Felizes os pobres! Ai dos ricos!
6º Domingo do Tempo Comum [13 de fevereiro de 2022]
[Lc 6,17.20-26]
No relato do evangelho do domingo passado (5º Domingo), vimos Jesus chamando os quatro primeiros discípulos. Quer que sejam “pescadores de homens”. E eles entendem que precisam se desapegar dos bens materiais para seguir a Jesus com liberdade e inteireza de coração (Lc 5,10-11). O relato transparece claramente que Jesus quer um novo modo de vida e de mentalidade para seus seguidores.
O relato do evangelho de hoje traz o “Sermão da Planície” em contraposição ao “Sermão da Montanha” de Mateus 5,1-12. Lucas tem perspectiva diferente de Mateus. Os destinatários são outros: comunidades provenientes da cultura grega, pagã. O conteúdo dos dois relatos é o mesmo. Mas aqui Jesus profere também uma maldição contra os ricos. Além disso, ao “descer a montanha”, Jesus quer mostrar a condescendência de Deus que vem até nós. Elemento fundante da nossa fé cristã é a revelação de um Deus que se faz um de nós (cf. Jo 1,14), que desceu e se tornou servo (cf. Fl 2,7). De rico que era, se fez pobre por nós (cf. 2Cor 8,9). Um Deus que “desce”.
A fé cristã provoca uma revolução no coração daquele que acredita. O encontro com Jesus Cristo transforma a pessoa, abre um horizonte novo, faz enxergar o mundo de modo diferente. Produz no coração do crente o desejo de Deus, o desapego, o espírito de partilha, de solidariedade, de cuidado com o outro e com a Casa Comum. Foi isso que aconteceu aos santos e santas: São Francisco de Assis, Beato Charles de Foucauld, Pe. Júlio Maria, Santa Teresa de Calcutá, Santa Dulce dos Pobres e tantos outros.
Mas convenhamos. Ouvir uma proclamação de felicidade para os pobres é muito bom! E todos gostam de ouvir e até de dizer. Mas ouvir que os ricos estão perdidos, não é coisa fácil: “Ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação”. O Profeta, na primeira leitura, visa a nos preparar para isso: “Maldito o homem que confia no homem e faz consistir sua força na carne humana” (Jr 17,5). Por outro lado, brota do coração de Deus uma palavra de consolo: “Bendito o homem que confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor” (Jr 17,7).
Alguém poderia argumentar: “Deus criou os bens deste mundo para serem usufruídos”. É verdade! Porém há que se distinguir: uma coisa é possuir os bens e usufruí-los; outra coisa é ser possuído por eles, ser escravo dos bens materiais. E como se não bastasse, escravizar os outros para possuir sempre mais. Atentemos à advertência de São Paulo: “Eis o que digo, irmãos: o tempo se faz curto. Resta, pois, que aqueles que têm esposa, sejam como se não tivessem; aqueles que choram, como se não chorassem; aqueles que se regozijam, como se não regozijassem; aqueles que compram, como se não possuíssem; aqueles que usam deste mundo, como se não usassem plenamente. Pois passa a figura deste mundo” (1Cor 7,29-31). Os bens materiais não podem ocupar o primeiro lugar em nossa vida. Porque eles não trazem dentro de si a felicidade permanente, verdadeira, intransferível.
A Sagrada Escritura quer nos mostrar que nenhum bem material é definitivo. Na parábola do homem que construiu um grande armazém para guardar sua colheita e se locupletar sozinho, Jesus mostra que a vida e os bens só têm sentido na medida em que são vividos e empregados segundo os critérios do Reino de Deus: “Insensato, nessa mesma noite ser-te-á reclamada a alma. E as coisas que acumulaste, de quem serão?” (cf. Lc 12,16-21). A vida do ser humano não consiste em possuir muitos bens, em ter muito dinheiro, em ser reconhecido pelo que tem (cf. Lc 12,15). Há muita vaidade por aí. Há pessoas que pensam somente em trabalhar para ganhar dinheiro; ganhar dinheiro para comprar coisas; comprar coisas para se exibir. E por aí se vai. Depois vem a desavença, a rivalidade, a velhice, a doença, a morte. E Depois?...
O programa de vida de Jesus é “anunciar a boa nova aos pobres”. Deus ama o ser humano por si mesmo. Não faz parte de sua “agenda” admirar stutus quo, reconhecimento social, aparência, sucesso e aplausos. Deus ama o ser humano de graça. E quer que ele se faça simples , pequeno, pobre.
Além disso, quando Jesus proclama “Bem-aventurados vós, os pobres” não quer dizer que o pobre seja mais virtuoso do que o rico. É que Deus quis fazer sua “opção preferencial” pelos pobres. Com isso entende-se que a graça vem de Deus e não de algum favor humano. Os pobres não são felizes por causa de sua pobreza. Eles são felizes por saber que Deus está com eles. Seu sofrimento não durará para sempre. O Senhor lhes fará justiça. Jesus deixa claro: os que não interessam a ninguém são os que mais interessam a Deus. Deus quer estar com eles. E, para nós que vivemos na abundância, quando voltamos nosso olhar e nossa presença junto aos pobres, podemos ter aí uma grande oportunidade de fazer um caminho de conversão.
É bom ressaltar que Jesus não é contra os ricos. Por isso os exorta a mudar de mentalidade, a se esvaziarem de si mesmos, a se desapegarem de seus bens fazendo com que todos possam também usufruí-los. Os bens da criação devem ser distribuídos a todas as pessoas. Deus criou a terra e a deu ao ser humano para que cuidasse dela: “O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2,15). Basta ler o episódio de Jesus e Zaqueu (Lc 19, 1-10). O coração de Zaqueu encheu-se da salvação de Deus quando ele decidiu devolver o que roubara, e distribuir com os pobres parte dos bens: “Zaqueu, de pé, disse ao Senhor: ‘Senhor, eis que dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo’. Jesus lhe disse: ‘Hoje a salvação entrou nesta casa’” (Lc 19,8-9).
Senhor Jesus, desperta nosso coração para maior sensibilidade e solidariedade com os mais pobres. Ajuda-nos a ter um coração de pobre, um coração que saiba consolar, que saiba cuidar, que saiba chorar com os choram aquela dor doída. Inspira-nos palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos. E não deixes que a preocupação e a busca desenfreada dos bens materiais, do sucesso a todo custo, do lucro a qualquer preço tomem conta de nosso coração. Dá-nos enfim aquela coragem suficiente para anunciar teu Reino de amor e denunciar as perversidades contra os pequenos e sofredores da terra.
Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN