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Pobres e ricos: que fim os aguarda?

aureliano, 14.02.25

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6º Domingo do Tempo Comum [16 de fevereiro de 2025]

[Lc 6,17.20-26]

No relato do evangelho do domingo passado (5º Domingo), vimos Jesus chamando os quatro primeiros discípulos. Quer que sejam “pescadores de homens”. E eles entendem que precisam se desapegar dos bens materiais para seguir a Jesus com liberdade e inteireza de coração (Lc 5,10-11). O relato transparece claramente que Jesus quer um novo modo de vida e de mentalidade para seus seguidores.

O relato do evangelho de hoje traz o “Sermão da Planície” em contraposição ao “Sermão da Montanha” de Mateus 5,1-12. Lucas tem perspectiva diferente de Mateus. Os destinatários são outros: comunidades provenientes da cultura grega, pagã. O conteúdo dos dois relatos é o mesmo. Mas aqui Jesus profere também uma maldição contra os ricos. Além disso, ao “descer a montanha”, Jesus quer mostrar a condescendência de Deus que vem até nós. Elemento fundante da nossa fé cristã é a revelação de um Deus que se faz um de nós (cf. Jo 1,14), que desceu e se tornou servo (cf. Fl 2,7). De rico que era, se fez pobre por nós (cf. 2Cor 8,9). Um Deus que “desce”.

A fé cristã provoca uma revolução no coração daquele que acredita. O encontro com Jesus Cristo transforma a pessoa, abre um horizonte novo, faz enxergar o mundo de modo diferente. Produz no coração do crente o desejo de Deus, o desapego, o espírito de partilha, de solidariedade, de cuidado com o outro e com a Casa Comum. Foi isso que aconteceu aos santos e santas: São Francisco de Assis, Beato Charles de Foucauld, Pe. Júlio Maria, Santa Teresa de Calcutá, Santa Dulce dos Pobres e tantos outros.

Mas convenhamos. Ouvir uma proclamação de felicidade para os pobres é muito bom! E todos gostam de ouvir e até de dizer. Mas ouvir que os ricos estão perdidos, não é coisa fácil: “Ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação”. O Profeta, na primeira leitura, visa a nos preparar para isso: “Maldito o homem que confia no homem e faz consistir sua força na carne humana” (Jr 17,5). Por outro lado, brota do coração de Deus uma palavra de consolo: “Bendito o homem que confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor” (Jr 17,7).

Alguém poderia argumentar: “Deus criou os bens deste mundo para serem usufruídos”. É verdade! Porém há que se distinguir: uma coisa é possuir os bens e usufruí-los; outra coisa é ser possuído por eles, ser escravo dos bens materiais. E como se não bastasse, escravizar os outros para possuir sempre mais. Atentemos à advertência de São Paulo: “Eis o que digo, irmãos: o tempo se faz curto. Resta, pois, que aqueles que têm esposa, sejam como se não tivessem; aqueles que choram, como se não chorassem; aqueles que se regozijam, como se não regozijassem; aqueles que compram, como se não possuíssem; aqueles que usam deste mundo, como se não usassem plenamente. Pois passa a figura deste mundo” (1Cor 7,29-31). Os bens materiais não podem ocupar o primeiro lugar em nossa vida. Porque eles não trazem dentro de si a felicidade permanente, verdadeira, intransferível.

A Sagrada Escritura quer nos mostrar que nenhum bem material é definitivo. Na parábola do homem que construiu um grande armazém para guardar sua colheita e se locupletar sozinho, Jesus mostra que a vida e os bens só têm sentido na medida em que são vividos e empregados segundo os critérios do Reino de Deus: “Insensato, nessa mesma noite ser-te-á reclamada a alma. E as coisas que acumulaste, de quem serão?” (cf. Lc 12,16-21). A vida do ser humano não consiste em possuir muitos bens, em ter muito dinheiro, em ser reconhecido pelo que tem (cf. Lc 12,15). Há muita vaidade por aí. Há pessoas que pensam somente em trabalhar para ganhar dinheiro; ganhar dinheiro para comprar coisas; comprar coisas para se exibir. E por aí se vai. Depois vem a desavença, a rivalidade, a velhice, a doença, a morte. E Depois?...

O programa de vida de Jesus é “anunciar a boa nova aos pobres”. Deus ama o ser humano por si mesmo. Não faz parte de sua “agenda” admirar stutus quo, reconhecimento social, aparência, sucesso, títulos, diplonas e aplausos. Deus ama o ser humano de graça. E quer que ele se faça simples , pequeno, pobre.

Além disso, quando Jesus proclama “Bem-aventurados vós, os pobres” não quer dizer que o pobre seja mais virtuoso do que o rico. É que Deus quis fazer sua “opção preferencial” pelos pobres. Com isso entende-se que a graça vem de Deus e não de algum favor humano. Os pobres não são felizes por causa de sua pobreza. Eles são felizes por saber que Deus está com eles. Seu sofrimento não durará para sempre. O Senhor lhes fará justiça. Jesus deixa claro: os que não interessam a ninguém são os que mais interessam a Deus. Deus quer estar com eles. E, para nós que vivemos na abundância, quando voltamos nosso olhar e nossa presença junto aos pobres, podemos ter aí uma grande oportunidade de fazer um caminho de conversão.

É bom ressaltar que Jesus não é contra os ricos. Por isso os exorta a mudar de mentalidade, a se esvaziarem de si mesmos, a se desapegarem de seus bens fazendo com que todos possam também usufruí-los. Os bens da criação devem ser distribuídos a todas as pessoas. Deus criou a terra e a deu ao ser humano para que cuidasse dela: “O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2,15). Basta ler o episódio de Jesus e Zaqueu (Lc 19, 1-10). O coração de Zaqueu encheu-se da salvação de Deus quando ele decidiu devolver o que roubara, e distribuir com os pobres parte dos bens: “Zaqueu, de pé, disse ao Senhor: ‘Senhor, eis que dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo’. Jesus lhe disse: ‘Hoje a salvação entrou nesta casa’” (Lc 19,8-9).

Senhor Jesus, desperta nosso coração para maior sensibilidade e solidariedade com os mais pobres. Ajuda-nos a ter um coração de pobre, um coração que saiba consolar, que saiba cuidar, que saiba chorar com os choram aquela dor doída. Inspira-nos palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos. E não deixes que a preocupação e a busca desenfreada dos bens materiais, do sucesso a todo custo, do lucro a qualquer preço tomem conta de nosso coração. Dá-nos enfim aquela coragem suficiente para anunciar teu Reino de amor e denunciar as perversidades contra os pequenos e sofredores da terra.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Que ninguém seja surpreendido

aureliano, 01.12.23

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1º Domingo do Advento [03 de dezembro de 2023]

[Mc 13,33-37]

DEUS ENTRA EM NOSSA HISTÓRIA

O tempo litúrgico do Advento celebra a entrada de Nosso Senhor Jesus Cristo no mundo. É Deus entrando em nossa história para salvá-la, dar-lhe um sentido novo. O cristão é chamado a renovar em seu coração a esperança da salvação que nunca falha. A Igreja aproveita a oportunidade para ajudar seus fiéis a renovar as atitudes interiores de vigilância, de expectativa, de oração fervorosa e contínua, de abertura ao Senhor que quer “armar sua tenda no meio de nós” (cf. Jo 1,14). Ele quer continuar conosco (Emanuel), quer que lhe abramos o coração, quer que nos convertamos ao seu amor, quer que nossas atitudes sejam inspiradas nas palavras e ações de Jesus e de Maria de Nazaré.

Com o Advento, iniciamos o Ano Litúrgico. É tempo de renovar a esperança no Deus que virá, mas que já está no meio de nós: “já e ainda não – jam et nondum”. A vigilância recomendada por Jesus, hoje, é o modo como o reconhecemos no meio de nós. Aliás, o evangelho do domingo passado (Mt 25, 31-46) nos indicou o caminho por onde devemos trilhar para uma constante vigilância: o serviço generoso aos pequeninos do Reino.

O mercado se vale desta ocasião para vender, comprar, consumir produto, ganhar dinheiro. É preciso, porém, ter cuidado para não fazermos deste tempo uma ocasião somente para fazer festas, deixando em segundo plano aquela preocupação basilar de que falam as leituras da liturgia deste domingo: “É ele também que vos dará a perseverança em vosso procedimento irrepreensível, até ao fim, até ao dia de Nosso Senhor, Jesus Cristo” (1Cor 1,8). E ainda: “Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem... Para que não vos suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo” (Mc 13,35-36).

Não quero, com isso, negar a importância da festa, do encontro familiar, do descanso, da dança, da música, das alegrias ao redor da mesa. O que deve, porém, caracterizar nossas festas é a dimensão cristã destas festividades. Não perder o sentimento de solidariedade: não esbanjar, desperdiçar; não fechar o coração ao pobre e necessitado; buscar a reconciliação, o perdão, a celebração. Uma excelente oportunidade para reconciliar-se com um vizinho ou um familiar com quem se está brigado. São elementos que podem tornar mais cristãs as festas natalinas.

EVANGELHO DO DIA: “VIGIAR”

O acontecimento histórico, pano de fundo desse relato de Marcos, é a destruição de Jerusalém, nos anos 70, pelo exército romano. Foi um acontecimento terrível que provocou muito sofrimento, morte, destruição, sobretudo, do maior símbolo da fé judaica, o Templo. A comunidade de Marcos procurou tirar destes acontecimentos importante lição para a vida cristã: é preciso vigiar.

Ademais, havia no coração dos primeiros cristãos a convicção de que a parusia, isto é, a Segunda Vinda do Senhor, estava perto. Então conduziam a vida com este pensamento. E como a “volta” não acontecia, demorava, começaram a esmorecer na fidelidade ao Evangelho. Daí a ordem insistente: “Vigiai”. Ou seja, o cristão precisa viver em permanente estado de alerta para não se deixar perverter pelo mal que campeia no mundo.

Ainda mais: a vinda do Senhor não deve ser para o cristão motivo de medo, mas de alegre e confiante esperança. Essa expectativa da vinda gloriosa do Senhor, muito presente nas primeiras comunidades cristãs, deve nos levar a pensar no Cristo que inaugurou a presença do Reino no nosso meio, e que, uma vez concluída sua missão neste mundo, entregou-nos a tarefa de continuar (com ele) o que ele começou. Portanto é um trabalho, uma tarefa na qual devemos estar sempre acordados, atentos, vigilantes. É assumir como nossa a causa de Deus. Nossa ocupação neste mundo é trabalhar para que o Reino de Deus se estabeleça no mundo e nos corações. Não podemos dar tréguas, dar-nos por satisfeitos, acomodar-nos.

três situações que ameaçam a vigilância do cristão: a superficialidade da vida: falta de profundidade nas palavras e ações; a sensualidade: busca do prazer carnal com prejuízo da vida espiritual; a necessidade de bem-estar: preocupação excessiva com posses e poder.

Superficialidade: As relações tendem a ser inconsistentes; há muito jogo de interesse nas ditas ‘amizades’; mesmo as práticas religiosas estão marcadas pela superficialidade: diante de um desagrado, abandona-se ou troca-se de credo. Falta raiz, profundidade, falta convicção. Muitas relações se sustentam na base da troca, do dinheiro, do patrimônio material. Uma vez que alguma situação dessas começa a ruir, está desfeita a amizade, a parceria, o companheirismo. Isso sem falar daquelas pessoas de duas caras... É muito triste!

Sensualidade: Realidade humana interessante e, por vezes, necessária, marcada, no entanto, por um caráter ardiloso que transvia os corações vigilantes, pervertendo relações esponsais, familiares e comunitárias, trazendo grande prejuízo para a sociedade. É uma armadilha que prende a pessoa aos instintos egoístas. Um grau de sensualidade faz parte das relações, sobretudo das relações amorosas conjugais. Mas se a pessoa apostar nos jogos sensuais como substância da vida, vai se desviar do caminho da vida, do caminho de Jesus. Ela não é a única realidade que constitui o ser humano. Nem é o único meio de se estabelecer relação saudável.

Necessidades de bem-estar: Outra armadilha do mal que nos prende é o consumismo: compramos coisas de que não precisamos; gastamos o que não temos; fechamos os olhos às necessidades de nossos irmãos que vivem realidades miseráveis. O autocentramento fecha o ser humano em seu próprio mundo, tornando-o incapaz de abrir-se aos demais. Aos eternos insatisfeitos com a vida, é bom lembrar Santo Agostinho: “Fizeste-nos, Senhor, para ti. E o nosso coração andará inquieto enquanto não descansar em ti”.

A recomendação de Jesus para que estas armadilhas não nos surpreendam é o estado permanente de vigilância: estarmos acordados e atentos à vivência de nossa fé. Buscar o “único necessário” (cf. Lc 10,42).

A única forma de entregarmos a Ele um “relatório” completo de tudo o que fizemos é nunca faltarmos ao “serviço”. Viver cada dia como se fosse o último. Não adiar comprometimento com a comunidade e com a causa dos pobres. Não omitir. Não mentir. Não enganar.

A obra de Deus é resultado de mão dupla: Ele vem ao nosso encontro e nós vamos ao encontro d’Ele. A parte de Deus ele já a realizou em seu Filho Jesus. A nossa parte é a disposição diária de realizar a vontade d’Ele, cultivando o amor que ele veio nos ensinar. Procurando expressar em nossa atitude as atitudes de Jesus.

Vigiar é o contrário de adormecer, de desligar-se. Hoje em dia estamos plugados, conectados dia e noite nas redes sociais, mas, com muita frequência, totalmente desligados uns dos outros e de nossa relação com Deus, realidade última que nos constitui. Jesus quer dizer que vigiar é não se deixar seduzir pelas propostas de um mundo afastado de Deus, capitalista, consumista, hedonista, neoliberal. Não se pode desanimar diante dos desafios e dificuldades. Ligar-se a Deus, confiar n’Ele, acreditar no projeto de Jesus e tocar em frente. Assim, ninguém será surpreendido.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Cristo padece nos pobres e sofredores

aureliano, 27.03.21

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Domingo de Ramos [28 de março de 2021]

 [Mc 11,1-10 (Ramos) e Mc 14,1 – 15,47 (Paixão)]

Estamos entrando na Semana Santa! Esta Semana passou a ser celebrada com a intenção de rememorar a Paixão do Senhor. Na Idade Média ela tomou corpo e fôlego, sobretudo pela tentativa de reviver o episódio da Paixão do Senhor descrita pelos evangelistas. Esta semana era até chamada de Semana Dolorosa, pelo fato de se dramatizarem os sofrimentos de Cristo.

Parece simples, mas o conhecimento desse dado histórico é interessante porque pode nos ajudar a entender o porquê das vias sacras e outras representações da paixão do Senhor. Ficaremos então atentos para não nos perdermos nos folclores e dramatizações, mas adentrarmos mais profundamente no Mistério profundo da entrega de Jesus, manifestação do amor do Pai, e nos atermos ao mistério fundante de nossa fé cristã, a Ressurreição do Senhor.

Este domingo se chama, na verdade, Domingo da Paixão nos Ramos. Jesus entra triunfante em Jerusalém para sofrer a Paixão. Portanto, celebramos dois acontecimentos: a aclamação de Jesus como o “Bendito que vem em nome do Senhor” e a contemplação de sua Paixão. É o único domingo do ano que a Igreja celebra a Paixão propriamente dita de Jesus, proclamando no Evangelho os relatos da Paixão.

Algumas considerações: Jesus pediu aos discípulos para buscar um jumentinho. Deviam dizer aos interrogantes: “O Senhor precisa dele”. O Senhor quer também precisar de nós. Somos os “jumentinhos” do Senhor. Nós temos nos colocado à disposição dele?

Ainda mais: as pessoas espalhavam roupas e ramos pelo caminho aclamando a Jesus. E nós? Aplaudimos Jesus passando pela Cruz até à sua Ressurreição? Temos dado algo de nós para Jesus passar? Notamos que ele passa diante de nós no irmão que sofre?

Nesta semana a Igreja nos convida a contemplar Jesus que oferece sua vida como dom ao Pai. Ele não vai à cruz porque gosta de sofrer ou porque quer morrer. Jesus não é nenhum suicida nem sado-masoquista! A paixão e sofrimento por que passa é consequência de sua fidelidade ao Pai. A contemplação de Cristo na cruz deveria nos levar a agradecer ao Pai por nos ter dado Jesus como Salvador. O Pai olha para seu Filho, vítima da maldade humana, como a olhar para todos aqueles que são injustiçados, vitimados por uma sociedade que sacrifica os menores. Quem é que sofre mais em consequência do mau atendimento do SUS, da falta de médicos e medicamentos? Quem é que morre em consequência de desvio de verbas, da propina, da corrupção sistematizada, dos jogos políticos para se ganharem e venderem cargos?

Jesus continua passando pelas nossas ruas e praças. Às vezes aplaudimos Jesus em uma celebração ou culto e o insultamos no rosto do desvalido! Por vezes nos silenciamos diante da maldade perpetrada. Atribui-se a Martin Luther King uma frase de valor inquestionável: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. O silencio pode esconder cumplicidade no crime e na maldade. Isso é muito grave! Precisamos de um sério exame de consciência nesta Semana Santa na busca de um caminho de manifestação da bondade do Pai em nossas ações cotidianas. Fecundar a sociedade estéril, porque individualista e narcisista, com uma atitude de quem serve: “Eu vim para servir” (Mt 20,28).

E, nas trilhas da superação da violência, queremos nos lembrar de que somos todos irmãos (cf. Mt 23,8). Portanto ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém; ninguém pode morrer à míngua; ninguém pode sofrer violência seja de qualquer natureza; ninguém pode ser abandonado à sua própria sorte; ninguém pode ser discriminado por motivos de raça, religião, de orientação sexual ou condição social.

Portanto, a celebração de entrada de Jesus em Jerusalém deve valorizar não tanto os ramos, mas o mistério expresso pela procissão que proclama a realeza messiânica de Cristo. Uma vida entregue livremente para que toda violência e maldade fossem eliminadas da face da terra. Eis a nossa missão.

*Lembramos que hoje é o Dia Nacional da Coleta da Solidariedade. A Igreja espera e conta com a participação de todos os fiéis com esse gesto de compromisso com as incontáveis vítimas da violência e de outras formas de destruição da vida que campeiam ao redor de nós. Esse gesto fraterno e solidário é uma demonstração de nosso desejo de conversão quaresmal, de volta para Deus presente nos irmãos e irmãs sofredores para aliviar-lhes um pouco a dor.

“O resultado integral das coletas realizadas nas celebrações do Domingo de Ramos, coleta da solidariedade, com ou sem envelope, deve ser encaminhado à respectiva Diocese. Do total arrecadado pela Coleta da Solidariedade, a Diocese deve enviar 40% ao Fundo Nacional de Solidariedade (FNS), gerenciado pela CNBB. A outra parte, 60%, permanece nas dioceses para atender projetos locais, pelos respectivos Fundos Diocesanos de Solidariedade (FDS)” (Texto-Base, p. 78).

Obs.: Tendo em vista esse tempo de pandemia e isolamento social em que não faremos celebrações presenciais, cada um esteja atento às orientações diocesanas e paroquiais para a data e a modalidade da entrega da Contribuição Solidária.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Batismo: conversão e compromisso

aureliano, 10.01.20

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Batismo do Senhor [12 de janeiro de 2020]

[Mt 3, 13-17]

Com a festa do Batismo de Jesus, a Igreja encerra o tempo do Natal. O Batismo de Jesus é mais uma Epifania: manifestação de Jesus como o “Filho amado” do Pai. Ele é quem levará a termo o projeto de Deus, por isso exige a João “cumprir toda a justiça”.

Se Jesus é o Filho de Deus, por que quer ser batizado? Que significa o batismo de Jesus?

O batismo de João é um batismo de conversão, um rito de purificação que prepara “os caminhos do Senhor”. Desde a concepção de Jesus, João Batista esteve a ele relacionado. Agora aparece nos inícios de sua vida pública, anunciando a conversão à prática da justiça como caminho para remover o pecado.

Quando Jesus, diante da recusa de João em batizá-lo, insiste em que se deve cumprir “toda a justiça”, ele está mostrando que veio para realizar o plano da salvação que o Pai preparou para a humanidade; veio cumprir a vontade do Pai num amor incondicional à humanidade, que culmina com a cruz. Também se expressa aqui o que o batismo simboliza para Jesus: mergulho na condição humana, menos o pecado. No entendimento dos Santos Padres da Igreja, esse gesto de Jesus santifica as águas do batismo. Assim Jesus santifica todas as atividades humanas, toda a criação com sua “descida” no batismo à nossa condição humana.

A festa do Batismo de Jesus deve nos levar a refletir sobre o nosso batismo. Este não significa meramente o perdão dos pecados, como o de João, nem uma bênção ou coisa semelhante. Batismo cristão é a participação no batismo de Cristo e na sua missão como Servo de Deus, no Espírito. Ser batizado é tornar-se servidor dos irmãos e irmãs dentro de uma comunidade cristã. É seguimento a Jesus que, “ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder, andou por toda parte fazendo o bem e curando a todos que estavam dominados pelo diabo” (At 10, 37-38).

Vamos rezar um pouco nosso batismo, rever nossos compromissos batismais, nossa vida em comunidade, nossa prática da justiça e da bondade. Seria bom que todo batizado soubesse o dia de seu batismo e o celebrasse. O Pe. Júlio Maria, fundador de nossa Congregação, Missionários Sacramentinos, dava mais ênfase ao dia do seu batismo do que ao do seu natalício. Penso que pode ser uma experiência a nos ajudar a revitalizar em nós o espírito missionário e comprometido próprios do batismo cristão.

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BATISMO: VIVER SEGUNDO O ESPÍRITO

A festa do Batismo do Senhor quer nos ajudar a pensar e a rezar o nosso batismo, nossa consagração radical que o Senhor fez de cada um de nós. Ao consagrar-nos exclama como fizera ao seu próprio Filho: “Este é meu filho amado”.

O evangelho deixa entrever dois aspectos muito interessantes da vida de Jesus: sua relação com Deus e sua solidariedade com o povo. Havia uma expectativa geral em torno do Messias. A Palestina passava por uma opressão muito grande por parte do poder romano. Pipocavam movimentos messiânicos. Esta é a razão da confusão que o povo fazia a respeito de João e de Jesus.

João, um homem cheio de Deus, não se deixou levar pela vaidade e declarou: “Virá aquele que é mais forte do que eu... Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”. Reconhece em Jesus o enviado do Pai que realiza um batismo que comunica a vida nova na força do Espírito Santo. Pregava um “batismo de conversão”.

O primeiro aspecto a ser ressaltado no relato de hoje é a solidariedade de Jesus com o povo. Por que Jesus quis ser batizado? Ele já não é o Filho de Deus? – Jesus se faz solidário com a humanidade. Entra, humildemente, na fila dos pecadores e pede a João o batismo de conversão. Não que ele precisasse desse rito, mas quer cumprir em tudo a vontade do Pai e sua missão. É o “Servo do Senhor”. “Não quebra a cana rachada nem apaga um pavio que ainda fumega; mas promoverá o julgamento para obter a verdade” (Is 42,3).

O batismo cristão não é um rito para nos afastar do mundo, mas nos reenvia renovados para fazermos o novo acontecer. Nós cristãos precisamos lançar um olhar mais profundo e contemplativo sobre essa atitude de Jesus e criarmos coragem para nos lançarmos, de modo novo, a partir do batismo que nos consagra radicalmente ao Pai, para sermos uma presença de Igreja solidária no meio do povo. Ajudar o povo a fazer um caminho de conversão, de reencantamento por Jesus Cristo, de paixão pelo Reino, de coragem para enfrentar os promotores da violência e da morte, na construção de uma sociedade de paz e de mais vida.

Rezemos um pouco mais nosso batismo. Que diferença faz ser batizado ou não? Que diferença faz crer ou não crer? O batismo que você recebeu quando criança interfere em suas atitudes, em seu modo de viver, de se relacionar, de lidar com o poder e com dinheiro? Como você tem vivido sua vida de oração? Reserva algum tempo para a intimidade com o Pai? Procura ser solidário com os pequenos e pobres, com os doentes e pecadores? – João Batista ainda não descobrira a relação misericordiosa e afável com os debilitados e marginalizados. Ele encerra a Primeira Aliança. Jesus, numa atitude reveladora da bondade do Pai, acolhia os pecadores e os perdoava, aproximava-se dos doentes e os curava, abençoava as crianças, acolhia e valorizava as mulheres. Enfim, mostrou um Deus que se aproxima para salvar.

E você, que foi batizado/consagrado, iluminado pela Palavra, orientado e instruído acerca da bondade de Deus que deve ser expressa em sua vida, como tem se colocado diante daqueles que Deus colocou no seu caminho? Você se considera filho/a de Deus? Vive como filho/a amado? O que lhe falta para ser mais fiel ao seu batismo?

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A POMBA E O ESPÍRITO SANTO

“... e ele viu o Espírito de Deus descendo como uma pomba” (Mt 3,16). O que esse relato quer dizer? Por que a iconografia cristã representa o Espírito Santo em forma de pomba? Vamos tentar compreender esse relato.

A gente precisa ir aprendendo a ler e rezar as Sagradas Escrituras relacionando os textos. Essa perícope de Mateus está relacionada com alguns textos do Antigo Testamento. Vejamos.

Bem no início da Sagrada Escritura lemos no relato da Criação que “o vento de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1,2). O talmude babilônico – uma espécie de interpretação dos rabinos ao texto bíblico - diz mais: “O Espírito de Deus pairava sobre a face das águas, como uma pomba que paira sobre os seus filhotes sem tocá-los”. Esse relato de Gênesis faz antever, de algum modo, o que Cristo Salvador realizará com sua vida salvadora. Os acontecimentos que se deram ao redor de sua vida no Jordão prenunciam a nova Criação da humanidade. O batismo trazido por Jesus nos recria, nos faz nascer de novo (cf. Jo 3,5-7).

Outro relato que não pode ser omitido é o do dilúvio. Noé enviou uma pomba para certificar-se se as águas haviam baixado. A pomba trouxe no bico um ramo de oliveira (cf. Gn 8,11). Esse relato está diretamente relacionado ao batismo de Jesus, uma vez que o dilúvio, no entendimento dos Santos Padres, prefigurava a destruição do pecado e a salvação pelas águas do batismo. Aqui aparecem claramente essas duas realidades retratadas por Mateus no batismo de Jesus: as águas e a pomba.

Portanto, é preciso ficar claro que o Espírito Santo não é uma pomba. O fato de a arte cristã retratar o Espírito Santo em forma de pomba tem estreita relação com esses relatos bíblicos. Mateus diz “descendo como uma pomba”. Ou seja, como a pomba bate as asas e faz correr um vento suave ao pousar, aquele vento produzido pelas asas da pomba pousando assemelha-se ao Espírito que “paira” sobre a criação, sobre Jesus, sobre nós, sobre a Igreja, sobre as oferendas em santificação. É o Hálito santo de Deus. A Divina Ruah.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

“O Senhor fez em mim maravilhas”

aureliano, 18.08.17

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Assunção de Nossa Senhora [20 de agosto de 2017]

[Lc 1,39-56]

A solenidade da Assunção de Maria foi celebrada pela Igreja desde eras antigas. O nome da festa era Dormição de Maria. Isto é, Maria, depois de sua peregrinação neste mundo, ‘repousou no Senhor’. A celebração deste acontecimento está intimamente associada à ressurreição de Jesus. A Páscoa da Virgem traz no centro, não a Mãe, mas o Filho, para quem o olhar do fiel se deve voltar. Aquela que colaborou para a Encarnação do Filho de Deus deve participar da sua Ressurreição. Na festa da Assunção de Maria se revela aquilo que todo homem e mulher anseiam: ser acolhidos inteiramente no céu.

O dogma da Assunção de Maria, festejado a 15 de agosto, tem nomes diferentes, como Nossa Senhora da Boa Viagem, Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora dos Prazeres etc. Foi proclamado por Pio XII, em 1950, com a Bula ‘Munificentissimus Deus’, com o seguinte texto: Definimos ser dogma divinamente revelado: que a imaculada mãe de Deus, sempre virgem Maria, cumprindo o curso de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória eterna”.

A bíblia não fala nada a respeito do final da vida de Maria. São João mostra que ela, aos pés da cruz, foi adotada pela comunidade como mãe (Jo 19, 27). Lucas nos diz que ela estava junto ao grupo que se preparava para a vinda do Espírito Santo, em Pentecostes (At 1,13s e 2,1). Então a bíblia não conta detalhes sobre o final da vida de Maria.

Nos primeiros séculos, os cristãos tinham o costume de guardar os restos mortais dos santos, especialmente dos apóstolos e mártires. Não há, porém, nenhuma notícia sobre o corpo de Maria. Os evangelhos chamados apócrifos, isto é, aqueles relatos sobre a vida de Jesus e dos atos apostólicos que não entraram na ‘lista’ (cânon) dos livros que a Igreja considerou inspirados por Deus, contam histórias da chamada Dormição de Maria. E assim, no século VIII, a devoção popular criou uma história para contar como se deu a morte e a ressurreição de Maria.

O dogma da Assunção só pode ser compreendido em relação à Ressurreição de Jesus. Maria, diferente de nós, não precisou esperar o fim dos tempos para receber um corpo glorificado. Depois de sua vida terrena ela já está junto de Deus com o corpo transformado, cheio de graça e luz.

Ainda mais. Não podemos entender a Assunção como se Maria subisse ao céu com o corpo que ela possuía aqui na terra, com ossos, pele, carne, sangue. Não é assim que a Igreja interpreta a ressurreição dos mortos. O corpo de Jesus ressuscitado e o de Maria assunta foram transformados e assumidos por Deus. Paulo deixa bem claro: “... O mesmo se dá com a ressurreição dos mortos: semeado corruptível, o corpo ressuscita incorruptível; semeado desprezível, ressuscita reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado corpo psíquico, ressuscita corpo espiritual” (1Cor 15,42-44a).  Por isso cremos que Maria já está glorificada junto de Deus, toda inteira. Ela antecipa o que está prometido para cada um de nós: participar do banquete da Vida que o Senhor preparou para “aqueles que o amam” (cf. 1Cor 2,9).

O cântico de Maria no evangelho de hoje diz que o Senhor “olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as gerações me chamarão de bem-aventurada, pois o Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor... Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs os poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou”. Aí está a ação de Deus na vida de Maria, a humilde serva do Senhor, que decidiu responder sim ao chamado de Deus para participar na obra da salvação da humanidade. Sua humildade e fidelidade ao projeto do Reino de Deus lhe valeram a participação na glória de Deus, ao lado de seu Filho. Maria é aqui figura da Igreja, que deve levar adiante, não obstante as perseguições e sua pequenez, a missão de Jesus.

O evangelho da liturgia de hoje traz dois relatos: a Visita de Maria a Isabel e o chamado ‘Cântico de Maria’. O primeiro mostra Maria como aquela que assumiu inteiramente o projeto do Pai na sua vida. Não mede esforços para prestar um serviço à sua parenta em necessidade. E no seu encontro com Isabel manifesta-se a sua fé profunda: “Feliz aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido”. Todo aquele que deposita sua confiança em Deus, colaborando na realização do sonho de Deus para a humanidade, é feliz. O relato manifesta também o reconhecimento por parte de Isabel de que aquele que Maria trazia no seio é o Senhor: “Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite?”. Maria é Mãe de Deus e bem-aventurada: “Bendita és tu entre as mulheres”.

O segundo relato é um hino inspirado no cântico de Ana (1Sm 2, 1-10) que canta a ação de Deus em favor da humanidade. É um hino jubiloso que proclama a derrubada dos poderosos e a elevação dos humildes pela ação Deus em Jesus. É a oração dos pobres que confiam em Deus e no seu poder sobre o mal. Um hino que empenha o fiel nessa luta como Maria.

Quando lemos o evangelho e vemos Maria assumindo como primeira atitude, depois de ter acolhido em seu seio o Filho de Deus, a de levar seus préstimos para a prima Isabel, somos levados a pensar em nossas atitudes. Nossa sociedade se deixa levar cada vez mais por uma atitude egoísta que leva a terceirizar a caridade e os cuidados para com aqueles que, por vezes, de dentro da nossa casa, são considerados peso e empecilho para passeios, curtição, jogos, prazeres, baladas...

Mas é preciso ressaltar, porém, que ainda nos deparamos com famílias que cuidam dos seus com afeto, carinho, respeito. Pessoas com necessidades especiais cuidadas com um zelo divinal, marial. Uma presença muito parecida com a de Maria: escuta do ancião que quer contar um caso, visita a um casal em dificuldade de relacionamento, presença nos abrigos, asilos e hospitais onde se encontram pessoas passando por sofrimento e dificuldades.

Para além dos gestos personalizados, faz-se necessário empenho na luta por políticas públicas que atendam às necessidades dos menos favorecidos. Participação em conselhos comunitários e associações que se empenham pelos direitos do cidadão e da comunidade. São gestos simples que nos colocam em sintonia com o ensinamento de Jesus e com as atitudes de fidelidade de Maria, sua Mãe. A recomendação permanente do Papa Francisco é que a Igreja se coloque “em saída”, como “hospital de campanha” que não pergunta pelo que provocou as feridas, mas que se preocupa em cuidar, aliviar o sofrimento.

A assunção de Maria foi o resultado do seu peregrinar à luz de Deus nesse mundo. Cada vez que ela dava novos passos para seguir a Jesus, para buscar a vontade de Deus, o Senhor assumia e transformava sua pessoa. Até que chegou o momento final. É o que está reservado para nós! Na vida de fé, cada passo novo que damos corresponde da parte de Deus a nos acolher, tomar pela mão, assumir e transformar. A nós resta-nos deixar que Deus nos tome pela mão e nos faça discípulos fiéis, dedicados, humildes e perseverantes como Maria, enquanto aguardamos a bendita esperança da ressurreição.

*Encerramos, hoje, a Semana Nacional da Família. Seria bom agradecermos a Deus pela família que temos e pedir a Ele a graça de nos solidarizarmos e trabalharmos pelas famílias em dificuldade. Uma família animada pela espiritualidade cristã traz vida, luz e esperança para a sociedade e para o mundo.

**Nosso abraço carinhoso às pessoas consagradas nesse seu dia: deixaram tudo para viver mais radicalmente o evangelho, numa vida semelhante à do Filho de Deus: pobre, casto e obediente. Um serviço generoso ao Reino “para que todos tenham vida”. Uma vida pobre na solidariedade com os empobrecidos e ‘sobrantes’ e na busca da partilha dos bens e dos dons: mesa comum. Uma vida obediente na solidariedade com os que não são ouvidos nem levados em conta: ouvidos atentos ao Pai e aos sinais dos tempos. Uma vida celibatária casta em solidariedade com aqueles que sofrem por falta de amor, de afeto; com aqueles e aquelas que não podem experimentar a beleza e a alegria da colhida afetuosa e gratuita: abandonados, deserdados, abusados, explorados afetiva e sexualmente; uma contestação de uma sociedade baseada na busca do prazer ao preço da dignidade da pessoa humana. Que Maria, nossa boa Mãe, nos ajude a viver com alegria nossa consagração para que seja um “sacrifício de louvor”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN