmente Jesus manda perdoar setenta vezes sete, isto é, sempre, imediatamente e de todo coração. O perdão é tão benéfico que deve ser dado incondicionalmente, totalmente, incansavelmente. Na oração do Pai Nosso, o perdão está ao lado do pão de cada dia. O perdão também é pão da vida, porque é o amor sem medidas, amor de mãe, amor misericordioso. É o perdão que possibilita a fraternidade e a boa qualidade do relacionamento humano” (Dom Orlando Brandes, Arcebispo de Aparecida).

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CAMINHOS DE PERDÃO

O perdão é algo divino, mas difícil de se compreender e de se viver. O perdão nos torna parecidos com Deus. Sem perdão não se constrói comunidade, família, amizade. Sem perdão é impossível viver-se bem, ser feliz.

Quando Pedro faz essa pergunta a Jesus sobre quantas vezes deve perdoar, ele está querendo uma resposta que lhe atenda o desejo: o máximo até sete vezes! O espírito de vingança dos povos antigos e também no judaísmo era muito forte. A tolerância era quase zero.

Quando Jesus lhe responde "setenta vezes sete vezes" quer dizer que se deve perdoar sempre, sem medida, sem contabilizar. Não se deve vingar nunca, de ninguém. Como Deus é misericordioso e perdoa sempre, assim deve proceder o ser humano.

Essa medida do perdão proposta por Jesus faz lembrar Lamec que diz de si mesmo ser vingado setenta vezes por ter matado um inocente: “É que Caim é vingado sete vezes, mas Lamec setenta e sete vezes” (Gn 4,24). Jesus quer superar esse sentimento de vingança que leva à morte e mostra que o perdão é fonte de vida para quem perdoa e para quem é perdoado. É preciso quebrar a corrente da vingança, do ódio e da violência, como fez Jesus.

Devemos perdoar porque Deus nos perdoou primeiro. Nosso perdão dado aos outros é expressão de gratidão ao Pai pelo perdão que ele nos dá. Quem perdoa é perdoado: "Perdoai-nos como nós perdoamos". A medida do perdão de Deus é sem medida. Perdoamos com a certeza de que Deus nos perdoou primeiro.

Negar o perdão é renegar a misericórdia do Pai. É rejeitar o perdão que Ele nos dá todos os dias.

Perdoar está no nível da razão/vontade/liberdade, não do sentimento/emoção. Por isso a gente não esquece, pois a dor nos faz lembrar. Perdoar está no nível da razão iluminada pela fé, pelo evangelho. Ainda que eu me lembre e me entristeça pelo mal sofrido, digo para mim mesmo e para Deus: “Por amor de Jesus Cristo eu quero perdoar”. Jesus na cruz pediu perdão pelos seus malfeitores: “Pai, perdoa-lhes, não sabem o que fazem” (Lc 23,34). E Estêvão, secundando Jesus, rezou: “Senhor, não lhes leves em conta este pecado” (At 7,60).

Como você lida com o perdão? É capaz de rezar por aqueles que ofendem você? É capaz de desejar-lhes o bem? Fortalece no coração a capacidade de ampará-los se vierem a precisar de você? - Isso é caminho de perdão.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Dimensão comunitária do sacramento da Reconciliação

aureliano, 09.09.23

23º Domingo do TC - A - 10 de setembro.jpeg

23º Domingo do Tempo Comum [10 de setembro de 2023]

[Mt 18,15-20]

O evangelho deste domingo nos remete a um elemento fundamental dos sacramentos da Igreja, mas que no decurso da história parece ter sido esquecido no sacramento da Reconciliação ou Confissão: sua dimensão eclesial ou comunitária. Em outras palavras, o sacramento da Penitência ou Confissão precisa retomar sua dimensão comunitária.

Já no AT os ritos de penitência eram comunitários. E, segundo consta, nos primórdios da Igreja, a confissão dos pecados era pública, ou seja, feita na comunidade. Percorrendo, porém, a história desse sacramento, constata-se ter havido uma passagem progressiva da celebração penitencial de toda a comunidade à confissão individual. Isso levou à alienação do rito do perdão nos relacionamentos da comunidade, tornando-o um ato quase mágico. Tal procedimento também desvinculou o pecado de sua dimensão comunitária, como se o pecado fosse de responsabilidade e proporções apenas individuais sem consequência na vida da comunidade.

O pecado atinge de cheio a comunidade: os corruptos e ladrões de nosso País roubam o pão dos pobres, os medicamentos e atendimento médico-hospitalar dos doentes, o direito a uma educação de qualidade crianças e jovens, a merenda escolar, os recursos do saneamento básico, os incentivos sociais das políticas públicas etc. Faz a miséria se instalar ainda mais na vida dos “invisíveis” e “descartáveis” sociais, daqueles que não contam na sociedade. Com ele crescem a violência e o ódio. O pecado destrói a família, desfaz a alegria de viver, quebra a amizade e a comunhão entre os irmãos. O pecado explora o meio-ambiente e descarta as vidas, as culturas, as pessoas. O pecado afoga o indivíduo no seu próprio ego (narcisismo) e mata a quem está por perto, pois seus tentáculos atingem tanto mais pessoas quanto maior for sua gravidade.

Ora, a celebração dos sacramentos é a rememoração e atualização do evento salvífico de Deus na história, por Cristo, no Espírito Santo. Salvação essa que se dá como evento eclesial (embora Deus possa salvar também por outros meios). Tratando-se, pois, do sacramento da Reconciliação (sinal salvífico eclesial), não parece ter sentido realizá-lo como um ato isolado. Se o Batismo, sacramento primeiro da conversão e do perdão, é essencialmente comunitário, por que razão a Reconciliação, segunda penitência, foi privada de tal dimensão?

Torna-se, pois, urgente recuperar a dimensão comunitária, eclesial do sacramento da Reconciliação. Deus não salva o indivíduo no seu isolamento. Ele salva a comunidade e na comunidade. É, pois, em comunidade que deve ser operada a conversão e a busca do perdão. Na Igreja Católica, o padre ou o bispo, são os representantes da comunidade eclesial quando ministram esse sacramento. Portanto, na confissão sacramental, a pessoa é reconciliada com Deus e com a comunidade.

Se se forma o fiel cristão para o verdadeiro sentido da comunidade querida por Jesus, e para o sentido e necessidade da conversão na vida humana, se compreenderá por que Jesus centrou sua pregação na proclamação da penitência, da conversão (metanóia) como único caminho de entrada e participação no Reino de Deus: “Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede do Evangelho” (Mc 1,15).

Concluindo: o sacramento da Penitência ou Confissão se torna eficaz quando nos reconcilia com Deus e com os irmãos. Quando nos leva a uma verdadeira conversão do coração e mudança de vida. Quando nos reintroduz na vida e participação da comunidade. Quando nos leva a devolver o que roubamos, ou a alegria e paz de que privamos as pessoas. Sem busca de conversão do coração não adianta confissão dos pecados. Seria uma mera formalidade, um rito vazio de sentido. Deus não está interessado em “ouvir” pecados, mas na mudança de vida. Uma vida que deve estar cada vez mais conformada à de Jesus de Nazaré.

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A correção fraterna

Estamos no capítulo 18 de Mateus em que ele relata o discurso de Jesus sobre a comunidade. E o relato de hoje está imediatamente após a parábola da ‘ovelha perdida’. Essa observação é muito importante porque nos ajuda a compreender e a realizar a correção fraterna: deve-se buscar sempre trazer a pessoa de volta para a comunidade, pois a Igreja é a comunidade dos reconciliados: “Não é da vontade de vosso Pai, que está nos céus, que nenhum destes pequeninos se perca” (Mt 18,14). Cristo não nos salva somente pela sua morte na cruz, não. Ele quer nos salvar também pela comunidade na qual deseja que estejamos plenamente inseridos, em comunhão.

É muito comum entre nós falar mal dos outros, fofocar, condenar etc. Somos mestres em criticar  e condenar as pessoas. Dificilmente encontramos alguém que chame a pessoa que se julgue errada e lhe mostre o erro e o caminho de saída. Tem gente que se afasta da comunidade por causa desse ou daquele; tem gente que expulsa pessoas da comunidade por posturas julgadas inadequadas.

Pois bem, o Evangelho de hoje nos exorta a sairmos de um moralismo inconsequente  e ajudarmos o irmão que erra a fazer o caminho de volta. Chamá-lo em particular, para não humilhá-lo ou ridicularizá-lo. Numa segunda tentativa devem-se buscar testemunhas, ou seja, mostrar o interesse de outras pessoas, para que outros possam também manifestar-se em relação ao irmão que se desencaminhou. Finalmente, tendo mostrado que foram envidados todos os esforços, se não quis ouvir nem a pessoa em particular nem as testemunhas, deve-se comunicar à Igreja: a comunidade cristã é que tem o poder das “chaves”: ligar e desligar.

O que se ressalta deste texto é o desejo de Jesus que se empenhe com toda força na recuperação de quem está no caminho do mal. Lembre-se aqui do imperativo de Jesus: “Vai”. É preciso ir corrigir, e não ficar falando pelas costas, covardemente. A salvação que Jesus veio trazer passa pela comunidade. E esta precisa sempre mais se aproximar de Jesus para ser sinal de seu amor. A compaixão de Jesus, seus gestos de acolhida e de respeito, a quebra de todo preconceito, sua solicitude para com os pequenos e sofredores mostram como a comunidade cristã deve proceder.

Vale lembrar aqui, do ponto de vista político-social, a pouca-vergonha e canalhice de muitos quando sabem das roubalheiras, das propinas, dos desvios de verba, dos subornos, das sonegações de impostos, das “rachadinhas” e permanecem calados como se nada soubessem, ou mesmo buscando se beneficiar da situação. É tempo de acordar para o Evangelho da vida nessa cultura de morte que muitas vezes recorre à própria Palavra de Deus para justificar a podridão!

“Se ele te ouvir terás ganho teu irmão”. Esta palavra de Jesus deve ecoar forte dentro de nós. Assumirmos uma postura tal que o irmão seja capaz de nos ouvir. Toda atitude condenatória, rígida, arrogante, impetuosa afasta, espanta, irrita, distancia. O Papa Francisco adverte: “Nós, os católicos, como ensinamos a moral? Não podemos ensinar apenas preceitos como: ‘Você não pode fazer isso, tem que fazer aquilo; você pode, você não pode’. A moral nas atitudes é uma consequência do encontro com Jesus Cristo. Para nós, católicos, é uma consequência da fé. E para os demais, a moral é uma consequência do encontro com um ideal, ou com Deus, ou consigo mesmo, com a melhor parte de si mesmo. A moral é sempre uma consequência. […] Algumas pessoas preferem falar de moral em homilias ou em cursos de teologia. Há um grande perigo para os pregadores, que é cair na mediocridade… condenar somente a moralidade – desculpe-me – ‘da cintura para baixo’. Mas os outros pecados, que são mais graves, o ódio, a inveja, o orgulho, a vaidade, matar o outro, tirar a vida… não se fala tanto deles” (pt.aleteia.org – 04/09/2017).

Talvez fosse oportuno fazermos um exame de consciência: como lidamos com aqueles que se afastam ou erram em nossa comunidade? Nossa atitude se assemelha à de Jesus? Costumamos falar mal dos outros, fofocarmos, condenarmos? Deixamo-nos tocar pelo sofrimento e dor do outro, pela sua situação de angústia e medo? Impomos medo nas pessoas? Ameaçamos? Ou buscamos estabelecer uma relação de confiança e liberdade?

* Setembro Amarelo: São registrados cerca de 12 mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de 01 milhão no mundo. Trata-se de uma triste realidade, que registra cada vez mais casos, principalmente entre os jovens. Cerca de 96,8% dos casos de suicídio estão relacionados a sofrimentos e transtornos mentais.

Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias químicas. Com o objetivo de prevenir e reduzir estes números a campanha ‘Setembro Amarelo’ tem como objetivo mobilizar a sociedade para se empenhar na prevenção do suicídio. Um elemento fundamental é ouvir a pessoa que está em estado de sofrimento depressivo ou transtorno mental, sem juízo de valor. Acolher, estender a mão, estar junto. Com uma ação de generosa escuta e acolhida a gente pode salvar muitas vidas.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe

aureliano, 31.12.21

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Santa Maria, Mãe de Deus [1º de janeiro de 2022]

[Lc 2,16-21]

“Quanto a Maria, guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19). Esse relato já bastaria para mostrar como Maria, mãe de Jesus, foi uma mulher profundamente de Deus. Essa frase bastaria para buscarmos em Maria um exemplo de verdadeira discípula, mãe, mulher, íntima do Pai.

Mulher contemplativa, via, ouvia e se admirava dos acontecimentos. Sabia que tudo provinha do Pai. Meditava tudo em seu coração. Os acontecimentos em torno do Menino não eram motivo de orgulho, de vaidade, de vanglória. Eram motivo para colocar-se ainda mais no coração do Pai. Sem compreender o que estava acontecendo, lança-se confiante e silente no Mistério de Deus.

Ao celebrarmos, hoje, Maria Mãe de Deus, valem aqui algumas considerações a respeito desse dogma da Igreja.

Dogmas são como que placas a indicar o caminho da nossa fé. Metaforicamente funcionam como balizas, olhos-de-gato, arrimos e proteção. Os meio-fios de uma via são balizas que não fecham o caminho, mas indicam por onde se deve caminhar. No passado havia um exagero em relação aos dogmas, criando-se uma espécie de dogmatismo: muitas placas e pouco caminho. Hoje, após o Vaticano II, a Igreja fez uma purificação da estrada, tirando muita coisa que atrapalha, valorizando mais a Palavra de Deus e a experiência de vida de cada um, dialogando de maneira mais aberta. Deste modo ela não abre mão das verdades que acredita, distinguindo o núcleo entre aquilo de que não pode abrir mão e aqueles elementos que evoluem com o tempo. Abre-se a possibilidade do diálogo que, ao contrário de negar os fundamentos da fé, favorece maior crescimento e amadurecimento da vida cristã e eclesial.

O dogma da Maternidade Divina de Maria foi definido pelo Concílio de Éfeso, no ano 431. A discussão era cristológica, isto é, girava em torno da divindade e humanidade de Jesus. Afirmando que Jesus é Deus e homem, concluiu o Concílio que Maria é Theotokos, ou seja, Genitora (Mãe) de Deus, porque é mãe de Jesus que é Deus.

Maria é mãe porque gerou e educou Jesus, o Filho de Deus. Em poucas cenas e palavras, mas profundamente significativas, os Evangelhos retratam Maria sempre atenta, fiel, humilde, generosa, acolhedora, solícita, aberta à vontade do Pai.

Ao confessar Maria Mãe de Deus, não estamos fazendo de Maria uma deusa, nem colocando-a como quarta Pessoa da Santíssima Trindade. Porém como Deus é comunidade de pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo), Maria, mãe do Filho de Deus, toca cada pessoa da Trindade. É filha predileta e escolhida do Pai.  Como mãe, é figura do amor criador de Deus Pai. Em relação ao Filho, Maria é mãe, educadora, discípula e companheira. É também uma mulher cheia do Espírito do Senhor. Templo vivo de Deus. “Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre e Isabel ficou repleta do Espírito Santo” (Lc 1,41). Sua docilidade ao Espírito Santo explica sua maternidade biológica e seu coração aberto a Deus. “Feliz aquela que creu, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido” (Lc 1,45).

A comunidade-Igreja participa da maternidade de Maria. Ela gera novos filhos pela fé, pelo batismo, pelo testemunho do bem realizado em favor dos pequeninos do Reino. A comunidade é chamada a dar o aconchego de mãe àquele que sofre, que precisa de carinho, de educação, de cuidados, de pão. A ‘opção preferencial pelos pobres’ é uma das formas mais claras de a Igreja mostrar seu rosto materno: preocupando-se com aqueles que não têm moradia, que estão desempregados, que não têm pão, que estão doentes e sem cuidado, sem reconhecimento, cujos direitos essenciais lhes são negados, aqueles que estão na invisibilidade social e econômica. Coração de mãe não aguenta ver os filhos em condições desumanas.

Santo Ambrósio, no século IV, dizia que cada cristão é mãe como Maria, pois gera Cristo na sua alma, no seu coração. Quando cultivamos a ternura, a intuição, o cuidado, a acolhida, a capacidade de zelar pela vida ameaçada, estamos desenvolvendo nossa dimensão cristã de mãe. Uma espécie de maternagem.

Nesse dia mundial de oração pela paz, queremos que nossas palavras encontrem ressonância em nossos gestos e atitudes. Sendo contra a violência, a vingança e o ódio; sendo mais ternos, evitando palavras que machucam e entristecem, a partir de nossos lares e ambiente que frequentamos e em que trabalhamos. Reafirmando nosso NÃO incondicional ao armamento da população, à fabricação e comercialização de armas, às guerras e milícias, à disseminação da mentira e do ódio que tanto mal fazem à humanidade. Levando-se em conta que a paz é fruto da justiça (cf. Is 32,17), enquanto nossas relações forem injustas, desrespeitosas, torna-se em vão falar de paz. Esta não se constrói com palavras, mas com atitudes.

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MARIA, MÃE DAQUELE QUE VEIO TRAZER A PAZ

Estamos começando o ano. “Feliz Ano Novo!” dizem todos. O que será mesmo um Ano Feliz? Seria importante refletirmos um pouco sobre o que queremos neste ano de 2022. Que propósitos de vida estou assumindo? De quem vou me aproximar neste ano? Com quem vou trabalhar? Como quero que seja minha relação com eles/elas? Com que lentes vou olhar as pessoas, a história, as lágrimas, a violência, o poder político e econômico? Que colaboração pretendo dar para que o mundo possa ser melhor? Com que espírito assumirei meu trabalho profissional, meus compromissos familiares? Como será minha oração durante esse ano? Com que espírito participarei da comunidade? Mais do que pedir um ano melhor ou excelente, peçamos ao Pai que nos ajude a ser melhores, mais humanos, mais humildes, mais sensíveis às causas dos empobrecidos.

Neste dia em que celebramos o dia da Confraternização Universal ou Dia Internacional da Paz, é tempo também de pensar na paz. Que paz queremos? Uma paz psicológica que visa ao bem-estar pessoal? Uma paz que nos faz fugir dos conflitos e angústias sociais e humanas para um “oásis” distante dos problemas humanos? Essa não é a paz que Jesus trouxe e anunciou. O Shalom judaico é indicativo de um estado de ânimo, de bem-estar pessoal e comunitário. É saúde e qualidade de vida envolvendo a comunidade. Não há paz para o judeu piedoso enquanto seus irmãos estiverem sofrendo, vítimas da maldade humana. Então devemos nos perguntar: “Que paz estamos desejando e construindo?”. Pois a paz/shalon é dom de Deus, mas também constructo humano. A paz é fruto da justiça (cf. Is 9,1-6; 32,17).

O evangelho de hoje nos relata que “Maria guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração”. Vê-se, por esse e outros textos, que Maria não ocupa o centro do evangelho. Tudo o que acontece nela é referido ao Pai, no Filho, pelo Espírito Santo. Ela foi uma mulher preparada por Deus para ser Sua Mãe. E correspondeu com uma vida de humildade, de serviço, de cuidado, de presença atenta, de fidelidade. É Mãe de Deus e nossa Mãe. A meditação sobre aqueles acontecimentos iam-lhe modelando a alma para que fosse sempre mais de Deus e da comunidade.

Obrigado, Maria, mãe de Jesus que é Deus. Nós te agradecemos por teres ensinado Jesus a andar, a falar, a caminhar e a amar. O teu olhar amoroso de mãe, o teu sorriso, o teu colo e a tua presença de qualidade marcaram a personalidade e a missão de Jesus. Obrigado porque também aprendeste a ser mãe, amando sem reter o teu Filho. Ensina-nos a viver os traços da maternidade: o afeto, a ternura, o silêncio fecundo, o cuidado e a intuição. Amem

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O Reinado que brota da cruz para a reconciliação

aureliano, 22.11.19

Solenidade de Jesus Cristo Rei - 24 de novembro -

Solenidade de Cristo Rei do Universo [24 de novembro de 2019]

[Lc 23,35-43]

A festa de Cristo Rei foi instituída pelo Papa Pio XI em 1925. Com que intenção? Para que os fiéis reconheçam Jesus como Senhor e Rei da história e que, somente nele, se pode construir e viver a paz e a justiça neste mundo.

Os últimos acontecimentos que temos vivido no Brasil e no mundo são sinais de que não é possível construir a paz, a fraternidade, a justiça, a defesa da vida sem os valores do evangelho proclamados por Jesus. A ganância do ter e a sede de poder invadiram o coração dos governantes, legisladores e juízes. A confusão está instalada. Sem volta ao evangelho é impossível reconstruir a paz e a harmonia na história. O poder de governar não pode ser colocado em benefício próprio, mas em favor de todos, particularmente dos mais vulneráveis. É um poder-serviço (cf. Mt 20,26). Neste sentido, o Reinado de Jesus se constitui modelo.

A imagem que temos de rei é de alguém com coroa de ouro, cercado de guardas e militares, sentado num trono, morando num palácio etc. Essa imagem, construída pelas experiências históricas que conhecemos, não ajuda a entendermos a solenidade de hoje.

Precisamos voltar ao evangelho. A cena é da paixão. Jesus está condenado, preso, na cruz. Zombam dele. “Havia uma inscrição acima dele: ‘Este é o Rei dos judeus’”. Isso foi escrito a modo de ironia para com Jesus. Mas converte-se numa grande verdade. Ele é realmente Rei, mas o seu reino “não é deste mundo”, disse a Pilatos. O trono de Cristo é a cruz, sua coroa é formada de espinhos e seu reino se concretiza na oferta de toda a sua vida ao Pai.

Para entender a realeza de Jesus é preciso recorrer à compreensão de rei que Deus queria para o seu povo, como evoca o Antigo Testamento. Aquele que seria o “lugar-tenente de Deus” para assegurar a paz e a justiça: “És tu que apascentarás o meu povo Israel e és tu quem serás o chefe de Israel” (2Sm 5,2). Mas a história mostra que quase sempre o coração do rei se desviava da aliança de Deus. Isso trazia muito sofrimento para toda a população.

Jesus inaugura um reino diferente. Seu reinado se inicia na cruz e dele participa quem faz um caminho de conversão: o filho pródigo, Zaqueu, a pecadora, o publicano, o próprio companheiro de cruz: o ladrão arrependido.  O reino de Jesus, para Lucas, é o reino da reconciliação do ser humano com Deus. O bom ladrão não faz apenas um pedido, uma oração, mas também uma confissão de fé em Jesus como Rei: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres com teu reino”. A conversão brota da experiência de fé.

A promessa de Jesus ao suplicante nos garante quem é Jesus e o caminho que devemos trilhar: “Em verdade, eu te digo: hoje estarás comigo no Paraíso”. Jesus reconcilia com o Pai aqueles que acreditam nele. E a cruz é o centro dessa reconciliação, ato supremo do serviço de Jesus a seus irmãos.

A morte de Cristo na cruz é um gesto divino de amor que produz a conversão para a superação do ódio e da divisão. Desta morte todos participamos bem como de sua ressurreição e de seu reinado. Ele é a Cabeça e nós, Igreja, seu Corpo. Vinculados a ele pela consagração batismal somos também reis com ele. Isso não significa nos prevalecermos sobre os outros, mas trilharmos um caminho de conversão, expressa no serviço aos demais e na procura constante do Senhor, que nos entregou sua vida.

Cristo é rei pela cruz. Isso não entra facilmente na nossa cabeça infectada pela idéia capitalista do prestígio, da ambição e do poder. Quem pensa que a festa de Cristo Rei é a reafirmação da instituição eclesiástica está desviando a Igreja do caminho de Jesus. É preciso tirar de nossa cabeça a mentalidade do prestígio e do poder. O reinado de Cristo chega ao nosso mundo por meio de pequenos gestos, escondidos, ignorados, relegados ao esquecimento, tal como a morte de Jesus na cruz.

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*Dia dos cristãos leigos e leigas

É oportuno recordar a Missão dos cristãos leigos/as:

  • Uma presença e a atuação como “verdadeiros sujeitos eclesiais” (DAp. n. 497), como “sal, luz e fermento” na Igreja e na sociedade.
  • Formar-se para os ministérios leigos de coordenação e animação de comunidades, pastorais e movimentos.
  • Fortalecer a articulação das redes de comunidades (Doc. 100 da CNBB).
  • Trabalhar e empenhar-se por uma Igreja sempre mais sinodal, participativa.
  • Promover mecanismos de participação popular para o fortalecimento do controle social e da gestão participativa (Conselhos de Direitos, Grupos de Acompanhamento ao Legislativo, Iniciativas Populares, Audiências, Referendos, Plebiscitos, entre outros).
  • Nossos Bispos propõem que as pequenas comunidades missionárias devem partir do senso de fé, dos carismas, dos ministérios e do serviço cristão à sociedade. São espaços propícios para o crescimento espiritual, por meio da partilha da experiência de fé e da fidelidade a Jesus Cristo e a seu Evangelho. “Uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela” (EG, 183). Toda comunidade cristã é esencialmente missionária, “Igreja em saída” (cf. Diretrizes Gerais CNBB 2019-2022, n. 36).

Súplica: Nós vos pedimos, ó Pai, que os batizados atuem como sal da terra e luz do mundo: na família, no trabalho, na política e na economia, nas ciências e nas artes, na educação, na cultura e nos meios de comunicação; na cidade, no campo e em todo o planeta, nossa “Casa Comum”. Amém.

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*Dia da Consciência Negra

No último dia 20 de novembro, celebramos o dia da Consciência Negra. A data homenageia Zumbi dos Palmares, um líder que defendeu a raça negra contra a escravatura e que morreu no dia 20 de novembro de 1695 enquanto defendia sua comunidade que lutava pelos direitos de seu povo. Seria muito importante que trabalhássemos em nosso coração, com nossos filhos e netos o respeito, amabilidade, a quebra do preconceito. Este se manifesta em piadas, brincadeiras, discriminações. As estatísticas mostram que o negro é ainda altamente discriminado. Que o racismo está muito vivo em nosso meio. E, ultimamente, parece ter crescido em forma de violência e morte. A fé cristã não admite distinção de pessoas: “Todos vós que fostes batizados em Cristo, vos vestistes de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,27-28).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A correção fraterna

aureliano, 08.09.17

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23º Domingo do Tempo Comum [10 de setembro de 2017]

[Mt 18,15-20]

Estamos no capítulo 18 de Mateus em que ele relata o discurso de Jesus sobre a comunidade. E o relato de hoje está imediatamente após a parábola da ‘ovelha perdida’. Essa observação é muito importante porque nos ajuda a compreender e a realizar a correção fraterna: deve-se buscar sempre trazer a pessoa de volta para a comunidade, pois a Igreja é a comunidade dos reconciliados: “Não é da vontade de vosso Pai, que está nos céus, que nenhum destes pequeninos se perca” (Mt 18,14). Cristo não nos salva somente pela sua morte na cruz, não. Ele quer nos salvar também pela comunidade na qual deseja que estejamos plenamente inseridos, em comunhão.

É muito comum entre nós falar mal dos outros, fofocar, condenar etc. Somos mestres em criticar  e condenar as pessoas. Dificilmente encontramos alguém que chame a pessoa que se julgue errada e lhe mostre o erro e o caminho de saída. Tem gente que se afasta da comunidade por causa desse ou daquele; tem gente que expulsa pessoas da comunidade por posturas julgadas inadequadas.

Pois bem, o Evangelho de hoje nos exorta a sairmos de um moralismo inconsequente  e ajudarmos o irmão que erra a fazer o caminho de volta. Chamá-lo em particular, para não humilhá-lo ou ridicularizá-lo. Numa segunda tentativa devem-se buscar testemunhas, ou seja, mostrar o interesse de outras pessoas, para que outros possam também manifestar-se em relação ao irmão que se desencaminhou. Finalmente, tendo mostrado que foram envidados todos os esforços, se não quis ouvir nem a pessoa em particular nem as testemunhas, deve-se comunicar à Igreja: a comunidade cristã é que tem o poder das “chaves”: ligar e desligar.

O que se ressalta deste texto é o desejo de Jesus que se empenhe com toda força na recuperação de quem está no caminho do mal. Lembre-se aqui do imperativo de Jesus: “Vai”. É preciso ir corrigir, e não ficar falando pelas costas, covardemente. A salvação que Jesus veio trazer passa pela comunidade. E esta precisa sempre mais se aproximar de Jesus para ser sinal de seu amor. A compaixão de Jesus, seus gestos de acolhida e de respeito, a quebra de todo preconceito, sua solicitude para com os pequenos e sofredores mostram como a comunidade cristã deve proceder.

Vale lembrar aqui, do ponto de vista político-social, a pouca-vergonha e canalhice de muitos quando sabem das roubalheiras, das propinas, dos desvios de verba, dos subornos, das sonegações de impostos e permanecem calados como se nada soubessem, ou mesmo buscando se beneficiar da situação. Seria hora de nos acordarmos para o Evangelho da vida nessa cultura de morte que muitas vezes recorre à própria Palavra de Deus para justificar a podridão!

“Se ele te ouvir terás ganho teu irmão”. Esta palavra de Jesus deve ecoar forte dentro de nós. Assumirmos uma postura tal que o irmão seja capaz de nos ouvir. Toda atitude condenatória, rígida, arrogante, impetuosa afasta, espanta, irrita, distancia. O Papa Francisco adverte: “Nós, os católicos, como ensinamos a moral? Não podemos ensinar apenas preceitos como: “Você não pode fazer isso, tem que fazer aquilo, você pode, você não pode”. A moral é uma consequência do encontro com Jesus Cristo. Para nós, católicos, é uma consequência da fé. E para os demais, a moral é uma consequência do encontro com um ideal, ou com Deus, ou consigo mesmo, mas com a melhor parte de si mesmo. A moral é sempre uma consequência. […] Algumas pessoas preferem falar de moral em homilias ou em cursos de teologia. Há um grande perigo para os pregadores, que é cair na mediocridade… condenar somente a moralidade – desculpe-me – “da cintura para baixo”. Mas os outros pecados, que são mais graves, o ódio, a inveja, o orgulho, a vaidade, matar o outro, tirar a vida… não se fala tanto deles” (pt.aleteia.org – 04/09/.017).

Talvez fosse oportuno fazermos um exame de consciência: como lidamos com aqueles que se afastam ou erram em nossa comunidade? Nossa atitude se assemelha à de Jesus? Costumamos falar mal dos outros, fofocarmos, condenarmos? Deixamo-nos tocar pelo sofrimento e dor do outro, pela sua situação de angústia e medo? Impomos medo nas pessoas? Ameaçamos? Ou buscamos estabelecer uma relação de confiança e liberdade?

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DIMENSÃO COMUNITÁRIA DO SACRAMENTO DA CONFISSÃO

O evangelho deste domingo nos remete a um elemento fundamental dos sacramentos da Igreja, mas que no decurso da história parece ter sido esquecido no sacramento da Reconciliação ou Confissão: sua dimensão eclesial ou comunitária. Em outras palavras, o sacramento da Penitência ou Confissão precisa retomar sua dimensão comunitária.

Já no AT os ritos de penitência eram comunitários. E, segundo consta, nos primórdios da Igreja, a confissão dos pecados era pública, ou seja, feita na comunidade. Percorrendo, porém, a história desse sacramento, constata-se ter havido uma passagem progressiva da celebração penitencial de toda a comunidade à confissão individual. Isso levou à alienação do rito do perdão nos relacionamentos da comunidade, tornando-o um ato quase mágico. Tal procedimento também desvinculou o pecado de sua dimensão comunitária, como se o pecado fosse de responsabilidade e proporções apenas individuais sem consequência na vida da comunidade.

O pecado atinge de cheio a comunidade: os corruptos e ladrões de nosso País roubam o pão dos pobres, os medicamentos e atendimento médico-hospitalar dos doentes, o direito a uma educação de qualidade crianças e jovens etc. Faz a miséria se instalar ainda mais na vida dos “descartáveis”, daqueles que não contam na sociedade. Com ele crescem a violência e o ódio. O pecado destrói a família, desfaz a alegria de viver, quebra a amizade e a comunhão entre os irmãos. O pecado explora o meio-ambiente e descarta as vidas, as culturas, as pessoas. O pecado afoga a pessoa no seu próprio ego (narcisismo) e mata a quem está por perto, pois seus tentáculos atingem tanto mais pessoas quanto maior for sua gravidade.

Ora, a celebração dos sacramentos é a rememoração e atualização do evento salvífico de Deus na história, por Cristo, no Espírito Santo. Salvação essa que se dá como evento eclesial (embora Deus possa salvar também por outros meios). Tratando-se, pois do sacramento da Reconciliação (sinal salvífico eclesial), não parece ter sentido realizá-lo como um ato isolado. Se o Batismo, a primeira penitência ou perdão, é essencialmente comunitário, por que razão a Reconciliação, segunda penitência, foi privada de tal dimensão?

Torna-se, pois, urgente recuperar a dimensão comunitária, eclesial do sacramento da Reconciliação. Deus não salva o indivíduo no seu isolamento. Ele salva a comunidade e na comunidade. É, pois, em comunidade que deve ser operada a conversão e a busca do perdão. Na Igreja Católica, o padre ou o bispo, são os representantes da comunidade eclesial quando ministram esse sacramento. Portanto, na confissão sacramental, a pessoa é reconciliada com Deus e com a comunidade.

Se se forma o fiel cristão para o verdadeiro sentido da comunidade querida por Jesus, e para o sentido e necessidade da conversão na vida humana, se compreenderá por que Jesus centrou sua pregação na proclamação da penitência, da conversão (metanóia) como único caminho de entrada e participação no Reino de Deus: “Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede do Evangelho” (Mc 1,15).

Concluindo: o sacramento da Penitência ou Confissão se torna eficaz quando nos reconcilia com Deus e com os irmãos. Quando nos leva a uma verdadeira conversão do coração e mudança de vida. Quando nos reintroduz na vida e participação da comunidade. Quando nos leva a devolver o que roubamos ou a alegria e paz de que privamos as pessoas.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN