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aurelius

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Amar é o que decide a vida

aureliano, 02.11.21

31º Domingo do Tempo Comum [31 de outubro 2021]

   [Mc 12,28-44]

O relato do evangelho de hoje é uma das mais belas páginas da Sagrada Escritura. Retomando o Shemah hebraico, Jesus responde à pergunta de um teólogo de seu tempo, insistindo que o amor a Deus não é somente um enfeite, uma peça de museu, mas algo vivo, dinâmico.

“Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6,4-5). Estas palavras proferidas em forma de oração ecoavam forte no coração de todo israelita.  É a profissão de fé no único Deus, a síntese do mandamento do amor, recordando a Aliança de Deus com seu povo. Os mandamentos que se seguem (Dt 6, 10ss) são iluminados por esse amor e fidelidade de Deus à sua Aliança.

A pergunta que esse doutor da Lei faz a Jesus revela o que se passa no mais profundo do coração humano: seu desejo de encontrar o caminho certo, o sentido da vida. E a resposta de Jesus, evocando o Código da Aliança no Deuteronômio, revela (retira o véu) aquela realidade que preenche plenamente o coração do ser humano: o amor.

Deus é amor. Fomos criados pela ação amorosa de Deus. Criados à sua imagem e semelhança. Portanto, somos chamados a viver amorosamente. Não um amor no sentido banalizado em que entrou o verbo amar em nossa sociedade consumista e narcisista. Mas na dimensão do amor generoso, gratuito, solidário, em permanente ofertório, à semelhança da vida de Jesus.

Aliás, Jesus emendou resposta à uma pergunta que não foi feita: “O segundo mandamento é: amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Esse ajuntamento que Jesus fez desses dois mandamentos, ao dizer que “não há outro mandamento maior do que estes”, revela que o verbo amar deve ocupar o primeiríssimo lugar na vida do ser humano. E que o amor ao próximo é, necessariamente, consequência do amor a Deus. Quem diz amar a Deus e despreza ou odeio seu irmão, é mentiroso (cf. 1Jo 2 e 4). Para Jesus Deus e o próximo são realidades inseparáveis. A fonte originante do amor é Deus. Dele decorre o amor ao próximo.

A primeira carta de João manifesta, em diversas passagens, a realidade de Deus-Amor e a necessidade de nos identificarmos com Ele em nossa prática cotidiana: “Se dissermos que estamos em comunhão com ele e andamos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade” (1Jo 1,6). E mais adiante completa: “Aquele que diz que está na luz, mas odeia seu irmão, está nas trevas até agora” (1Jo 2,9). João ainda insiste na necessidade de um amor que se concretiza na partilha: “Nisto conhecemos o amor: ele deu a sua vida por nós. E nós também devemos dar a nossa vida pelos nossos irmãos. Se alguém, possuindo bens deste mundo, vê o seu irmão na necessidade e lhe fecha o coração, como permanecerá nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade” (1Jo 3,16-18).

Para fortalecer ainda mais a premência do Evangelho sobre o amor fraterno, vejamos as recomendações de Jesus no relato sobre o Juízo Final. É um relato que nos faz repensar nossas atitudes em relação aos pequeninos do Reino: “Quando foi que te vimos  com fome e te alimentamos, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos forasteiro e te recolhemos ou nu e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso e fomos te ver? Ao que o lhes responderá o Rei: ‘Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes’” (Mt 25,37-40).

O amor de que trata Jesus no evangelho não é algo dado espontaneamente. O amor deve ser aprendido. No início confundimos amor com desejo, com narcisismo, com busca de ser amado, com reciprocidade e gratificações. Depois podemos crescer na experiência de Deus e perceber que o amor precisa ser entendido como uma realidade de participação no amor de Deus que deve ser desenvolvido por  nós de modo livre e consciente.

Os grupos cristãos que insistem em “experiências místicas” desligadas da vida, do sofrimento dos pequenos, indiferentes ao que acontece na sociedade ao seu redor, devem tomar esse evangelho e rever suas propostas. Podem estar alienando as pessoas e favorecendo um status quo que assassina em nome de Deus.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN