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Tomar a cruz é viver o Evangelho

aureliano, 13.09.24

24º Domingo do TC - B - 15 de setembro.jpeg

24º Domingo do Tempo Comum [15 de setembro 2024]

   [Mc 8,27-35]

O texto do evangelho para esse final de semana reflete um divisor de águas na vida de Jesus. O autor sagrado escreve de tal maneira que mostra, até aqui, que Jesus é o Messias libertador. As curas que realiza indicam a sua missão: proclamar o Reinado de Deus. O desfecho é o reconhecimento de que Jesus é o Filho de Deus. Porém não pode ser revelado como tal, pois a comunidade ainda não está preparada para entender a que veio e o que o espera pela frente. Na segunda parte do evangelho (Mc 8,31ss), Marcos desenvolve a sorte que esperava Jesus e, consequentemente, seu discípulo: a cruz. Não veio para triunfos e glórias humanas, mas para entregar sua vida ao Pai pela salvação da humanidade. Na conclusão da segunda parte encontramos a profissão de fé do centurião: “Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus” (Mc 15,39).

Na primeira parte do evangelho de hoje notamos Jesus fazendo uma espécie de ‘enquete’ a respeito da opinião que tinham dele. As respostas foram variadas. De qualquer forma entendiam que Jesus era uma pessoa que se poderia identificar com personagens significativos da história precedente de Israel. Os discípulos, porém, tinham uma compreensão mais apurada de Jesus. Embora Pedro, em nome do grupo, confesse: “Tu és o Messias”, ainda não tinha plena noção do alcance dessas palavras. É que a fé em Jesus incide na vida do crente: o discípulo de Jesus deve procurar conformar sua vida com a do Mestre.

Ao proibir que se publique aquela profissão de fé, Jesus pretende preservar o chamado “segredo messiânico”. É uma característica do Evangelho de Marcos. A população (judaica) da época esperava um Messias com poder político para libertá-los do poder opressor dos romanos. De modo que a compreensão correta da pessoa e missão de Jesus se daria somente depois de sua morte. Na ressurreição os discípulos verão que o Pai está com ele.

Quando Jesus começa a orientar e prevenir seus discípulos sobre o que o esperava, Pedro parece não ter escutado as palavras: “ressuscitar depois de três dias”. Parecia ter aquela ideia que está muito presente no povo de modo geral: “Não se pode perder o voto... Então, deve-se votar em quem tem mais chances de ganhar”. Estar ao lado de um Messias derrotado, crucificado, jamais! Jesus então lhe diz com firmeza: “Vai para trás de mim, Satanás!”. Ou seja, coloque-se atrás de mim, no meu seguimento, carregando sua cruz, como discípulo! Ao chamá-lo de ‘satanás’, Jesus quer dizer que ele se coloca como um Adversário do projeto do Pai. Um opositor do caminho que Jesus deve trilhar. Suas ideias estão na contramão do querer do Pai.

Entenda-se bem: o Pai não queria que seu Filho sofresse ou morresse na cruz. Deus não é sado-masoquista. Há um hino muito cantado por aí que proclama assim: “Deus enviou seu Filho amado para morrer no meu lugar...” A teologia desse hino obscurece a Face do Deus que Jesus revelou. Deus Pai não enviou seu Filho para morrer, mas para nos salvar. A morte, e morte de cruz, foi consequência da rejeição e oposição que os donos do poder lhe fizeram. Não quiseram acolher o Reino de Deus trazido por Jesus. A morte trágica de Jesus foi consequência da sua fidelidade ao Pai, entregando-se livre e amorosamente por todos nós (cf. Jo 10,18). Ele entregou sua vida por amor.  Ele nos amou até o fim (cf. Jo 13,1). - Cuidado com as músicas que mutilam o Evangelho!

Portanto, o texto quer evidenciar que o Filho devia levar às últimas consequências o projeto da salvação da humanidade que o Pai lhe confiara. Se esse caminho passaria pela rejeição e pela cruz, então o Filho deveria enfrentar também isso. A grande prova de que o Pai não queria a destruição de seu Filho e aprovava a sua vida foi a Ressurreição: o mal e a morte não prevalecem! O Filho saiu vencedor!

A grande lição para nós: Para ser discípulo de Jesus é preciso segui-lo no caminho da cruz, isto é, da entrega, do amor generoso, da oferta da vida, da contestação de uma sociedade baseada no lucro, na fama, no sucesso, no consumismo, no exibicionismo, no poder, na posse de bens. Assumir uma vida de partilha, de solidariedade com os pobres, de serviço generoso. Uma cruz geradora de vida nova. Não basta dizer que acreditamos em Jesus. Palavras voam (Verba volant). Uma existência impregnada pelo Mistério de Cristo é que se torna indicativo de que acreditamos n’Ele. Aquilo que São Paulo chama de “configurar-se a Cristo”. Para compreendermos o mistério de Cristo precisamos entrar nele. Não se trata de colocar o Mistério dentro de nossa cabeça (com-preender). Isso seria tentativa de reduzi-lo à pura racionalidade. Mas é preciso en-tender, isto é, mergulhar dentro dele. Numa expressão teologica e mistagogicamente mais adequada: deixar-nos tomar/envolver por ele. Só então o compreenderemos.

Algumas considerações: Não poucas vezes nossa catequese insiste em ritos, em fórmulas, em práticas ultrapassadas de piedade, em determinadas obrigações legais, em doutrinação, em dinâmicas vazias. E pouco trabalha o mais importante: o seguimento de Jesus. Nossa identidade cristã deve ser construída em torno de Jesus. Ser cristão é bem mais do que ser batizado, crismado, casado na igreja, frequentador de missa ou culto, tarefeiro de igreja. É bem mais do que organizar a festa do santo padroeiro da paróquia, ou se dar bem com o padre, ou assumir um ‘cargo’ na comunidade. Ser cristão é seguir Jesus no caminho do amor, da oferta da vida, como os santos: São Maximiliano kolbe, Pe. Júlio Maria, Madre Teresa de Calcutá, Santa Dulce dos Pobres, São Francisco de Assis etc. O cristão é aquele que faz de Jesus a referência fundamental de sua vida. Ser cristão é renunciar a si mesmo e tomar a mesma cruz de Jesus a cada dia. É colocar os pés nos passos de Jesus.

Renunciar a si mesmo é não permitir que o egoísmo, o orgulho, o comodismo, o consumismo, a ganância de ter sempre mais, a autossuficiência, a mentira dominem nossa vida. O seguidor de Jesus não vive fechado no seu cantinho, a olhar para si mesmo, indiferente aos dramas que se passam à sua volta, insensível às necessidades dos irmãos, alheio às lutas, reivindicações e lágrimas dos sofredores. O seguidor de Jesus vive para Deus, na solidariedade, na partilha e no serviço aos irmãos. Ao saber que há pessoas desempregadas e passando fome, que há doentes sofrendo por falta de atendimento médico-hospitalar, que há pessoas sofrendo fome e desamparo em consequência das queimadas, criminosas em grande porcentagem, quem é cristão de verdade se sensibiliza, se mexe, deixa-se tocar. Isso significa “tomar a cruz” e “seguir a Jesus”.

Nossa fé, no dizer de Tiago (Tg 2,14-18), precisa ser comprovada pela nossa prática de vida. De que adianta dizer que temos fé, que praticamos a religião, se nossas atitudes não correspondem àquilo que professamos na igreja? “Tu, mostra-me a tua fé sem as obras, que eu te mostrarei a minha fé pelas obras!”. Não são as obras que nos garantem a salvação, pois esta é dom, é graça de Deus para nós. Mas as obras garantem que nós acolhemos a salvação que Deus nos deu. Elas mostram que somos gratos pela salvação e que somos colaboradores de Deus para que outras pessoas experimentem também esse dom maravilhoso que o Pai nos deu em Jesus Cristo.

Em síntese: renunciarmos aos projetos que se opõem ao Reinado de Deus; acolhermos de coração os sofrimentos que podem advir do fato de assumirmos a causa de Jesus.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Que significa “tomar a cruz”?

aureliano, 02.09.23

22º domingo do TC - A - 03 de setembro.jpeg

22º Domingo do Tempo Comum [03 de setembro de 2023]

[Mt 16,21-27]

Estamos no capítulo 16 de Mateus, exatamente no momento posterior à profissão de fé de Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Se antes era “bem-aventurado” (“Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas...”), agora Pedro é cognominado de “satanás”: “Afasta-te de mim, Satanás! Tu me serves de pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas as dos homens” (Mt 16,23). Essa contradição no texto de Mateus sugere algumas possíveis interpretações: revela que Pedro proclamava o Messias Salvador pela força do Espírito, sem compreender ainda o que dizia; também pode ser algo revelador da fragilidade de Pedro, que não conseguiu manter-se firme diante da cruz; pode ainda expressar uma exaltação da instituição eclesial pela comunidade, tardiamente; segundo alguns autores, parece demonstrar a dificuldade que a Igreja tinha, representada na pessoa de Pedro, em assumir a cruz, a perseguição por causa do Evangelho.

Bem. Para além das questões exegéticas, muito embora importantes para fiel interpretação do texto, queremos que o relato que proclamamos hoje seja uma luz para nossa vida cristã. E um fato, sem dúvida, norteador do episódio de hoje é a cruz.

A cruz era o instrumento de suplício que os romanos aplicavam aos revoltosos contra o regime imperial. Era o pior castigo que uma pessoa podia receber: afixados à cruz, nus, à beira do caminho para que todos pudessem ver e se intimidar, deixados por lá até à morte. Muitos eram devorados pelas aves de rapina. A crucifixão, segundo o historiador Flávio Josefo, era um horror.

Quando Jesus fala da cruz como projeto de vida, ele não quer dizer com isso que gosta de ver seu discípulo sofrer; muito menos que ele mesmo quer sofrer. Seria uma insanidade! Jesus não é sado-masoquista, nem paranoia. Quer apenas dizer que o projeto do Pai que ele veio anunciar e realizar não visa ao sucesso, à realização pessoal apenas, mas implica rejeição, perseguição, dor e morte produzidas pela ganância de poder e de ter que pervade a sociedade. Em outras palavras, o seguimento de Jesus implica cruz por ser um projeto de vida num mundo imbuído de um projeto de morte. “Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”. Deus não quer ‘sacrificar’ as pessoas (isso já o faz a sociedade idolátrica), mas quer testemunhas de seu projeto: mostrar que Deus ama a humanidade e quer que todos vivam esse amor.

Por vezes confundimos a cruz com qualquer desgraça que acontece na vida ou mal-estar produzido pelo nosso próprio pecado. Jesus não está falando desse tipo de sofrimento. Tomar a cruz aqui significa assumir nossa profissão de fé, encarnar na vida as palavras e atitudes de Jesus. Seria um erro confessar a Jesus “Filho do Deus vivo” e negá-lo na vida cotidiana.

Tomar a cruz é assumir a atitude cristã de doar-se, de deixar-se seduzir pelo amor de Jesus (cf. Jr 20,7), assumindo uma atitude de combate ao consumismo, à ambição, à destruição da mãe Terra, à violência contra as crianças, adolescentes e jovens, à violência e desrespeito às mulheres, à propagação da divisão e do ódio, à divulgação de fake news (mentiras), ao desprezo e desrespeito para com os idosos e crianças.

Tomar a cruz é assumir na própria vida os sentimentos de Jesus. Olhar as pessoas com o olhar de Jesus, acolhendo as diferenças, aceitando com serenidade as críticas, enfrentando e vencendo os preconceitos, tendo coragem de andar na contramão da história por causa de Jesus. É estar atento àqueles que passam por dificuldades e colocar-se ao lado deles. “Ele (Jesus) sempre se mostrou cheio de misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doentes e pecadores, colocando-se ao lado dos perseguidos e marginalizados” (Prefácio da Oração Eucarística VI - D).

Tomar a cruz é assumir posturas e projetos que defendem a vida contra os projetos de morte. É renovar nossa maneira de ver e de julgar; renovar nossa mentalidade, deixando de pensar e de viver a lógica do mundo enquanto é injusto, ganancioso, mentiroso, perverso e enganador, para fazer a vontade de Deus (cf. Rm 12,2).

Assumir a cruz de cada dia é o nosso culto espiritual (cf. Rm 12,1). Numa nova mentalidade, pensar como Deus e não como os homens (Mt 16,23). Isso é tarefa para todos os dias da vida!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Tomar a cruz a cada dia

aureliano, 11.09.21

24º Domingo do TC - B - 12 de setembro.jpg

24º Domingo do Tempo Comum [12 de setembro 2021]

   [Mc 8,27-35]

O texto do evangelho para esse final de semana reflete um divisor de águas na vida de Jesus. O autor sagrado escreve de tal maneira que mostra, até aqui, que Jesus é o Messias libertador. As curas que realiza indicam a sua missão: proclamar o Reinado de Deus. O desfecho é o reconhecimento de que Jesus é o Filho de Deus. Porém não pode ser revelado como tal, pois a comunidade ainda não está preparada para entender a que veio e o que o espera pela frente. Na segunda parte do evangelho (Mc 8,31ss), Marcos desenvolve a sorte que esperava Jesus e, consequentemente, seu discípulo: a cruz. Não veio para triunfos e glórias humanas, mas para entregar sua vida ao Pai pela salvação da humanidade. Na conclusão da segunda parte encontramos a profissão de fé do centurião: “Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus” (Mc 15,39).

Na primeira parte do evangelho de hoje notamos Jesus fazendo uma espécie de ‘enquete’ a respeito da opinião que tinham dele. As respostas foram variadas. De qualquer forma entendiam que Jesus era uma pessoa que se poderia identificar com personagens significativos da história precedente de Israel. Os discípulos, porém tinham uma compreensão mais apurada de Jesus. Embora Pedro, em nome do grupo, confesse: “Tu és o Messias”, ainda não tinha plena noção do alcance dessas palavras. É que a fé em Jesus incide na vida do crente: o discípulo de Jesus deve procurar conformar sua vida com a do Mestre.

Ao proibir que se publique aquela profissão de fé, Jesus pretende preservar o chamado “segredo messiânico”. É uma característica do Evangelho de Marcos. A população (judaica) da época esperava um Messias com poder político para libertá-los do poder opressor dos romanos. De modo que a compreensão correta da pessoa e missão de Jesus se daria somente depois de sua morte. Na ressurreição os discípulos verão que o Pai está com ele.

Quando Jesus começa a orientar e prevenir seus discípulos sobre o que o esperava, Pedro parece não ter escutado as palavras: “ressuscitar depois de três dias”. Parecia ter aquela ideia que está muito presente no povo de modo geral: “Não se pode perder o voto... Então, deve-se votar em quem tem mais chances de ganhar”. Estar ao lado de um Messias derrotado, crucificado, jamais! Jesus então lhe diz com firmeza: “Vai para trás de mim, Satanás!”. Ou seja, coloque-se atrás de mim, no meu seguimento, carregando sua cruz, como discípulo! Ao chamá-lo de ‘satanás’, Jesus quer dizer que ele se coloca como um Adversário do projeto do Pai. Um opositor do caminho que Jesus deve trilhar. Suas ideias estão na contramão do querer do Pai.

Entenda-se bem: o Pai não queria que seu Filho sofresse ou morresse na cruz. Deus não é sado-masoquista. Há um hino muito cantado por aí que proclama assim: “Deus enviou seu Filho amado para morrer no meu lugar...” A teologia desse hino obscurece a Face do Deus que Jesus revelou. Deus Pai não enviou seu Filho para morrer, mas para nos salvar. A morte, e morte de cruz, foi consequência da rejeição que os donos do poder lhe fizeram. Não quiseram acolher o Reino de Deus trazido por Jesus. A morte trágica de Jesus foi consequência da sua fidelidade ao Pai, entregando-se livre e amorosamente por todos nós (cf. Jo 10,18). Ele entregou sua vida por amor.  Ele nos amou até o fim (cf. Jo 13,1). - Cuidado com as músicas que mutilam o Evangelho!

Portanto, o texto quer evidenciar que o Filho devia levar às últimas consequências o projeto da salvação da humanidade que o Pai lhe confiara. Se esse caminho passaria pela rejeição e pela cruz, então o Filho deveria enfrentar também isso. A grande prova de que o Pai não queria a destruição de seu Filho e aprovava a sua vida foi a Ressurreição: o mal e a morte não prevalecem! O Filho saiu vencedor!

A grande lição para nós: Para ser discípulo de Jesus é preciso segui-lo no caminho da cruz, isto é, da entrega, do amor generoso, da oferta da vida, da contestação de uma sociedade baseada no lucro, na fama, no sucesso, no consumismo, no exibicionismo, no poder, na posse de bens. Assumir uma vida de partilha, de solidariedade com os pobres, de serviço generoso. Uma cruz geradora de vida nova. Não basta dizer que acreditamos em Jesus. Palavras voam (Verba volant). Uma existência impregnada pelo Mistério de Cristo é que se torna indicativo de que acreditamos n’Ele. Para compreendermos o mistério de Cristo precisamos entrar nele. Não se trata de colocar o Mistério dentro de nossa cabeça (com-preender). Isso seria tentativa de reduzi-lo à pura racionalidade. Mas é preciso en-tender, isto é, mergulhar dentro dele. Numa expressão teologicamente mais adequada: deixar-nos tomar por ele. Só então o compreenderemos.

Algumas considerações: Não poucas vezes nossa catequese insiste em ritos, em fórmulas, em práticas ultrapassadas de piedade, em determinadas obrigações legais, em doutrinação, em dinâmicas vazias. E trabalha pouco o mais importante: o seguimento de Jesus. Nossa identidade cristã deve ser construída em torno de Jesus. Ser cristão é bem mais do que ser batizado, crismado, casado na igreja, frequentador de missa ou culto. É bem mais do que organizar a festa do santo padroeiro da paróquia, ou se dar bem com o padre, ou assumir um ‘cargo’ na comunidade. Ser cristão é seguir Jesus no caminho do amor, da oferta da vida, como os santos: São Maximiliano kolbe, Pe. Júlio Maria, Madre Teresa de Calcutá, Santa Dulce dos Pobres, São Francisco de Assis etc. O cristão é aquele que faz de Jesus a referência fundamental de sua vida. Ser cristão é renunciar a si mesmo e tomar a mesma cruz de Jesus a cada dia. É colocar os pés nos passos de Jesus.

Renunciar a si mesmo é não permitir que o egoísmo, o orgulho, o comodismo, o consumismo, a ganância de ter sempre mais, a autossuficiência, a mentira dominem nossa vida. O seguidor de Jesus não vive fechado no seu cantinho, a olhar para si mesmo, indiferente aos dramas que se passam à sua volta, insensível às necessidades dos irmãos, alheio às lutas, reivindicações e lágrimas dos sofredores. O seguidor de Jesus vive para Deus, na solidariedade, na partilha e no serviço aos irmãos. Ao ver a notícia de que no Brasil há dezenove milhões de pessoas passando fome ou ameaçados por ela, e catorze milhões de desempregados, se sensibiliza, se mexe, deixa-se tocar. Isso significa “tomar a cruz” e “seguir a Jesus”.

Nossa fé, no dizer de Tiago (Tg 2,14-18), precisa ser comprovada pela nossa prática de vida. De que adianta dizer que temos fé, que praticamos a religião, se nossas atitudes não correspondem àquilo que professamos na igreja? “Tu, mostra-me a tua fé sem as obras, que eu te mostrarei a minha fé pelas obras!”. Não são as obras que nos garantem a salvação, pois esta é dom, é graça de Deus para nós. Mas as obras garantem que nós acolhemos a salvação que Deus nos deu. Elas mostram que somos gratos pela salvação e que somos colaboradores de Deus para que outras pessoas experimentem também esse dom maravilhoso que o Pai nos deu em Jesus Cristo.

Em síntese: renunciarmos aos projetos que se opõem ao Reinado de Deus; acolhermos de coração os sofrimentos que podem advir do fato de assumirmos a causa de Jesus.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

É cristão quem segue a Jesus

aureliano, 21.08.21

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21º Domingo do Tempo Comum [22 de agosto de 2021]

   [Jo 6,60-69]

Durante os cinco últimos domingos refletimos e rezamos o capítulo sexto de João. Hoje chegamos ao final. Jesus veio, como que, preparando seus discípulos para viverem um modo novo, uma vida nova. Desde a partilha do pão no deserto até à radicalidade de fazer-se pão para os demais, como Jesus, o Pão da vida. Esse é o projeto de Jesus. Uma vez eucaristizados devemos ser eucaristizantes.

No final notamos dois grupos de discípulos: os que creram nele e os que não creram. Os que se deixaram atrair pelo Pai e os que preferiram os projetos mundanos. Os que optaram pela “carne” e os que seguiram as inspirações do “espírito”. E o grupo dos que “voltaram atrás” era grande: “Muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66).

Interessante notar que Jesus não se deixa abalar pelo abandono daqueles que preferem seguir outros caminhos, ou, seus próprios caminhos: “Então Jesus disse aos doze: ‘Vós também vos quereis ir embora?’” (Jo 6,67). Jesus não admite meio termo. Não é possível servir a dois senhores, “servir a Deus e ao dinheiro” ao mesmo tempo (cf. Mt 6,24). Os discípulos precisariam tomar uma decisão. Jesus não se satisfaz com uma busca inconsequente, descomprometida, curiosa e interesseira. Deviam tomar uma decisão firme e resoluta. Ter a coragem de andar nas pegadas do Mestre: à semelhança dele, entregar-se pela salvação do mundo.

“Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6,60). Jesus não contemporiza com ninguém. Ter fé em Jesus é comprometer-se com ele. É abandonar a vida mundana que se pauta na preocupação com a conta gorda no banco, com o sucesso, com o reconhecimento social, com o acúmulo de bens e com altos salários, com festas e passeios sem medida, com falta de ética, de verdade e de honestidade. É preciso romper com essa mentalidade para seguir Jesus. O compromisso com Jesus se manifesta na preocupação com os mais necessitados, com os abandonados, com a partilha dos bens da criação, com os benefícios que as políticas públicas lhes devem assegurar. Fé em Jesus leva a comprometer-se com a família, a aliviar os sofrimentos dos doentes, a acolher e amar as crianças, a socorrer e confortar os idosos. Em solidariedade e comprometimento com os “sobrantes” da sociedade.

As palavras de Josué, na primeira leitura da liturgia desse domingo, devem ecoar forte dentro de nós nestes tempos difíceis em que cada um escolhe aquilo que mais lhe agrada e interessa, em detrimento da ética, do respeito, do cuidado pela vida: “Se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses a quem vossos pais serviram na Mesopotâmia, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (Js 24,15).

Servir ao Senhor não se resume em frequentar o templo, ir a um culto ou celebração, fazer esse ou aquele ato de bondade. Não. Servir ao Senhor significa assumir uma postura de vida que se pauta pela vida de Jesus de Nazaré. No templo celebramos uma realidade que buscamos viver com a graça de Deus. Aquilo que experimentamos durante a semana, colocamos no altar do Senhor como comunidade de fé reunida. Relativamente ao bem que fazemos, pode ser que haja aí mais vaidade e troca de favores do que um serviço generoso e despojado:               “Ainda que distribuísse todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse o meu corpo às chamas, se não tivesse caridade, isso nada me adiantaria” (1Cor 13,3).

A abertura ao Pai é imprescindível para se assumir uma nova postura na vida que se fundamenta na fé. O batismo que nos torna novas criaturas nos introduz no coração do Pai, nos dá a vida divina (eterna). A humildade, a simplicidade, a abertura de coração, a sensibilidade ao outro são virtudes e qualidades que precisam ser cultivadas para que vivamos de acordo com a vida divina infundida em nós no batismo. “Ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai” (Jo 6,65).

“A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Essa confissão de fé de Pedro nos ajuda a refletir na verborréia que deparamos no nosso mundo. Mesmo dentro da Igreja usamos de uma multiplicidade de palavras e de normas que dizem pouco ou quase nada ao nosso povo. É preciso saber se estamos sendo coerentes com o que dizemos, com o que pregamos. Precisamos nos examinar sobre o que dizem para nós, eclesiásticos, as palavras de Jesus.  Pois nEle as palavras brotavam de dentro, de uma vida de intimidade com o Pai. Não eram palavras vazias, enganosas, ideologizadas, mentirosas. Nosso maior serviço aos irmãos hoje é colocá-los em contato, não com nossas palavras, mas com as palavras de Jesus. Elas sim são “espírito e vida” (Jo 6,63).

A pergunta que Jesus fez aos discípulos em crise deve continuar ecoando dentro de nós: “E vós, não quereis também partir?” (Jo 6,67). É uma chamada a sair de uma fé de tradição para uma fé de decisão e adesão. E nossa decisão deve ser por Jesus. Ninguém deve ocupar o lugar dele em nosso coração. Enquanto estivermos frequentando a igreja por motivações egoístas ou para agradar a alguém, estamos colocando em xeque nossa continuidade e maturidade na fé. Nossa participação na comunidade deve ser motivada pelo bem que nos faz, tornando-nos pessoas boas para que possamos fazer o bem.

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AS CRISES DO CAMINHO

Olhando ainda mais de perto o relato da liturgia de hoje podemos considerar também a situação de crise em que vivemos e sua importância para ajudar a crescer e a purificar o caminho.

Uma pergunta que precisa ser colocada é: O que nos motiva a permanecer na Igreja? Qual é a razão pela qual continuamos a participar, a celebrar, a colaborar?

À palavra de Jesus “Vós também vos quereis ir embora?”, Pedro faz definitivamente uma profissão de fé: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,67-69).

Dúvidas e incertezas são realidades inerentes à vida humana. Por isso disse o divino Mestre: “Entre vós há alguns que não crêem” (Jo 6,64). Decepções, desencantos, fragilidades, desencontros, apegos, fechamentos, arrogância são elementos que produzem dúvidas. Ter visto e se encontrado com Jesus ainda não garante a fé. Alguém pode conhecer tudo acerca do evangelho, da vida de Jesus e da Igreja e não ter fé. Esta é fruto de um encontro amoroso entre a bondade de Deus que vem ao nosso encontro e de nossa resposta livre de acolhida a essa bondade que ele revelou em Jesus de Nazaré. Essa resposta vivida, concretizada no cotidiano conduz à salvação.

A resposta de Pedro nos diz que não há saída possível. Quem tem palavras de vida eterna é o próprio Cristo, Filho do Deus vivo.

Somente um encontro profundo com o Senhor poderá transformar nossa vida, gerar em nós aquela convicção que nada neste mundo poderá tirar. Vale lembrar aquelas palavras do Papa Francisco que podem ajudar nesse caminho de seguimento a Jesus: “Todos os cristãos, em qualquer lugar e situação que se encontrem, estão convidados a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de procurá-lo dia a dia, sem cessar. (...) Não me cansarei de repetir estas palavras de Bento XVI que nos levam ao centro do Evangelho: ‘Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo’” (EG, 3 e 7).

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

No caminho de Jesus

aureliano, 06.09.19

23º Domingo do TC - 08 de setembro - C.jpg

23º Domingo do Tempo Comum [08 de setembro de 2019]

[Lc 14, 25-33]

No caminho para Jerusalém não há meio termo. Para seguir a Jesus é preciso tomada de decisão radical. Não é suficiente acompanhar as multidões. Fé cristã não é imbuir-se de uma ideia, não é adesão a uma ideologia, mas trata-se de adesão e seguimento a uma pessoa concreta: Jesus de Nazaré. Não podemos perder de vista aquelas palavras iluminadas do Papa Emérito Bento XVI: “No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”.

No caminho de adesão a Cristo, todos os dias devemos reafirmar nossa opção por Ele que nos amou e por nós se entregou. Não se pode servir a dois senhores (cf. Mt 6,24). A renúncia aos apegos familiares e a tomada da cruz de cada dia são elementos constitutivos da vida cristã e não somente para as pessoas que assumem a Vida Consagrada. Porém vamos tentar compreender melhor o que isso significa.

Ser cristão é uma Graça de Deus. Mas também é uma opção por Cristo, opção radical, renovada todos os dias. O Reino anunciado por Jesus precisa ser prioridade na vida do cristão. As relações familiares devem também estar a serviço deste Reino. Sempre que houver intervenção da família contrariando os interesses do Reino, é necessário refazer o caminho e re-optar, voltar ao primeiro amor (cf. Ap 2,4). Na vida cristã, o “investimento” tem que ser total. A fé cristã não comporta meias-medidas. A prioridade do cristão que assumiu uma vida familiar não são os filhos, a mulher, o marido ou os pais, mas o Reino de Deus. Em outras palavras, aqueles valores e princípios vividos e propostos por Jesus devem ser a bússola da vida familiar.

A renúncia traz como consequência a cruz. E o que significa carregar a cruz? Aqui precisamos nos deter um pouquinho, pois há equívocos no entendimento dessa palavra de Jesus. Alguns entendem “carregar a cruz” como fazer duras penitências, jejuns, buscar sofrimentos e padecimentos. Outra compreensão muito comum é interpretar a cruz como aceitação das dores e intempéries da vida. Na medida que a pessoa acolhe pacientemente as dificuldades inerentes à vida humana, tais como desencontros, fracassos, doenças, incompreensões, enfretamentos de situações injustas, a acolhida e socorro aos que sofrem etc, está levando a cruz com Jesus.

Bem. O que dissemos até agora é uma possibilidade de interpretação, talvez a mais comum. Porém, para dizer de modo estritamente cristão e evangélico, “carregar a cruz” ainda não é isso. É mais. Muito embora se possa captar no sofrimento cotidiano um conteúdo cristão quando abraçado em Cristo.

Para se entender o que significa “carregar a cruz” precisamos fazer uma viagem histórico-teológica. O que foi “carregar a cruz” para Jesus? Segundo o costume romano, aquele que carregava a cruz era um condenado por algum crime considerado grave cujo título era levado ao pescoço e atravessava a cidade levando o instrumento de sua execução. Desse modo era mostrado como culpado para toda a sociedade, era excluído, considerado indigno de continuar vivendo entre os seus. Foi o que aconteceu a Jesus.

Então “carregar a cruz” significa perfazer o caminho que fez Jesus: sofrer, com coragem, as rejeições, perseguições, condenações, humilhações infligidas pela sociedade e pelos próprios amigos e familiares, provocadas por causa da fidelidade a Deus e ao Evangelho. Esse é o caminho de Jesus. Por isso pressupõe opção clara e decisão firme.

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FÉ VERDADEIRA COMPROMETE O DISCÍPULO

O Evangelho de Lucas descreve Jesus caminhando para Jerusalém. Lá seria o lugar da sua morte, mas também, o marco da comunidade cristã de onde partiria para o mundo, anunciando que aquele que morreu crucificado, ressuscitou, está vivo no meio da comunidade.

O discípulo de Jesus deve também percorrer esse caminho porque “o discípulo não é maior do que o mestre”. E assim como Jesus enfrentou a cruz por causa de sua fidelidade ao Pai, o discípulo também deve fazer os devidos cortes na vida para chegar à ressurreição, colocando Deus como o absoluto de sua vida.

Quando lançamos um olhar para a proposta de Jesus e nos deparamos com uma sociedade  em que fazem do cristianismo um ‘supermercado da fé’, é preciso identificar aí uma contradição. Não é possível crer em Jesus e não se comprometer com o caminho que ele fez. Se por um lado Jesus propõe um sair de si num total desprendimento, fazendo-se dom para os outros, por outro, faz muito sucesso a proposta enganadora e sedutora de uma fé que busca responder às necessidades imediatas, resolver problemas, construindo um deus à própria imagem e semelhança.

É preciso voltar nosso olhar para a proposta de Jesus: “odiar (desapegar-se) pai e mãe, mulher, filhos, irmãos e irmãs e até a própria vida”, “carregar a própria cruz” e “ir atrás de Jesus”. É uma opção que supõe renúncias, riscos e caminho a ser percorrido.

“Odiar pai e mãe” não pode ser entendido como ‘querer mal’; é um hebraísmo que significa desapego total. Em outras palavras: os afetos familiares não podem ser preferidos à proposta de Jesus (cf. Lc 9,57.62). O Reino que Jesus veio anunciar deve ocupar o primeiro lugar na vida do discípulo. Inclusive o casamento, a vida familiar só tem sentido na dinâmica do Reino de Deus. Casar-se, constituir família em busca apenas de bem-estar, para enriquecimento material, para gozar a vida, não faz sentido para o discípulo de Jesus. A vida afetiva na família deve ser também um instrumento e sinal do Reino de Deus. Este deve ocupar o primeiro lugar. Não deixar-se escravizar por nada: nem pelos bens nem pelos parentes nem por qualquer outra coisa. “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

Partindo dessa compreensão do texto bíblico podemos afirmar que crer em Jesus é encarar o desafio de amar sem medida, até o fim, porque ele “nos amou até o fim” (cf. Jo 13,1). Não dá para começar a construção e abandonar a empreitada. É preciso continuar.

Seguir Jesus, ser seu discípulo requer comprometimento pessoal. Não basta ser ‘maria-vai-com-as-outras’. É preciso que, como Jesus, o discípulo se comprometa pessoalmente com sua fé e abrace as consequências desse seu comprometimento. “Qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo”.

*Estamos no mês da Bíblia. Quem sabe você poderia fortalecer ainda mais seu amor à Palavra de Deus, fazendo a leitura orante, participando com mais entusiasmo dos grupos de reflexão e círculos bíblicos, alimentando nos seus filhos, na sua família o amor e o encantamento pela Palavra de Deus?! Hoje há muita facilidade de se acompanhar a liturgia diária pela internet. Antes de ir para o trabalho, poderia dar uma lida no evangelho do dia, no salmo... Ou mesmo fazer o compromisso de ler a Primeira Carta de João, livro do mês da bíblia deste ano. São apenas cinco capítulos. Vamos nesta?

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN