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Casamento em Caná: vida cristã

aureliano, 17.01.25

2º Domingo do TC - C -.jpg

2º Domingo do Tempo Comum [19 de janeiro de 2025]

[Jo 2,1-11]

Estamos no Tempo Comum da liturgia da Igreja. Esse tempo é caracterizado pelo cotidiano, que não deve ser menosprezado, mas alimentado pela contemplação dos mistérios da vida de Cristo. A cor verde recorda a esperança que deve alimentar o cristão, e o pinheiro, árvore forte, recorda ao cristão que deve ser forte e perseverante em meio às intempéries da vida.

O evangelho deste 2º domingo do Tempo Comum vem como que coroar todo o mistério natalino que acabamos de celebrar. É o início da vida pública de Jesus.

“Este foi o início dos sinais de Jesus. Ele o realizou em Caná da Galileia e manifestou a sua glória, e seus discípulos creram nele”. Este versículo é vital para a interpretação deste “Sinal” realizado por Jesus O acontecimento de Caná da Galileia foi decisivo para que os discípulos acreditassem em Jesus.

Notem que João não chama de milagre, mas de sinal. O que Jesus realizou era um “sinal’ (o primeiro dos sete que João narrará ao longo do evangelho) de sua messianidade já anteriormente reconhecida: Cordeiro de Deus (Jo 1,29.36), Messias (Jo 1,41), aquele sobre quem escreveu Moisés e os profetas (Jo 1,45), Filho de Deus e Rei de Israel (Jo 1,49). É uma confirmação para os discípulos de tudo aquilo que fora dito a seu respeito.

“Seus discípulos creram nele”. Para o seguimento de Jesus era imprescindível a fé. Esta leva a agir segundo as palavras e as atitudes de Cristo. Aquele que crê empenha-se sempre na prática da justiça e da fraternidade, da concórdia e da paz, do cuidado e defesa da vida. O agir daquele que crê assume contornos novos. Quem crê assume as atitudes de Jesus: “Vivo, mas não sou mais eu, é Cristo que vive em mim. Pois a minha vida presente na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20).

Tratando-se de Igreja, a fé é vital para que haja renovação na vida pessoal, eclesial, social e comunitária. Bento XVI, na Carta Apostólica Porta Fidei afirma: “A renovação da Igreja realiza-se também através do testemunho prestado pela vida dos crentes: de fato, os cristãos são chamados a fazer brilhar, com sua própria vida no mundo, a Palavra de verdade que o Senhor Jesus nos deixou” (nº 6).

No relato, João afirma que Jesus fez um “sinal”: transformou a água em vinho numa festa de casamento. Aqui se faz necessário certo nível de abstração para que nosso espírito adentre no que o texto quer dizer. Ele não está falando de casamento, simplesmente. Este relato precisa ser interpretado à luz da intencionalidade de João ao escrever seu evangelho: o noivo é Jesus, a água e as jarras são a Lei, o vinho novo é a presença inovadora da vida e do ensinamento de Jesus, Maria é a comunidade eclesial etc. Enfim, todos os elementos deste relato estão carregados de sentido e significados para despertarem e gerarem a fé nos discípulos.

A ‘glória’ e a ‘hora’ de que fala Jesus se concretizarão mais tarde em sua morte na cruz.: “Agora o Filho do Homem é glorificado, e Deus foi glorificado por ele” (Jo 13,31). E na oração ao Pai, antes da paixão, diz: “Pai, é chegada a hora, glorifica o teu Filho, a fim de que o teu Filho te glorifique” (Jo 17,1).

A propósito da expressão “mulher”, entendemos que Jesus tencionava falar da Igreja. Maria sua mãe é ícone dessa Igreja que ele sonhou. Na cruz ele volta à expressão, cumprindo a sua “hora”: “Vendo assim sua mãe, e perto dela o discípulo que ele amava, Jesus disse à sua mãe: ‘Mulher, eis aí o teu filho’. A seguir disse ao discípulo: ‘Eis a tua mãe’” (Jo 19,26-27). Maria, a mulher atenta à falta de vinho na festa, estava presente ao pé da cruz. Ali é feita mãe dos crentes. Maria é bendita porque é a mulher que acreditou (cf. Lc 1,45).

A liturgia da Palavra de hoje nos leva a pensar e a rezar um pouco mais nossa vida de fé. Sem entrar na ‘festa de casamento’ que o Pai nos preparou em seu Filho não é possível uma dinâmica de fé que nos faça pensar e agir de modo novo, vibrante, entusiasmado, transformador.

Aquele vinho novo que deve ser ‘bebido’ por nós, significa também todos nós, Igreja de Jesus. Não podemos continuar como água engarrafada, parada, represada, sem sentido, apegada a um passado que já não diz mais nada ao mundo de hoje. Deixemos o Pai nos transformar em vinho novo, para levar alegria e alento a tantas pessoas desiludidas, sem voz e sem vez. Há muita gente sem alegria, sem esperança, sem sentido de vida. Se experimentamos o vinho novo, que é a própria vida de Jesus, seremos sua extensão na história.

A ordem que a Mãe de Jesus nos transmite com seu agir discreto e oportuno é clara: “Fazei tudo o que ele vos disser”.

Um pensamento do Pe. Pagola poderá ajudar-nos a entender melhor o ‘vinho novo’ trazido por Jesus e tão necessário à sociedade em que vivemos:

 “Estas bodas anônimas nas quais os esposos não têm rosto nem voz própria, é figura da antiga aliança judia. Nestas bodas falta um elemento indispensável. Falta o vinho, sinal da alegria e símbolo do amor, como cantava o Cântico dos Cânticos.            

É uma situação triste que só se transformará pelo ‘vinho’ novo trazido por Jesus. Um ‘vinho’ que só o saboreia quem crê no amor gratuito de Deus Pai e vive animado pelo espírito de verdadeira fraternidade.

Vivemos numa sociedade em que, cada vez mais, se enfraquece a raiz cristã do amor fraterno desinteressado. Com frequência o amor se reduz a uma troca mútua, prazerosa e útil, em que as pessoas buscam somente seu próprio interesse. No entanto se pensa, talvez, que é melhor amar que não amar. Porém, na prática, muitos estariam de acordo com aquele princípio anticristão de S. Freud: ‘Se amo alguém, é preciso que este o mereça por alguma razão” (Pe. José Antônio Pagola).

Quem ama de verdade não busca seu próprio interesse, não exige nada em troca, não cobra, não negocia: é gratuito. O amor de Deus por nós, manifestado em Jesus de Nazaré, é o protótipo do amor verdadeiro: desinteressado, pleno, “até o fim”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

A autoridade de Jesus

aureliano, 30.01.21

4º Domingo do Tempo Comum [31 de janeiro de 2021]

[Mc 1,21-28]

Os versículos 22 e 27 dominam o relato do evangelho deste domingo: “um ensinamento novo dado com autoridade”.

Quero chamar a atenção do leitor para esse relato de hoje, buscando compreender bem o contexto em que ele se dá para entender o que o evangelista quer transmitir e o que devemos absorver, assimilar como luz para nossa vida pessoal e para nossa sociedade.

Em primeiro lugar fazemos notar que é a primeira manifestação (sinal-milagre) pública de Jesus, segundo Marcos. Depois, esse fato se dá em Cafarnaum, num dia de sábado e na presença dos escribas ou mestres da Lei. Era ali, na sinagoga que eles dominavam, davam as normas, recebiam ou expulsavam a pessoa do convívio social e da comunidade, se estivesse doente, por exemplo.

Essa introdução quer ajudar o leitor no entendimento deste relato. O pentecostalismo pode jogar com esse sinal de Jesus para justificar os exorcismos e expulsões do espírito do mal que diz realizar por aí, iludindo os incautos e explorando a boa fé dos inocentes.

Este texto quer ressaltar a figura de Jesus como aquele que veio libertar a humanidade do mal. Como o mal é mais forte do que o ser humano, Jesus recebe a autoridade do Pai para vencê-lo. E a expulsão daquele ‘demônio’ é sinal de que Jesus tem, verdadeiramente, poder sobre o mal. Tem autoridade sobre o mal.

Notemos que, quando Jesus está a ensinar na sinagoga, aquele homem começa a gritar: “Vieste para nos destruir?...” Ele não suporta ouvir o ensinamento de Jesus. Um ensinamento novo dado com autoridade. Esse endemoninhado representa os escribas que vêem seu poder de dominação indo água abaixo. Perdem sua força de liderança e dominação sobre a comunidade. Agora é Jesus quem é reconhecido como autoridade, não somente pelas palavras, mas sobretudo pelos sinais que as acompanham: “Ensinava como quem tem autoridade e não como os mestres da lei”.

Não foi um sermão nem um longo discurso que tocaram a assembleia, mas o gesto de Jesus: “’Cala-te e sai dele!’ Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu”. A obsessão demoníaca simboliza o mal que toma conta do ser humano sem que este o queira. O mal tem ramificações profundas que persistem ainda hoje: a desigualdade social, a má distribuição da renda, da terra e de seus produtos, a destruição do meio ambiente por parte das grandes indústrias e agriculturas poluidoras, a vida insalubre dos que têm menos, a corrupção sistêmica entre os grandes e os pequenos, o terrorismo, o tráfico de drogas e de seres humanos, a indústria bélica (fabricação de armas), o crime organizado, o esvaziamento espiritual e moral pelo mau uso dos meios de comunicação social (Big Brother e outras imoralidades tais como filmes e programas que incitam à violência). O sinal profético de Jesus indica que, se nossas forças são insuficientes contra esses males, a força dele poderá atuar em nós nessa luta renhida.

Portanto, essas manifestações ditas de ‘cura’ e de ‘poder’ que determinados grupos pentecostais dizem ter e realizar, não têm nada a ver com o projeto de Jesus e aquilo que ele veio anunciar. O que oprime o ser humano não são forças ‘espirituais’, mas ‘carnais’, isto é, egoístas, gananciosas, politiqueiras, dominadoras que tiram a esperança, a dignidade e a liberdade do ser humano.

A missão da Igreja, isto é, de todos nós, é levar adiante a missão que Jesus deixou em germe. Ele é o iniciador e propulsor dessa missão. A força da sua ressurreição quer fazer surgir vida nova e um mundo novo. Para isso ele conta com a colaboração da comunidade. Um outro mundo é possível na medida em que a fome e a guerra, as doenças e o analfalbetismo, o preconceito e o desrespeito forem sendo debelados pelas forças da vida trazida por Jesus Cristo e manifestada na comunidade.

Portanto, a autoridade de Jesus está para além de suas palavras. Seu gesto libertador, devolvendo a dignidade àquele homem, representante de uma comunidade dominada e oprimida, quer se estender a todos. É preciso que cada um de nós se disponha a colaborar nessa tarefa de ‘expulsar os demônios’ que impedem as pessoas de ser e de viver alegres e felizes.

Algumas perguntas inquietantes: Você tem autoridade moral para ensinar ou advertir as pessoas? Seu modo de viver se presta para iluminar a vida dos outros? Sua fé em Jesus se fundamenta na busca de milagres e soluções de seus problemas ou na busca de identificar-se com Ele? Que meios/ferramentas você usa para alimentar sua vida de fé e de discipulado de Jesus? Em que consistem sua oração, suas práticas religiosas? Você se lembra de ter libertado alguém de algum mal (demônio), devolvendo-lhe a alegria de viver?

 Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Uma luz brilhou nas trevas

aureliano, 24.12.19

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Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo [25 de dezembro de 2019]

[Lc 2,1-14]

Durante quatro semanas viemos nos preparando para a celebração do Natal. A cada domingo uma vela era acesa na Coroa do Advento. O acender progressivo das velas – uma por semana – quis significar a Luz que brilhou progressivamente nas trevas. A expectativa dessa Luz vem de longa data. No século VIII a. C., o Primeiro Isaías já a anunciava: “O povo que andava na escuridão viu uma grande luz; para os que habitavam as sombras da morte uma luz resplandeceu” (Is 9,10).

As trevas são o egoísmo que insiste em impedir a entrada da Luz de Deus na história, no coração humano. A força da luz, porém, é maior do que as trevas do pecado. Embora este insista em prevalecer através da ganância, do consumismo, da competição desleal, da exploração, do desrespeito, da corrupção, do preconceito, da indiferença. Porém, “A graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens” (Tt 2,11). Para que a luz vença as trevas é preciso, porém, que o ser humano abandone a “impiedade e as paixões mundanas” vivendo “neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade” (Tt 2,12).

A sociedade pós-moderna e neoliberal sufoca o sentido do Natal. E os cristãos vão perdendo de vista seu sentido verdadeiro. As compras de presentes e mais presentes, despesas inúteis, gastos e festas com verniz de generosidade, bondade e emoção. Ações de momento que não trazem a libertação verdadeira do ser humano. Pelo contrário, costuma aprisioná-lo ainda mais nas malhas de uma ideologia assistencialista, por vezes marcada por um espiritualismo alienante ou uma fé emocionalista que proclama: “Deus mandou isso para você!”. “Tenha fé que você vai conseguir!”. “Levante a mão quem aceita a salvação”. “Tive uma revelação: você está sendo curado nesse momento”. Fica parecendo que as dificuldades da vida se resolvem como num passe de mágica! Espere aí, gente! Vamos sair dessa fé infantil e artificial e viver uma fé mais madura, mais consistente! Chega de enganar as pessoas ou de iludir-se a si mesmo! Há programas religiosos de rádio e televisão que se dizem cristãos, mas que não têm nada a ver com o Evangelho, com Jesus de Nazaré! Insistem em mensagens que alimentam uma fé infantil, uma fé com capa cristã, mas com miolo pagão.

O Jesus que celebramos neste Natal é gente de verdade. Um menino pobre, filho de um casal de trabalhadores anônimos da Galiléia. Experimenta a condição dos excluídos: nasce entre os pastores – pois não havia lugar na hospedaria da cidade – excluídos e odiados pelos citadinos porque o rebanho era ameaça às lavouras dos proprietários de terra residentes na cidade. Não veio justificar a exclusão e a miséria que atingia (e atinge ainda hoje) a maior parte da humanidade. Nem muito menos endossar o assassinato de pequenos indefesos. – Isso foi atitude de Herodes, perseguidor de Jesus por medo de perder o poder –. Jesus, pelo contrário, veio para anunciar que o Reino de Deus é partilha, é respeito, é acolhida das diferenças, é vida em abundância para todos. E que todos nós que nos dizemos cristãos, só o seremos de fato quando nos comprometermos com o Evangelho que ele veio anunciar.

O “Filho de Davi” nasce entre os pastores na cidade de Belém, a cidade de Davi. Este rei, quando menino, era pastor. Foi consagrado para ser o pastor de Israel. Porém, assediado pelo poder, assumiu uma postura de rei poderoso. E perpetrou muitos atos de maldade e de infidelidade, muito embora tenha pedido perdão. Porém, aquele que devia ser a salvação de Israel descenderia de Davi. Ao nascer, o faz em meio aos pastores para lembrar que veio para ser pastor do rebanho, e não para se servir das ovelhas (cf. Ez 34). – Quando olhamos para os dirigentes e legisladores de nosso País (e quase todos se dizem cristãos!), que metem a mão no dinheiro público para fazerem lobby (influência) junto ao grande capital e aos eleitores, somos acometidos por uma grande decepção e indignação: as ovelhas estão sendo devoradas e/ou abandonadas pelos lobos travestidos de pastores!

O sinal para identificar o menino é também interessante: “Um recém-nascido envolto em faixas e deitado numa manjedoura”. É o sinal da mudança de valores: aqueles que esperavam um Messias poderoso não poderão encontrá-lo. A salvação brota do meio dos marginalizados, dos simples, dos pequeninos. Os sinais para encontrá-lo não são luzes brilhantes, nem milagres estupendos, nem roupas de grife. Mas “um recém-nascido envolto em faixas”. Ademais os primeiros a visitá-lo não são os dignitários da cidade, mas os simples pastores. Sua presença como primeiras testemunhas do nascimento do Salvador evidencia a gratuidade e simplicidade de Deus, que dispensa aparatos oficiais.

Eis, pois, a grande Luz que nos enche de alegria. Experimentar e contemplar a salvação de Deus, em Jesus, deve ser motivo de profunda alegria para todos nós: “Eis que eu vos anuncio uma grande alegria”. Renunciando às trevas do egoísmo, colocamo-nos na grande Luz de Deus. Nesse encontro amoroso e gratuito com o Senhor, somos fortalecidos para continuar trabalhando em favor dos excluídos, dissipando as trevas com a luz que recebemos de Deus na participação da vida divina que nos mereceu Jesus pela sua morte e ressurreição. Então não precisamos temer as trevas, pois em Jesus recebemos “graça sobre graça” (Jo 1,16).

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POR QUE 25 DE DEZEMBRO?

Muita gente pensa que o dia 25 de dezembro é a data do aniversário de Jesus. Porém é preciso esclarecer que não se tem nenhum registro do dia nem do mês em que Jesus nasceu. O que se sabe com bastante certeza é que terá nascido entre os anos 04 e 06 antes da Era Cristã.

E como se estabeleceu o dia 25 de dezembro para celebrar o Natal do Senhor? É que em Roma, nesta data, se celebrava o “Nascimento do Sol invicto”. Ou seja, na noite mais longa e no dia mais curto, devido à distância entre o sol e a linha do equador, acreditava-se que o sol “renascia”. Era o solstício do inverno, ou seja, a volta do sol que marcava o fim do inverno e início do verão. Como o sol representava uma divindade pagã, 25 de dezembro era dia de festa religiosa. Ora, a Igreja, com a sabedoria que lhe é própria, valeu-se deste fato para introduzir os cristãos na celebração daquele que é o Sol que não tem ocaso, a Luz definitiva da vida do fiel, o “Sol Invicto”. Assim, os pagãos que se convertiam à fé eram introduzidos na celebração de Jesus Cristo, a “Sol nascente que brilha nas trevas” (cf. Lc 1, 78-79). A festa pagã foi cristianizada.

Se na Igreja Romana se celebra o Natal no dia 25 de dezembro pelas razões aludidas, a Igreja Oriental celebra esta mesma solenidade no dia 06 de janeiro, denominando-a Epifania, Manifestação do Senhor. Neste dia os cristãos de rito ortodoxo celebram numa mesma liturgia o nascimento do Salvador e a visita dos Reis Magos (Dia de Reis).

O que tudo isso importa para nós? Que a liturgia da Igreja é sempre uma busca de inculturar a fé na realidade que vivemos. Símbolos e celebrações pagãs foram cristianizados e introduzidos na liturgia cristã para que o ensinamento e a vida de Jesus encontrem ressonância dentro de nós e nos ajudem a transparecer na vida cotidiana as realidades que celebramos na liturgia.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A comunidade cristã nasce e vive da fé

aureliano, 18.01.19

2º domingo do TC - C.jpg

2º Domingo do Tempo Comum [20 de janeiro de 2019]

[Jo 2,1-11]

Estamos no Tempo Comum da liturgia da Igreja. Esse tempo é caracterizado pelo cotidiano, que não deve ser menosprezado, mas alimentado pela contemplação dos mistérios da vida de Cristo. A cor verde recorda a esperança que deve alimentar o cristão, e o pinheiro, árvore forte, recorda ao cristão que deve ser forte e perseverante em meio às intempéries da vida.

O evangelho desse 2º domingo do Tempo Comum vem como que coroar todo o mistério natalino que acabamos de celebrar. É o início da vida pública de Jesus.

“Este foi o início dos sinais de Jesus. Ele o realizou em Caná da Galileia e manifestou a sua glória, e seus discípulos creram nele”. Este versículo é vital para a interpretação deste “Sinal” realizado por Jesus O acontecimento de Caná da Galileia foi decisivo para que os discípulos acreditassem em Jesus.

Notem que João não chama de milagre, mas de sinal. O que Jesus realizou era um “sinal’ (o primeiro dos sete que João narrará ao longo do evangelho) de sua messianidade já anteriormente reconhecida: Cordeiro de Deus (Jo 1,29.36), Messias (Jo 1,41), aquele sobre quem escreveu Moisés e os profetas (Jo 1,45), Filho de Deus e Rei de Israel (Jo 1,49). É uma confirmação para os discípulos de tudo aquilo que fora dito a seu respeito.

“Seus discípulos creram nele”. Para o seguimento de Jesus era imprescindível a fé. Esta leva a agir segundo as palavras e as atitudes de Cristo. Aquele que crê empenha-se sempre na prática da justiça e da fraternidade, da concórdia e da paz, do cuidado e defesa da vida. O agir daquele que crê assume contornos novos. Quem crê assume as atitudes de Jesus: “Vivo, mas não sou mais eu, é Cristo que vive em mim. Pois a minha vida presente na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20).

Tratando-se de Igreja, a fé é vital para que haja renovação na vida pessoal, eclesial, social e comunitária. Bento XVI, na Carta Apostólica Porta Fidei afirma: “A renovação da Igreja realiza-se também através do testemunho prestado pela vida dos crentes: de fato, os cristãos são chamados a fazer brilhar, com sua própria vida no mundo, a Palavra de verdade que o Senhor Jesus nos deixou” (nº 6).

No relato, João fala que Jesus fez um “sinal”: transformou a água em vinho numa festa de casamento. Aqui se faz necessário certo nível de abstração para que nosso espírito adentre no que o texto quer dizer. Ele não está falando de casamento, simplesmente. Este relato precisa ser interpretado à luz da intencionalidade de João ao escrever seu evangelho: o noivo é Jesus, a água e as jarras são a Lei, o vinho novo é a presença inovadora da vida e do ensinamento de Jesus, Maria é a comunidade eclesial etc. Enfim, todos os elementos deste relato estão carregados de sentido e significados para despertarem e gerarem a fé nos discípulos.

A ‘glória’ e a ‘hora’ de que fala Jesus se concretizarão mais tarde em sua morte na cruz.: “Agora o Filho do Homem é glorificado, e Deus foi glorificado por ele” (Jo 13,31). E na oração ao Pai, antes da paixão, diz: “Pai, é chegada a hora, glorifica o teu Filho, a fim de que o teu Filho te glorifique” (Jo 17,1).

A propósito da expressão “mulher”, entendemos que Jesus tencionava falar da Igreja. Maria sua mãe é ícone dessa Igreja sonhada que ele sonhou. Na cruz ele volta à expressão, cumprindo a sua “hora”: “Vendo assim sua mãe, e perto dela o discípulo que ele amava, Jesus disse à sua mãe: ‘Mulher, eis aí o teu filho’. A seguir disse ao discípulo: ‘Eis a tua mãe’” (Jo 19,26-27). Maria, a mulher atenta à falta de vinho na festa, estava presente ao pé da cruz. Ali é feita mãe dos crentes. Maria é bendita porque é a mulher que acreditou (cf. Lc 1,45).

A liturgia da Palavra de hoje nos leva a pensar e a rezar um pouco mais nossa vida de fé. Sem entrar na ‘festa de casamento’ que o Pai nos preparou em seu Filho não é possível uma dinâmica de fé que nos faça pensar e agir de modo novo, vibrante, entusiasmado, transformador.

Aquele vinho novo que deve ser ‘bebido’ por nós, significa também todos nós, Igreja de Jesus. Não podemos continuar como água engarrafada, parada, represada, sem sentido. Deixemos o Pai nos transformar em vinho novo, para levar alegria e alento a tantas pessoas desiludidas, sem voz e sem vez. Há muita gente sem alegria, sem esperança, sem sentido de vida. Se experimentamos o vinho novo, que é a própria vida de Jesus, seremos sua extensão na história.

A ordem que a Mãe de Jesus nos transmite com seu agir discreto e oportuno é clara: “Fazei tudo o que ele vos disser”.

Um pensamento do Pe. Pagola poderá ajudar-nos a entender melhor o ‘vinho novo’ trazido por Jesus e tão necessário à sociedade em que vivemos:

 “Estas bodas anônimas nas quais os esposos não têm rosto nem voz própria, é figura da antiga aliança judia. Nestas bodas falta um elemento indispensável. Falta o vinho, sinal da alegria e símbolo do amor, como cantava o Cântico dos Cânticos.            

É uma situação triste que só se transformará pelo ‘vinho’ novo trazido por Jesus. Um ‘vinho’ que só o saboreia quem crê no amor gratuito de Deus Pai e vive animado pelo espírito de verdadeira fraternidade.

Vivemos numa sociedade em que, cada vez mais, se enfraquece a raiz cristã do amor fraterno desinteressado. Com frequência o amor se reduz a uma troca mútua, prazerosa e útil, em que as pessoas buscam somente seu próprio interesse. No entanto se pensa, talvez, que é melhor amar que não amar. Porém, na prática, muitos estariam de acordo com aquele princípio anticristão de S. Freud: ‘Se amo alguém, é preciso que este o mereça por alguma razão” (Pe. José Antônio Pagola).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Eles O reconheceram no pão repartido

aureliano, 27.04.17

discípulos de emaús.jpg

3º Domingo da Páscoa [30 de abril de 2017]

[Lc 24,13-35]

Esse relato de Lucas traz muitos elementos para serem refletidos e rezados.  Mostra a experiência de uma comunidade em relação à morte e à ressurreição de Jesus e consequente missão. Essa experiência faz reconhecer Cristo nas Escrituras e na celebração do pão repartido. Para além da materialidade do pão partido está a presença de Jesus. Por isso ele ficou invisível aos discípulos. Jesus abriu-lhes os olhos e eles o reconheceram, mas não o viram. A experiência de fé é algo que brota da ação de Deus em nós através de algum sinal. Mas transpõe o sinal. Por isso a Igreja proclama na celebração eucarística: “Eis o Mistério da Fé”.

É interessante acompanhar os passos de Jesus nessa dinâmica de formar o discípulo. Dois discípulos que haviam estado com os Onze na manhã de domingo dirigem-se a Emaús depois de ouvir o relato das mulheres e de Pedro. Jesus é tomado por eles como outro peregrino que volta da festa de Jerusalém. Os dois discípulos não o reconhecem. Seus olhos “estavam impedidos” pela cegueira espiritual. Os discípulos estão angustiados pela morte de Jesus e têm dificuldade para acreditar que outro peregrino não saiba do acontecimento trágico. Descrevem Jesus como profeta poderoso em palavras e obras. Esperavam dele algo mais: o libertador de Israel. O relato do “túmulo vazio” não os levou a concluir que ele havia ressuscitado, pois a ressurreição esperada pelos judeus era a vitória geral de todos os justos, e não uma ressurreição individual no meio da história.

A cegueira dos discípulos é repreendida e ao mesmo tempo curada pelo estranho peregrino. Explica-lhes as Escrituras e eles ficam impressionados com o que Jesus dizia, a ponto de convidá-lo para ficar com eles. Este ficar ou permanecer remete-nos a Jo 15, 4-10: Permanecei em mim como eu em vós. Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto.  Permanecei no meu amor.

Jesus partilha com eles o pão que recorda a multiplicação dos pães e a Última Ceia. Nessa “fração do pão”, nome que se dava à Eucaristia nos inícios da Igreja, eles o reconhecem. Então se lembram de que o coração “ardia” quando ele lhes falava pelo caminho. É a experiência que fazem do Ressuscitado. Essa experiência não pode ser guardada, mas compartilhada, proclamada. Por isso voltam para Jerusalém. Se antes voltavam da Cidade nas trevas, impossibilitados de enxergar, imersos em profunda angústia, decepcionados, agora retornam à Cidade cheios de ardor e de entusiasmo, iluminados.  É o que deve realizar em nós a Eucaristia, a Celebração, o encontro com Jesus Cristo na Palavra e no Pão Eucarístico. Se saímos da Celebração acabrunhados, desanimados, há alguma coisa errada. Não deveria ser assim.

Foi no “partir o pão” que eles reconheceram o Senhor. A esse propósito é oportuno recordar uma exortação de São João Crisóstomo a respeito das consequências da Eucaristia na vida do discípulo de Jesus:

De que serve ornar de vasos de ouro a mesa do Cristo, se ele mesmo morre de fome? Começa por alimentá-lo quando está faminto, e então poderás decorar sua mesa com o supérfluo. Dize-me: se, vendo alguém privado do sustento indispensável, o deixasses em jejum e fosses enfeitar sua mesa com vasos de ouro, achas que ele te seria agradecido? Ou não ficaria indignado? Ou ainda, se vendo-o vestido de andrajos e trêmulo de frio, o deixasses sem roupa para erigir-lhe monumentos de ouro, pretendendo assim honrá-lo, não diria ele que estarias zombando dele com a mais refinada ironia?

Confessa a ti mesmo que ages assim com o Cristo, quando ele é peregrino, estrangeiro e está sem abrigo, e tu, em lugar de recebê-lo, decoras os pavimentos, as paredes e os capitéis das colunas. Suspendes candelabros com correntes de prata, e quando ele está acorrentado, não vais consolá-lo. Não digo isto para reprovar esses ornamentos, mas afirmo que é necessário fazer uma coisa sem omitir a outra; ou melhor, que se deve começar por esta, isto é, por socorrer o pobre.

Esta exortação do “Boca de Ouro” do século IV em Antioquia/Constantinopla deveria retumbar naquelas realidades de nossas comunidades que promovem bingos, festas, quermesses e dízimo em função preponderantemente de construções, obras e reformas, ou mesmo para ornamentos e materiais litúrgicos de preços exorbitantes, reservando-se, por vezes, uma migalha para ações sociais e missionárias. A postura e as homilias de Crisóstomo deveriam ser retomadas em nossa Igreja!

Mais do que nunca esta palavra vale também para ações governamentais de gestão dos bens públicos. Há verdadeira espoliação dos pobres, desperdício criminoso e pecaminoso do erário brasileiro, desgoverno total em nosso País. Um pecado que brada aos céus! O que se desperdiça e se rouba, se frauda, se estorque em nosso País seria mais do que suficiente para dar perfeitas condições de vida digna para todos os brasileiros e brasileiras como saúde, moradia, segurança, alimentação.

São João Paulo II, na Carta Mane nobiscum, Domine, refletindo sobre este relato do Evangelho, diz: “Quando os corações são aquecidos e as mentes, iluminadas, os sinais falam”. Se permitimos que a Palavra de Deus seja a única luz a iluminar nossas decisões e a aquecer nossos corações, conseguiremos perceber os sinais de Deus na História: nos gestos simples de um pobre, no olhar de uma criança, no clamor de um doente sobrante, num rio poluído que pede socorro, numa planta vecejante, na mulher oprimida, nos direitos ameaçados. Realidades que atraem nosso olhar e imploram uma atitude de ação contemplativa e de contemplação ativa.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN