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aurelius

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Cuidar da vinha de Deus

aureliano, 03.10.20

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27º Domingo do Tempo Comum [04 de outubro de 2020]

[Mt 21,33-43]

Esta é a segunda parábola a respeito da rejeição da Graça por parte daqueles que são eleitos de Deus em primeiro lugar. Movidos por desejos egoístas, talvez prefiram dizer não. No evangelho do domingo passado (Mt 21,30), o filho respondeu: “Sim, senhor, eu vou”. Mas não foi. Hoje a vinha é dada aos primeiros, que não reconhecem o direito do patrão sobre os frutos, matando inclusive o filho, o herdeiro enviado.

A reflexão recai de novo sobre aqueles que recebem mais, aqueles que são os primeiros responsáveis, agraciados com a eleição e o convite para trabalhar na vinha e fazê-la produzir. É a liderança que se apropria daquilo que é dom. Ao invés de trabalhar para o Dono, se faz dono daquilo que lhe foi “arrendado”, ou seja, lhe foi dado para cultivar e produzir frutos. Já viram aquele marido que trata a mulher e os filhos como ‘coisa’, propriedade? Ou aquela situação em que o coordenador da pastoral, da comunidade ou mesmo o padre se faz senhor do que lhe foi confiado como serviço? Ou ainda o executivo de patrimônio público que exerce o cargo como dono dos bens que lhe foram confiados para administrar em favor dos mais pobres? Faz-se dono das pessoas, quando deveria fazer-se servo... Isto acontece quando o poder sobe à cabeça e o dinheiro assume o lugar de Deus!

O povo de Israel é a “vinha de Deus”. Porém recusa-se a entregar a parte ao patrão que é Deus. Quando este envia o Filho, matam-no, com o desejo de se apoderar de sua herança: “É o herdeiro; matemo-lo para tomarmos posse de sua herança”. Mas o Deus providente lhes tira a vinha para entregá-la a outro povo.

Os primeiros a serem rejeitados são os profetas. O herdeiro é o Filho que o Pai envia, a pedra rejeitada que se torna a “pedra angular”. Porém Deus fundou um “novo povo” sobre essa “pedra”. Deus não rejeitou os judeus, como não rejeita ninguém. Ele rejeita a liderança que se apropria da religião, das leis e escraviza o povo. O novo povo que Jesus funda é a Igreja, comunidade de seus seguidores, que recebe a missão de continuar sua obra salvadora e libertadora.

Sabemos, porém que a Igreja, novo Povo de Deus, corre o risco de querer guardar os frutos da vinha para si. É a tentação do poder: querer dominar, tirar proveito da boa fé do povo, querer dominar as pessoas com uma religião mágica, com normas e leis que são mais rédeas de controle do que orientações de vida. É preciso que ela sempre se volte para Jesus, a Pedra Angular, e se coloque como servidora, trabalhadora na vinha de Deus. Os frutos são de Deus, as pessoas são de Deus, o resultado é de Deus. À Igreja compete colocar-se como humilde servidora do Reino que é muito maior do que ela. É um instrumento de Deus para ajudar as pessoas a fazer a experiência de Deus, a se encontrar com Deus e assumir uma vida nova em Deus.  É preciso ter a coragem de morrer como e com Cristo para gerar vida nova.

Esta parábola não tem o fito de revelar um Deus vingativo, rigoroso, cobrador. Não! Este relato quer levar o discípulo, sobretudo a liderança religiosa a reconhecer que Jesus é o dom do Pai, revelador do rosto misericordioso de Deus. E esse reconhecimento leva a produzir muitos e bons frutos.

*Lembramos que estamos no mês missionário. É bom refletirmos sobre nossa responsabilidade missionária. Agirmos como instrumentos de Deus na história. O missionário não fica de braços cruzados “olhando a banda passar”, não. Ele vê e age. Missionário incomoda-se com a realidade de dor e sofrimento do povo; com a exploração e humilhação das pessoas; com os maus tratos feitos à Mãe Terra; com um poder político que usa a máquina do Estado para explorar, roubar, tirar os direitos dos pobres e trabalhadores honestos. Missionário coloca-se como voz, coração e mãos de Deus no mundo. É um continuador das ações de Jesus. Quiçá programar uma visita, participar de uma pastoral, prestar um serviço voluntário em alguma instituição de caridade, apoiar movimentos populares que defendem os direitos dos pequeninos do Reino... É preciso cuidar da Vinha de Deus, pois a qualquer hora o Senhor virá acertar as contas. Afinal de contas “a vida é missão”! Vamos nessa!

**Hoje celebramos São Francisco de Assis. Uma historinha para ilustrar a vida do Santo: “Certa vez, S. Francisco pediu a um Irmão, chamado Leão: ‘Frei Leão, vamos fazer uma pregação?’ ‘Sim’, respondeu o Irmão.

Os dois saíram caminhando pelas ruas de Assis. Andaram, andaram... Mas nunca chegavam ao local da tal pregação.

Por fim, começaram a voltar para casa. Quando estavam chagando, Frei Leão perguntou: ‘Frei Francisco, e a pregação?’ ‘Já a fizemos’, respondeu ele.

A palavra convence, o exemplo arrasta. A simples caminhada deles, um ao lado do outro, conversando com alegria e amizade, foi a pregação”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Ter o pensamento de Deus

aureliano, 19.09.20

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25º Domingo do Tempo Comum [20 de setembro de 2020]

[Mt 20,1-16]

“Meus pensamentos não são os vossos pensamentos; vossos caminhos não são os meus caminhos” (Is 55,8). O Profeta da ‘volta do exílio’ quer ajudar o povo a refletir que não se deve pensar em vingança contra os inimigos de outrora que os arrastaram para o exílio. É preciso passar da imagem de um Deus vingador a um Deus misericordioso que traz o povo de volta e quer salvar os malvados.

Para pensar como Deus é preciso conversão da mente e do coração. A lógica do Reino de Deus é diferente da nossa. Deus age sempre a partir da misericórdia.

Logo após trabalhar nos discípulos o desapego para se entrar no Reino: “Todo aquele que tiver deixado tudo... herdará a vida eterna” (Mt 19,29), Mateus relata a parábola dos trabalhadores da vinha. A justa distribuição do salário provoca mal-estar nos corações ambiciosos que ainda não tinham o pensamento de Deus.

O contexto da parábola são as comunidades judaicas das sinagogas que rejeitavam e expulsavam os judeus que se convertiam à fé cristã. Por se julgarem os primogênitos de Deus consideravam-se mais merecedores do que os outros, desprezando seus irmãos judeu-cristãos. Ainda outra realidade era a da comunidade judaico-cristã que tinha muita dificuldade em acolher os cristãos provenientes do paganismo. É sempre aquela história do “filho mais velho” da parábola do Pai misericordioso: quem está na casa há mais tempo julga-se sempre no direito de ser o primeiro, o mais importante, desprezando os outros.

“O teu olho é mau porque eu sou bom?” (Mt 20,15). Essa pergunta da parábola deve sempre nos acompanhar. Ela contrapõe a ambição humana à generosidade divina. Olhar as pessoas com um olhar de Deus pede de nós profunda conversão. Conversão é sair de nosso egoísmo, mudarmos a direção de nossos pensamentos e afetos para ordená-los segundo os critérios do Reino. O “contrato” de Deus não se baseia na relação de produção: “dou para que me dês”, mas na pura gratuidade. Deus ama tanto a uns como a outros, sem distinção ou discriminação. Deus nos ama, não por sermos ‘bonzinhos’, mas porque Ele é Bom. Ele faz aliança conosco de graça: é dom.

O olhar de ambição, de ganância é o grande mal da sociedade. O olhar de ambição e cobiça gera rixa, mal-estar, desentendimento na família, divisão e discórdia. Um olhar ganancioso gera dor, angústia e morte. Colocar a lente de Jesus para ver as coisas e as pessoas deve ser nosso ideal, nossa meta de todos os dias.

Outro elemento interessante da parábola é o fato de que a verdadeira recompensa não está na contrapartida do “salário” pelo trabalho na vinha, mas em ser chamado e admitido no Reino de Deus. O chamamento de Deus e nossa resposta generosa são mais importantes do que a espera de recompensa. O verdadeiro salário está em sermos chamados a participar da vida divina: “A fim de que assim vos tornásseis participantes da natureza divina” (2Pd 1,4).

Essa parábola revela também a preferência de Deus pelos pobres, pelos últimos. Eles são destinados a ser os primeiros, os eleitos. Todos que são chamados devem conservar clara a consciência de que tudo quanto receberam é puro dom: não se deve buscar retribuição ou privilégios.

Nesse clima de aprofundamento da desigualdade social em que vivemos: os ricos se enriquecendo ainda mais, com crescente aumento do número de empobrecidos e miseráveis, essa parábola nos ensina também que Deus não quer ninguém à toa, desempregado, à margem. Quer todos na vinha, no trabalho, na conquista do pão cotidiano.

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A ESSÊNCIA DE DEUS

A imagem de Deus é determinante em nossas relações. Se alimento a imagem de um deus que fica anotando no caderno meus atos bons e maus para me julgar depois da morte, certamente minha vida vai perfazer um caminho de muita angústia e rigidez ou descaso total da religião. Importa muito trabalharmos em nós e nos outros a imagem de Deus: o Deus de Jesus é essencialmente bondade, gratuidade. Ele nos vê no conjunto de nossa vida, no empenho de termos um coração bom e generoso, sensível à dor e ao sofrimento das pessoas, que seja capaz de partilhar, de amar. É o Deus da parábola desse evangelho. Por vezes resistimos em ver Deus aí, nessa atitude de bondade para com todos: com quem chega mais cedo e com quem chega mais tarde. Queremos que Deus julgue com nossos critérios. Ou seja, criamos um deus à nossa imagem e semelhança.

O administrador nesta parábola retrata o ser de Deus: Bondade - não se baseia no mérito de cada um, mas na Sua própria bondade.

A generosidade de Jesus é uma aposta no ser humano que, uma vez recebido o amor, se faça generoso e ‘chegue mais cedo’.

A Palavra de Deus nos ajuda a entender, também, que as pessoas não devem ser tratadas como merecem: devem ser amadas.

Senhor, ajuda-nos a pensar nossa vida, nossas atividades, nossa missão segundo os teus pensamentos. Ajuda-nos a vencer toda ambição e desejo de poder para que sejamos sinais luminosos de tua bondade na vida daqueles que convivem conosco. E ensina-nos a amar as pessoas para além do que elas merecem: gratuitamente, generosamente, por amor de Ti. Amém.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN