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aurelius

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A tentação visa a desviar-nos do Caminho

aureliano, 08.03.19

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1º Domingo da Quaresma [10 de março de 2019]

[Lc 4,1-13]

Estamos vivendo esse tempo rico de bênçãos e graças na Igreja. Tempo de revisão de vida, de exame de consciência, de retomada dos compromissos batismais. Quaresma lembra os quarenta anos de caminhada do Povo de Deus no deserto rumo à Terra Prometida. Lembra também os quarenta dias de jejum e oração vividos por Jesus no deserto.

O evangelho de hoje nos remete à situação de tentação vivida por Jesus. No final de um tempo profundamente marcado por Deus ele é tentado pelo diabo. No início parece até contraditório. Como é que a tentação pode ocorrer logo após um tempo forte de oração e jejum? O diabo não deveria estar bem longe? Pois é! A vida de Jesus vem nos mostrar que nunca estamos livres das tentações do maligno. Quanto mais próximos de Deus, mais tentados pelo diabo. A vida de oração não nos garante a isenção de tentações. Garante, sim, a força de Deus para enfrentarmos e vencermos o mal, como aconteceu com Jesus.

O relato das tentações de Jesus não é um relato jornalístico, como se alguém estivesse filmando ou descrevendo tudo o que estava acontecendo a Jesus. Não! É relato de um episódio que visa à catequese da comunidade. A experiência de Jesus é a experiência do discípulo que se compromete a seguir Jesus, mas enfrenta muitas tentações. Partindo deste princípio, podemos afirmar que, na verdade, Jesus não foi tentado somente em um dado momento, mas durante toda a sua vida o diabo buscou desviá-lo do cumprimento da vontade do Pai. O que importa é que ele sempre foi vencedor: nunca se deixou levar pelo diabo.

Primeira tentação: Quando Jesus sente fome o diabo se apresenta para que Jesus mude a pedra em pão: “Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se transforme em pão” (Lc 4,3). O diabo nos quer pegar em nosso ponto fraco. E também nas coisas mais cotidianas: sorrateiramente. Jesus recorre sempre à Palavra de Deus. Esta é o remédio eficaz contra as tentações: “Não só de pão vive o homem”. O pão é a necessidade primeira, básica. Mas comida não preenche o mais profundo do ser humano (cf. Rm 14,17). A vida em Deus é alimento imprescindível.

Ainda mais: o pão cotidiano precisa ser investido pelo Espírito. Dom José Tolentino, pregador do retiro para a Cúria Romana em 2018, dizia que se o “nosso pão for mais que pão, se ele se deixar atravessar pela Palavra que sai da boca de Deus, ele alcançará uma potência que o simples pão não tem, e poderá tornar-se alimento para muitas fomes” (Elogia da sede, p. 103).

Ademais, Jesus não veio para atender a ordens do diabo nem a interesses próprios, mas para fazer a vontade do Pai. Mais tarde multiplicará os pães para saciar a fome de uma multidão. - Como temos alimentado nosso espírito? Que temos lido? A que programas de televisão assistimos? Que sites acessamos? Como anda a ganância dentro de nós? Que ambientes temos frequentado em nosso lazer? Qual o nível de nosso comprometimento com as Políticas Públicas: participação nos Conselhos de Saúde, de Segurança, de Assistência Social, de Educação, Audiências Públicas, Câmara Municipal, Organizações que trabalham em favor dos mais pobres? A tentação é sempre fugir, deixar pra lá: “Isso não é problema meu!”. Mas se implica o bem, a saúde, a educação do meu irmão, implica também a mim. A gente costuma dizer como Caim quando o Senhor lhe pergunta pelo irmão: “Acaso sou eu o guarda do meu irmão?” (Gn 4,9).

A segunda tentação é a do “poder e glória”: “Eu te darei todo este poder com a glória destes reinos, porque ela me foi entregue e eu a dou a quem eu quiser. Por isso, se te prostrares diante de mim, toda ela será tua” (Lc 4,6-7). Essa tentação é terrível. Há muita gente ‘ajoelhada’ diante do diabo, como se estivesse diante de Deus, para conseguir “poder e glória”. Tem gente que ‘vende a alma para o diabo’ para conseguir sucesso, poder e dinheiro. Perde todas as referências éticas em troca do poder e do dinheiro. É uma das grandes tentações de nossos tempos. É a manipulação da religião para dominar, para enriquecer-se, para se ter sucesso. É servir-se da religião para conquistar bem-estar, prestígio, fama.

Nestes tempos em que a Igreja tem perdido prestígio e influência social, sofre fortemente a tentação de se aproximar do poder podre e corrupto dos grandes deste mundo. Jesus responde que somente a Deus devemos servir e adorar. E diante dos poderosos a Igreja precisa ser sempre profética.

Essa tentação se vence com a busca de um olhar compassivo e misericordioso sobre os irmãos mais necessitados. O serviço a Deus se dá nos ‘pequeninos’ do Reino. Todo cuidado é pouco, pois o diabo se traveste de ‘deus’ para enganar os dominados pela cobiça. Ou melhor, os cobiçosos colocam no diabo uma capa ‘divina’ para ‘subirem na vida’.

Há uma reflexão interessante também de Dom José Tolentino sobre essa tentação: “É como se Deus tivesse de se submeter às condições que consideramos necessárias para podermos acreditar nele. Se ele não cumpre essa proteção prometida, do modo que nós desejamos ver cumprida, as certezas da nossa fé vacilam. Se ele não satisfaz imediatamente as nossas múltiplas sedes, ficamos logo atordoados sem saber se ele está no meio de nós ou não (Cf. Êx 17,1-17). Nós queremos a nossa sede satisfeita para podermos acreditar. Jesus nos ensina a entregar o silêncio, o abandono e a sede como oração. Nós queremos amar a Deus por aquilo que ele nos dá. Aprendemos progressivamente, porém, como essa forma de ver se torna um lugar de tentação. Madre Teresa de Calcutá dizia: ‘Quero amar a Deus por aquilo que ele tira’” (Elogio da sede, p. 104-105).

A terceira tentação se dá no pináculo do templo de Jerusalém: “Se és o Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: ‘Ele dará ordem as seus anjos a teu respeito para que te guardem’” (Lc 4,9-10). É a tentação da vanglória, da ostentação, do desejo de aparecer, de jogar nossas responsabilidades nas mãos de Deus, do uso da religião para manipular as pessoas. Nessa tentação, a última cartada, o diabo busca desviar Jesus de sua missão com uma capa de cumprimento das Escrituras. Deus o ampararia e todo mundo iria acreditar nele. Jesus, porém, não se deixa levar por essa proposta. Mostra que a Deus não se deve tentar. Ou seja, não se pode jogar para Deus aquilo que é responsabilidade do ser humano. Essa tentação mostra explicitamente o uso da religião para busca de sucesso. Quanta gente anda atrás de promessa, de milagres, de adivinhações, de revelações etc. Na verdade, cada um deveria assumir seu papel na sociedade. Nesta tentação Jesus mostra que nunca colocará o Pai a serviço de si, mas se colocará sempre a serviço dos pequenos, lavando-lhes os pés, como realização do desejo do Pai.

 Como cristãos o Senhor nos chama a lançar sobre o mundo um olhar de misericórdia. Ele nos convida a deixarmos de buscar a nós mesmos, nosso bem-estar, nossos desejos realizados, nosso sucesso e voltarmos nosso olhar para fora, para o outro. O rosto do outro precisa me interpelar, me incomodar e me desacomodar. Essa foi a atitude que Jesus assumiu diante do Pai. É diabólico organizar uma religião como um sistema de crenças e práticas para se conseguir segurança. Não se constrói um mundo mais humano refugiando-se cada um em sua religião. É preciso arriscar-se confiando em Deus, como Jesus.

“O culto do poder faz do poder um ídolo, qualquer que ele seja. Torna o domínio e a posse a suposta fonte de felicidade e de sentido. - ‘O que faço do poder?’ ‘O que o poder faz de mim?’ - Há um risco enorme quando o poder nos afasta da Cruz. Quando ele deixa de ser um serviço aos irmãos e se torna delírio da autoafirmação e da  autorreferencialidade. Jesus se recusou determinantemente a ajoelhar-se diante de Satanás, mas ajoelhou-se voluntariamente diante dos discípulos para lavar-lhes os pés (cf. Jo 13,1-5). ( Tolentino em Elogio da sede, p. 106-107).

As tentações pelas quais passou Jesus são também nossas. É a tessitura do dia-a-dia da vida cristã. O empenho pelo bem tem como desafio a luta contra o mal. É a tentativa do diabo em arrancar de nós a Palavra. Quando não consegue esmorecer a pessoa, tenta sufocar a Palavra em seu coração, alimentando preocupações com prazeres e riquezas (cf. Lc 8,4-15). Quer nos desviar do Caminho.

Alimentemos em nós o espírito que animava Jesus. Ele teve a coragem de “perder” a sua vida por causa de nós. “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9,23-24). A Palavra de Deus guardada no coração e colocada em prática é a grande arma que o Pai nos deu para não nos deixarmos vencer pelas tentações do inimigo.

Você consegue identificar quais são as tentações que, na sua vida, buscam desviá-lo do seguimento de Jesus, do cumprimento da vontade do Pai?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

"Vinde a mim todos vós..."

aureliano, 08.07.17

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14º Domingo do Tempo Comum [09 de julho de 2017]

[Mt 11,25-30]

O contexto do relato do evangelho deste domingo (capítulos 11 e 12) é o lamento de Jesus contra as cidades de Corozain, Betsaida e Cafarnaum, vizinhas ao mar da Galileia, onde realizou muitos sinais, mas não se abriram à conversão. Opuseram-se ao Reino de Deus. Também os fariseus aparecem aí em clara oposição a Jesus como expressão do Pai. Então Jesus dirige um hino de louvor ao Pai mostrando a ação de Deus no coração dos que se colocam como pequenos e abertos à sua revelação.

Alguns destaques do relato de hoje, reveladores do caminho que o discípulo de Jesus deve percorrer:

  1. “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”. Essas palavras de Jesus nos confortam por demais. O Reino que ele anuncia só pode ser compreendido e acolhido por quem se coloca diante de Deus com humildade, reconhecendo sua pequenez. Quantas vezes somos surpreendidos por pessoas que, às vezes, não sabem ler nem escrever, mas que possuem uma sabedoria imensa diante dos acontecimentos da vida. Sabem viver e servir aos mais necessitados com simplicidade, gratuidade e ternura que só podem proceder de Deus. Ninguém suporta conviver com gente orgulhosa, arrogante, “entendida”. E como é bom estar ao lado de pessoas humildes, simples, ainda que sejam diplomadas, mas não se prevalecem de seus conhecimentos intelectuais para humilhar, diminuir, mas para acolher, ajudar, favorecer a fraternidade.
  2. “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados. Eu vos darei descanso”. É uma palavra de Jesus para todos aqueles que vivem a fé cristã como carga pesada. Em vez de trazer alegria, conforto, a religião lhes traz peso, desconforto, tristeza, medo. Isso pode provir de levarem, por vezes, uma vida centrada mais no pecado do que na graça. Realizam a prática religiosa mais por medo do inferno do que como resposta ao amor de Deus. O encontro com Jesus leva a experimentar a verdadeira alegria, como lembra o Papa Francisco: “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quando se deixam salvar por Ele e são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento” (EG, 01). Seguem a Jesus não por obrigação, mas por atração e adesão madura, livre e responsável.
  3. “Tomai sobre vós o meu jugo porque é suave e meu fardo é leve”. Jesus não sobrecarrega ninguém. Além do mais, ele caminha conosco. Não nos deixa sozinhos. Jugo é algo parecido com canga (peça de madeira) para junta de bois. Então Jesus fica do lado para ajudar a carregar e enfrentar as dificuldades de cada dia. Ele não faz como os fariseus e escribas que punham pesados fardos sobre os ombros dos fiéis, mas eles mesmos não tocavam sequer com o dedo (cf. Mt 23,4). Jesus não vem trazer medo e prisão; pelo contrário, vem nos libertar deles. Vem despertar a confiança, a simplicidade, a humildade. Convida-nos a fazer o bem. O jugo dos “sábios e entendidos”, dos poderosos é muito pesado, pois humilham, exploram, dominam. Jesus também tem um jugo, porém seu jugo é leve porque liberta, ilumina a mente, aquece o coração, abre os olhos (cf. Lc 24, 13-35). As exigências de Jesus pedem uma resposta amorosa, gratuita, generosa.
  4. “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e achareis descanso”. É o convite a aprendermos de Jesus. Ele é nosso mestre. Ele não vem complicar nossa vida, impor normas e leis pesadas, difíceis, esquisitas. Ele deu o exemplo e não exige nada mais do que seguir o caminho que ele seguiu, viver a vida que ele viveu. Ele oferece descanso. Quantas vezes buscamos férias, descanso, lazer, praias, churrascos, noitadas, shows e voltamos ainda mais cansados. Por outro lado, a alegria do convívio fraterno, a festa em família, o silêncio de um bosque, um tempo passado em oração, a visita a um doente ou idoso pode nos trazer um descanso verdadeiro. A gente volta refeito, abastecido, confortado pela graça de Deus experimentada naquele encontro. Quando a atitude é vivificada pela Graça de Cristo ela ganha um novo sentido, abre novo horizonte, traz repouso para a alma.

É triste ver não poucas pessoas vivendo experiências de tristeza, de estresse, de cansaço, de estado psíquico alterado, de amargura como resultado de um modo equivocado de entender e de viver a fé cristã. Há falsos doutores por aí que exploram pessoas doentes, quando não as fazem adoecer para manipulá-las e explorá-las em nome da religião. Isso é um pecado gravíssimo! Jesus não veio adoecer ninguém nem muito menos explorar as pessoas em seus momentos de dor. Ele veio curar, libertar, recuperar a dignidade, tornar a pessoa autônoma, viva, livre, independente.

É urgente recuperar a confiança em Jesus de Nazaré, pois é ele que nos liberta, conforta e descansa. O salmista já cantava: “Só em Deus a minha alma tem descanso. É dele que me vem a segurança”. Então não há outra realidade que produza o verdadeiro descanso ao coração humano senão o Deus revelado em Jesus.

Um cristão que vive a experiência de fé que produz descanso, não estressa os outros, não provoca confusão, não ofende, não explora, não mente, não domina. Sabe tolerar, compreender, perdoar, acolher. Parece que o caminho passa por aí.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN