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aurelius

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Ouvir os profetas! Buscar a conversão!

aureliano, 06.07.24

14º domingo do TC - B.jpg

14º Domingo do Tempo Comum [07 de julho de 2024]

   [Mc 6,1-6]

A expressão “santo de casa não faz milagres” é muito comum entre o povo quando se refere a pessoas conhecidas da comunidade ou membros da própria família que deve fazer uma homilia na celebração ou proferir uma palavra profética sobre determinada situação que precisa tomar novo rumo, precisa ser acertada, mudada.

Parece que essa expressão tem raiz e confirmação no evangelho de hoje que mostra uma situação em que Jesus é rejeitado pelos seus: estando em sua cidade, ensinando aos seus correligionários, compatriotas e familiares na sinagoga, estes ficam admirados com sua sabedoria, mas recusam-se a acreditar nele. Jesus então profere a sentença: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”. E Jesus “ficou admirado com a falta de fé deles”.

Parece haver aqui dois equívocos: por um lado, prevalecia uma espécie de orgulho e vaidade que só levava a dar crédito em quem tivesse posses, conhecimento profundo das ciências, fosse de família rica, reconhecida, mestre no conhecimento da Escritura, parecendo que Deus chama somente esse tipo de pessoas para anunciar seu Reino. Por outro lado havia também um sentimento de inferioridade que levava as pessoas a se recusar ouvir uma palavra sábia de quem fosse de origem simples, pobre, (semi-)analfabeto, comum como os demais.

O fato é que, para ser ouvido na assembleia, precisava ser pessoa que gozasse de reconhecimento social, de influência política, membro reconhecido da hierarquia.

Talvez seja essa também a nossa dificuldade, ainda hoje. Se a pessoa não tem influência política, religiosa e econômica, não é ouvida. É muito difícil reconhecer a presença de Jesus e uma palavra profética num ‘Seu Zé’ ou numa ‘Dona Maria’ que nos diz que precisamos olhar com mais cuidado para nossos irmãos mais pobres e sofredores. Que precisamos descer do trono e acolher o pequeno, o doente, o embriagado, o presidiário. Que precisamos ser mais honestos e justos nos nossos negócios. Que precisamos ser mais comprometidos com a família e com a comunidade. Que precisamos aprender a partilhar os dons e os bens. Que precisamos zelar pela Mãe-Terra, não apoiando nem votando em candidatos políticos que contrariam os cuidados com o meio ambiente e não se empenham por políticas públicas em favor da população carente. O “Seu Zé” e a “Dona Maria” muitas vezes nos dão uma lição de vida cristã que nos deixa envergonhados!

O que é que nos faz mudar de atitude? Uma fé autêntica em Jesus que se fez pobre para nos enriquecer com sua pobreza (Cf. 2Cor 8,9). Acreditar, isto é, entregar-se a esse homem que passou trinta anos numa vida oculta tão simples que, quando inicia sua missão e diz uma palavra profética, dizem dele: “Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria...?” Não se prevaleceu de ser igual a Deus, mas humilhou-se, fazendo-se um de nós (Cf. Fl 2, 5-11).

Para quem não quer crer, a vida de Jesus nada revela. Jesus só transforma a vida daquele que dele se aproxima com humildade, simplicidade e de coração aberto. Ele não buscou aplausos, reconhecimento social, sucesso, posses de bens e poder político. Ele buscou, acima de tudo, a vontade do Pai. É o que mais lhe interessava. E a vontade do Pai era salvar a todos, particularmente, os mais pequeninos (Cf. Jo 6,39).

É essa fé de Jesus que devemos alimentar em nós. Mais do que ter fé em Jesus, precisamos ter a fé que o animava. Aquele espírito de entrega, de comunhão, de sacrifício, de oferta de si, de acolhida, de encantamento e entusiasmo pelo Reino. Jesus não desanimava, mesmo quando não era aceito ou reconhecido. Continuava seu caminho. Tinha firmeza porque confiava no Pai.

Será que não está faltando em nós um pouco mais de humildade para reconhecer a ação de Deus que nos fala nos gestos e palavras dos simples e humildes, pessoas que nós conhecemos, que moram na nossa rua, participam de nossa comunidade, ou mesmo parentes nossos? Será que não nos está faltando um pouco desse espírito que animava a vida de Jesus para que nossa participação na transformação da comunidade e da sociedade seja mais eficaz? Será que o espírito de grandeza não nos quer invadir quando buscamos ou proferimos belos discursos, porém, vazios de atitudes evangélicas? Ou mesmo quando nos recusamos ouvir e prestar mais atenção aos “santos de casa” para acolhermos melhor a Palavra de Deus que nos transmitem?

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O PECADO

Penso que o relato do evangelho de hoje (Mc 6,1-6), unido ao à primeira leitura: “corações empedernidos” (Ez 2,2-5), leva-nos a considerar um pouco a realidade do pecado na Igreja e no mundo.

O que notamos nos contemporâneos e correligionários de Jesus é a recusa em ver naquele Homem de Nazaré a manifestação do querer de Deus. Um profeta que aponta caminhos novos, mudança de hábitos, atitudes que expressem uma fé vivencial e não apenas cultual, ritual.

A história do povo de Israel revela uma caminhada de muitas vicissitudes. A idolatria sempre foi uma grande tentação: abandono do projeto de Deus para atender aos instintos egoístas do poder, do ter e do prazer. Eram tentados a seguir as práticas dos povos vizinhos que viviam segundo os ídolos. Eram levados a acreditar que as alianças com grandes reis e nações pagãs lhes trariam segurança e riqueza. Além do mais, aqueles que ocupavam os altos cargos do poder imitavam nos povos vizinhos submetendo os agricultores e trabalhadores à escravidão e cobrando altos impostos para sustentar as regalias da vida palaciana. Assim iam se afastando cada vez mais do único e verdadeiro Deus que os libertara da escravidão do Egito. A liderança do povo de Israel perfazia um caminho de incredulidade que, por sua vez, levava todo o povo à infidelidade.

Estas considerações são importantes para compreendermos a reação da liderança dos judeus do tempo de Jesus diante de seus gestos e palavra proféticos. A liderança judaica dava continuidade à tradição perversa dos pais. Era o pecado da rejeição, da recusa à conversão. Diante da quebra de suas expectativas perversas se recusam a aceitar e acolher a manifestação de Deus na pessoa de Jesus que os conclamava à conversão.

Portanto, as influências da sociedade – “povos vizinhos” - podem nos afastar do caminho de Deus. As ideologias, os ódios guardados, o desejo de vingança, as propinas, o dinheiro fácil, a má companhia, a busca de si e dos próprios interesses, o uso do outro em benefício próprio, o consumismo desenfreado, o suborno, a mentira, a incoerência de vida, as “rachadinhas”, o dinheiro desonesto, a instrumentalização da religião e da boa fé das pessoas simples, os adultérios e as fornicações sem escrúpulo etc. São algumas das tentações que seduzem o cristão e o homem de bem, afastando-o de uma vida em Deus para um mundanismo destruidor da vida.

O pecado é a recusa de comunhão com Deus, provocando a desagregação da humanidade. Uma força de gravidade que nos afasta do bem, da luz, da verdade, da justiça, de Deus. Leva à alienação do ser humano em relação aos verdadeiros valores que consolidam a unidade e o sentido da vida humana. Pecar é dizer não ao amor de Deus oferecido a nós na entrega de seu Filho amado. Pecar é optar pelo autocentramento, pela autorreferencialidade, pela busca de si mesmo, pela não-mudança de hábitos e atitudes contrários ao amor de Deus.

Rejeitar a atitude profética de Jesus de Nazaré leva a humanidade a um descaminho desagregador e autodestruidor. Por isso o cristão, ainda que atormentado pela necessidade de lutar contra o pecado e suas consequências todos os dias, busca força e sustentação na oração, na Eucaristia, na Palavra proclamada, refletida e rezada, na comunidade, para alimentar sua esperança, pois esta “não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A missão e seus desafios

aureliano, 10.07.21

15º Domingo do TC - B - 11 de julho.jpg

15º Domingo do Tempo Comum [11 de julho de 2021]

   [Mc 6,7-13]

No Evangelho do 14º Domingo do Tempo Comum (domingo passado) refletimos sobre a rejeição que Jesus sofreu por parte dos seus: “Donde lhe vem isso? Não é ele o carpinteiro?”. Notamos que, assim como Jesus, o profeta do Reino sofre rejeição quando é fiel à Aliança de Deus.

No evangelho deste domingo estamos refletindo o envio missionário que Jesus faz de seus discípulos. Depois de chamá-los para estar com Ele (Mc 3,12-15) envia-os em missão.

A Igreja de Jesus existe para evangelizar. É a Assembleia dos convocados (Ekklesia) para levar à humanidade a Boa Nova de Jesus. Ela não é um clube, um grupinho de seletos e privilegiados que vivem em função de si mesmos e de seu grupo. Nesta perspectiva a Igreja não pode excluir ninguém. Muito pelo contrário, sua missão é incluir, trazer para dentro quem está fora, abandonado, à margem. Ser instrumento de cura, libertação e salvação de todas as pessoas. Por isso, universal. É a continuadora da missão de Jesus.

Jesus, ao enviar seus discípulos em missão, faz-lhes algumas recomendações: Que não levassem nada pelo caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas. O missionário, assim como Jesus, deve confiar-se totalmente à providência do Pai e na partilha dos irmãos. Levar muitas coisas torna a missão pesada para si e para os outros. A prioridade na missão não são as estruturas (prédios, livros, recurso tecnológico, muito estudo – embora sejam importantes!), mas pessoas despojadas, doadas, generosas, apaixonadas por Jesus Cristo. Os meios para a execução da missão podem nos confundir no exercício da missão propriamente dita. Em outras palavras: ao invés de focar nas pessoas, focamos nas estruturas. Ao invés de pastores, nos tornamos administradores.

O judeu piedoso, quando fazia missão, levava a própria ‘ração’ para não correr o risco de comer um alimento impuro. Os filósofos cínicos, tidos como despojados, levavam a sacola para angariar as esmolas que lhes garantiam a sobrevivência. Jesus insiste que o discípulo missionário seja desprendido, não para atender sua autossuficiência, mas a fim de que seja mais livre e disponível para servir. Assim Jesus se distancia da mentalidade judaica ou mesmo filosófica (cinismo) da sua época. O que ele propõe é algo inovador, levando o discípulo a sair de si mesmo.

O cajado e as sandálias recomendados por Jesus dão ao discípulo missionário segurança na missão. A sandália favorece a caminhada e o cajado protege o missionário bem como o rebanho.

Quando Jesus recomenda permanecer na casa: ficai aí até vossa partida, ele quer dizer que o discípulo deve se contentar com o que tem, sem ficar procurando novidades aqui e acolá. A missão é dinâmica, exige mobilidade por si mesma, mas não fica à cata de novidades e comodidades. Comodismo, vida mansa, projeção social, aplausos, sucesso a todo custo, poder e dinheiro não combinam com vida cristã, com a missão confiada por Jesus à sua Igreja.

O conteúdo da pregação dos discípulos foi que todos se convertessem. E suas ações foram: expulsar demônios e curar doentes.

Na sua ação evangelizadora, os discípulos não falam em negociar com ofertas e dízimo de ninguém. Nem em doutrinação, em catecismo etc. O anúncio consiste na proposta de conversão para o perdão dos pecados. Ou seja, é preciso assumir uma vida nova, um jeito novo de viver. De agora em diante quem determina o modo de viver daquele que abraça a fé cristã são a vida e os ensinamentos de Jesus. Os sacramentos com os quais normalmente as pessoas se preocupam: batismo, primeira eucaristia, crisma, confissão, matrimônio etc serão recebidos a partir da experiência de conversão, de uma vida voltada para Jesus Cristo. É claro que o sacramento proporciona esse encontro, mas não faz sentido recebê-los se não se tem compromisso com Jesus Cristo e sua Igreja. Eles não são adereços da fé. São uma realidade da atuação da Graça salvadora de Deus em nós.

Curar os doentes e expulsar os demônios!!! Como isso se dá na vida do discípulo missionário? Os demônios são aquelas realidades que escravizam, dominam as pessoas. Pode ser um vício, a politicagem, o jogo do poder, a mentira, a traição, a desonestidade, a dominação, o adultério, a corrupção, a fornicação, a arrogância. O poder de cura é exercido quando buscamos um trabalho que devolve à pessoa sua capacidade de viver bem, com dignidade, feliz. O trabalho na Pastoral da Criança, o envolvimento com a Pastoral Carcerária, o empenho na Associação de Moradores para que o bairro ou o córrego possa ter acesso aos benefícios das políticas públicas (saneamento básico, postos de saúde bem equipados, combate e prevenção da violência, escolas qualificadas, direitos sociais assegurados etc), a visita e o cuidado com os doentes e debilitados. Enfim, há muitas formas de se trabalhar para que os demônios sejam expulsos e os doentes recuperem a saúde.

Jesus não pediu que o discípulo o defendesse, mas que cuidasse das pessoas, levando-as à conversão do coração e à libertação dos males que se lhes acometem, sobretudo aos pequeninos do Reino. Que o enxergasse nos últimos da sociedade. É assim que o Reino vai se manifestando entre nós.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Cuidar da vinha de Deus

aureliano, 03.10.20

27º Domingo do TC - A - 04 de outubro.jpg

27º Domingo do Tempo Comum [04 de outubro de 2020]

[Mt 21,33-43]

Esta é a segunda parábola a respeito da rejeição da Graça por parte daqueles que são eleitos de Deus em primeiro lugar. Movidos por desejos egoístas, talvez prefiram dizer não. No evangelho do domingo passado (Mt 21,30), o filho respondeu: “Sim, senhor, eu vou”. Mas não foi. Hoje a vinha é dada aos primeiros, que não reconhecem o direito do patrão sobre os frutos, matando inclusive o filho, o herdeiro enviado.

A reflexão recai de novo sobre aqueles que recebem mais, aqueles que são os primeiros responsáveis, agraciados com a eleição e o convite para trabalhar na vinha e fazê-la produzir. É a liderança que se apropria daquilo que é dom. Ao invés de trabalhar para o Dono, se faz dono daquilo que lhe foi “arrendado”, ou seja, lhe foi dado para cultivar e produzir frutos. Já viram aquele marido que trata a mulher e os filhos como ‘coisa’, propriedade? Ou aquela situação em que o coordenador da pastoral, da comunidade ou mesmo o padre se faz senhor do que lhe foi confiado como serviço? Ou ainda o executivo de patrimônio público que exerce o cargo como dono dos bens que lhe foram confiados para administrar em favor dos mais pobres? Faz-se dono das pessoas, quando deveria fazer-se servo... Isto acontece quando o poder sobe à cabeça e o dinheiro assume o lugar de Deus!

O povo de Israel é a “vinha de Deus”. Porém recusa-se a entregar a parte ao patrão que é Deus. Quando este envia o Filho, matam-no, com o desejo de se apoderar de sua herança: “É o herdeiro; matemo-lo para tomarmos posse de sua herança”. Mas o Deus providente lhes tira a vinha para entregá-la a outro povo.

Os primeiros a serem rejeitados são os profetas. O herdeiro é o Filho que o Pai envia, a pedra rejeitada que se torna a “pedra angular”. Porém Deus fundou um “novo povo” sobre essa “pedra”. Deus não rejeitou os judeus, como não rejeita ninguém. Ele rejeita a liderança que se apropria da religião, das leis e escraviza o povo. O novo povo que Jesus funda é a Igreja, comunidade de seus seguidores, que recebe a missão de continuar sua obra salvadora e libertadora.

Sabemos, porém que a Igreja, novo Povo de Deus, corre o risco de querer guardar os frutos da vinha para si. É a tentação do poder: querer dominar, tirar proveito da boa fé do povo, querer dominar as pessoas com uma religião mágica, com normas e leis que são mais rédeas de controle do que orientações de vida. É preciso que ela sempre se volte para Jesus, a Pedra Angular, e se coloque como servidora, trabalhadora na vinha de Deus. Os frutos são de Deus, as pessoas são de Deus, o resultado é de Deus. À Igreja compete colocar-se como humilde servidora do Reino que é muito maior do que ela. É um instrumento de Deus para ajudar as pessoas a fazer a experiência de Deus, a se encontrar com Deus e assumir uma vida nova em Deus.  É preciso ter a coragem de morrer como e com Cristo para gerar vida nova.

Esta parábola não tem o fito de revelar um Deus vingativo, rigoroso, cobrador. Não! Este relato quer levar o discípulo, sobretudo a liderança religiosa a reconhecer que Jesus é o dom do Pai, revelador do rosto misericordioso de Deus. E esse reconhecimento leva a produzir muitos e bons frutos.

*Lembramos que estamos no mês missionário. É bom refletirmos sobre nossa responsabilidade missionária. Agirmos como instrumentos de Deus na história. O missionário não fica de braços cruzados “olhando a banda passar”, não. Ele vê e age. Missionário incomoda-se com a realidade de dor e sofrimento do povo; com a exploração e humilhação das pessoas; com os maus tratos feitos à Mãe Terra; com um poder político que usa a máquina do Estado para explorar, roubar, tirar os direitos dos pobres e trabalhadores honestos. Missionário coloca-se como voz, coração e mãos de Deus no mundo. É um continuador das ações de Jesus. Quiçá programar uma visita, participar de uma pastoral, prestar um serviço voluntário em alguma instituição de caridade, apoiar movimentos populares que defendem os direitos dos pequeninos do Reino... É preciso cuidar da Vinha de Deus, pois a qualquer hora o Senhor virá acertar as contas. Afinal de contas “a vida é missão”! Vamos nessa!

**Hoje celebramos São Francisco de Assis. Uma historinha para ilustrar a vida do Santo: “Certa vez, S. Francisco pediu a um Irmão, chamado Leão: ‘Frei Leão, vamos fazer uma pregação?’ ‘Sim’, respondeu o Irmão.

Os dois saíram caminhando pelas ruas de Assis. Andaram, andaram... Mas nunca chegavam ao local da tal pregação.

Por fim, começaram a voltar para casa. Quando estavam chagando, Frei Leão perguntou: ‘Frei Francisco, e a pregação?’ ‘Já a fizemos’, respondeu ele.

A palavra convence, o exemplo arrasta. A simples caminhada deles, um ao lado do outro, conversando com alegria e amizade, foi a pregação”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Vocação e missão de profeta

aureliano, 01.02.19

4º Domingo do TC C.jpg

4º Domingo do Tempo Comum [03 de fevereiro de 2019]

[Lc 4,21-30]

O relato evangélico deste domingo é continuação do relato do domingo passado. Você está lembrado: refletimos o “programa” de vida de Jesus: “O Espírito do Senhor está sobre mim e me ungiu para evangelizar os pobres”.

Jesus está na sinagoga de Nazaré, sua terra, e inicia seu ministério profético a partir da Palavra que diz: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. A base de orientação de vida e missão de Jesus é a Palavra de Deus. E ele toma por fundamento de sua missão principalmente os textos proféticos. Pois ele é o Profeta, o Santo de Deus. Aquele que veio para ser “sinal de contradição” (Lc 2,34). Suas palavras e suas ações se tornam sinais de queda e de soerguimento. Uma vez conhecido o ensinamento de Jesus, acontece um juízo para quem entra nessa dinâmica: salvação ou condenação. Ou o acolhemos ou o rejeitamos. É o que decide o sentido e o acerto na vida, ou o desacerto de nossa passagem pelo mundo.

Muitos tinham por Jesus uma “admiração”. “Espantavam-se da mensagem da graça que saía de sua boca”. É interessante notar que o primeiro passo da fé é a admiração, o encantamento, o espanto. A pessoa começa a se sentir atraída pelo “tremendum et fascinans” do Mistério de Deus que nos envolve. Ou seja, o divino revelado por Jesus mexia com o coração da pessoa.

O problema, porém, vem logo a seguir: a rejeição. “Não é ele o filho de José?”. Não se abrem num espírito de humildade para verem e contemplarem naquele “Homem de Nazaré” a manifestação do amor de Deus que convida à conversão. Por isso se enchem de ira contra ele e o expulsam da cidade.

O relato de hoje quer nos mostrar que muitas vezes escutamos a Palavra, a admiramos, mas julgamos que ela se dirige a outros. É como se Deus estivesse falando para o meu vizinho, para alguém da minha família, para o colega de trabalho. É difícil nos colocarmos desarmados e desnudados diante da Palavra que nos interpela. Ainda mais: como é difícil acolher a palavra profética de alguém que está bem perto de nós, cujos defeitos, família, origens conhecemos bem! Mesmo que aquela pessoa esteja dizendo a verdade, preferimos nos desculpar, atirar-lhe ao rosto suas mazelas e de sua família.

Outra dificuldade muito presente em nossas comunidades são o preconceito e o privilégio. Excluímos com facilidade a pessoas, julgamos, condenamos. Uma tentação de reduzir a comunidade eclesial a um “clube” de pessoas perfeitas, conhecidas, amigas, cúmplices. E uma tendência a buscar privilégios: “fulano tem um irmão padre, é parente da secretária, é amigo do coordenador” etc. E se fazem atalhos para conseguir isso ou aquilo da igreja. Esquece-se que a Igreja é o Povo de Deus que se reúne como comunidade de fé e de vida, na busca do bem comum de todas as pessoas, a partir da fé em Jesus Cristo vivo e ressuscitado.

O ditado dos judeus: “Nenhum profeta é profeta em sua terra” não deveria encontrar ressonância entre nós. Esse ditado, assim como este outro semelhante: “Santo de casa não faz milagre”, deveriam ser banidos do nosso meio. É uma armadilha de Satanás para nos prender nos nossos vícios e defeitos. Não nos deixam mudar de vida. A Palavra de Deus mexe com nossas estruturas, mas o nosso egoísmo e autossuficiência, quais demônios terríveis, nos prendem e nos escravizam. É preciso deixar que a Luz trazida por Jesus penetre em nossa vida e, expulsando nossas trevas, ilumine nossos caminhos. Se a porta estiver fechada fica difícil a penetração da luz. “Eis que estou à porta e bato” (Ap 3,20).

O profeta é a consciência crítica do povo. Ele não fala em nome da razão simplesmente, mas em nome de Deus. Nossa Igreja, hoje, vive uma crise de profetas. Eles estão meio sumidos, apagados talvez. Todos os batizados são ungidos profetas. Mas o profetismo não aparece. Talvez pelo risco que se corre, pois o profeta é o defensor dos oprimidos, dos fracos, dos marginalizados. É a voz de quem não tem voz nem vez. É o homem da esperança e da confiança. O fracasso não o desanima. A ameaça dos maus não o intimida. O profeta, homem de Deus, vê o que Deus vê. À luz do alto, é capaz de perceber o “escondido”, de apontar saídas, de prever os riscos quando se está num caminho de morte com aparência de vida. O profeta faz uma leitura divina dos acontecimentos. Sua presença introduz uma esperança nova. Ajuda a pensar o futuro de acordo com a liberdade e o amor de Deus. Papa Francisco parece trilhar este caminho.

Fazemos memória, com saudade, de Dom Hélder Câmara, de Dom Luciano, de Irmã Dorothy, de Dom Antônio Filipe, de Pe. Jesus Moreira de Resende dentre tantos outros profetas e profetisas do Reino de Deus. Ainda há alguns profetas em nosso meio, mas parece que os ventos levam suas vozes para o deserto. Há muito dificuldade em ouvi-los. O espírito mundano pervade nossas famílias e comunidades, embaça nossa mente e nosso coração, impedindo que se ouça e se siga a voz do profeta. A busca insaciável pelo dinheiro, pelo poder a qualquer custo, pelo consumismo, pelo prazer desmedido emudece, ensurdece e cega as pessoas.

Uma palavra do Pe. José Antônio Pagola que dá o que pensar, reza assim: “Uma Igreja que ignora a dimensão profética de Jesus e de seus seguidores, corre o risco de ficar sem profetas. Preocupa-nos muito a escassez de sacerdotes e pedimos vocações para o serviço sacerdotal. Por que não pedimos que Deus suscite profetas? Não precisamos deles? Não sentimos necessidade de suscitar o espírito profético em nossas comunidades?” (O caminho aberto por Jesus, p. 88).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Santo de casa... faz milagres?

aureliano, 06.07.18

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14º Domingo do Tempo Comum [08 de julho de 2018]

[Mc 6,1-6]

A expressão “santo de casa não faz milagres” é muito comum entre o povo quando se refere a pessoas conhecidas da comunidade ou membros da própria família que deve fazer uma homilia na celebração ou proferir uma palavra profética sobre determinada situação que precisa tomar novo rumo, precisa ser acertada, mudada.

Parece que essa expressão tem raiz e confirmação no evangelho de hoje que mostra uma situação em que Jesus é rejeitado pelos seus: estando em sua cidade, ensinando aos seus correligionários, compatriotas e familiares na sinagoga, estes ficam admirados com sua sabedoria, mas recusam-se a acreditar nele. Jesus então profere a sentença: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”. E Jesus “ficou admirado com a falta de fé deles”.

Parece haver aqui dois equívocos: por um lado, prevalecia uma espécie de orgulho e vaidade que só levava a dar crédito em quem tivesse posses, conhecimento profundo das ciências, fosse de família rica, reconhecida, mestre no conhecimento da Escritura, parecendo que Deus chama somente esse tipo de pessoas para anunciar seu Reino. Por outro lado havia também um sentimento de inferioridade que levava as pessoas a se recusar ouvir uma palavra sábia de quem fosse de origem simples, pobre, (semi-)analfabeto, comum como os demais.

O fato é que, para ser ouvido na assembleia, precisava ser pessoa que gozasse de reconhecimento social, de influência política, membro reconhecido da hierarquia.

Talvez seja essa também a nossa dificuldade, ainda hoje. Se a pessoa não tem influência política, religiosa e econômica, não é ouvida. É muito difícil reconhecer a presença de Jesus e uma palavra profética num ‘Seu Zé’ ou numa ‘Dona Maria’ que nos diz que precisamos olhar com mais cuidado para nossos irmãos mais pobres e sofredores. Que precisamos descer do trono e acolher o pequeno, o doente, o embriagado, o presidiário. Que precisamos ser mais honestos e justos nos nossos negócios. Que precisamos ser mais comprometidos com a família e com a comunidade. Que precisamos aprender a partilhar os dons e os bens. Que precisamos zelar pela Mãe-Terra, não apoiando nem votando nos deputados e senadores que estabelecem leis perversas como essa da liberação dos agrotóxicos (PL 802) e da proibição da comercialização dos produtos orgânicos. O “Seu Zé” e a “Dona Maria” muitas vezes nos dão uma lição de vida cristã que nos deixa envergonhados!

O que é que nos faz mudar de atitude? Uma fé autêntica em Jesus que se fez pobre para nos enriquecer com sua pobreza (Cf. 2Cor 8,9). Acreditar, isto é, entregar-se a esse homem que passou trinta anos numa vida oculta tão simples que, quando inicia sua missão e diz uma palavra profética, dizem dele: “Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria...?” Não se prevaleceu de ser igual a Deus, mas humilhou-se, fazendo-se um de nós (Cf. Fl 2, 5-11).

Para quem não quer crer, a vida de Jesus nada revela. Jesus só transforma a vida daquele que dele se aproxima com humildade, simplicidade e de coração aberto. Ele não buscou aplausos, reconhecimento social, sucesso, posses de bens e poder político. Ele buscou, acima de tudo, a vontade do Pai. É o que mais lhe interessava. E a vontade do Pai era salvar a todos, particularmente, os mais pequeninos (Cf. Jo 6,39).

É essa fé de Jesus que devemos alimentar em nós. Mais do que ter fé em Jesus, precisamos ter a fé que o animava. Aquele espírito de entrega, de comunhão, de sacrifício, de oferta de si, de acolhida, de encantamento e entusiasmo pelo Reino. Jesus não desanimava, mesmo quando não era aceito ou reconhecido. Continuava seu caminho. Tinha firmeza porque confiava no Pai.

Será que não está faltando em nós um pouco mais de humildade para reconhecer a ação de Deus que nos fala nos gestos e palavras dos simples e humildes, pessoas que nós conhecemos, que moram na nossa rua, participam de nossa comunidade, ou mesmo parentes nossos? Será que não nos está faltando um pouco desse espírito que animava a vida de Jesus para que nossa participação na transformação da comunidade e da sociedade seja mais eficaz? Será que o espírito de grandeza não nos quer invadir quando buscamos ou proferimos belos discursos, porém, vazios de atitudes evangélicas? Ou mesmo quando nos recusamos ouvir e prestar mais atenção aos “santos de casa” para acolhermos melhor a Palavra de Deus que nos transmitem?

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O PECADO

Penso que o relato do evangelho de hoje (Mc 6,1-6), unido ao à primeira leitura: “corações empedernidos” (Ez 2,2-5), leva-nos a considerar um pouco a realidade do pecado na Igreja e no mundo.

O que notamos nos contemporâneos e correligionários de Jesus é a recusa em ver naquele Homem de Nazaré a manifestação do querer de Deus. Um profeta que aponta caminhos novos, mudança de hábitos, atitudes que expressem uma fé vivencial e não apenas cultual.

A história do povo de Israel revela uma caminhada de muitas vicissitudes. A idolatria sempre foi uma grande tentação: abandono do projeto de Deus para atender aos instintos egoístas do poder, do ter e do prazer. Eram tentados a seguir as práticas dos povos vizinhos que viviam segundo os ídolos. Eram levados a acreditar que as alianças com grandes reis e nações pagãs lhes trariam segurança e riqueza. Assim iam se afastando cada vez mais do único e verdadeiro Deus que os libertara da escravidão do Egito. A liderança do povo de Israel perfazia um caminho de incredulidade que, por sua vez, levava todo o povo à infidelidade.

Estas considerações são importantes para compreendermos a reação dos judeus do tempo de Jesus diante de seus gestos e palavra proféticos. Davam continuidade à tradição perversa dos pais. Era o pecado da rejeição. Diante da quebra de suas expectativas perversas se recusam a aceitar e acolher a manifestação de Deus na pessoa de Jesus.

Com isso quero dizer que as influências da sociedade – “povos vizinhos” - podem nos afastar do caminho de Deus. As ideologias, as ‘delações premiadas’, os ódios guardados, o desejo de vingança, as propinas, o dinheiro fácil, a má companhia, a busca de si e dos próprios interesses, o uso do outro em benefício próprio, o consumismo desenfreado, o suborno, a mentira, a incoerência de vida, os adultérios sem escrúpulo etc. São algumas das tentações que seduzem o cristão e o homem de bem, afastando-o de uma vida em Deus para um mundanismo destruidor da vida.

O pecado é a recusa de comunhão com Deus, provocando a desagregação da humanidade. Uma força de gravidade que nos afasta do bem, da luz, da verdade, da justiça, de Deus. Leva à alienação do ser humano em relação aos verdadeiros valores que consolidam a unidade e o sentido da vida humana. Pecar é dizer não ao amor de Deus oferecido a nós na entrega de seu Filho amado. Pecar é optar pelo autocentramento, pela busca de si mesmo, pela não-mudança de hábitos e atitudes contrários ao amor de Deus.

Rejeitar a atitude profética de Jesus de Nazaré leva a humanidade a um descaminho desagregador e autodestruidor. Por isso o cristão, ainda que atormentado pela necessidade de lutar contra o pecado e suas consequências todos os dias, busca força e sustentação na oração, na Eucaristia, na Palavra proclamada e refletida, na comunidade, para alimentar sua esperança, pois esta “não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN