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aurelius

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Frades Menores, servidores da alegria

aureliano, 30.01.24

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“Queremos que você oriente nosso retiro em janeiro”, me segredava Frei Wainer, na procissão da missa do jubileu de 50 anos da Congregação dos Frades Menores Missionários, em 15 de agosto de 2023. “Mas eu nunca orientei retiro para padres! Não dou conta disso, não!” respondi.

Ficou de fazer contato depois. E insistiu que eu assumisse, inclusive enviando a data: 24 a 30 de janeiro de 2024. Falei com o Frei Gabriel, mano querido que pertence à Congregação. E ele me asseverou que Frei Wainer é o responsável pela equipe de espiritualidade da Congregação e é ele quem cuida disso.

Em setembro o Frei volta a insistir. Não tive alternativa: assumi dizendo que iria rezar com eles e propor algumas coisas. Mas no dia que não desse certo, rezaríamos o terço etc.

Desde então vim pensando algumas propostas de oração. Em meio a várias situações novas que se sucederam: minha transferência de paróquia, minha cirurgia da tireóide e outras coisas mais. E o serviço na paróquia aumentando. Mas, finalmente me ocorreu um tema: “Caminhos de santidade”. A partir de então comecei a elaborar o cronograma do retiro. Aos poucos fui preenchendo o esqueleto.

Parti para o sul com o coração da mão e o conteúdo do retiro por terminar. Chegando a Curitiba dia 23/02 às 23:30, frei Amarildo, Ministro Geral, já estava lá, generosamente, para me levar a Ponta Grossa, convento São Francisco, onde se daria o retiro. Frei Antônio Roberto encaminhara tudo, inclusive a única suíte do convento muito bem arrumada. Ah! São duas: encontrei mais uma no corredor do convento.

Eu já sabia que o grupo é muito simples, muito acolhedor etc. Mas temia pelo nível acadêmico e pastoral dos frades. Porém todos estavam abertos, serenos, tranquilos, acolhedores. “Como Deus é bom!” exclamaria meu velho e finado pai.

Como a fraternidade e a simplicidade dessa Congregação marcam a gente! Na verdade, eu vim para orientar um retiro. Mas fui eu que fiquei enriquecido, edificado com o testemunho destes filhos de Francisco de Assis. No grupo de quase quarenta participantes, havia religiosas do ramo feminino da Congregação, noviços, pré-noviços, vocacionados. Um rol de pessoas dos mais variados tempos de vida religiosa encantadas pelo exemplo de Francisco de Assis.

Forma sancti evangelii” (assumir a forma do Santo Evangelho) foi a regra de vida que Francisco de Assis deu a seus irmãos. Anos depois fez alguns adendos à regra, mas para o Pobrezinho de Assis, o frade tem como norma absoluta de vida assumir o Santo Evangelho em sua vida. Viver e amar a Irmã Pobreza e anunciar o Evangelho da Paz.

E os Frades Menores Missionários assumiram essa forma de vida!

Como é admirável contemplar a vida dos frades menores missionários no Convento São Francisco, em Ponta Grossa/PR! Simplicidade, despojamento, fraternidade, alegria.

Os banheiros e lavatórios são comunitários. Lavanderia cheia de frades entrando e saindo lavando suas próprias roupas. Instalados cada um numa celinha de 3x2m², com uma simples cama, uma mesinha, às vezes uma estante; idosos e jovens, Geral e Guardião, todos na mesma condição, sem privilegiados. Muitos se movimentando durante os intervalos, sem perder o espírito orante do retiro, para manter a ordem e relativa limpeza dos espaços comunitários bem como preparar os ambientes litúrgicos para as celebrações.

Ninguém murmura nem reclama de nada. Todos alegres, satisfeitos, orantes, ajudando-se mutuamente. A uma palavra do Ministro Geral: “Precisamos de voluntários para lavar a louça do almoço e da janta todos os dias”, acolhida serena. Imediatamente, vários estão lá, no serviço solicitado.

Café da manhã: por equipes. Pelas 05:00h já estão se movimentando na cozinha e refeitório do convento para deixar o café pronto e participarem do Ofício Divino às 07:00h. Impreterivelmente, todos na capela, numa liturgia lindamente preparada pela equipe do dia e celebrada piedosamente por todos. Aliás, uma beleza de momentos celebrativos que eram pelo menos cinco durante o dia!

Vi aqui homens que procuram viver o Evangelho, como propôs São Francisco. A fraternidade, a ajuda mútua, a simplicidade na veste (hábitos remendados, puídos), a piedade e bom gosto nas celebrações, o espírito de obediência, o despojamento e a alegria! Não obstante as fraquezas humanas, vi aqui homens desejosos e empenhados em seguir a Jesus Cristo, a serem franciscanos de verdade. Homens de Igreja, servidores do Reino de Deus.

Vim temeroso, inseguro, desconfiado de mim mesmo. Volto fortalecido, revigorado pela participação na experiência de vida dos frades menores missionários. São homens de Deus! São servidores da alegria! A Igreja se enriquece com sua presença e missão.

“Altíssimo, onipotente, bom Senhor,

Teus são o louvor, a glória, a honra e toda a bênção.

Só a ti, Altíssimo, são devidos;

E homem algum é digno de te mencionar.

Louvado sejas, meu Senhor,

Com todas as tuas criaturas” (Cântico das criaturas).

Ponta Grossa, PR, 30 de janeiro de 2024.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

O Senhor sempre dá uma nova chance

aureliano, 21.07.23

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16º Domingo do Tempo Comum [23 de julho de 2023]

[Mt 13,24-43]

Continuamos no capítulo 13 de Mateus no qual Jesus conta uma série de parábolas do Reino. No domingo passado pudemos rezar a parábola do semeador na qual Jesus mostra a variedade de terreno e a força da semente que é a Palavra de Deus. A grande tentação é negar-se a prestar ouvido ao que Deus pede de nós: “quem tiver ouvidos, ouça” (Mt 13,9); é negar-se a olhar para Jesus (cf. Hb 12,2) e manter os olhos fixos em si mesmo, alimentando um narcisismo perverso.

Hoje a liturgia traz a narrativa de várias parábolas: do joio e do trigo > deixar crescer juntos entregando a responsabilidade da seleção para Deus; da semente de mostarda > um Reino revestido de humildade, sem grandeza, mas que revela sua força por isso mesmo; do fermento > a força de Deus escondida, porém transformadora.

A parábola do joio e do trigo adverte nossa falta de paciência, de longanimidade (grandeza de alma) diante das fraquezas e pecados alheios. Buscamos resultados imediatos, números, mudança segundo nossos critérios, muitas vezes legalistas e exigentes demais. Ainda mais: quantas vezes nos arvoramos em juízes implacáveis das pessoas! Jesus quer que demos sempre uma nova oportunidade ao ser humano que erra.

As atitudes devem ser avaliadas e julgadas, mas a pessoa deve ser sempre respeitada. Ninguém conhece perfeitamente os recônditos do coração humano. Isso é prerrogativa divina. Por isso, somente a Deus compete o juízo definitivo.

Quando Mateus escreve este texto, provavelmente quer mostrar uma realidade da comunidade que aguardava a vinda de Jesus (Parousia) para muito em breve. Por isso exorta à paciência. Hoje o que impacienta pode ser o ativismo, o imediatismo e mesmo o radicalismo de pessoas até muito engajadas na comunidade, mas que sufocam e matam a semente no coração dos outros.

Penso que a grande lição do evangelho de hoje para nós e nossas comunidades é a de termos mais paciência com as dificuldades dos irmãos, respeitando seus passos, acolhendo suas diferenças. Muitas vezes alguém que poderia crescer muito na comunidade, acaba por minguar-se por falta de incentivo, de apoio, de perdão, de respeito, de tempo, de oportunidade. É preciso dar força ao trigo para que não seja sufocado pelo joio.

Importa, mais do que nunca, acolher a grandeza de Deus que está muito além de nossos pobres e mesquinhos juízos sobre a salvação dada por Deus a todas as pessoas. A nós compete colaborar com o Pai na obra da salvação. Julgar, selecionar, recompensar, punir etc é atributo de Deus. Quando nos deixamos conduzir pelo Espírito de Deus, assumindo o jeito de viver de Jesus, seu projeto vai se realizando no mundo.

Devemos nos colocar sempre como colaboradores de Deus espalhando a semente do bem no mundo e tendo uma atitude que sempre incomode o reino de morte.

O REINO DE DEUS É FEITO DE MISERICÓRDIA, DE SIMPLICIDADE E DE FORÇA INTERIOR

A primeira parábola quer nos ajudar a entender a misericórdia de Deus. A pessoa sempre merece ter mais uma chance, uma oportunidade. O Pai dá sempre tempo para a conversão (cf. Lc 15: parábolas da misericórdia). Isso significa também que não nos podemos escandalizar diante de uma Igreja medíocre, pecadora, longe do ideal evangélico. Feita de santos e pecadores e mergulhada no mundo, ela corre sempre o risco de se contaminar pela maldade. Por isso precisamos mudar nossa ideia de Deus: de um deus violento, intolerante, ciumento, mesquinho, avarento, a um Deus misericordioso, compassivo, paciente e justo. É o Deus revelado por Jesus. Guardemos isso: A ideia que temos de Deus determina nossas atitudes, posturas, relações com o próprio Deus, com nós mesmos, com o mundo e com as outras pessoas.

A segunda parábola lembra-nos a dimensão da simplicidade do Reino de Deus. Dá uma ideia de amplidão, de crescimento, de espaço a partir da pequenez evangélica. A pequenez da semente vem mostrar que a força do Reino não está na aparência, na exterioridade, mas no conteúdo. O Reino de Deus anunciado por Jesus cresce e se expande pela força que vem do Alto.

A terceira parábola nos remete à força interior do Reino de Deus. O fermento age sem ser visto. A gente não vê o fermento no bolo ou no pão. Sabemos que está ali e agiu pelo gosto gostoso. O verdadeiro sabor da vida cristã não vem de fora: de ritos, de shows, de ativismo etc. A força que transforma o ser humano, o mundo, a história vem de Deus. Uma vida alimentada pela mística, pela espiritualidade, pela oração é que vai produzir frutos que transformam o mundo.

Essas parábolas não nos deixam esquecer que o Reino é de Deus. Não somos nós os protagonistas da transformação da história. É Deus que age e transforma as pessoas. Nós somos instrumentos, muitas vezes, desajeitados em suas mãos. Às vezes fazemos bem, às vezes fazemos mal; às vezes ajudamos, às vezes atrapalhamos. O importante é colocar-se sempre aberto e disponível para colaborar na obra da salvação da humanidade. O resto é por conta do Pai. Porque o Reino é dele: “Porque tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória pelos séculos. Amém” (Rm 11,36).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Simplicidade e compromisso do cristão

aureliano, 07.07.23

14º Domingo do TC - A - 14 de julho.jpg

14º Domingo do Tempo Comum [09 de julho de 2023]

[Mt 11,25-30]

O contexto do relato do evangelho deste domingo (capítulos 11 e 12) é o lamento de Jesus contra as cidades de Corozain, Betsaida e Cafarnaum, vizinhas ao mar da Galileia, onde realizou muitos sinais, mas não se abriram à conversão. Opuseram-se ao Reino de Deus. Também os fariseus aparecem aí em clara oposição a Jesus como expressão do Pai. Então Jesus dirige um hino de louvor ao Pai mostrando a ação de Deus no coração dos que se colocam como pequenos e abertos à sua revelação.

Alguns destaques do relato de hoje, reveladores do caminho que o discípulo de Jesus deve percorrer:

  1. “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”. Essas palavras de Jesus nos confortam por demais. O Reino que ele anuncia só pode ser compreendido e acolhido por quem se coloca diante de Deus com humildade, reconhecendo sua pequenez. Quantas vezes somos surpreendidos por pessoas que, às vezes, não tiveram oportunidade de ser alfabetizadas, mas que possuem uma sabedoria imensa diante dos acontecimentos da vida. Sabem viver e servir aos mais necessitados com simplicidade, gratuidade e ternura que só podem proceder de Deus. Ninguém suporta conviver com gente orgulhosa, arrogante, pedante, petulante, “entendida”. E como é bom estar ao lado de pessoas humildes, simples, diplomadas ou não, e que não se prevalecem de seus conhecimentos ou postos de autoridade que ocupam para humilhar, diminuir, dominar, mas para acolher, ajudar, cuidar, favorecer a fraternidade.
  2. “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados. Eu vos darei descanso”. É uma palavra de Jesus para todos aqueles que vivem a fé cristã como carga pesada. Em vez de trazer alegria, conforto, a religião lhes traz peso, desconforto, tristeza, medo. Isso pode provir de levarem, por vezes, uma vida centrada mais no pecado do que na graça. Realizam a prática religiosa mais por medo do inferno do que como resposta ao amor de Deus. O encontro com Jesus leva a experimentar a verdadeira alegria, como lembra o Papa Francisco: “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quando se deixam salvar por Ele e são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento” (EG, 01). Seguem a Jesus não por obrigação, mas por atração e adesão madura, livre e responsável.
  3. “Tomai sobre vós o meu jugo porque é suave e meu fardo é leve”. Jesus não sobrecarrega ninguém. Além do mais, ele caminha conosco. Não nos deixa sozinhos. Jugo é algo parecido com canga (peça de madeira) para junta de bois. Então Jesus fica do lado para ajudar a carregar e enfrentar as dificuldades de cada dia. Ele não faz como os fariseus e escribas que punham pesados fardos sobre os ombros dos fiéis, mas eles mesmos não tocavam sequer com o dedo (cf. Mt 23,4). Jesus não vem trazer medo e prisão; pelo contrário, vem nos libertar deles. Vem despertar a confiança, a simplicidade, a humildade. Convida-nos a fazer o bem. O jugo dos “sábios e entendidos”, dos poderosos é muito pesado, pois humilham, exploram, dominam. Jesus também tem um jugo, porém seu jugo é leve porque liberta, ilumina a mente, aquece o coração, abre os olhos (cf. Lc 24, 13-35). As exigências de Jesus pedem uma resposta amorosa, gratuita, generosa.
  4. “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e achareis descanso”. É o convite a aprendermos de Jesus. Ele é nosso Mestre. Ele não vem complicar nossa vida, impor normas e leis pesadas, difíceis, esquisitas. Ele deu o exemplo e não exige nada mais do que seguir o caminho que ele seguiu, viver a vida que ele viveu. Ele oferece descanso. Quantas vezes buscamos férias, descanso, lazer, praias, churrascos, noitadas, jogos, bebidas, drogas, shows e voltamos ainda mais cansados. Por outro lado, a alegria do convívio fraterno, a festa em família, o silêncio de um bosque, um tempo passado em oração, a participação em uma celebração, a visita a um doente ou idoso pode nos trazer um descanso verdadeiro. A gente volta refeito, abastecido, confortado pela graça de Deus experimentada naquele encontro. Quando a atitude é vivificada pela Graça de Cristo ela ganha um novo sentido, abre novo horizonte, traz repouso para a alma.

É triste ver não poucas pessoas vivendo experiências de tristeza, de estresse, de cansaço, de estado psíquico alterado, de amargura, de melancolia como resultado de um modo equivocado de entender e de viver a fé cristã. Há falsos profetas e líderes religiosos por aí que exploram pessoas doentes, quando não as fazem adoecer para manipulá-las e explorá-las em nome da religião. Isso é um pecado gravíssimo! Jesus não veio adoecer ninguém nem muito menos explorar as pessoas em seus momentos de dor. Ele veio curar, libertar, recuperar a dignidade, tornar a pessoa autônoma, viva, livre, independente.

É urgente recuperar a confiança em Jesus de Nazaré, pois é ele que nos liberta, conforta e descansa. O salmista já cantava: “Só em Deus a minha alma tem descanso. É dele que me vem a segurança”. Então não há outra realidade que produza o verdadeiro descanso ao coração humano senão o Deus revelado em Jesus.

Um cristão que vive a experiência de fé, de encontro verdadeiro com Jesus Cristo, não estressa os outros, não provoca confusão, não ofende, não explora, não mente, não domina, não mata, não rouba, não destrói o meio ambiente. Sabe tolerar, compreender, perdoar, acolher, cuidar, preservar. Certamente o caminho passa por aí.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

O óbolo da viúva: um convite a doar-se

aureliano, 09.11.18

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32º Domingo do Tempo Comum [11 de novembro 2018]

[Mc 12,38-44]

A Liturgia da Palavra de hoje nos apresenta duas viúvas em realidades diferentes, mas que se tornam inspiração de vida em Deus. Seus gestos são reveladores da bondade de Deus bem como modelos de como devemos atuar neste mundo. A viúva do evangelho (Mc 12,38-44) “entrega sua própria vida”, naquelas moedas. A viúva de Sarepta (1Rs 17,10-16) partilha seu único e último pão com o profeta. Sua partilha foi abençoada por Deus: “A farinha da vasilha não acabou, nem diminuiu o óleo da jarra” (1Rs 17,16). A viúva do evangelho mereceu um elogio do Salvador que ecoa ainda hoje em nossas consciências: “Esta pobre viúva deu mais do que todos os outros que ofereceram esmolas. Todos deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver” (Mc 12,44).

Quantas vezes somos mesquinhos em nossa ‘doação’! Olhamos o guarda-roupas e o julgamos muito cheio. Então tomamos aquele ‘resto’ que está atrapalhando e doamos aos pobres. E o tempo? A falta de tempo hoje é um problema! Não se tem tempo para os outros: escutar alguém que precisa de nosso ombro, partilhar nosso saber, realizar um trabalho de catequese, reforço escolar, mutirão em algum evento, uma visita a alguém que está doente e sofrendo alguma dor, uma reunião para tratar de assuntos para o bem-estar da comunidade, presença otimizante junto aos filhos ou aos pais idosos etc. O ‘óbolo’ da viúva passa por aí!

Quando retomamos o evangelho de hoje, notamos que há uma contraposição: os doutores da Lei de um lado e a pobre viúva, de outro. Isso deve ser levado em conta para percebermos aonde o evangelista quer chegar quando faz essa narrativa, o que ele quer iluminar com o gesto e as palavras de Jesus.

Na verdade, o texto não pretende condenar os doutores do judaísmo, mas os doutores do cristianismo. Este começa a germinar, a crescer, mas junto cresce o joio da vanglória. Já naqueles tempos surgiam aqueles que se colocavam como mestres arrogantes, vestindo uma capa de fidelidade, mas com desejos de cobiça profundos no coração. Portavam-se como exploradores da boa-fé do povo.

Jesus não pretende condenar a quantidade de esmola dos escribas. Ele está condenando suas atitudes. Há uma busca gananciosa de bens e de privilégios por parte daqueles que deveriam ajudar o povo a entender e a viver o Ensinamento de Deus. Quanto mais se tem, mais se quer possuir. Enquanto Governo e Congresso concedem 1% de reajuste ao salário mínimo, corta o bolsa-família de milhares de famílias pobres, corta os recursos para saúde e educação, aumenta descaradamente o salário dos juízes de 33.000,00 para 39.000,00. A ganância é um mal universal e fonte de muitos outros males. É fonte de desentendimento, de miséria, de fome, de lágrimas. “A raiz de todos os males é, de fato, o amor ao dinheiro” (1Tm 6,10).

Marcos pretende mostrar que os líderes da comunidade, aqueles que têm o ministério de dirigir a comunidade e ministrar-lhe a Palavra, precisam assumir a atitude da viúva. As palavras de Jesus: “Eles devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso eles receberão a pior condenação” (Mc 12,40) são muito graves. Uma vida descomprometida com os pobres e exploradora do pouco que estes têm, é um golpe na proposta do Reino de Deus que Jesus veio implantar.

Jesus mostra aos líderes das comunidades, a começar pelos bispos e padres (teólogos-doutores), que precisam cuidar-se para não caírem naquela situação dos escribas que buscavam-se a si mesmos no que faziam. Tal forma de agir impede a comunidade de fazer um encontro transformador com Jesus Cristo. São os tais clericalismo e carreirismo clerical condenados veementemente pelo Papa Francisco.

Outro ensinamento da liturgia de hoje é a importância que Deus dá aos pequenos gestos realizados com simplicidade e humildade. O espírito de grandeza destrói a pessoa e a comunidade por dentro. Apodrece tudo. Já o espírito de simplicidade constrói, anima, conforta, atrai.

Há líderes que só pensam em como trabalhar na comunidade um jeito de ganhar mais dinheiro. Muitos preocupam-se mais com o dízimo e ofertas do que com a pastoral, com as necessidades reais das pessoas e da comunidade. A propósito disso: qual a porcentagem do dízimo é destinada às causas sociais? – Há gente que busca aparecer a todo custo. Uma busca frenética de poder, de aplausos e de sucesso. É uma realidade triste! Longe de nós tais preocupações! Elas nos distanciam de Deus. Aproximemo-nos das viúvas da liturgia de hoje e aprendamos delas a partilhar e a valorizar os pequenos gestos.

Concluímos com um comentário muito oportuno do Pe. Konings: “Mas, e o lucro que é o “céu”? “Deus te pague”, “Dar ao pobre é investir no céu”... Essas maneiras de falar, examinadas à lupa, mostram ainda muito egoísmo. Não devemos ser generosos para comprar o céu. Devemos ser generosos porque o céu já chegou até nós, porque Deus veio à nossa presença em Jesus. Em certo sentido já ganhamos o céu, porque Jesus se doou a nós. E é por isso que queremos ser generosos como a viúva da entrada do templo e a viúva de Sarepta. Por gratidão”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A paciência de Deus

aureliano, 22.07.17

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16º Domingo do Tempo Comum [23 de julho de 2017]

[Mt 13,24-43]

Continuamos no capítulo 13 de Mateus no qual Jesus conta uma série de parábolas do Reino. No domingo passado pudemos rezar a parábola do semeador na qual Jesus mostra a variedade de terreno e a força da semente que é a Palavra de Deus. A grande tentação é negar-se a prestar ouvido ao que Deus pede de nós: “quem tiver ouvidos, ouça” (Mt 13,9); é negar-se a olhar para Jesus (cf. Hb 12,2) e manter os olhos fixos em si mesmo, alimentando um narcisismo perverso.

Hoje a liturgia traz a narrativa de várias parábolas: do joio e do trigo > deixar crescer juntos entregando a responsabilidade da seleção para Deus; da semente de mostarda > um Reino revestido de humildade, sem grandeza, mas que revela sua força por isso mesmo; do fermento > a força de Deus escondida, porém transformadora.

A parábola do joio e do trigo adverte nossa falta de paciência, de longanimidade (grandeza de alma) diante das fraquezas e pecados alheios. Buscamos resultados imediatos, números, mudança segundo nossos critérios, muitas vezes legalistas e exigentes demais. Ainda mais: quantas vezes nos arvoramos em juízes implacáveis das pessoas! Jesus quer que demos sempre uma nova oportunidade ao ser humano que erra.

As atitudes devem ser avaliadas e julgadas, mas a pessoa deve ser sempre respeitada. Ninguém conhece perfeitamente os recônditos do coração humano. Isso é prerrogativa divina. Por isso, somente a Deus compete o juízo definitivo.

Quando Mateus escreve este texto, provavelmente quer mostrar uma realidade da comunidade que aguardava a vinda de Jesus (Parusia) para muito em breve. Por isso exorta à paciência. Hoje o que impacienta pode ser o ativismo, o imediatismo e mesmo o radicalismo de pessoas até muito engajadas na comunidade, mas que sufocam e matam a semente no coração dos outros.

Penso que a grande lição do evangelho de hoje para nós e nossas comunidades é a de termos mais paciência com as dificuldades dos irmãos, respeitando seus passos, acolhendo suas diferenças. Muitas vezes alguém que poderia crescer muito na comunidade, acaba por minguar-se por falta de incentivo, de apoio, de perdão, de respeito, de tempo. É preciso dar força ao trigo para que não seja sufocado pelo joio.

Importa, mais do que nunca, acolher a grandeza de Deus que está muito além de nossos pobres e mesquinhos juízos sobre a salvação dada por Deus a todas as pessoas. A nós compete colaborar com o Pai na obra da salvação. Julgar, selecionar, recompensar, punir etc é atributo de Deus. Quando nos deixamos conduzir pelo Espírito de Deus, assumindo o jeito de viver de Jesus, seu projeto vai se realizando no mundo.

Devemos nos colocar sempre como colaboradores de Deus espalhando a semente do bem no mundo e tendo uma atitude que sempre incomode o reino de morte.

 

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O REINO DE DEUS É FEITO DE MISERICÓRDIA, DE SIMPLICIDADE E DE FORÇA INTERIOR

A primeira parábola quer nos ajudar a entender a misericórdia de Deus. A pessoa deve ter sempre mais uma chance, uma oportunidade. O Pai dá sempre tempo para a conversão (cf. Lc 15: parábolas da misericórdia). Isso significa também que não nos podemos escandalizar diante de uma Igreja medíocre, pecadora, longe do ideal evangélico. Feita de santos e pecadores e mergulhada no mundo, ela corre sempre o risco de se contaminar pela maldade. Por isso precisamos mudar nossa ideia de Deus: de um deus violento, intolerante, ciumento, mesquinho, avarento a um Deus misericordioso, compassivo, paciente e justo. É o Deus revelado por Jesus.

A segunda parábola lembra-nos a dimensão da simplicidade do Reino de Deus. Dá uma ideia de amplidão, de crescimento, de espaço a partir da pequenez evangélica. A pequenez da semente vem mostrar que a força do Reino não está na aparência, na exterioridade, mas no conteúdo. O Reino de Deus anunciado por Jesus cresce e se expande pela força que vem do Alto.

A terceira parábola nos remete à força interior do Reino de Deus. O fermento age sem ser visto. A gente não vê o fermento no bolo ou no pão. Sabemos que está ali e agiu pelo gosto gostoso. O verdadeiro sabor da vida cristã não vem de fora: de ritos, de shows, de ativismo etc. A força que transforma o ser humano, o mundo, a história vem de Deus. Uma vida alimentada pela mística, pela espiritualidade, pela oração é que vai produzir frutos que transformam o mundo.

Essas parábolas não nos deixam esquecer que o Reino é de Deus. Não somos nós os protagonistas da transformação da história. É Deus que age e transforma as pessoas. Nós somos instrumentos, muitas vezes, desajeitados em suas mãos. Às vezes fazemos bem, às vezes fazemos mal; às vezes ajudamos, às vezes atrapalhamos. O importante é colocar-se sempre aberto e disponível para colaborar na obra da salvação da humanidade. O resto é por conta do Pai.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN