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O Reino de Deus é um tesouro

aureliano, 29.07.23

17º Domingo do TC - A - 26 de julho.jpg

17º Domingo do Tempo Comum [30 de julho de 2023]

[Mt 13,44-52]

Com este domingo a Igreja conclui o capítulo 13 de Mateus conhecido como o Sermão das Parábolas. Hoje temos as parábolas do tesouro e da pérola que convidam a investir no Reino de Deus. A parábola da rede mostra a situação da Igreja: mistura de fiéis convictos e mornos. Esta última parábola se assemelha muito à do joio. Na verdade, quem realiza a colheita é o Pai. Ele sabe quem deve entrar para a vida definitiva. A nós compete tentar melhorar a situação do Reino: mais paciência, mais tolerância, mais empenho em transformar as realidades de maldade em bondade. O resto é com Ele!

Essas parábolas sugerem duas atitudes fundamentais na vida humana: desprendimento e investimento. Desprender-se do supérfluo, daquelas coisas que não nos dão a verdadeira garantia. E investir naquilo que nos garante contra a ‘traça’ e a ‘ferrugem’. Porém é preciso considerar que, para se desprender de algo para investir em outra coisa é preciso conhecimento daquilo em que estamos investindo. Assim, ninguém vai investir na bondade, na justiça e na verdade se desconhece o fundamento dessa realidade que é o próprio Deus.

A descoberta do Reino de Deus revelado por Jesus gera tal alegria que a pessoa abre mão de tudo para aderir e participar desse Reino. O ensinamento de Jesus provoca encantamento no povo e o desejo de deixar tudo para servir ao Reino de Deus. Esse modo de realizar o trabalho deve ser aprendido pelas comunidades: encantar, entusiasmar.

No atual contexto social e religioso encontramos gente pregando e prometendo realidades que não têm nada a ver com o Reino anunciado por Jesus. Uma relação comercial com Deus como se as coisas que ele nos dá tivessem preço e se prestassem a troca, permuta. Como se ele exigisse de nós o dízimo, a oferta, a penitência, o jejum para nos abençoar e caminhar conosco. O evangelho não fala disso. Fala que, na medida em que a pessoa encontrou o tesouro, sente-se movida a sair e a buscar uma vida diferente, nova, desinstalada. O “tesouro” é aquela realidade que dá sentido à nossa vida, que responde às nossas buscas mais profundas, que preenche o vazio deixado dentro de nós pelos bens e prazeres mundanos.

Peçamos a Deus que nos ajude a ter coragem suficiente para nos desprendermos daquelas coisas que nos impedem de viver o ensinamento de Jesus, de anunciar sem medo o Reino, e de denunciarmos os projetos de anti-reino em nosso meio. Sobretudo nestes tempos de crise econômica, política e institucional, quando os rumos do País se encontram nas mãos dos donos do dinheiro e do mercado, provocando um número cada vez maior de sobrantes e deserdados dos bens da criação. Que tenhamos a coragem de nos colocar contra as reformas que prejudicam os mais pobres; contra os negociadores do mandato que receberam nas urnas; contra os propineiros que se vendem para garantir seu posto político em detrimento dos pobres e desempregados.

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A EXPERIÊNCIA DO ENCONTRO

A experiência de Deus é algo muito pessoal. Aliás, não fazemos experiência de Deus. Ele é quem faz experiência de nós. A iniciativa é sempre dele. Ele é quem nos possibilita alguma coisa.

A reflexão sobre o Reino de Deus nos ajuda a cair na conta se estamos ajudando as pessoas a se deixar experimentar por Deus. Se nossas celebrações, nossas atitudes cotidianas estão sendo meios que ajudam a “encontrar o tesouro”, a entrar em comunhão com Deus.

É muito difícil, quase impossível, introduzir alguém na experiência de Deus a partir de fora: ensinar teorias, discutir ideias sobre Deus e seu Reino. Diante de alguém que deseja conhecer a Deus, fazer experiência de fé, importa ajudá-la a rezar. Pedir a ela que reze, que busque encontrar-se com o Criador do seu jeito, como ela souber. E a gente pode ir dando umas dicas. Mas é a própria pessoa que deve buscar, encontrar o “tesouro”, apostar todas as forças nesse “tesouro” que ela encontrou.

Somos tentados a julgar e condenar a pessoa que abandona a participação nas celebrações e na vida da comunidade. Mas pode ser que ela não estivesse sendo ajudada a fazer a experiência de Deus naquela condição. Há situações na comunidade que precisam ser trabalhadas a fim de não atrapalhar os caminhos de fé dos participantes. Rezar, estar presente, atuar na comunidade nem sempre significa caminhos de fé, de experiência de Deus. É preciso fazer um caminho de busca e de encontro do “tesouro”. Uma vez que se coloca nesse processo, a fé vai se consolidando. O Reino de Deus começa a ser sentido de vida para aquele que nele entra. E ao experimentar a alegria desse encontro, não abandona mais, por maiores que sejam as provações e perseguições.

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“Nas duas parábolas a estrutura é a mesma. No primeiro relato, um lavrador ‘encontra um tesouro escondido no campo. Cheio de alegria, ‘vende tudo o que tem’ e compra o campo. No segundo relato, um comerciante de pérolas preciosas ‘encontra’ uma pérola de grande valor. Sem duvidar, ‘vende tudo o que tem’ e compra aquela pérola.

Assim acontece com o ‘reino de Deus’ escondido em Jesus, sua mensagem e sua atuação. Esse Deus se torna atrativo inesperado e surpreendente que quem o encontra, se sente tocado no mais fundo de seu ser. Então nada pode ser como antes.

Pela primeira vez começamos a sentir que Deus nos atrai de verdade. Não pode haver nada maior para alentar e orientar nossa existência. O ‘reino de Deus’ muda nossa forma de ver as coisas. Começamos a crer em Deus de maneira diferente. Agora sabemos por que viver e para que viver.

Falta à nossa religião o “atrativo de Deus”. Muitos cristãos se relacionam com Ele por obrigação, por medo, por costume, por dever. Porém, não por se sentirem atraídos por Ele. Mais cedo ou mais tarde poderão terminar por abandonar essa religião.

A muitos cristãos se lhes é apresentada uma imagem tão deformada de Deus e da relação que podemos viver com Ele que a experiência religiosa lhes parece inaceitável e, mesmo, insuportável. Não poucas pessoas estão abandonando a Deus porque não podem viver por mais tempo em um clima religioso insano, impregnado de culpas, ameaças, proibições ou castigos.

A cada domingo, milhares de presbíteros e bispos pregamos o Evangelho, comentando as parábolas de Jesus e seus gestos de bondade a milhões de crentes. Que experiência de Deus comunicamos? Que imagem transmitimos do Pai e de seu reino? Atraímos os corações para o Deus revelado em Jesus? Ou os afastamos de seu mistério de bondade?” (Pe. José Antônio Pagola, www.musicaliturgica.com).

“Quantas pessoas, quantos santos e santas, lendo o Evangelho com o coração aberto, foram literalmente conquistados por Jesus, e converteram-se a Ele. Pensemos em são Francisco de Assis: ele já era cristão, mas um cristão «ao sabor da corrente». Quando leu o Evangelho, num momento decisivo da sua juventude, encontrou Jesus e descobriu o Reino de Deus, e então todos os seus sonhos de glória terrena esvaeceram. O Evangelho leva-nos a conhecer o Jesus verdadeiro, faz-nos conhecer o Jesus vivo; fala-nos ao coração e muda a nossa vida. E então, sim, deixamos tudo. Podemos mudar de vida concretamente, ou então continuar a fazer aquilo que fazíamos antes, mas nós somos outra pessoa, renascemos: encontramos aquilo que dá sentido, sabor e luz a tudo, inclusive às dificuldades, aos sofrimentos e até à morte” (Papa Francisco, 2014).

Quais são minhas principais buscas? O que me move mais profundamente: o emprego, o salário, o lazer, o status, o sucesso? Qual é mesmo meu tesouro: aquela realidade da qual não abro mão de jeito nenhum? Ela confere com o ensinamento e a vida de Jesus? “Onde estiver o teu tesouro, aí estará o teu coração” (Mt 6,21).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Acúmulo de bens é idolatria

aureliano, 08.10.21

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28º Domingo do Tempo Comum [10 de outubro 2021]

   [Mc 10,17-30]

No evangelho do domingo passado refletimos sobre Jesus orientando a vida familiar. A relação conjugal não se fundamenta numa relação de dominação, mas de respeito, de corresponsabilidade, de ajuda mútua. Em síntese, marido e mulher são co-criadores com o Pai.

Neste domingo, continuando a leitura do evangelho de Marcos, Jesus continua a instruir seus discípulos para que a vida deles seja um marco diferencial na sociedade. O cristão precisa fazer a diferença. Agora Jesus ensina a se relacionar com os bens. Realidade muito próxima do casamento. A gente sabe que muitas crises no relacionamento conjugal brotam da relação com o dinheiro. Quantas brigas por conta de dívidas, por conta de diferença de salários, por conta de compra e venda! Quanta confusão, depois da separação, por causa de bens e de pensão! Quanta confusão e, por vezes, morte por causa de herança! Então vamos acompanhar a orientação de Jesus a respeito desse caminho que o discípulo deve fazer.

Esse moço que recorre a Jesus se preocupa com a vida eterna. Não lhe interessa tanto a vida presente uma vez que os bens já lhe estão garantidos. Primeiramente Jesus faz com que sua atenção se volte para o Pai e não tanto para Jesus: “Só Deus é bom”. Os mandamentos da Lei relativos ao próximo ele os tem observado. Notamos, porém, que os Dez Mandamentos não foram citados. Apenas alguns e mesmo assim naquela conotação negativa: “não”. Então lhe faltava a dimensão positiva da vida. Ele observava a Lei, mas não sabia partilhar. Não tinha gratuidade. Não sabia o que estava fazendo. Fazia por fazer. Como aqueles casos muito comuns entre nós: “Por que você quer batizar seu filho?” Ou “Por que você é católico?” A resposta normalmente ecoa: “Porque todo mundo batiza” Ou “Porque meu pai é católico”. Ou simplesmente: “Por que nasci numa tradição católica”. E por aí se vai. Uma fé sem fundamento, sem gratuidade, sem generosidade, sem conhecimento, sem razão.

Jesus quis ajudar aquele homem a dar um passo decisivo na vida. É algo que caracteriza a fé cristã: a partilha. “Vai, vende tudo o que tens. Dá o dinheiro aos pobres. Depois vem e segue-me”. Não basta dividir os bens com os pobres. É preciso seguir a Jesus. O seguimento de Jesus é que caracteriza o cristão. Poder-se-iam distribuir os bens por vaidade. E nesse aspecto Paulo já alertara: “Ainda que eu desse todos os meus bens aos pobres; se não tivesse amor, isso de nada valeria” (1Cor 13,3).

No desenrolar do texto Jesus percebe a dificuldade de o rico entrar no Reino. Jesus não está falando de vida depois da morte, não. Ele está falando do Reino de Deus. A vida eterna começa aqui, com a erupção do Reino de Deus. Quem não se desapega, como aquele moço que não teve coragem de se desvencilhar dos bens, não pode entrar na vida de Deus. A vida eterna é a vida em Deus.

A salvação é dom de Deus: “Para Deus tudo é possível”. Ninguém compra a vida de Deus, repartindo seus bens, fazendo caridade etc. Deus nos salva de graça. Porém nossos gestos de bondade, de generosidade, de partilha, de perdão, de tolerância, de respeito, de solidariedade são nossa resposta à bondade de Deus que nos salva. Quem vive preso às suas coisas, fechado em si mesmo, indiferente ao sofrimento alheio ou, pior ainda, buscando sempre oportunidades para aumentar suas posses, defraudando os outros, está cada vez mais longe da salvação. Sua vida está atravancando a ação salvadora de Deus. É uma pedra de tropeço, um escândalo, que impede a vida de florescer. Mata a alegria e as esperanças das pessoas.

Na prática, cada um de nós podia dar uma olhadinha no modo como lida com os bens e posses. O que fazemos com o dinheiro? Onde o guardamos? Com que finalidade? O que estamos comprando? Para que compramos? Tem gente que renova as mobílias todos os anos. Compra sem necessidade nenhuma. Tem gente que está sempre na ponta da tecnologia. É necessário estar na “crista da onda”? Por outro lado, há pessoas que deixam de comprar coisas essenciais para a casa, que deixam de cuidar da saúde da família para guardar o dinheiro ou aumentar o patrimônio. E, muitas vezes, se endividando com prestações a perder de vista. Tem gente que nem consulta a família para fazer certos gastos. Tem gente que gasta o salário com jogatina, com prostituição e adultério, com bebedeira sem conta, com churrascada desmedida para amigos, com drogas de toda qualidade. Tem gente que vive uma vida miserável para aplicar o dinheiro em rendimentos bancários. Mas não é capaz de partilhar um centavo com os mais pobres!

Isso sem falar da agiotagem que assassina milhares de famílias. Um pecado que brada aos céus: o sujeito tem dinheiro; vê o irmão na pior; empresta-lhe a juros exorbitantes; escraviza o pobre coitado que nunca ou quase nunca consegue pagar (Cf. Sl 15,5). E o que dizer daqueles que transferem sua fortuna para os “paraísos fiscais”, deixando os pobres brasileiros a “ver navios”? Pior: muitos destes tais se dizem cristãos!

“A maneira sadia de lidar com o dinheiro é ganhá-lo de forma limpa, utilizá-lo com inteligência, fazê-lo frutificar com justiça e saber compartilhá-lo com os mais necessitados” (Pe. J. A. Pagola). O acúmulo de bens é idolatria. O reino pessoal, a busca de si mesmo não dá lugar ao Reino de Deus.

Não está na hora de colocarmos a mão na consciência e rezarmos um pouco mais nosso ser cristão? Aquele homem do evangelho voltou triste porque possuía muitos bens. Conclui-se que a posse de muitos bens não traz alegria para ninguém. A verdadeira alegria está no bom uso dos bens, do dinheiro. Quando sabemos partilhar, distribuir, comprar ou vender dentro de critérios honestos e a partir de um diálogo respeitoso e cristão dentro de nossa casa, estamos no caminho do verdadeiro discipulado de Jesus. Então experimentaremos a verdadeira alegria que brota de uma vida vivida em Deus, na construção do Reino de partilha, de paz e de justiça.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O Reino de Deus é um tesouro

aureliano, 24.07.20

17º Domingo do TC - A - 26 de julho.jpg

17º Domingo do Tempo Comum [26 de julho de 2020]

[Mt 13,44-52]

Com este domingo a Igreja conclui o capítulo 13 de Mateus conhecido como o Sermão das Parábolas. Hoje temos as parábolas do tesouro e da pérola que convidam a investir no Reino de Deus. A parábola da rede mostra a situação da Igreja: mistura de fiéis convictos e mornos. Esta última parábola se assemelha muito à do joio. Na verdade, quem realiza a colheita é o Pai. Ele sabe quem deve entrar para a vida definitiva. A nós compete tentar melhorar a situação do Reino: mais paciência, mais tolerância, mais empenho em transformar as realidades de maldade em bondade. O resto é com Ele!

Essas parábolas sugerem duas atitudes fundamentais na vida humana: desprendimento e investimento. Desprender-se do supérfluo, daquelas coisas que não nos dão a verdadeira garantia. E investir naquilo que nos garante contra a ‘traça’ e a ‘ferrugem’. Porém é preciso considerar que, para se desprender de algo para investir em outra coisa é preciso conhecimento daquilo em que estamos investindo. Assim, ninguém vai investir na bondade, na justiça e na verdade se desconhece o fundamento dessa realidade que é o próprio Deus.

A descoberta do Reino de Deus revelado por Jesus gera tal alegria que a pessoa abre mão de tudo para aderir e participar desse Reino. O ensinamento de Jesus provoca encantamento no povo e o desejo de deixar tudo para servir ao Reino de Deus. Esse modo de realizar o trabalho deve ser aprendido pelas comunidades: encantar, entusiasmar.

No atual contexto social e religioso encontramos gente pregando e prometendo realidades que não têm nada a ver com o Reino anunciado por Jesus. Uma relação comercial com Deus como se as coisas que ele nos dá tivessem preço e se prestassem a troca, permuta. Como se ele exigisse de nós o dízimo, a oferta, a penitência, o jejum para nos abençoar e caminhar conosco. O evangelho não fala disso. Fala que, na medida em que a pessoa encontrou o tesouro, sente-se movida a sair e a buscar uma vida diferente, nova, desinstalada. O “tesouro” é aquela realidade que dá sentido à nossa vida, que responde às nossas buscas mais profundas, que preenche o vazio deixado dentro de nós pelos bens e prazeres mundanos.

Peçamos a Deus que nos ajude a ter coragem suficiente para nos desprendermos daquelas coisas que nos impedem de viver o ensinamento de Jesus, de anunciar sem medo o Reino, e de denunciarmos os projetos de anti-reino em nosso meio. Sobretudo nestes tempos de crise econômica, política e institucional, quando os rumos do País se encontram nas mãos dos donos do dinheiro e do mercado, provocando um número cada vez maior de sobrantes e deserdados dos bens da criação. Que tenhamos a coragem de nos colocar contra as reformas que prejudicam os mais pobres; contra os negociadores do mandato que receberam nas urnas; contra os propineiros que se vendem para garantir seu posto político em detrimento dos pobres e desempregados.

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A EXPERIÊNCIA DO ENCONTRO

A experiência de Deus é algo muito pessoal. Aliás, não fazemos experiência de Deus. Ele é quem faz experiência de nós. A iniciativa é sempre dele. Ele é quem nos possibilita alguma coisa.

A reflexão sobre o Reino de Deus nos ajuda a cair na conta se estamos ajudando as pessoas a se deixar experimentar por Deus. Se nossas celebrações, nossas atitudes cotidianas estão sendo meios que ajudam a “encontrar o tesouro”, a entrar em comunhão com Deus.

É muito difícil, quase impossível, introduzir alguém na experiência de Deus a partir de fora: ensinar teorias, discutir ideias sobre Deus e seu Reino. Diante de alguém que deseja conhecer a Deus, fazer experiência de fé, importa ajudá-la a rezar. Pedir a ela que reze, que busque encontrar-se com o Criador do seu jeito, como ela souber. E a gente pode ir dando umas dicas. Mas é a própria pessoa que deve buscar, encontrar o “tesouro”, apostar todas as forças nesse “tesouro” que ela encontrou.

Somos tentados a julgar e condenar a pessoa que abandona a participação nas celebrações e na vida da comunidade. Mas pode ser que ela não estivesse sendo ajudada a fazer a experiência de Deus naquela condição. Há situações na comunidade que precisam ser trabalhadas a fim de não atrapalhar os caminhos de fé dos participantes. Rezar, estar presente, atuar na comunidade nem sempre significa caminhos de fé, de experiência de Deus. É preciso fazer um caminho de busca e de encontro do “tesouro”. Uma vez que se coloca nesse processo, a fé vai se consolidando. O Reino de Deus começa a ser sentido de vida para aquele que nele entra. E ao experimentar a alegria desse encontro, não abandona mais, por maiores que sejam as provações e perseguições.

Vale a pena recordar o ensinamento de Bento XVI: "Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo" (Deus caritas est, 01).

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“Nas duas parábolas a estrutura é a mesma. No primeiro relato, um lavrador ‘encontra um tesouro escondido no campo. Cheio de alegria, ‘vende tudo o que tem’ e compra o campo. No segundo relato, um comerciante de pérolas preciosas ‘encontra’ uma pérola de grande valor. Sem duvidar, ‘vende tudo o que tem’ e compra aquela pérola.

Assim acontece com o ‘reino de Deus’ escondido em Jesus, sua mensagem e sua atuação. Esse Deus se torna atrativo inesperado e surpreendente que quem o encontra, se sente tocado no mais fundo de seu ser. Então nada pode ser como antes.

Pela primeira vez começamos a sentir que Deus nos atrai de verdade. Não pode haver nada maior para alentar e orientar nossa existência. O ‘reino de Deus’ muda nossa forma de ver as coisas. Começamos a crer em Deus de maneira diferente. Agora sabemos por que viver e para que viver.

Falta à nossa religião o “atrativo de Deus”. Muitos cristãos se relacionam com Ele por obrigação, por medo, por costume, por dever. Porém, não por se sentirem atraídos por Ele. Mais cedo ou mais tarde poderão terminar por abandonar essa religião.

A muitos cristãos se lhes é apresentada uma imagem tão deformada de Deus e da relação que podemos viver com Ele que a experiência religiosa lhes parece inaceitável e, mesmo, insuportável. Não poucas pessoas estão abandonando a Deus porque não podem viver por mais tempo em um clima religioso insano, impregnado de culpas, ameaças, proibições ou castigos.

A cada domingo, milhares de presbíteros e bispos pregamos o Evangelho, comentando as parábolas de Jesus e seus gestos de bondade a milhões de crentes. Que experiência de Deus comunicamos? Que imagem transmitimos do Pai e de seu reino? Atraímos os corações para o Deus revelado em Jesus? Ou os afastamos de seu mistério de bondade?” (Pe. José Antônio Pagola, www.musicaliturgica.com).

“Quantas pessoas, quantos santos e santas, lendo o Evangelho com o coração aberto, foram literalmente conquistados por Jesus, e converteram-se a Ele. Pensemos em são Francisco de Assis: ele já era cristão, mas um cristão «ao sabor da corrente». Quando leu o Evangelho, num momento decisivo da sua juventude, encontrou Jesus e descobriu o Reino de Deus, e então todos os seus sonhos de glória terrena esvaeceram. O Evangelho leva-nos a conhecer o Jesus verdadeiro, faz-nos conhecer o Jesus vivo; fala-nos ao coração e muda a nossa vida. E então, sim, deixamos tudo. Podemos mudar de vida concretamente, ou então continuar a fazer aquilo que fazíamos antes, mas nós somos outra pessoa, renascemos: encontramos aquilo que dá sentido, sabor e luz a tudo, inclusive às dificuldades, aos sofrimentos e até à morte” (Papa Francisco, 2014).

Quais são minhas principais buscas? O que me move mais profundamente: o emprego, o salário, o lazer, o status, o sucesso? Qual é mesmo meu tesouro: aquela realidade da qual não abro mão de jeito nenhum? Ela confere com o ensinamento e a vida de Jesus? “Onde estiver o teu tesouro, aí estará o teu coração” (Mt 6,21).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A paciência de Deus

aureliano, 17.07.20

16º domingo do TC - A - 19 de julho.jpg

16º Domingo do Tempo Comum [19 de julho de 2020]

[Mt 13,24-43]

Continuamos no capítulo 13 de Mateus no qual Jesus conta uma série de parábolas do Reino. No domingo passado pudemos rezar a parábola do semeador na qual Jesus mostra a variedade de terreno e a força da semente que é a Palavra de Deus. A grande tentação é negar-se a prestar ouvido ao que Deus pede de nós: “quem tiver ouvidos, ouça” (Mt 13,9); é negar-se a olhar para Jesus (cf. Hb 12,2) e manter os olhos fixos em si mesmo, alimentando um narcisismo perverso.

Hoje a liturgia traz a narrativa de várias parábolas: do joio e do trigo > deixar crescer juntos entregando a responsabilidade da seleção para Deus; da semente de mostarda > um Reino revestido de humildade, sem grandeza, mas que revela sua força por isso mesmo; do fermento > a força de Deus escondida, porém transformadora.

A parábola do joio e do trigo adverte nossa falta de paciência, de longanimidade (grandeza de alma) diante das fraquezas e pecados alheios. Buscamos resultados imediatos, números, mudança segundo nossos critérios, muitas vezes legalistas e exigentes demais. Ainda mais: quantas vezes nos arvoramos em juízes implacáveis das pessoas! Jesus quer que demos sempre uma nova oportunidade ao ser humano que erra.

As atitudes devem ser avaliadas e julgadas, mas a pessoa deve ser sempre respeitada. Ninguém conhece perfeitamente os recônditos do coração humano. Isso é prerrogativa divina. Por isso, somente a Deus compete o juízo definitivo.

Quando Mateus escreve este texto quer, provavelmente, mostrar uma realidade da comunidade que aguardava a vinda de Jesus (Parousia) para muito em breve. Por isso exorta à paciência. Hoje o que impacienta pode ser o ativismo, o imediatismo e mesmo o radicalismo de pessoas até muito engajadas na comunidade, mas que sufocam e matam a semente do amor no coração dos outros.

Penso que a grande lição do evangelho de hoje para nós e nossas comunidades é a de termos mais paciência com as dificuldades e limitações dos irmãos, respeitando seus passos, acolhendo suas diferenças. Muitas vezes alguém que poderia crescer muito na comunidade, acaba por minguar-se por falta de incentivo, de apoio, de perdão, de respeito, de tempo, de oportunidade. É preciso dar força ao trigo para que não seja sufocado pelo joio.

Importa, mais do que nunca, acolher a grandeza de Deus que está muito além de nossos pobres e mesquinhos juízos sobre a salvação dada por Deus a todas as pessoas. A nós compete colaborar com o Pai na obra da salvação. Julgar, selecionar, recompensar, punir etc é atributo de Deus. Quando nos deixamos conduzir pelo Espírito de Deus, assumindo o jeito de viver de Jesus, seu projeto vai se realizando no mundo.

Devemos nos colocar sempre como colaboradores de Deus espalhando a semente do bem no mundo e tendo uma atitude que sempre incomode o reino de morte.

 

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O REINO DE DEUS É FEITO DE MISERICÓRDIA, DE SIMPLICIDADE E DE FORÇA INTERIOR

A primeira parábola quer nos ajudar a entender a misericórdia de Deus. A pessoa sempre merece ter mais uma chance, uma oportunidade. O Pai dá sempre tempo para a conversão (cf. Lc 15: parábolas da misericórdia). Isso significa também que não nos podemos escandalizar diante de uma Igreja medíocre, pecadora, longe do ideal evangélico. Feita de santos e pecadores e mergulhada no mundo, ela corre sempre o risco de se contaminar pela maldade. Por isso precisamos mudar nossa ideia de Deus: de um deus violento, intolerante, ciumento, mesquinho, avarento a um Deus misericordioso, compassivo, paciente e justo. É o Deus revelado por Jesus. Guardemos isso: A ideia que temos de Deus determina nossas atitudes, posturas, relações com o próprio Deus, com nós mesmos, com o mundo e com os irmãos.

A segunda parábola lembra-nos a dimensão da simplicidade do Reino de Deus. Dá uma ideia de amplidão, de crescimento, de espaço a partir da pequenez evangélica. A pequenez da semente vem mostrar que a força do Reino não está na aparência, na exterioridade (encher praças, ruas e templos), mas no conteúdo. O Reino de Deus anunciado por Jesus cresce e se expande pela força que vem do Alto.

A terceira parábola nos remete à força interior do Reino de Deus. O fermento age sem ser visto. A gente não vê o fermento no bolo ou no pão. Sabemos que está ali e agiu pelo gosto gostoso. O verdadeiro sabor da vida cristã não vem de fora: de ritos, de shows, de ativismo etc. A força que transforma o ser humano, o mundo, a história vem de Deus. Uma vida alimentada pela mística, pela espiritualidade, pela oração é que vai produzir frutos que transformam o mundo.

Essas parábolas não nos deixam esquecer que o Reino é de Deus. Não somos nós os protagonistas da transformação da história. É Deus que age e transforma as pessoas. Nós somos instrumentos, muitas vezes, desajeitados em suas mãos. Às vezes fazemos bem, às vezes fazemos mal; às vezes ajudamos, às vezes atrapalhamos. O importante é colocar-se sempre aberto e disponível para colaborar na obra da salvação da humanidade. O resto é por conta do Pai. Porque o Reino é dele: “Porque tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória pelos séculos. Amém” (Rm 11,36).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A missão com Jesus

aureliano, 06.07.19

14º domingo do TC - C - 07 de julho.jpg

14º Domingo do Tempo Comum [07 de julho de 2019]

[Lc 10,1-12.17-20]

Jesus tomou a firme resolução de subir para Jerusalém (cf. Lc 9,51). Essa trajetória histórico-teológica de Jesus quer nos mostrar que ele veio para uma missão: cumprir a vontade do Pai. E o preço de sua fidelidade não seria baixo. Sua fidelidade devia ser corroborada também por sua firmeza. “Tomar a cruz” significa fidelidade ao Pai e aos irmãos. O que vale para Jesus vale para os seus discípulos, para todos nós.

Nesse caminho ele quis contar com alguns discípulos. Estes foram enviados à sua frente para preparar sua passagem. Enfrentariam durezas, adversidades, incompreensões, rejeições. No entanto o que lhes devia importar é que faziam parte do Reino: “Vossos nomes estão escritos no céu”.

Alguns elementos que nos ajudam a pensar nossa missão, hoje:

  • A Igreja, continuadora da missão de Jesus, deve assumir uma vida de peregrina, pondo-se a caminho. O nosso Papa tem insistido nesta tecla: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG 49). Ou seja, é preciso enfrentar os riscos da missão. Nada de ficar olhando para trás, com um saudosismo doentio e paralisante de quem vive de passado. O olhar retrospectivo só é válido para avaliar nosso presente e nos lançar, com novo ardor, para o futuro. Precisamos nos desvencilhar daquela ideia de que a Igreja existe para encher templos, promover grandes eventos, provocar emoções e lágrimas numa espécie de histeria coletiva. Não. A Igreja foi fundada por Jesus para mostrar ao mundo o amor que o Pai tem por todas as pessoas. E, para isso, deve promover na sociedade o cuidado pelos mais fracos, como fez Jesus.
  • Jesus envia seus discípulos para “curar os doentes” e anunciar que o Reino de Deus está próximo. A mensagem do Evangelho precisa ser atraente, transformadora. Ela precisa ser “lida”” naqueles que a anunciam. O evangelizador, imbuído do sentimento de Jesus, traz para o pobre a certeza de que o Reino de Deus chegou. Dar-lhe um sentimento de esperança. Transmitir-lhe o conforto da presença de Deus em sua vida. O pobre se sente apoiado, amparado, assistido. Sente que há alguém por ele. Não basta fazer sermões bonitos ou celebrar belas liturgias. Precisamos saber ouvir, acolher, ajudar, encaminhar as situações de dor e de sofrimento das pessoas. Isso é o Reino de Deus.
  • Outra palavra de Jesus que não pode passar despercebida é a da paz: “Quando entrardes numa casa, dizei: paz a esta casa”. O convite que o Papa Francisco faz para irmos às periferias geográficas e existenciais tem a ver com essa palavra de Jesus. Ao visitarmos uma pessoa para levar-lhe a Palavra de Deus, precisamos estar imbuídos da paz que brota do coração do Pai. E também ter a capacidade de respeitar a pessoa na sua circunstância. Não podemos impor à pessoa uma crença, uma religião. Não fomos enviados para isso. Queremos que ela experimente a paz, o Shalon que vem de Deus e que significa uma vida vivida com alegria, de bem com todos, na participação equitativa nos bens da criação, experimentada pela comunidade e não apenas pelo indivíduo. Se vivemos assim então transmitiremos a paz às pessoas visitadas. Uma paz que brota da confiança total no Pai. Uma paz que é dom, mas que também é tarefa, no sentido de que depende também de nós trabalharmos para que as pessoas saibam se respeitar; saibam viver na justiça e na equidade. Uma paz que é cultivada dentro do coração humano que busca viver uma vida em Deus.
  • Outro elemento que precisa ser levado em conta nesse evangelho é a ordem de Jesus a respeito dos trabalhadores da vinha. Faltam operários. É preciso pedir ao dono da vinha que mande trabalhadores. Aqui surge a questão da “mão-de-obra”. É o Senhor que envia operários, mas é preciso pedir. Ou seja, deve haver interesse de nossa parte que outros venham trabalhar. A vinha não é nossa. É do Senhor. Mas ele quer que a assumamos como nossa, que demos a vida por ela, que nos empenhemos para que muitas pessoas entrem nela para trabalhar. É o Reino que precisa de operários. Chega de parasitas, de exploradores do povo! A messe precisa de gente disposta a trabalhar, a enfrentar os lobos, os espinhos, a fadiga do dia, as perseguições, a cruz. Este é o Reino que a Igreja anuncia. É a nossa tarefa.
  • Enfim, não poderia deixar de mencionar também a necessidade do desapego para a missão. Não levar muito peso. O que devemos levar é só Jesus e seu projeto. Precisamos deixar para trás nossas coisas, nossas ideias, nossos projetos. Estar aberto à realidade do outro faz parte do desapego. Livres de preconceitos. O outro também tem o que nos oferecer. E Jesus recomenda que comamos daquilo que o visitado nos oferece. Ou seja, é preciso compartilhar da mesa, da vida, dos sonhos, das necessidades de das ofertas dos destinatários de nossa missão. Se eu encher demais o barco para ir em missão, corro o risco de afundá-lo. Então nem o missionário sobrevive nem a missão acontece. Despojamento, simplicidade, acolhida, escuta sem julgamento!

Para refletir: como estamos vivendo a missão? Temos tido coragem de sair às periferias, nos encontrarmos com as pessoas que vivem na dor, na desesperança, na falta de sentido de vida? Como temos acolhido as pessoas em nossas celebrações, em nossas casas, em nossas secretarias paroquiais? Enxergamos nelas o rosto de Jesus que sofre? Temos tido preocupação com aqueles que estão afastados?

Notemos bem: a alegria do discípulo do Reino não deve se apoiar no que faz para os outros, mas no que o Senhor fez por ele: “Vosso nome está escrito no céu”. A alegria não está no êxito da missão; nem mesmo o fracasso poderá tirá-la. Pois a alegria consiste não no fazer muitas coisas, mas em ser discípulo de Jesus.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Reino de Justiça, de Verdade e de Paz

aureliano, 23.11.18

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Cristo, Rei do Universo [25 de novembro de 2018]

[Jo 18,33-37]

O contexto do relato evangélico deste domingo é o da Paixão. Jesus está diante de Pilatos, representante político do Imperador romano. Um reino deste mundo que se confronta com um Reino que “não é deste mundo”.

É importante distinguir e entender a expressão de Jesus: “O meu reino não é deste mundo”. Pode dar a impressão de que Jesus está contrapondo o mundo criado por Deus, este lugar maravilhoso onde moramos, com um reino que virá depois, distante, para além da morte.

Na verdade o Reino de Deus já está aqui, neste mundo. ‘Jam et nondum’ (já e ainda não). Jesus já instaurou o Reino que o Pai lhe confiou com sua vida, morte e ressurreição. Quando vemos pessoas que se doam, que empenham suas vidas pela fraternidade e pela justiça como Ir. Doroth, como Dom Casaldáliga, como Santo Oscar Romero, como Ir. Dulce, como Pe. Júlio Maria, como Dom Luciano e Dom Helder Câmara e tantas outras, notamos aí a manifestação do Reino de Deus. A defesa da vida plena para todos!

Por outro lado, percebemos que o Reino ainda não se manifesta quando o pecado prevalece nas situações como a do mensalão, do petrolão, do fascismo, do autoritarismo, do desrespeito às minorías, do preconceito, das propinas sem conta e todas as situações de oportunismos agregadas a fatos como estes. Quando os negros são discriminados e as comunidades quilombolas ameaçadas; quando os índios são dizimados e suas terras invadidas; quando a Igreja pactua com os poderosos e influentes perversos da sociedade; quando se mente, se engana, se mata, se rouba em nome de Deus; quando a fome dizima pessoas, comunidades e famílias. Quando a morte ceifa a vida de tantos jovens envolvidos no tráfico de drogas e de seres humanos; quando a violência campeia em nossas ruas, praças e famílias.

O Reino de Deus se manisfesta na vivência da verdade proclamada por Jesus: “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”. Essa afirmação de Jesus define seu caminho profético: quer sempre viver a verdade, ainda que isso lhe custe a vida. Qual verdade? A verdade de um Deus que quer um mundo mais humano para todos.

Há um versículo de João muito proclamado no meio neopentecostal e que considero muito importante, mas muito mal interpretado no meu modo de ver: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,32). A dificuldade está em que se esquece do versículo 31: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos”. Ora, para ser livre pela verdade do evangelho é preciso “permanecer” e “ser discípulo”. Há um pessoalzinho que vive repetindo de boca cheia: “Conhecereis a verdade…”, mas cuja vida está muito longe do evangelho e, consquentemente, do discipulado. Costumam ser muito mais amigos do dinheiro e do poder do que de Jesus. Não sei que liberdade é essa! Comportam-se como escravos do poder e do dinheiro!

Quando Jesus dicorre sobre a verdade ele fala com autoridade. Sem autoritarismos: ao contrário do que se experimenta nos meios em que se visam ao poder, ao sucesso e à fama. Sem dogmatismos, ao contrario do que acontece em muitas de nossas comunidades religiosas. Não impõe a verdade, pois não se considera seu  guardião, mas testemunha. Ou seja, sua vida manifesta a verdade de Deus. Ele é a verdade: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Jesus converte-se assim em “voz dos sem voz, e voz contra os que têm demasiada voz” (Jon Sobrino).

Esconder a verdade é o maior pressuposto de quem vive em função dos poderes financeiros e políticos que dominam o mundo. A verdade não pode aparecer. Mentem de cara limpa. Matam, destroem, escravizam para que a verdade não se manifeste. Aqui, sim, cabe não nos esquecermos das palavras do próprio Jesus: “A verdade vos libertará” (Jo 8,32). A mentira aprisiona, escraviza. Somente uma vida vivida na verdade torna livre o ser humano.

Queremos, pois, fazer um caminho de verdade, de liberdade, de reconhecimento do Reino de Deus que se manifesta nas nossas atitudes diárias. Isso implica colocar-nos “diante de Pilatos”, ou seja, faz-nos confrontrar com um poder de mentira e de morte, com um reino que visa à dominação deste mundo. Em outras palavras, não ser deste mundo, ser da verdade nos configura a Cristo crucificado e ressuscitado.

Para refletir: Permito que Jesus exerça sua realeza na minha vida, na vida de minha comunidade, através da abertura à sua Palavra, à sua vontade, ao seu perdão, ao seu amor, e pela solidariedade com tantos que sofrem e procuram um sentido para a sua vida?

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*Dia dos cristãos leigos e leigas

Ao establecer o ano de 2018 como o Ano Nacional do Laicato, a CNBB  teve a intenção de despertar maior consciência do serviço e ministerio dos cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade. Será que conseguimos alargar horizontes? Vamos conferir:

  • Estimular a presença e a atuação dos cristãos leigos e leigas, “verdadeiros sujeitos eclesiais” (DAp. n. 497), como “sal, luz e fermento” na Igreja e na sociedade.
  • Criar programas de formação de ministérios leigos de coordenação e animação de comunidades, pastorais e movimentos.
  • Fortalecer a articulação das redes de comunidades (Doc. 100 da CNBB).
  • Promover mecanismos de participação popular para o fortalecimento do controle social e da gestão participativa (Conselhos de Direitos, Grupos de Acompanhamento ao Legislativo, Iniciativas Populares, Audiências, Referendos, Plebiscitos, entre outros).

Rezemos com a Igreja: Nós vos pedimos, ó Pai, que os batizados atuem como sal da terra e luz do mundo: na família, no trabalho, na política, e na economia, nas ciências e nas artes, na educação, na cultura e nos meios de comunicação; na cidade, no campo e em todo o planeta, nossa “casa comum”. Amém.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O Reino de Deus é um tesouro

aureliano, 28.07.17

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17º Domingo do Tempo Comum [30 de julho de 2017]

[Mt 13,44-52]

Com este domingo a Igreja conclui o capítulo 13 de Mateus conhecido como o Sermão das Parábolas. Hoje temos as parábolas do tesouro e da pérola que convidam a investir no Reino de Deus. A parábola da rede mostra a situação da Igreja: mistura de fiéis convictos e mornos. Esta última parábola se assemelha muito à do joio. Na verdade, quem realiza a colheita é o Pai. Ele sabe quem deve entrar para a vida definitiva. A nós compete tentar melhorar a situação do Reino: mais paciência, mais tolerância, mais empenho em transformar as realidades de maldade em bondade. O resto é com Ele!

Essas parábolas sugerem duas atitudes fundamentais na vida humana: desprendimento e investimento. Desprender-se do supérfluo, daquelas coisas que não nos dão a verdadeira garantia. E investir naquilo que nos garante contra a ‘traça’ e a ‘ferrugem’. Porém é preciso considerar que, para se desprender de algo para investir em outra coisa é preciso conhecimento daquilo em que estamos investindo. Assim, ninguém vai investir na bondade, na justiça e na verdade se desconhece o fundamento dessa realidade que é o próprio Deus.

A descoberta do Reino de Deus revelado por Jesus gera tal alegria que a pessoa abre mão de tudo para aderir e participar desse Reino. O ensinamento de Jesus provoca encantamento no povo e o desejo de deixar tudo para servir ao Reino de Deus. Esse modo de realizar o trabalho deve ser aprendido pelas comunidades: encantar, entusiasmar.

No atual contexto social e religioso encontramos gente pregando e prometendo realidades que não têm nada a ver com o Reino anunciado por Jesus. Uma relação comercial com Deus como se as coisas que ele nos dá tivessem preço e se prestassem a troca, permuta. Como se ele exigisse de nós o dízimo, a oferta, a penitência, o jejum para nos abençoar e caminhar conosco. O evangelho não fala disso. Fala que, na medida em que a pessoa encontrou o tesouro, sente-se movida a sair e a buscar uma vida diferente, nova, desinstalada. O “tesouro” é aquela realidade que dá sentido à nossa vida, que responde às nossas buscas mais profundas, que preenche o vazio deixado dentro de nós pelos bens e prazeres mundanos.

Peçamos a Deus que nos ajude a ter coragem suficiente para nos desprendermos daquelas coisas que nos impedem de viver o ensinamento de Jesus, de anunciar sem medo o Reino, e de denunciarmos os projetos de anti-reino em nosso meio. Sobretudo nestes tempos de crise econômica, política e institucional, quando os rumos do País se encontram nas mãos dos donos do dinheiro e do mercado, provocando um número cada vez maior de sobrantes e deserdados dos bens da criação. Que tenhamos a coragem de nos colocar contra as Reformas que prejudicam os mais pobres; contra os negociadores do mandato que receberam nas urnas; contra os propineiros que se vendem para garantir seu posto político em detrimento dos pobres e desempregados.

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“Nas duas parábolas a estrutura é a mesma. No primeiro relato, um lavrador ‘encontra um tesouro escondido no campo. Cheio de alegria, ‘vende tudo o que tem’ e compra o campo. No segundo relato, um comerciante de pérolas preciosas ‘encontra’ uma pérola de grande valor. Sem duvidar, ‘vende tudo o que tem’ e compra aquela pérola.

Assim acontece com o ‘reino de Deus’ escondido em Jesus, sua mensagem e sua atuação. Esse Deus se torna atrativo inesperado e surpreendente que quem o encontra, se sente tocado no mais fundo de seu ser. Então nada pode ser como antes.

Pela primeira vez começamos a sentir que Deus nos atrai de verdade. Não pode haver nada maior para alentar e orientar nossa existência. O ‘reino de Deus’ muda nossa forma de ver as coisas. Começamos a crer em Deus de maneira diferente. Agora sabemos por que viver e para que viver.

Falta à nossa religião o “atrativo de Deus”. Muitos cristãos se relacionam com Ele por obrigação, por medo, por costume, por dever. Porém, não por se sentirem atraídos por Ele. Mais cedo ou mais tarde poderão terminar por abandonar essa religião.

A muitos cristãos se lhes é apresentada uma imagem tão deformada de Deus e da relação que podemos viver com Ele que a experiência religiosa lhes parece inaceitável e, mesmo, insuportável. Não poucas pessoas estão abandonando a Deus porque não podem viver por mais tempo em um clima religioso insano, impregnado de culpas, ameaças, proibições ou castigos.

A cada domingo, milhares de presbíteros e bispos pregamos o Evangelho, comentando as parábolas de Jesus e seus gestos de bondade a milhões de crentes. Que experiência de Deus comunicamos? Que imagem transmitimos do Pai e de seu reino? Atraímos os corações para o Deus revelado em Jesus? Ou os afastamos de seu mistério de bondade?” (Pe. José Antônio Pagola, www.musicaliturgica.com).

“Quantas pessoas, quantos santos e santas, lendo o Evangelho com o coração aberto, foram literalmente conquistados por Jesus, e converteram-se a Ele. Pensemos em são Francisco de Assis: ele já era cristão, mas um cristão «ao sabor da corrente». Quando leu o Evangelho, num momento decisivo da sua juventude, encontrou Jesus e descobriu o Reino de Deus, e então todos os seus sonhos de glória terrena esvaeceram. O Evangelho leva-nos a conhecer o Jesus verdadeiro, faz-nos conhecer o Jesus vivo; fala-nos ao coração e muda a nossa vida. E então, sim, deixamos tudo. Podemos mudar de vida concretamente, ou então continuar a fazer aquilo que fazíamos antes, mas nós somos outra pessoa, renascemos: encontramos aquilo que dá sentido, sabor e luz a tudo, inclusive às dificuldades, aos sofrimentos e até à morte” (Papa Francisco, 2014).

Quais são minhas principais buscas? O que me move mais profundamente: o emprego, o salário, o lazer, o status, o sucesso? Qual é mesmo meu tesouro: aquela realidade da qual não abro mão de jeito nenhum? Ela confere com o ensinamento e a vida de Jesus? “Onde estiver o teu tesouro, aí estará o teu coração” (Mt 6,21).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Evangelho, a boa notícia de Deus

aureliano, 20.01.17

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3º Domingo do Tempo Comum [22 de janeiro de 2017]

[Mt 4,12-23]

O primeiro escritor que recolheu a atuação e a mensagem de Jesus nas palavras “boa notícia de Deus” foi Mateus. É o Evangelho (euanggelion), a boa notícia que deve ser lida em meio a essa sociedade indiferente e desacreditada, mostrando que Jesus veio trazer algo bom, novo. Significa que não estamos perdidos, mas que temos Alguém a quem podemos agradecer pela vida.

No Evangelho de Jesus nos encontramos com um Deus que, apesar de nossas fraquezas e pecados, nos dá força para defender nossa liberdade sem nos tornarmos escravos dos ídolos. Esse Deus desperta nossa responsabilidade para com os outros, mesmo que não façamos grandes coisas podemos colaborar com uma vida mais digna e alegre para os necessitados e indefesos.

Certamente, cada um de nós tem que decidir como quer viver e como quer morrer. Cada um há de escutar sua própria verdade. Crer em Deus não é a mesma coisa que não crer. O crente sente-se bem pelo fato de andar por esse caminho da fé que o faz sentir-se acolhido, perdoado e amado pelo Deus revelado em Jesus. Encontra sentido para sua vida e para sua morte.

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O POVO VIU UMA LUZ

O tema da luz é marcante na liturgia da Palavra de hoje. A luz é uma necessidade básica do ser humano. Aliás, a expressão que se utiliza para se referir ao nascimento de uma pessoa é “dar à luz”. E quando alguém morre costuma-se dizer: “apagou-se”.

O salmista canta na liturgia: “O Senhor é minha luz e salvação” (Sl 26). Há poucos dias, celebrando o Natal do Senhor, proclamamos: “Veio ao mundo a luz verdadeira que ilumina todo homem” (Jo 1,9). Deste modo, o ser humano é chamado a viver sempre na luz. As trevas, símbolo do pecado, se opõem à luz e tentam, embora em vão, lhe fazer sombra. Quando o dia amanhece, vê-se que o sol vai dissipando as trevas da noite. Assim, Jesus Ressuscitado brilha em meio às trevas, enchendo de luz o coração do ser humano: “A noite escura se afasta, as trevas fogem da luz. A estrela d’alva fulgura, sinal de Cristo Jesus.” “Ao clarão desta luz que renasce, fuja a treva e se apague a ilusão. A discórdia não trema nos lábios, a maldade não turve a razão” (Hinos de Laudes).

A entrada de Deus em nossa história humana na pessoa de Jesus de Nazaré, trouxe uma grande luz de sentido, de novo horizonte para a vida de todo aquele que nele crê. “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz ... Fizeste crescer a alegria, e aumentaste a felicidade” (Is 9,1-2). A felicidade do ser humano está intimamente associada à vida na luz: “Quem faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que suas obras não sejam demonstradas como culpáveis. Mas quem pratica a verdade vem para a luz, para que se manifeste que suas obras são feitas em Deus” (Jo 3,20-21). Quem vive na luz não experimenta o medo doentio. Confia, espera, entrega-se. Experimenta a liberdade dos filhos de Deus (cf. Gl 5,1).

É muito importante notarmos que Jesus inicie seu ministério anunciando o Reino de Deus e convidando à conversão: “Convertei-vos porque o Reino de Deus está próximo” (Mt 4,17). Sua palavra e suas ações demonstram sua presença de luz. Veio para transmitir a luz que faz ver o pecado presente no coração humano e na sociedade a fim de que, pela conversão, se supere o mal que destrói a vida na face da terra.

Passar das trevas à luz é fazer um caminho de conversão para se entrar no Reino de Deus. Converter-se é mudar de vida, é inverter a escala de valores que o mundo propõe para assumir os valores do Reino instaurado por Jesus.

Há grande número de cristãos que, à semelhança de alguns mestres do tempo de Jesus, julgam que não precisam de conversão. Pensam que basta fazer uma “rezinha”, acender uma vela, dar uma esmola para desencargo de consciência etc. Não! A conversão é um caminho cotidiano. O cristão é um misto de luz e trevas. Há muitas realidades de nossa vida pessoal e da vida social que precisam ser evangelizadas.

No passado pensava-se – e ainda esta mentalidade persiste – que evangelização consistia em frequentar a catequese para os sacramentos de iniciação cristã,  e pronto. Mas hoje, graças a Deus, a Igreja percebe que é preciso trabalhar a evangelização permanentemente. É preciso voltar ao evangelho. O Papa Francisco tem insistido que não adianta ir à Igreja, comungar, rezar e não mudar de vida. “Você pode ir à missa aos domingos, mas se não tem coração solidário, se não sabe o que acontece na sua cidade, (a fé) ou está doente ou está morta. (...) A fé nos faz próximos, aproxima-nos da vida dos outros. A fé desperta o nosso compromisso com os outros, desperta nossa solidariedade” (15/07/16). O importante na vida do cristão é insistir no caminho de conformar a própria vida à vida de Jesus. Tentarmos, cotidianamente, reproduzir em nossa vida os gestos de Jesus.

Todas as vezes que perdoamos, que nos solidarizamos, que evitamos dizer uma palavra que destrói e machuca, que saímos de nossa casa para socorrer alguém, que nos esforçamos para ser fiéis e respeitosos para com nossa família, que trabalhamos com honestidade, que manifestamos nossa opinião reta e verdadeira diante de atitudes desonestas e mentirosas; todas as vezes que nos organizamos para trabalhar em favor da vida, contra a corrupção e a maldade, que aliviamos o sofrimento de alguém, que colaboramos para que as pessoas sofridas e angustiadas vivam mais alegres, estamos espargindo um pouco da Luz que brota do coração do Pai, pois estamos reproduzindo os gestos de Jesus. Isto é caminho de conversão.

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O REINADO DE DEUS

O anúncio do Reino de Deus (ou dos Céus, conforme Mateus) foi o centro da vida de Jesus. Todas as suas palavras e ações foram em vista de estabelecer o Reinado de Deus no mundo.

João Batista também pregava a conversão em vista da proximidade do Reino. Porém o Reino anunciado por Jesus tem um sentido novo. É um Reino que se realiza no amor, na misericórdia, no acolhimento, na busca da justiça e da verdade. Se o reino das trevas favorece os poderosos, aumentando-lhes os privilégios, o Reino de Deus proclamado por Jesus se dá na partilha dos bens da criação, na libertação dos oprimidos, resgatando e levantando a pessoa para a dignidade de filho de Deus.

Esse Reino se concretiza pelo caminho da conversão. Sem mudar a ”maneira de pensar” (cf. Rm 12, 2), não se constrói o Reinado de Deus. A transformação social e comunitária passa necessariamente pela conversão pessoal. O Documento de Aparecida fala da necessidade da conversão pessoal para a transformação da paróquia e da comunidade. E a conversão se faz quando se olha para Jesus, se convive com ele, se deixa modelar por ele, por seu amor misericordioso.

Para a construção do Reino, o Pai conta com colaboradores. Por isso Jesus os chama para “estar com ele e enviá-los em missão” (cf Mc 3, 14). O processo de conversão no discipulado nos leva a colocar Jesus como o centro de nossa vida. Nossas decisões são movidas e iluminadas por ele, pela postura dele, pelas palavras dele. Aquilo que nos impede de ser melhores precisa ser abandonado. É assim que se vai consolidando o Reinado de Deus na história. Os discípulos que ele chama serão formados em sua escola, a comunidade. É na comunidade que vamos aprendendo a ser mais de Jesus: pelo amor fraterno, pela escuta atenta à Palavra de Deus, pela Eucaristia celebrada, pelo engajamento nas pastorais. Enfim, cada um deve encontrar seu lugar na comunidade servindo a Deus nos irmãos mais necessitados.

“Eis que estou à porta e bato”. Como reajo ao convite do Senhor? Estou disposto a trabalhar pela extensão o Reino de Deus? Há muita gente esperando pela minha resposta generosa ao chamado de Deus. Preciso dizer: “Eis-me aqui, envia-me”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Os sinais do Reino de Deus

aureliano, 08.12.16

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3º Domingo do Advento [11 de dezembro de 2016]

[Mt 11,2-11]

Quando estamos dirigindo pela cidade, nos deparamos frequentemente com os sinais de trânsito. Para que servem? Para indicar o que devemos fazer: parar, prosseguir, diminuir a velocidade etc. Seria ridículo alguém parar o carro e ficar admirando o sinal verde ou vermelho etc.

Costumamos fazer isso com os milagres de Jesus. Somos levados a pensar que os milagres que Jesus realizou e mandou seus discípulos realizar eram demonstração de um sinal de força e poder. A mídia está cheia de “igrejas” que afirmam “curar”. Seria bom verificarmos com que interesse se propaga isso.

No tempo de Jesus havia grupos que idealizavam o seu messias. Assim, os fariseus, os zelotes, os essênios, os discípulos de João Batista e outros esperavam um messias que os libertasse do jugo romano e fosse fiel cumpridor da Lei e seus ritos. Havia também o grupo dos que não esperavam o messias: os saduceus e os herodianos. Esses últimos identificavam Herodes com o rei messiânico.

Havia um grupo, os “pobres de Javé”, que esperavam um messias que incluísse os pobres, os doentes, os estrangeiros, os pecadores. Jesus encarnou a esperança deste grupo. Ele é o “Servo de Javé” (Is 42,1).

Olhando para as atitudes de Jesus notamos que as curas que ele realizava eram sinais indicadores de sua missão. O que interessa não é a placa, mas o que ela indica. Por isso Jesus manda dizer a João: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo”. Abrir os olhos aos cegos, soltar a língua dos mudos, abrir os ouvidos dos surdos, soltar os braços e as pernas dos entrevados, enfim, dar nova vida aos mortos é o núcleo da missão do Messias. Jesus não é um simples curandeiro, mas aquele que veio dar vida nova aos desafortunados da história.

Para João, que havia anunciado a presença de um messias forte, julgador severo, Jesus se comporta como um fraco. À dúvida honesta de João, Jesus responde com atitudes. Não aponta para sua pessoa, mas para suas ações. Enquanto João é severo exigindo arrependimento e mudança de vida, Jesus mostra-se manso, humilde, compadecido dos pobres e pecadores.

A pessoa de João Batista é elogiada por Jesus por causa de sua firmeza profética. “No entanto o menor no Reino dos céus é maior do que ele”. Reino dos céus aqui é a comunidade cristã que tem um caminho muito mais amplo, mais aberto, mais abrangente. Os tempos do Reino transcendem em muito àqueles que o prepararam.

O Reino sofre violência (cf. Mt 11,12). Na busca do Reino de Deus o mais difícil talvez seja desembaraçar-se do reinado do dinheiro, da fama, do sucesso e do poder para assumir a postura de “fraco” que se torna forte pela graça. Para entregar-se como Jesus precisa-se ser “violento”: ter coragem de doar-se generosamente. É na Eucaristia que celebramos a renovação do gesto de Jesus e nos fortalecemos para darmos continuidade à sua ação na história.

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A “CURA” GERA ALEGRIA

Esse terceiro Domingo do Advento é cognominado pela tradição litúrgica como Dominica Gaudete (Domingo da Alegria). A proximidade da vinda do Senhor deve encher de santa alegria o coração do cristão. E só experimentará a alegria que brota do coração do Pai o cristão que busca assumir em sua vida o jeito de ser de Jesus de Nazaré. “Ide dizer a João o que ouvistes e vistes”. A plena vida e dignidade devolvida aos pobres e sofredores era a grande manifestação do Reino de Deus.

A ação evangelizadora de Jesus que curava os cegos, os coxos, os surdos no anúncio da Boa Nova aos pobres, revelava quem era Jesus. As obras e palavras revelam quem é uma pessoa. A ação litúrgica deve ser, também, uma revelação da vida de uma comunidade. As realidades vividas no cotidiano devem estar presentes na celebração, bem como a celebração deve iluminar e inspirar as atividades cotidianas. Uma circularidade humano-divina.

Aliás, a propósito de um culto desligado da vida, o Papa Francisco alerta contra o “cuidado exibicionista da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas não se preocupam que o Evangelho adquira uma real inserção no povo fiel de Deus e nas necessidades concretas da história” (EG, 95). E emenda o Pontífice: “É uma tremenda corrupção, com aparências de bem. (...) Deus nos livre de uma Igreja mundana sob vestes espirituais ou pastorais!” (EG, 97).

A “cura” traz alegria para a pessoa e a família. Jesus curava os sofredores, alivia-lhes o sofrimento. Hoje, se queremos trazer alegria à vida das pessoas precisamos “curar suas feridas”. Papa Francisco tem alertado para essa atitude: “Vejo com clareza que o que a Igreja necessita hoje é a capacidade de curar feridas e dar calor, intimidade e proximidade aos corações... Isto é o primeiro: curar feridas, curar feridas”. Fala ainda de “tratarmos das pessoas, acompanhando-as como o bom samaritano que lava, limpa e consola; caminhar com as pessoas na noite, saber dialogar e inclusive descer à sua noite e obscuridade sem se perder”.

Segundo o evangelho deste domingo, a atuação de Jesus está orientada para curar e libertar, não para julgar e condenar. Os discípulos de João devem comunicar-lhe o que vêem: Jesus vive voltado para os que sofrem para libertá-los do sofrimento. Depois devem dizer a João o que ouvem: uma mensagem de esperança dirigida àqueles camponeses pobres, vítimas de injustiças sociais.

Também a nós, se alguém nos pergunta se somos seguidores do Messias Jesus, que obras lhes poderemos mostrar? Que mensagem podem escutar de nós? De quem nos aproximamos? Com que interesse? Trabalhamos pelo interesse de quem? “Vão dizer a João o que vocês viram e ouviram”. Eis o desafio!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN