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Reconfigurar-nos à imagem do Filho

aureliano, 23.02.18

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2º Domingo da Quaresma [25 de fevereiro de 2018]

 [Mc 9,2-10]

O finalzinho do capítulo 8 de Marcos relata as exigências do seguimento de Jesus: “Se alguém quer vir em meu seguimento, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Em seguida traz o relato da Transfiguração como a convidar o discípulo a dar uma ‘espiadinha’ no céu. É Jesus revelando sua glória a seus discípulos para que confiassem nele: é o Filho de Deus, Salvador.

No último domingo (1º da quaresma), acompanhamos Jesus, levado pelo Espírito ao deserto, sendo tentado pelo adversário do projeto salvífico e libertador do Pai. Na força do mesmo Espírito Jesus venceu o tentador. Aquele tempo de preparação para a sua missão foi árduo. Mas Jesus não se deixou abater. Venceu a tentação que queria desviá-lo da vontade do Pai.

Hoje Jesus sobe a montanha. Se no deserto ele passou pela tentação, aqui ele faz um encontro com o Pai. O Deserto é lugar da prova, da tentação: ouve-se a voz de Satanás. A Montanha é lugar do encontro com o Senhor: ouve-se a voz de Deus. Essa realidade nos remete à doutrina dos “dois caminhos” de que falava a Lei de Moisés: “Eu te proponho a vida ou a morte, a bênção ou a maldição. Escolhe, pois, a vida para que vivas” (cf. Dt 30, 15-20). E também aquela divisão interna que há dentro de nós e que fazia Paulo exclamar: “Querer o bem está ao meu alcance, não, porém, o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que eu quero, mas pratico o mal que não quero” (cf. Rm 7, 14-20).

Na montanha, Moisés e Elias se encontraram com Deus e receberam d’Ele as instruções para a sua missão. Por isso o evangelista apresenta essas duas figuras memoráveis do Primeiro Testamento. Moisés representa a Lei e a libertação do povo das mãos do Faraó. Elias representa o profetismo, pois libertou o povo da idolatria que oprimia Israel. Jesus aparece na cena como alguém superior a Moisés e Elias. As roupas brilhantes, o fato de eles estarem conversando com ele, tudo mostra Jesus como centro do relato. Isso significa que Jesus está para além dessas figuras proeminentes do passado: é o “Filho amado do Pai”.

Pedro gostou daquela amostragem do paraíso. Queria ficar por ali. “É bom ficarmos aqui. Façamos três tendas”. Representa o discípulo acomodado, que quer experimentar a Páscoa sem passar pela Sexta-feira da Paixão. Que quer fugir dos embates cotidianos, da luta cotidiana pelo Reino. Quer glória sem cruz. Não quer “descer” a montanha para a missão.

A voz do Pai identifica seu filho: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!”. É ele que veio oferecer sua vida pela salvação da humanidade. O Pai o entrega, como Abraão outrora entregou seu filho Isaac (cf. Gn 22, primeira leitura da missa de hoje). “Deus, com efeito, amou tanto o mundo que deu o seu Filho, o seu Único, para que todo homem que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). No batismo o Pai se dirige ao próprio filho: “Tu és o meu Filho bem amado” (Mc 1, 11). Aqui o Pai apresenta seu filho ao mundo: “Este é o meu Filho amado”. Aquele que fora consagrado e confirmado no batismo e no deserto, deve ser acreditado, seguido, ouvido. Por isso a insistência: “Escutai-o”. É preciso prestar atenção, ouvir com ouvido de discípulo, a cada manhã (cf. Is 50, 4-5; 55, 3).

“Olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles”. Isto é, os discípulos não têm outro mestre (nem Moisés nem Elias), a não ser Jesus: “Um só é o vosso mestre” (Mt 23, 10).

O relato da transfiguração do Senhor, na liturgia quaresmal, quer ajudar o discípulo de Jesus a firmar-se na fé n’Aquele que será contemplado sem figura de homem na cruz, reconhecendo-o como o Filho de Deus, cheio da beleza divina, por alguns momentos oculta no véu da carne, mas que será manifestada na glória do Pai.

O discípulo deve também, por sua vez, rezar sua própria transfiguração em Cristo. E trabalhar para que os rostos desfigurados pela dor e sofrimento produzidos por uma sociedade que exclui, discrimina e escraviza, que se pauta pela competição e que valoriza a pessoa pelo que tem e não pelo que é, sejam reconfigurados ao rosto do Cristo transfigurado. Na medida em que ajudamos os irmãos sofredores a minimizarem sua dor, estamos transfigurando seu rosto no Cristo ressuscitado.

O dar-se de Cristo pela salvação do mundo, mistério que celebramos em cada Eucaristia, nos move a sair do nosso egoísmo na direção de uma entrega mais generosa e gratuita, tornando mais visíveis os frutos da Eucaristia: fraternidade, simplicidade, alegria, generosidade, solidariedade, partilha, perdão.

Campanha da Fraternidade 2018: superar a violência social e familiar.

“A desigualdade gera violência. Isso não quer dizer que os excluídos reajam violentamente. Bem mais grave do que isso, o sistema econômico pautado na promoção da desigualdade produz violência, na medida em que favorece o bem-estar de uma pequena parcela enquanto nega oportunidades de desenvolvimento a milhões de pessoas. Não parece razoável esperar que haja tranqüilidade enquanto, sistematicamente, pessoas são marginalizadas. A injustiça social traz consigo a morte” (Texto-Base, n. 72).

“O Mapa da Violência registra que, no ano de 2014, diariamente, 405 mulheres demandaram atendimento médico em unidades de saúde por terem sofrido algum tipo de violência doméstica, sexual ou outras formas de agressão. A cada três vítimas de violência, duas eram mulheres. Quando se consideram as formas de violência não letal, os números são diversos, mas se mantém a mesma realidade que faz do lar um lugar preponderante para as agressões contra as mulheres” (Texto-Base, n. 86).

“Em todo o mundo, conforme revela a Organização Mundial da Saúde, aproximadamente, uma em cada seis pessoas (16%) com mais de 60 anos de idade já sofreu algum tipo de abuso. O agressor quase sempre é um familiar, notadamente filhos ou cônjuge. A obrigatoriedade da notificação dos maus tratos contra pessoas idosas é recente, mas os números vêm se avolumando a cada ano. Refletem, talvez, um maior esclarecimento” (Texto-Base, n. 91).

“Outro grupo que é vítima de violência dentro de casa é composto pelas crianças e adolescentes. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), não há dados que revelem a extensão dessa forma de violência. Muitas situações de agressão são naturalizadas e não chegam a ser nomeadas como casos de violência: são percebidas como práticas normais da educação e da convivência familiar. O abuso sexual, os ataques verbais ou físicos e a negligência constituem as formas de violência mais comuns enfrentadas por crianças e adolescentes no ambiente familiar” (Texto-Base, n. 92).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Vida cristã: ser configurado a Cristo

aureliano, 04.08.17

transfiguração 06 de agosto.jpg

Transfiguração do Senhor [06 de agosto de 2017]

[Mt 17,1-9]

A festa da Transfiguração do Senhor já era celebrada no Oriente no século IX. Foi estendida ao Ocidente no século XV pelo Papa Calisto II, em memória da vitória dos cristãos contra as forças otomanas, no cerco de Belgrado, em 1456.

O relato da transfiguração é apresentado logo após o anúncio da paixão, seguido da ‘repreensão’ que Pedro fizera a Jesus (cf. Mt 16,22-23), pois ele esperava um Messias poderoso para libertá-los das mãos dos romanos. Por isso entendemos que nesse relato estão entrelaçados dois aspectos paradoxais: sofrimento e glória. Lucas o confirma ao relatar que a conversa entre Moisés, Elias e Jesus versava sobre “sua partida que iria se consumar em Jerusalém” (Lc 9, 31). A glória ilumina a cruz. A perspectiva da Glória nos ajuda a dar sentido às dificuldades e cruzes da vida. É um apelo aos discípulos a reconhecerem a verdadeira identidade de Jesus, o Filho amado do Pai, ao mesmo tempo que evidencia o crime hediondo daqueles que tramam sua morte.

Quando vemos, nesse relato, sofrimento e glória articulados, não devemos interpretar como sendo o sofrimento o preço da glória; como se Deus barganhasse conosco. Não. A cruz ou sofrimento é consequência da fidelidade ao projeto do Pai. Faz parte da vida do discípulo de Jesus que busca viver um estilo de vida que se opõe à proposta mundana que conduz e gera a morte. “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mt 16, 24). Como o Pai glorificou e confirmou seu Filho, ele fará o mesmo com aqueles que buscarem configurar sua vida com a vida de Jesus. No ser humano de Jesus toda a humanidade foi transfigurada, glorificada.

Moisés e Elias: este, representante dos profetas e aquele, representante da Lei. Ambos se encontraram com Deus na montanha. O episódio da transfiguração mostra Jesus, o Filho amado do Pai, que realiza e sintetiza em sua própria vida a Lei e os Profetas. Agora é Ele que deve ser ouvido.

A voz do Pai deve continuar ressoando em nossa vida: “Este é o meu Filho bem-amado, aquele que me aprouve escolher. Ouvi-o”. Essas palavras nos remetem ao relato do batismo de Jesus: “Este é meu Filho bem-amado, aquele que me aprouve escolher” (Mt 3, 17). Consequentemente, nos levam ao nosso batismo pelo qual nos foi dada a vida nova em Jesus Cristo.

Escutar a voz do Filho, revelador do amor do Pai, deve ser a meta de todo cristão. Abraão ouviu, acreditou e “partiu” (cf. Gn 12, 1-4). Por isso se tornou a grande bênção para a sua posteridade. O cristão batizado, ouvindo a voz do Filho, confirmado pelo pedido de sua mãe: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2, 5), será sempre uma bênção para sua família e comunidade. Não se esqueça, porém, que é uma realidade que demanda a cruz. O que conforta e anima é a perspectiva da ressurreição, da vida nova, da serenidade, da alegria verdadeira que “ninguém poderá tirar” (Jo 16,22).

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O MEDO DE ESCUTAR JESUS

“Ao ouvirem isso, os discípulos caíram de rosto em terra tomados de grande medo” (Mt 17,6). Os discípulos não suportaram ouvir aquela voz que confirmava a vida de Jesus. E não suportaram também a ordem: “Escutai o que ele diz”. Parece que os discípulos ainda não queriam ouvir a Jesus. Preferiam continuar ouvindo outras vozes.

Quão frequente é a tentação da recusa em ouvir a voz do Senhor que clama dentro de nós, em nossa consciência, e nos fala pelas nossas comunidades e sinais dos tempos! Por isso a Igreja reza com o salmista: “Hoje, não fecheis o vosso coração, mas ouvi a voz do Senhor” (Sl 95). Preferimos, muitas vezes, permanecer na ignorância, na mesmice, no “deixa pra lá”. Não é tarefa fácil prestar ouvido ao apelo à conversão, à mudança de vida, pois pede desacomodo.

É preciso deixar-se tocar pelo Senhor: “Jesus aproximou-se, tocou neles e disse: ‘Levantai-vos! Não tenhais medo’” (Mt 17,7). É o toque do Senhor que nos acorda, que nos faz perceber e ver a história com outros olhos. Deixar-se tocar pelo Senhor é desenvolver a capacidade de ouvir as pessoas, de olhar o mundo com um olhar de Deus; de debruçar-se todos os dias sobre a Palavra de Deus e orientar a própria vida por ela. É deixar que o projeto do Pai ilumine nossos próprios projetos. É lançar-se com mais confiança nas mãos do Pai, sabendo que Ele cuida de todos nós.

O Servo de Deus, Pe. Júlio Maria De Lombaerde, fundador de nossa Congregação, comentando este evangelho, falava da importância de se retirar para ouvir o Senhor. Jesus – observava ele – conduziu os discípulos à parte sobre uma alta montanha. Significa que é preciso deixar de lado as distrações e preocupações mundanas para estar com o Senhor e ouvi-lo. “Enquanto uma alma está entregue às preocupações das noticias, aos devaneios, ao tumulto dos vãos pensamentos, fica escravizada pela imaginação e pelas distrações, e Deus não é para ela senão o Deus desconhecido de Atenas (At 17,23)”. E continua: “O homem distraído não se conhece a si mesmo, não vê o que deve reformar em si, não descobre razões de melhorar, de praticar a virtude. Toda a sua vida decorre no esquecimento de Deus e na ignorância dos próprios defeitos. (...) O homem espiritual, porém quer elevar-se da terra, aproximar-se de Jesus transfigurado, transfigurar-se com Ele pela prática da virtude” (Comentário Litúrgico, p. 164-165).

Sobe, pois, a montanha! Escuta o Mestre! Deixa-te tocar por ele! Põe-te de pé e segue a Jesus! Não tenhas medo de ouvi-lo e de segui-lo! O movimento é sempre este: subida e descida: subir a Montanha para estar com ele. Descer a Montanha para estar com os outros de modo novo, iluminado, transfigurado, encantado, fortalecido.

*Lembramos hoje a vocação ao ministério ordenado: diácono, padre e bispo. Seria bom fazermos, hoje, uma prece pelo nosso pároco, pelos padres que conhecemos, por aqueles que nos marcaram na fé, por aqueles padres que passam por dificuldades, tribulações, desencanto e enfermidades, por aqueles que vivem em situação de risco, de violência, de miséria. E vamos pedir ao Pai que envie padres profetas e santos para sua Igreja. Sacerdotes configurados a Cristo-Servo.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN