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aurelius

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Perder a vida para gerar novas vidas

aureliano, 15.03.24

5º Domingo da Quaresma - B - 17 de março.webp

5º Domingo da Quaresma [17 de março de 2024]

 [Jo 12,20-33]

Porque Jesus fizera Lázaro reviver, houve uma corrida das multidões a ele: “Eis que todo mundo se põe a segui-lo” (Jo 12, 19), gerando dor-de-cotovelo entre os fariseus. E dentro da multidão, vieram os ‘gregos’. Disseram a Filipe: “Queremos ver Jesus”. No finalzinho do relato de hoje encontramos novamente Jesus “atraindo” as pessoas: “Quando for elevado da terra, atrairei todos a mim”. Jesus tinha uma força que atraía a pessoas. Era a força de sua fidelidade ao Pai e plenitude do Espírito Santo. - Cá pra nós: nosso modo de viver está atraindo, conquistando as pessoas para a verdade, a paz e o bem?

É bom refletir aqui sobre a intencionalidade destes estrangeiros. O que de fato os movia? Era apenas curiosidade? Ou eles queriam mesmo conhecer Jesus para assumir um novo modo de viver a partir do encontro com Jesus? Parece que sim, pois não entram no Templo, mas buscam conhecer Jesus. - Nossas buscas religiosas, nossas idas ao templo, nossas leituras espirituais e rezas tem como objetivo satisfazer curiosidades, atender conveniências, ou nutrir o desejo de nos identificarmos com Jesus? Elas alimentam nossa intimidade com o Senhor?

Independentemente da intenção daqueles gregos, representantes das comunidades fundadas fora do judaísmo, Jesus mostra claramente aos seus seguidores que o caminho da vida que ele veio ensinar não é fácil. É preciso morrer para produzir frutos. É preciso perder a vida para ganhá-la: “Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna”. Jesus nos ensina que o sofrimento e a morte, a partir de então, encontra um sentido: conversão, vida nova, ressurreição.

Quem se apega ao dinheiro, ao poder, ao prazer, ao ter cada vez mais, aos seus desejos egoístas, está matando a semente de vida que Deus colocou em seu coração. A semente que não morre, fica só, sem vida, estéril. Jesus produziu muito fruto porque entregou sua vida. “Atraiu” todos a si porque deixou-se elevar da terra numa cruz. Entregou-se pela salvação de todos. Na Igreja encontramos inúmeros homens e mulheres que tiveram (e têm) a coragem de enfrentar a perseguição, a exclusão, o exílio, a fome, o cárcere, a morte em defesa da vida: Dom Oscar Romero, Irmã Dorothy, Chico Mendes, Dom Luciano, Madre Teresa de Calcutá, Santa Dulce dos Pobres, Pe. Júlio Maria e tantos outros santos anônimos que conhecemos. –  Como tenho entregado minha vida? Que experiências tenho feito que denotam uma vida eucarística, isto é, de oferenda pelo bem das pessoas?

Outro elemento do relato evangélico que merece destaque é a atitude de Jesus que mostra sua humanidade profunda: “Agora sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora!’? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim”. Jesus não usa máscaras. Fala de suas dores e angústias. Coloca-se frágil diante do Pai, face ao sofrimento e à morte iminente. Pede até para que o Pai o livre “dessa hora”. Jesus nos ensina a sermos mais autênticos, verdadeiros, humanizados. Convida-nos a assumir nossos fracassos e fraquezas; a arrancar nossas máscaras. Não adianta fazer-se de forte, de bonachão, de independente, de santo. Precisamos reconhecer nossas fraquezas e fragilidades, nossa total dependência do Pai para perseverarmos no caminho do bem, da vida, da paz. Ninguém caminha sozinho. E ninguém está livre das angústias da vida. Elas podem ser ressignificadas na fé, na vida e seguimento de Jesus.

Do evangelho de hoje deve ficar para nós um comprometimento maior com Jesus Cristo, um encantamento maior por sua pessoa, uma coragem mais forte para fazer morrer em nós o egoísmo e o fechamento a fim de produzirmos muitos frutos. Só atrai gente para Cristo quem tem coragem de morrer por ele, de deixar-se levantar na cruz por ele. Isto é, quem tem coragem de pautar sua vida pelo evangelho, de colocar a vida e o ensinamento de Jesus como parâmetros para suas escolhas e atitudes cotidianas. A partir de Jesus a morte não tem mais a última palavra. Não há necessidade de temer a morte. A morte em Cristo é possibilidade de novas vidas.

Campanha da Fraternidade 2024: “Deus nos fez a todos seus filhos e filhas. Somos todos irmãos e irmãs! Sua eterna criatividade fez-nos únicos. Portanto, diferentes. Contudo, nossas diferenças no ser, no pensar e no agir não nos podem dividir ou separar. Nossas diferenças são riquezas, oportunidades de crescimento, encaixes de comunhão! Por meio do diálogo, construamos harmonia entre nós, sejamos construtores da cultura do encontro” (TB, 133).

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Jesus: caminho que conduz ao Pai; verdade que liberta; vida que enche de alegria

aureliano, 05.05.23

5º Domingo da Páscoa [07 de maio de 2023]

[Jo 14,1-12]

O relato de hoje está no contexto da narrativa do ‘lava-pés’, traição de Judas e a negação de Pedro. Após narrar esses últimos fatos (traição e negação), João mostra Jesus consolando seus discípulos e despertando-lhes a confiança para que não desanimassem nas adversidades e decepções da missão. É uma narrativa dentro do discurso de despedida de Jesus que traz aos discípulos uma palavra de conforto e uma exortação à intimidade com o Mestre, tal como este está na intimidade do Pai: “Eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14,11). Esta vida de união profunda com Jesus é que vai dar condições aos discípulos de realizarem as “obras de Deus”.

  1. “Não se perturbe o vosso coração! ... pois vou preparar-vos um lugar”. Os discípulos não precisavam ficar preocupados com o que iria acontecer. Jesus estava com eles. Podiam confiar nele: “Eu vos levarei comigo (...) para que onde eu estiver estejais também vós”. Essa é a grande promessa aos discípulos: Jesus não os abandona. Preocupa-se com eles. Está com eles. – Nos momentos difíceis da vida, nas desilusões e desencantos, sobretudo quando lutamos por um bem que parece não se concretizar, lembremo-nos destas consoladoras palavras de Jesus. Não desistamos jamais de continuar no caminho do bem, mesmo que as forças do mal pareçam prevalecer.
  2. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. No evangelho do domingo passado (Jo 10) ouvimos Jesus dizer: “Eu sou a porta”. Hoje ele diz: “Eu sou o caminho”. Foi uma resposta à pergunta de Tomé que manifestava seu desconhecimento do caminho para o Pai. Não existe outro caminho para o Pai a não ser Jesus. A vida de Jesus nos mostra por onde devemos trilhar para chegarmos ao Reino do Pai. Mesmo que não se professe explicitamente a fé cristã, mas implicitamente se deve viver a partir dos valores evangélicos. – Jesus é o Caminho que conduz ao Pai. Aquele que vive como Jesus ensinou está no caminho que conduz à vida. Para o ser humano há somente dois caminhos: um que conduz à morte e outro que conduz à vida (cf. Dt 30,15-20). A escolha é de cada um. O caminho que conduz à vida é estreito. E são poucos os que entram por ele (cf. Mt 7,14). Peçamos ao Pai a coragem suficiente para entrarmos por ele. – Jesus é a Verdade. Em meio a tantas teorias que se pretendem verdades absolutas, presentes nas propostas do capitalismo, do materialismo, do lucro a qualquer preço, do prazer absoluto, e confundidos por tantas notícias falsas (fake news), Jesus Cristo resplandece como a única verdade que ilumina o ser humano. – Jesus é a Vida. O sistema político, econômico, eleitoral, judiciário de nosso País, a sede de poder e de ter a qualquer preço, tiram muitas vidas e assassinam muitos sonhos e esperanças. Jesus é vida que nos salva e nos enche de alegria.
  3. “Quem me vê, vê o Pai”. Respondendo a uma pergunta de Felipe, Jesus faz uma revelação fantástica de si: ele é o rosto do Pai. Em Jesus nós contemplamos Deus. Ele é a resposta às nossas perguntas; é a luz da verdade para nosso espírito ameaçado pela mentira e falsidade que campeiam por toda parte; é fonte de vida para nossas angústias. As palavras “quem me vê, vê o Pai”, pronunciadas na véspera da cruz, nos lembram que, encarar os rostos dos pobres e reconhecer neles o rosto desfigurado de Cristo, nos torna capazes de ver a glória do Pai no rosto coroado de espinhos daquele homem de Nazaré.
  4. “Quem crê em mim fará as obras que faço, e fará até maiores do que elas”. O discípulo de Jesus, confirmado pelo Espírito Consolador, que depositou sua confiança em Jesus e vê o mundo com o olhar de Jesus realiza obras ainda maiores do que as que Jesus realizou. Jesus era único, num território delimitado, numa época determinada, estava com possibilidades reduzidas. Já seus discípulos, aqueles que crêem nele e o seguem, estão com maiores possibilidades; é um grupo maior; se estendem a outros territórios, se renovam no decurso da história, atingem maior número de pessoas. Por isso têm possibilidade de realizar obras ainda maiores.

A confiança em Jesus, Caminho único que leva ao Pai, Rosto revelador do Pai amoroso e expresso nos rostos sofridos, deve nos renovar para que nossas obras revelem o rosto do Pai que quer a vida para todos, e reproduzam as mesmas atitudes de Jesus que acolhia, amparava, perdoava, curava, dava vida nova, novo vigor àqueles que dele se aproximavam. Para isso renovemos nossa confiança em Jesus que continua conosco, que age em nós e através de nós e que nos garante levar para junto dele na glória do Pai.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Jesus é o vencedor da morte

aureliano, 24.03.23

5º Domingo da Quaresma - A - 29 de março.jpg

5º Domingo da Quaresma [26 de março de 2023]

[Jo 11,1-45]

Ao escrever o evangelho, João descreve Jesus realizando “sinais”; não fala de “milagres”. Este é o sétimo sinal realizado por Jesus, segundo João. Diante da morte do amigo Lázaro e diante da própria morte que se aproxima, Jesus diz: “Eu sou a ressurreição e a vida”. É a grande revelação de Jesus. Para vivermos como ressuscitados precisamos ter fé em Jesus, ou melhor, ter a fé de Jesus. Aderir a Jesus, à semelhança do amigo Lázaro, é aderir à Vida em pessoa: “Nele estava a vida” (Jo 1,4). Lázaro é sinal de uma vida que não morre: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11,25).

Como temos lembrado, para os primeiros cristãos a quaresma era o tempo de se prepararem aqueles que seriam batizados na Vigília Pascal. E os textos nos querem ajudar a mergulhar no sentido do batismo para o cristão.  À medida que compreendermos bem o batismo e suas consequências para a vida cristã, teremos menos “problemas” na pastoral do batismo e, consequentemente, construiremos uma Igreja que seja mais significativa e mais incisiva na história, como é o propósito do sacramento do batismo.

O relato da revivificação de Lázaro é uma imagem do batismo cristão. Batismo é a vida nova assumida e vivida em Cristo: “Se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vós, aquele que ressuscitou Cristo Jesus dentre os mortos dará vida também a vossos corpos mortais mediante o seu Espírito que habita em vós” (Rm 8,11). A vida eterna não é algo que está ainda para acontecer plenamente depois desta vida terrestre, mas já é realidade para aquele que crê em Jesus Cristo. É o “já e ainda não” de quem segue a Jesus. O Espírito faz viver nossos corpos mortais apesar da morte; faz-nos viver a vida de Deus no meio da morte. Embora no meio da morte, estamos vivos: “Se, porém, Cristo está em vós, o corpo está morto, pelo pecado, mas o Espírito é vida, pela justiça” (Rm 8,10). Na perspectiva cristã a história não caminha para o caos, a confusão, a desordem, para um nada, mas para a ressurreição final.

“Quem não tem o Espírito de Cristo não pertence a Cristo” (Rm 8,9). Se o batismo nos dá o Espírito que animou o Cristo, não podemos agir por outro espírito, com o “espírito de porco”, por exemplo. Ou seja, o cristão deve traduzir em obras a fé que proclama no Cristo. Isso significa transformar a sociedade de morte em uma sociedade de vida, onde reine a justiça, a bondade e a comunhão. É renunciar a uma vida “segundo a carne”, isto é, movidos pelos desejos egoístas, e buscarmos viver “segundo o espírito”, isto é, numa abertura cada vez maior àqueles que precisam de nós. Numa verdadeira eucaristia: vida doada, entregue pela salvação e libertação de todos.

Ó Deus de bondade, dai-nos por vossa graça caminhar com alegria na mesma caridade que levou o vosso Filho a entregar-se à morte no seu amor pelo mundo. Amém.

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DIANTE DA MORTE: CHORAR, PORÉM, ACIMA DE TUDO, CONFIAR

O relato de hoje traz um fato muito interessante acontecido com Jesus: ele chorou diante da morte do amigo Lázaro. Esse fato vem mostrar o sentimento de humanidade de Jesus. Ele não chorou simplesmente pela morte do amigo, mas sentiu na alma a dor da impotência humana diante da morte. Duas atitudes tomadas por Jesus diante da morte: chorar e confiar em Deus.

A morte é sempre uma realidade de dor e de sofrimento. Há dentro de todos nós um desejo insaciável de viver. Por que a vida não se prolonga mais? Por que não se tem mais saúde para uma vida mais ditosa? Que é feito da “pílula da imortalidade” que os cientistas insistem em descobrir?

O ser humano carrega desde sempre cravadas em seu coração as perguntas mais inquietantes e mais difíceis de se responderem: ‘Que será de mim? Que posso fazer? Rebelar-me? Deprimir-me?’ – Sabemos que vamos morrer. Mas quando, onde, se sozinhos ou assistidos... não sabemos. Mas seria muito bom termos ao nosso lado, naquele momento derradeiro, alguém que nos ajudasse a “entregar o espírito”! Mesmo assim, porém, ninguém se livra da solidão da morte! Naquele momento, ainda que esteja uma multidão ao nosso lado, morremos sozinhos!

Diante do mistério último de nosso destino não é possível apelar a dogmas científicos nem a explicações espiritualistas e extraordinárias. A razão não dá conta de nos explicar este mistério. Nós cristãos devemos nos colocar com humildade diante do fato obscuro da morte. E fazermos isso com humildade, numa radical confiança no mistério da bondade do Pai manifestada em Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês nisto?”. A resposta confiante de Marta quer mostrar o caminho que o discípulo de Jesus deve percorrer no confronto com a situação da morte: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que deve vir ao mundo”.

O relato do evangelho deste domingo quer mostrar-nos que a presença do Senhor faz brotar a esperança. Marta, que crê na ressurreição de Cristo, na vida que ele veio trazer, torna-se para sua irmã, Maria, mensageira do chamado do Senhor que a faz sair do mundo da morte em que estava mergulhada, para estar diante do Senhor da vida.

Dizem que Hans Küng afirmava a respeito da morte: “Morrer é descansar no mistério da misericórdia de Deus”.

*Campanha da Fraternidade 2023: Atitudes que devem ser assumidas por nós: Praticar o voluntariado. Participar dos conselhos de direitos (humanos, criança e adolescente, juventude, pessoa idosa, saúde, assistência social etc). Envolver-se em ações que já existem na comunidade como Sociedade São Vicente de Paulo, serviço da caridade, pastorais sociais, caritas etc. Envolver-se na política com espírito cristão, não lavando as mãos como Pilatos nem difundindo a ideia errônea de que política não presta nem é lugar de cristão. Apoiar e participar de alguma pastoral social em sua paróquia (cf. Texto-Base, 166).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

A morte foi vencida pelo Autor da vida

aureliano, 16.04.22

Domingo de Páscoa - 21 de abril - C.jpg

Páscoa do Senhor [17 de abril de 2022]

[Mc 16,1-8; Jo 20,1-9]

Pedro e Madalena representam, aqui, a comunidade que ainda duvidava da ressurreição de Jesus. Estavam em busca de provas e elementos que dessem sentido à vida deles, uma vez que, aquele em quem confiavam, morrera na cruz.

Quando o evangelho menciona “o primeiro dia da semana”, remete o leitor à criação do mundo, narrada no livro do Gênesis, para mostrar que a Ressurreição de Jesus é a Nova Criação. O fiel cristão, batizado, entra numa vida nova, na Nova Criação de Deus. O mundo velho passou. Agora, é tudo novo.

A “madrugada” lembra o alvorecer que desfaz as trevas da morte. Agora a vida brilhou no horizonte. A madrugada, embora traga em si o sinal do dia, possui também uma penumbra que impede de enxergar com clareza. É o que acontecia com Maria Madalena: “ainda estava escuro”. A comunidade ainda estava temerosa.

A “pedra removida” e o “túmulo vazio” são sinais de que algo novo aconteceu. É um sinal negativo da ressurreição. Esses sinais indicavam que Jesus não estava ali, porém não garantiam sua ressurreição.  A “pedra removida” significa que a morte foi vencida. O túmulo não é último lugar do ser humano. Este, pelo Cristo ressuscitado, vence também a morte e entra na vida que não tem fim, a vida eterna que já começa aqui, a partir da vida vivida em Deus, à semelhança de Cristo.

O “túmulo vazio” não é prova da ressurreição. A fé na ressurreição não vem da visão, mas da experiência de fé. As “aparições” de Jesus ressuscitado é que consolidam a fé dos discípulos. É o dado da fé. Uma realidade que transcende a razão. Não contradiz a razão, mas está para além da compreensão puramente racional. Por isso Santo Agostinho dirá: “Credo ut intelligam”: creio para compreender. Nós cremos pelo testemunho de fé da comunidade. A fé nos é transmitida. Cremos a partir da experiência que outros fizeram. Fazendo nós também essa experiência, transmitimo-la àqueles que a buscam. Porém, tudo é ação da Graça de Deus.

Pedro e o “outro discípulo” vão correndo ao túmulo. O “discípulo amado” chega primeiro que Pedro. Quem ama tem pressa. Ele “viu, e acreditou”. É o amor que faz reconhecer na ausência (túmulo vazio), a presença gloriosa do Cristo ressuscitado. Agora os discípulos entendem o que significa “ressuscitar dos mortos”. Agora eles vêem, não com os olhos humanos, mas com os olhos da fé. Agora estão iluminados pelo sopro do Espírito Divino que animou Jesus.

Nenhum evangelista se atreveu a narrar a ressurreição de Jesus. Não é um fato “histórico” propriamente dito, como tantos outros que acontecem no mundo e que podemos constatar e verificar, empiricamente. É um “fato real”, que aconteceu realmente. Para nós cristãos, é o fato mais importante e decisivo que já aconteceu na história da humanidade. Um acontecimento que traz sentido novo à vida humana, que fundamenta a verdadeira esperança, que traz sentido para uma das realidades mais angustiantes do ser humano: a morte. Esta não tem mais a última palavra. A pedra que fechava o túmulo foi retirada. A ressurreição é um convite, em última instância, a crer que Deus não abandona aqueles que o amaram até o fim, que tiveram a coragem de viver e de morrer por Ele.

O núcleo central da ressurreição de Jesus é o encontro que os discípulos fizeram com ele, agora cheio de vida, a transmitir-lhes o perdão e a paz. Daqui brota a missão: transmitir, comunicar aos outros essa experiência nova e fundante de suas vidas. Não se trata de transmitir uma doutrina, mas de despertar nos novos discípulos o desejo de aprender a viver a partir de Jesus e se comprometer a segui-lo fielmente. Ressuscitados com Cristo, buscamos “as coisas do alto”, temos o nosso “coração no alto”. A consagração batismal fez de nós novas criaturas. Incorporados a Cristo, enxertados n’Ele, queremos viver “por Cristo, com Cristo e em Cristo” para a glória de Deus Pai. É um modo de vida que transforma a pessoa, a comunidade e a sociedade. Transbordamento de uma alegria que não cabe dentro de nós: é comunicada aos outros. Não nos conformamos mais com injustiça, com mentira, com violência, com traição, com desrespeito, com preconceito, com maldade de toda sorte. Nossa vida se torna profetismo, esperança, inconformismo, saída, cuidado, encontro vivificador.

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ELE VIVE PARA ALÉM DA MORTE

O Senhor ressuscitou em verdade (cf Lc 24, 34). A Igreja celebra a ressurreição do Senhor no primeiro dia da semana, o domingo. Domingo vem de dominus, senhor. Ele dominou a morte e o pecado. Por isso é Senhor. Ele exerce o senhorio sobre nós. Não de dominação, mas de cuidado, libertação e salvação. Ele é mais forte do que o mal que nos ameaça e, por vezes, domina.

O evangelho diz que Maria Madalena foi ao túmulo “quando ainda estava escuro”. Essa escuridão simboliza as sombras (angústias) vividas pelos discípulos após a morte de Jesus. Era como se todo o sonho tivesse acabado. Não sabiam o que fazer. Estavam na escuridão.

O testemunho da ressurreição inclui dois elementos: o sepulcro vazio e a aparição do Ressuscitado. O sepulcro vazio constitui um sinal negativo. Só fala ao “discípulo que ele amava”: “Ele viu e acreditou”. Ou seja, os sinais falam quando o coração está aquecido pelo amor. É preciso ser amigo de Jesus para compreender seus sinais. Já a aparição do Ressuscitado acontece no caminho de Emaús (Lc 24), aos discípulos desejosos de ver o Senhor e auscultar sua Palavra. No gesto da partilha do pão seus olhos se abrem e eles o reconhecem. Em seguida assumem a missão: “Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém” (Lc 24, 33).

A escuridão da madrugada e o túmulo vazio nos dizem que por vezes ficamos confusos diante da maldade humana, diante de tantos abusos do poder, de tanta violência e morte, de tanta corrupção que desencanta e desestimula o poder do voto nas eleições, diante do sofrimento sem fim dos refugiados de guerras civis; e somos levados a perguntar: “Deus, onde estás?”. Mas a experiência de fé nos diz que na morte (‘túmulo vazio’, ‘noite’) há sinais de vida; na escuridão há lampejos de luz. Para isso é preciso ser “amigo de Jesus” (discípulo amado), ou seja, ser próximo dele, conviver com ele, reclinar-se sobre seu peito (cf. Jo 13,25).

Esse tempo pascal nos convida a assumir a vida nova que Jesus Ressuscitado veio nos trazer sendo uma presença de luz, de testemunho vivo contra toda maldade junto àqueles que o Pai colocou no nosso caminho.

Ressurreição é luta contra o tráfico de seres humanos, contra as injustiças sociais, contra a prostituição e abuso de crianças e adolescentes. É dizer não ao desrespeito aos povos indígenas, ao mundo das drogas, à indiferença ecológica. Ressurreição é se contrapor, ainda que à semelhança de alguém que ‘clama no deserto’, a esse mar de corrupção e mentiras, ganância e deslealdade que pervadem nossa sociedade brasileira; é dizer não aos desmandos de quem se julga no direito de retirar o pão da mesa dos trabalhadores pobres, das mulheres sofridas, das crianças sem amparo, negando-lhes o salário mínimo do benefício da Previdência Social. Páscoa é libertação de tudo o que oprime, maltrata e fere.

Ressurreição é ser testemunha da esperança numa sociedade materialista e desumana, onde o túmulo está vazio e as sombras da morte parecem prevalecer. Páscoa é continuar afirmando com a vida: “Ele vive e está no meio de nós!”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Jesus, o Pão que alimenta

aureliano, 06.08.21

19º Domingo do TC - B - 08 de agosto.jpg

19º Domingo do Tempo Comum [08 de agosto de 2021]

   [Jo 6,41-51]

Continuamos refletindo o capítulo sexto do evangelho de João. Neste capítulo Jesus se apresenta como o “Pão da Vida”. Os judeus reagem a essa revelação de Jesus e, consequentemente, não se deixam “atrair” pelo Pai à fé no seu Filho querido.

Por que não se abrem à Boa Nova? Porque estão fechados em si mesmos. Têm medo de abandonar a estrutura fria, pétrea, ritualista que haviam criado. Uma espécie de redoma que os protege. O novo trazido por Jesus os ameaça. Exatamente porque mexe com as estruturas fixas e comodistas que haviam criado em torno da Lei e do Templo.

A mentalidade deles não comportava que a Encarnação do Mistério insondável de Deus se desse num homem simples, de Nazaré, filho de Maria e de José: “Não é ele o filho de José?”. Sem uma atitude de simplicidade, de abertura, de humildade, de entrega não é possível acreditar em Jesus. É preciso deixar-se “atrair pelo Pai”. A fé é dom de Deus e não constructo humano. É deixar-se tocar pelo “encontro com uma Pessoa, com um Mistério que dá novo horizonte e sentido à vida” (Bento XVI).

A vida eterna se alcança por meio dessa fé. E vida eterna não é simplesmente algo para além da morte nem continuação dessa vida. É a experiência de uma existência vivida em Deus já neste mundo. E que continua de modo novo e pleno na eternidade. Fé é adesão a Jesus Cristo. É o comprometimento com sua vida, seu ensinamento. Dá coragem de enfrentar o que ele enfrentou: “As forças da morte, a injustiça e a ganância do ter, presentes naqueles que impedem ao pobre viver”.

O profeta Elias, de quem fala a primeira leitura (1Rs 19,4-8), enfrentou essa realidade: defensor da fé de Israel, protetor dos pobres (a vinha de Nabot), profeta de Deus: foi perseguido. Foge com medo da perseguição e entra numa situação de dor, de angústia profunda, de desânimo, pois se sente sozinho, talvez por confiar muito nas próprias forças. Pede a morte. Mas o Senhor não o abandona. Dá-lhe o pão para que caminhe e busque em Deus a força para prosseguir sua missão.

A fé cristã é, pois, comprometedora. Ela nos coloca, por vezes, face a face com a morte. Possuir a vida eterna é lutar, desde já, para que todos tenham vida. Para que o Pão da
Vida esteja na mesa e no coração dos mais pobres. Comer do pão, que é o próprio Jesus presente na Eucaristia e na Palavra, garante vida eterna. O corpo de Jesus doado na Eucaristia mostra como ele se entrega, se doa. E quando comungamos (do Pão e/ou da Palavra) estamos dizendo que nos comprometemos com tudo o que Jesus fez e ensinou. Aquele “amém” pronunciado como resposta à palavra do ministro quando nos diz: “o Corpo de Cristo”, significa: “Eu creio”, “Eu me comprometo”, “Eu também quero doar minha vida”.

Comer o Pão da Vida significa nos comprometermos a doar também um pão de vida. Não nos é desconhecido que a própria religião pode prometer um pão de morte. Quanta gente sendo enganada por líderes religiosos prometendo prosperidade, cura, emprego, milagres! Fazendo campanha eleitoreira em nome da religião! É um pão de morte porque de desilusão, de fantasia, de enganação. Jesus promete um alimento que “perdura para a vida eterna”. Ele é o pão do céu: “Quem dele comer nunca morrerá”. Este Pão que alimenta e revigora, deve fazer brotar melhores condições de vida ao redor de quem dele participa.

Deixemo-nos atrair pelo Pai para que Jesus seja realmente nossa fonte de vida. Para que nossa vida seja marcada verdadeiramente por ele. Para que nossas decisões, nossas atitudes, nossos relacionamentos se inspirem nele. Para que busquemos, acima de tudo, o bem das pessoas e não usemos delas em proveito próprio. Foi isso que Jesus fez. É o que o cristão deve fazer.

Santo Agostinho dizia: "Dois amores construíram duas cidades: o amor a si mesmo, dizendo que queria contentar a Deus, construiu a cidade da Babilônia, isto é, aquela do mundo e da imoralidade; o amor a Deus, ainda que para contentar a si mesmo, construiu a cidade de Deus". Isso significa que o amor de si mesmo, o egoísmo, destrói a vida. O amor pelo próximo é construção de vida. É doação, é saída de si. Todo amor-doação é gerador de nova vida. Foi o que Jesus fez e pediu que fizéssemos: “Amai-vos como eu vos amei”.

*Neste dia em que celebramos o Dia dos Pais, pensemos um pouco na responsabilidade de ser pai: ser colaborador do ato criador de Deus Pai. O pai da terra é representante do Pai do céu. Deve, pois, amparar, zelar, educar, acompanhar a vida de seus filhos. Não basta colocar filho no mundo. É preciso formar para a vida. Pai não é aquele que gera, mas aquele que educa. Essa história de que basta dar “pensão alimentícia” é irresponsabilidade, falta de compromisso e de amor ao ser humano que tem direito a ter um pai que ama, que forma, que educa, que limita, que se doa. Pensemos e rezemos também pelos pais presidiários, desempregados, doentes, refugiados, impossibilitados de participar da vida dos filhos. Pensemos ainda nos filhos que não têm ou não tiveram a oportunidade de ter um pai presente, solícito, amoroso, que lhe dê firmeza e rumo para a vida. Há muita dor que precisa de alento, de solidariedade.

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

U’a morte que trouxe a vida!

aureliano, 02.04.21

Solenidade de Jesus Cristo Rei - 24 de novembro -

Sexta-feira Santa [02 de abril de 2021]

[Jo 18,1 – 19,42]

Incluindo a Quinta-feira à noite, a Sexta-feira Santa é o primeiro dia do Tríduo Pascal. Dia de jejum como sinal sacramental da participação no sacrifício de Cristo. Também é um gesto de solidariedade com as vítimas da fome e da miséria. Hoje é o único dia do ano em que não se celebra a Eucaristia, absolutamente. Faz-se a celebração solene da Liturgia da Palavra, à tarde, com adoração do Cristo na Cruz e distribuição da Comunhão Eucarística.  Não é o dia de luto da Igreja, mas de amorosa contemplação da oferta de Cristo na cruz pela humanidade. Essa contemplação tem um caráter de ressurreição, uma vez que a morte de Cristo é inseparável de sua ressurreição. Por isso chamada de beata passio, santa e feliz paixão.

De algum modo a Sexta-feira Santa se prolonga no Sábado. Dia em que a Igreja se coloca em silêncio orante. Celebra o repouso de Cristo no sepulcro, depois da vitória na cruz. É a experiência da morte humana pela qual Cristo passou. É a esperança da vitória de Cristo sobre a sombra da morte: “O Filho do homem... deve... ser levado à morte e ressurgir ao terceiro dia” (Lc 9,22).

Este tempo não é de morte, mas de vida germinal; é noite que aponta à aurora; são as noites escuras da vida que desembocam na alegria da alvorada. É tempo de esperança. “A esperança não decepciona porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

O Mistério Pascal constitui o núcleo central da fé cristã. A morte e a ressurreição de Jesus de Nazaré e a consequente efusão do Espírito sobre toda a Criação trouxe vida nova para toda a humanidade. Um triunfo paradoxal: morte que trouxe vida!

A celebração litúrgica da tarde não tem ritos iniciais: começa com a oração-coleta. Os atos litúrgicos constam de quatro partes: Liturgia da Palavra, Preces Universais, Adoração de Cristo na Cruz, Distribuição da Comunhão Eucarística (Santas Reservas da missa de Quinta-feira Santa).

MEDITANDO O EVANGELHO:

Os relatos da Paixão do Senhor segundo João trazem alguns elementos significativos que gostaria de ressaltar:

“Sou eu” (Jo 18,5): Essas palavras proferidas por Jesus fizeram com que os soldados caíssem por terra. Querem mostrar a liberdade com que Jesus caminha para a morte: “Ninguém tira a minha vida porque eu a dou livremente” (Jo 10,18).

“Embainha a tua espada” (Jo 18,11): Jesus é o Príncipe da Paz. Não admite combater violência com violência. Ademais, ele veio para cumprir a vontade do Pai. Nenhuma força humana deve ser empecilho para que ele leve adiante a missão que o Pai lhe confiou. Combater a violência em nosso País por meio de ação violenta e repressão não pode ser o caminho da paz e da harmonia que todos desejam. A indústria da armamento e da guerra, a posse e o porte de arma de fogo por civis são um atentado contra o Evangelho da Paz. “Cristo é a nossa Paz. Do que era dividido ele fez uma unidade”, proclama com São Paulo a Campanha da Fraternidade desse ano. Dizer que “conhece a verdade” do Evangelho e mandar matar é uma contradição inconcebível. É uma aberração!

“Se falei bem, por que me bates?” (Jo 18,23): Este quadro da Paixão merece longa contemplação. Diante da resposta objetiva e verdadeira de Jesus ao Sumo Sacerdote, um guarda desfecha-lhe uma bofetada. A atitude de Jesus deixa sem resposta qualquer ação violenta. Uma cena que revela o altíssimo grau de serenidade de Jesus diante dos perseguidores e sua ternura para com os violentos. “Não resistais ao homem mau; antes, àquele que lhe fere a face direita oferece-lhe também a esquerda” (Mt  5,39).

“Meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36): Jesus se coloca majestosamente em sua paixão diante dos poderosos que brigam e matam pela conquista e resguardo do poder. Ele não reina pela força, pelo exército, pela violência. Ao entrar em Jerusalém montado num jumentinho e não num cavalo, quis mostrar a que veio: promover a paz na simplicidade, na humildade, no serviço. Conquista e reina nos corações daqueles que assumem em sua própria vida o que ele ensinou. Ele não domina, mas conquista, atrai.

“Não terias poder algum sobre mim se não te fosse dado do alto” (Jo 19,11): Essa resposta de Jesus a Pilatos mostra que toda autoridade e poder vêm de Deus. Ora, sendo Deus o Autor e Criador de todas as coisas, não se pode compreender nem aceitar que alguém faça uso do poder ou autoridade em benefício próprio. Todo poder deve ser exercido em vista do bem de todos. É o poder-serviço ensinado por Jesus aos seus discípulos: “Sabeis que os governadores das nações as tiranizam e os grandes as dominam. Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vós, seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo” (Mt 20,26-27). Infelizmente, as forças políticas, econômicas e, por vezes, as religiosas, caminham na contramão do Evangelho: busca do “poder e glória” (cf Lc 4,6).

“Repartiram entre si minhas roupas” (Jo 19,24): Notamos nesta passagem que Jesus não possuía nada. A única coisa que trazia consigo, sua veste, torna-se objeto de disputa. No que tange aos pobres de quem os ricaços arrancam o manto e a carne, calha bem a advertência da Escritura: “Se tomares o manto do teu próximo em penhor, tu lho restituirás antes do pôr-do-sol. Porque é com ele que se cobre, é a veste do seu corpo: em que deitaria? Se clamar a mim, eu ouvirei, porque sou compassivo” (Êx 22,25-26).

“Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19,26): Aqui, conforme a tradição da Igreja, Jesus nos dá Maria, sua mãe, por nossa Mãe. Ele nos assume como irmãos, não nos deixa órfãos. Dá-nos o que tem de mais precioso: sua Mãe. O discípulo amado, isto é, aquele que vive no amor de Deus, tem Maria por sua Mãe. Nesta cena do evangelho se consuma o que fora iniciado nas bodas de Caná: “Minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). A Hora de Jesus é a Cruz. A mulher, Maria, simboliza a comunidade salva na entrega de Jesus, o Noivo, na Cruz.

“Tenho sede” (Jo 19,28): Este clamor de Jesus na cruz nos remete ao relato de seu encontro com a samaritana no poço de Jacó (cf. Jo 4, 1-42). “Dá-me de beber” disse ele àquela mulher. Jesus tem sede de salvar, de perdoar, de se doar. E, ao mesmo tempo, ele é a água que sacia nossa sede: “Quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede” (Jo 4,14).

“Está consumado” (Jo 19,30): Foram as últimas palavras de Jesus. Ele consumou a missão que o Pai lhe confiara. Não recuou, não desistiu, não se intimidou frente às ameaças, não se deixou levar pelos encantos enganosos da fama e do poder. Com ele e por ele, Paulo pode dizer mais tarde: “Quanto a mim, já fui oferecido em libação, e chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (2Tm 4,6-7). Oxalá cada um de nós possa dizer com serenidade de consciência tais palavras como prece ao Pai na hora derradeira da vida!

“Entregou o espírito” (Jo 19,30b): Essa palavra do evangelho tem o sentido da entrega de sua vida ao Pai, mas também da entrega do Espírito Santo à Igreja, àqueles que continuam sua missão no mundo. Um Pentecostes! É no Espírito de Jesus que a Igreja deve caminhar: oferecer-se em oblação pela vida e pela paz no mundo. Podemos fazer a memória de Estêvão, protomártir da fé cristã, que também ‘entregou o espírito’: “Senhor Jesus, recebe meu espírito”. Confirmando que nele agia o mesmo Espírito que agiu em Jesus, ainda perdoa seus algozes antes de morrer: “Senhor, não lhes leves em conta este pecado” (At 7,59-60).

Hoje é dia de silêncio, de recolhimento, de contemplação. É a maior prova do amor de Jesus por nós: entregar sua vida na cruz. Com a Igreja rezamos: “Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos porque pela vossa santa cruz remistes o mundo”. E proclamamos na liturgia da tarde: “Eis o lenho da cruz do qual pendeu a salvação do mundo. Vinde adoremos!”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Quem entrega a vida, gera vida

aureliano, 20.03.21

5º Domingo da Quaresma [21 de março de 2021]

 [Jo 12,20-33]

Porque Jesus fizera Lázaro reviver, houve uma corrida das multidões a ele: “Eis que todo mundo se põe a segui-lo” (Jo 12, 19), gerando dor-de-cotovelo entre os fariseus. E dentro da multidão, vieram os ‘gregos’. Disseram a Filipe: “Queremos ver Jesus”. No finalzinho do relato de hoje encontramos novamente Jesus “atraindo” as pessoas: “Quando for elevado da terra, atrairei todos a mim”. Jesus tinha uma força que atraía a pessoas. Era a força de sua fidelidade ao Pai e a plenitude do Espírito Santo que nele morava e o movia. – Cá pra nós: nosso modo de viver está atraindo, está conquistando as pessoas para a paz, a verdade e o bem?

É bom refletir aqui sobre a intencionalidade destes estrangeiros. O que de fato os movia? Era apenas curiosidade? Ou eles queriam mesmo conhecer Jesus para assumir um novo modo de viver a partir do encontro com Jesus? Parece que sim, pois não entram no Templo, mas buscam conhecer Jesus. – Nossas buscas, nossas idas ao templo, nossas leituras espirituais e rezas têm como objetivo satisfazer curiosidades, atender necessidades, ou nutrir o desejo de nos identificarmos com Jesus?

Independentemente da intenção daqueles gregos, representantes das comunidades fundadas fora do judaísmo, Jesus mostra claramente aos seus seguidores que o caminho da vida que ele veio ensinar não é fácil. É preciso morrer para produzir frutos. É preciso perder a vida para ganhá-la: “Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna”. Jesus nos ensina que o sofrimento e a morte, a partir de então, encontram um sentido: conversão, vida nova, ressurreição.

Quem se apega ao dinheiro, ao poder, ao prazer, ao ter cada vez mais, aos seus desejos egoístas, está matando a semente de vida que Deus colocou em seu coração. A semente que não morre, fica só, sem vida, estéril. Jesus produziu muito fruto porque entregou sua vida. “Atraiu” todos a si porque deixou-se elevar da terra numa cruz. Entregou-se pela salvação de todos. Na Igreja encontramos inúmeros homens e mulheres que tiveram (e têm) a coragem de enfrentar a perseguição, a exclusão, o exílio, a fome, o cárcere, a morte em defesa da vida: Santo Oscar Romero, Irmã Dorothy, Chico Mendes, Dom Luciano, Santa Madre Teresa de Calcutá,  Servo de Deus Pe. Júlio Maria e tantos outros santos e santas anônimos que conhecemos. – Que atitudes realizo que manifestam minha entrega ao projeto do Reino de Deus? Que experiências tenho feito que denotam uma vida eucarística, isto é, de oferenda pelo bem das pessoas?

Outro elemento do relato evangélico que merece destaque é a atitude de Jesus que mostra sua humanidade profunda: “Agora sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora!’? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim”. Jesus não usa máscaras. Fala de suas dores e angústias. Coloca-se frágil diante do Pai, face ao sofrimento e à morte iminente. Pede até para que o Pai o livre “dessa hora”. Jesus nos ensina a sermos mais autênticos, verdadeiros. Devemos assumir nossos fracassos e fraquezas; arrancar nossas máscaras. Não adianta fazer-se de forte, de bonachão, de independente. Precisamos reconhecer nossos pecados e fraquezas, nossa total dependência do Pai para perseverarmos no caminho da vida. Ninguém caminha sozinho. E ninguém está livre das angústias da vida. Elas podem ser ressignificadas na fé, na vida e seguimento de Jesus.

Do evangelho de hoje deve ficar para nós um comprometimento maior com Jesus Cristo, um encantamento maior por sua pessoa, uma coragem mais forte para fazer morrer em nós o egoísmo e o fechamento a fim de produzirmos muitos frutos. Só atrai gente para Cristo quem tem coragem de morrer por ele, de deixar-se levantar na cruz por ele. Isto é, quem tem coragem de pautar sua vida pelo evangelho, de colocar a vida e o ensinamento de Jesus como parâmetros para suas escolhas e atitudes cotidianas. A partir de Jesus a morte não tem mais a última palavra. Não há necessidade de temer a morte. A morte em Cristo é possibilidade de novas vidas.

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Campanha da Fraternidade 2021: “A cruz era um instrumento de violência na época de Jesus. A pena de morte de Jesus era a cruz. O Império Romano mantinha uma ordem e uma paz aparentes com práticas autoritárias e violentas. Como estratégia militar e de conquista para manter a falsa paz, utilizavam, por vezes, a religião como instrumento de manutenção da hierarquia social. Em algumas situações, a própria religião dava força ao Império e cooperava com a manutenção do poder romano, aplicando a Lei acima da Graça. Era a forma de manter o controle sobre a vida das pessoas, em especial, das mais pobres que, pela opressão sofrida, eram as que poderiam causar perturbações ao Império. Era a Lei religiosa que separava as pessoas puras das impuras, que identificava as pessoas doentes como pecadoras, que silenciava as mulheres, os pobres, os órfãos e tantos outros. As pessoas empobrecidas e que não se encaixassem nas normas eram obrigadas a viver do lado de fora dos muros da cidade. Jesus questionou essas estruturas de poder e desigualdade. As pessoas não poderiam ser descartadas e sofrer as consequências  para a manutenção de um poder segregador” (Texto-Base, 57).

Nestes tempos sombrios que atravessamos, peçamos ao Pai que faça de nós instrumentos de paz, de reconciliação e de esperança. Há muita gente sofrendo terrivelmente as dores da doença, da perda, do medo, da angústia, da fome, do desencanto. Como cristãos e cristãs, recebemos a missão de ajudar as pessoas a se aproximarem de Jesus, Vida para nossa vida, Pão para nosso alimento, Palavra que nos liberta e salva, Caminho que nos dá segurança do rumo certo. Sejamos para todos com quem trabalhamos ou temos algum contato, um sinal de vida, de esperança, de possibilidade. Jamais entremos pelo caminho largo e tenebroso da morte, do ódio, da polarização, da intolerância, da violência, de pagar o mal com o mal. Trilhemos caminhos de vida. Entreguemos nossa vida para que outros tenham vida também.

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Jesus: caminho e revelação do Pai

aureliano, 09.05.20

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5º Domingo da Páscoa [10 de maio de 2020]

[Jo 14,1-12]

O relato de hoje está no contexto da narrativa do ‘lava-pés’, traição de Judas e a negação de Pedro. Após narrar esses últimos fatos (traição e negação), João mostra Jesus consolando seus discípulos e despertando-lhes a confiança para que não desanimassem nas adversidades e decepções da missão.

Preferi trabalhar o relato de hoje a partir de tópicos. Espero que possa ajudar na oração e reflexão.

  1. “Não se perturbe o vosso coração! ... pois vou preparar-vos um lugar”. Os discípulos não precisavam ficar preocupados com o que iria acontecer. Jesus estava com eles. Podiam confiar nele: “Eu vos levarei comigo ... para que onde eu estiver estejais também vós”. Essa é a grande promessa aos discípulos: Jesus não os abandona. Preocupa-se com eles. Está com eles. – Nos momentos difíceis da vida, nas desilusões e desencantos, sobretudo quando lutamos por um bem que parece não se concretizar, lembremo-nos destas consoladoras palavras de Jesus. Não desistamos jamais de continuar no caminho do bem, mesmo que as forças do mal pareçam prevalecer.
  2. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. No evangelho do domingo passado (Jo 10) ouvimos Jesus dizer: “Eu sou a porta”. Hoje ele diz: “Eu sou o caminho”. Foi uma resposta à pergunta de Tomé que manifestava seu desconhecimento do caminho para o Pai. Não existe outro caminho para o Pai a não ser Jesus. A vida de Jesus nos mostra por onde devemos trilhar para chegarmos ao Reino do Pai. Mesmo que não se professe explicitamente a fé cristã, mas implicitamente se deve viver a partir dos valores evangélicos. – Jesus é o Caminho que conduz ao Pai. Aquele que vive como Jesus ensinou está no caminho que conduz à vida. Para o ser humano há somente dois caminhos: um que conduz à morte e outro que conduz à vida (cf. Dt 30,15-20). A escolha é de cada um. O caminho que conduz à vida é estreito. E são poucos os que entram por ele (cf. Mt 7,14). Peçamos ao Pai a coragem suficiente para entrarmos por ele. – Jesus é a Verdade. Em meio a tantas teorias que se pretendem verdades absolutas, presentes nas propostas do capitalismo, do materialismo, do lucro a qualquer preço, do prazer absoluto, e confundidos por tantas notícias falsas (fake news), Jesus Cristo resplandece como a única verdade que ilumina o ser humano. – Jesus é a Vida. O sistema político, econômico, eleitoral, judiciário de nosso País, a sede de poder e de ter a qualquer preço, tiram muitas vidas e assassinam muitos sonhos e esperanças. Jesus é vida que nos salva e nos enche de alegria.
  3. “Quem me vê, vê o Pai”. Respondendo a uma pergunta de Felipe, Jesus faz uma revelação fantástica de si: ele é o rosto do Pai. Em Jesus nós contemplamos Deus. Ele é a resposta às nossas perguntas; é a luz da verdade para nosso espírito ameaçado pela mentira e falsidade que campeiam por toda parte; é fonte de vida para nossas angústias. As palavras “quem me vê, vê o Pai”, pronunciadas na véspera da cruz, nos lembram que, encarar os rostos dos pobres e reconhecer neles o rosto desfigurado de Cristo, nos torna capazes de ver a glória do Pai no rosto coroado de espinhos daquele homem de Nazaré.
  4. “Quem crê em mim fará as obras que faço, e fará até maiores do que elas”. O discípulo de Jesus, confirmado pelo Espírito Consolador, que depositou sua confiança em Jesus e vê o mundo com o olhar de Jesus realiza obras ainda maiores do que as que Jesus realizou. Jesus era único, num território delimitado, numa época determinada, estava com possibilidades reduzidas. Já seus discípulos, aqueles que crêem nele e o seguem, estão com maiores possibilidades; é um grupo maior; se estendem a outros territórios, se renovam no decurso da história, atingem maior número de pessoas. Por isso têm possibilidade de realizar obras ainda maiores.

A confiança em Jesus, Caminho único que leva ao Pai, Rosto revelador do Pai amoroso e expresso nos rostos sofridos, deve nos renovar para que nossas obras revelem o rosto do Pai que quer a vida para todos, e reproduzam as mesmas atitudes de Jesus que acolhia, amparava, perdoava, curava, dava vida nova, novo vigor àqueles que dele se aproximavam. Para isso renovemos nossa confiança em Jesus que continua conosco, que age em nós e através de nós e que nos garante levar para junto dele na glória do Pai.

* Celebramos hoje o Dia das Mães. Seria bom nos lembrarmos neste dia das mães sofredoras. Há mães que não experimentam alegrias neste dia. Talvez experimentem ainda uma dor maior. Que tal fazermos uma oração, enviarmos uma mensagem a alguma mãe sofrida? Mais do que festanças, comilanças e bebedeiras, precisamos caminhar na direção de maior solidariedade! E esse momento de pandemia do covid-19 está a nos ensinar também isso: solidariedade, partilha, comunhão, sensibilidade diante da dor, espírito de simplicidade e despojamento.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Jesus é ressurreição e vida

aureliano, 27.03.20

5º Domingo da Quaresma - A - 29 de março.jpg

5º Domingo da Quaresma [29 de março de 2020]

[Jo 11,1-45]

Ao escrever o evangelho, João descreve Jesus realizando “sinais”; não fala de “milagres”. Este é o sétimo sinal realizado por Jesus, segundo João. Diante da morte do amigo Lázaro e diante da própria morte que se aproxima, Jesus diz: “Eu sou a ressurreição e a vida”. É a grande revelação de Jesus. A ressurreição em Cristo depende da fé em Jesus. Aderir a Jesus, à semelhança do amigo Lázaro, é aderir à Vida em pessoa: “Nele estava a vida” (Jo 1,4). Lázaro é sinal de uma vida que não morre: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11,25).

Como temos lembrado, para os primeiros cristãos a quaresma era o tempo de se prepararem aqueles que seriam batizados na Vigília Pascal. E os textos nos querem ajudar a mergulhar no sentido do batismo para o cristão.  À medida que compreendermos bem o batismo e suas consequências para a vida cristã, teremos menos “problemas” na pastoral do batismo e, consequentemente, construiremos uma Igreja que seja mais significativa e mais incisiva na história, como é o propósito do sacramento do batismo.

O relato da revivificação de Lázaro é uma imagem do batismo cristão. Batismo é a vida nova assumida e vivida em Cristo: “Se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vós, aquele que ressuscitou Cristo Jesus dentre os mortos dará vida também a vossos corpos mortais mediante o seu Espírito que habita em vós” (Rm 8,11). A vida eterna não é algo que está ainda para acontecer plenamente depois desta vida terrestre, mas já é realidade para aquele que crê em Jesus Cristo. É o “já e ainda não” de quem segue a Jesus. O Espírito faz viver nossos corpos mortais apesar da morte; faz-nos viver a vida de Deus no meio da morte. Embora no meio da morte, estamos vivos: “Se, porém, Cristo está em vós, o corpo está morto, pelo pecado, mas o Espírito é vida, pela justiça” (Rm 8,10). Na perspectiva cristã a história não caminha para o caos, a confusão, a desordem, para um nada, mas para a ressurreição final.

“Quem não tem o Espírito de Cristo não pertence a Cristo” (Rm 8,9). Se o batismo nos dá o Espírito que animou o Cristo, não podemos agir por outro espírito, com o “espírito de porco”, por exemplo. Ou seja, o cristão deve traduzir em obras a fé que proclama no Cristo. Isso significa transformar a sociedade de morte em uma sociedade de vida, onde reine a justiça, a bondade e a comunhão. É renunciar a uma vida “segundo a carne”, isto é, movidos pelos desejos egoístas, e buscarmos viver “segundo o espírito”, isto é, numa abertura cada vez maior àqueles que precisam de nós. Numa verdadeira eucaristia: vida doada, entregue pela salvação e libertação de todos.

Ó Deus de bondade, dai-nos por vossa graça caminhar com alegria na mesma caridade que levou o vosso Filho a entregar-se à morte no seu amor pelo mundo. Amém.

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DIANTE DA MORTE: CHORAR, MAS TAMBÉM CONFIAR

O relato de hoje traz um fato muito interessante de Jesus: ele chorou diante da morte do amigo Lázaro. Esse fato vem mostrar o sentimento de humanidade de Jesus. Ele não chorou simplesmente pela morte do amigo, mas sentiu na alma a dor da impotência humana diante da morte. Duas atitudes tomadas por Jesus diante da morte: chorar e confiar em Deus.

A morte é sempre uma realidade de dor e de sofrimento. Há dentro de todos nós um desejo insaciável de viver. Por que a vida não se prolonga mais? Por que não se tem mais saúde para uma vida mais ditosa? Que é feito da “pílula da imortalidade” que os cientistas insistem em descobrir?

O ser humano de hoje carrega cravadas em seu coração as perguntas mais inquietantes e mais difíceis de se responderem: ‘Que será de cada um de nós? Que podemos fazer? Rebelar-nos? Deprimir-nos?’ – Sabemos que vamos morrer. Mas quando, onde, se sozinhos ou assistidos... não sabemos. Mas seria muito bom termos ao nosso lado, naquele momento derradeiro, alguém que nos ajudasse a “entregar o espírito”! Mesmo assim, porém, ninguém se livra da solidão da morte! Naquele momento, ainda que esteja uma multidão ao nosso lado, morremos sozinhos!

Diante do mistério último de nosso destino não é possível apelar a dogmas científicos nem a explicações espiritualistas e extraordinárias. A razão não dá conta de nos explicar este mistério. Nós cristãos devemos nos colocar com humildade diante do fato obscuro da morte. E fazermos isso com humildade, numa radical confiança no mistério da bondade do Pai manifestada em Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês nisto?”. A resposta confiante de Marta quer mostrar o caminho que o discípulo de Jesus deve percorrer no confronto com a situação da morte: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que deve vir ao mundo”.

O relato do evangelho deste domingo quer mostrar-nos que a presença do Senhor faz brotar a esperança. Marta, que crê na ressurreição de Cristo, na vida que ele veio trazer, torna-se para sua irmã, Maria, mensageira do chamado do Senhor que a faz sair do mundo da morte em que estava mergulhada, para estar diante do Senhor da vida.

Dizem que Hans Küng afirmava a respeito da morte: “Morrer é descansar no mistério da misericórdia de Deus”.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Como lidar com os bens materiais

aureliano, 13.10.18

28º Domingo do Tempo Comum [14 de outubro 2018]

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   [Mc 10,17-30]

No evangelho do domingo passado refletimos sobre Jesus orientando a vida familiar. A relação conjugal não se fundamenta numa relação de dominação, mas de respeito, de corresponsabilidade, de ajuda mútua. Em síntese, marido e mulher são co-criadores com o Pai.

Neste domingo, continuando a leitura do evangelho de Marcos, Jesus continua a instruir seus discípulos para que a vida deles seja um marco diferencial na sociedade. O cristão precisa fazer a diferença. Agora Jesus ensina a se relacionar com os bens. Realidade muito próxima do casamento. A gente sabe que muitas crises no relacionamento conjugal brotam da relação com o dinheiro. Quantas brigas por conta de dívidas, por conta de diferença de salários, por conta de compra e venda! Quanta confusão, depois da separação, por causa de bens e de pensão! Quanta confusão e, por vezes, morte por causa de herança! Então vamos acompanhar a orientação de Jesus a respeito desse caminho que o discípulo deve fazer.

Esse moço que recorre a Jesus se preocupa com a vida eterna. Não lhe interessa tanto a vida presente uma vez que os bens já lhe estão garantidos. Primeiramente Jesus faz com que sua atenção se volte para o Pai e não tanto para Jesus: “Só Deus é bom”. Os mandamentos da Lei relativos ao próximo ele os tem observado. Notamos, porém, que os Dez Mandamentos não foram citados. Apenas alguns e mesmo assim naquela conotação negativa: “não”. Então lhe faltava a dimensão positiva da vida. Ele observava a Lei, mas não sabia partilhar. Não tinha gratuidade. Não sabia o que estava fazendo. Fazia por fazer. Como aqueles casos muito comuns entre nós: “Por que você quer batizar seu filho?” Ou “Por que você é católico?” A resposta normalmente ecoa: “Porque todo mundo batiza” Ou “Porque meu pai é católico”. Ou simplesmente: “Por que nasci numa tradição católica”. E por aí vai. Uma fé sem fundamento, sem gratuidade, sem generosidade, sem conhecimento, sem razão.

Jesus quis ajudar aquele homem a dar um passo decisivo na vida. É algo que caracteriza a fé cristã: a partilha. “Vai, vende tudo o que tens. Dá o dinheiro aos pobres. Depois vem e segue-me”. Não basta dividir os bens com os pobres. É preciso seguir a Jesus. O seguimento de Jesus é que caracteriza o cristão. Poder-se-iam distribuir os bens por vaidade. E nesse aspecto Paulo já alertara: “Ainda que eu desse todos os meus bens aos pobres; se não tivesse amor, isso de nada valeria” (1Cor 13,3).

No desenrolar do texto Jesus percebe a dificuldade de o rico entrar no Reino. Jesus não está falando de vida depois da morte, não. Ele está falando do Reino de Deus. A vida eterna começa aqui, com a erupção do Reino de Deus. Quem não se desapega, como aquele moço que não teve coragem de se desvencilhar dos bens, não pode entrar na vida de Deus. A vida eterna é a vida em Deus.

A salvação é dom de Deus: “Para Deus tudo é possível”. Ninguém compra a vida de Deus, repartindo seus bens, fazendo caridade etc. Deus nos salva de graça. Porém nossos gestos de bondade, de generosidade, de partilha, de perdão, de tolerância, de respeito, de solidariedade são nossa resposta à bondade de Deus que nos salva. Quem vive preso às suas coisas, fechado em si mesmo, indiferente ao sofrimento alheio ou, pior ainda, buscando sempre oportunidades para aumentar suas posses, defraudando os outros, está cada vez mais longe da salvação. Sua vida está atravancando a ação salvadora de Deus. É uma pedra de tropeço, um escândalo, que impede a vida de florescer. Mata a alegria e as esperanças das pessoas.

Na prática, cada um de nós podia dar uma olhadinha no modo como lida com os bens e posses. O que fazemos com o dinheiro? Onde o guardamos? Com que finalidade? O que estamos comprando? Para quê compramos? Tem gente que renova as mobílias todos os anos. Compra sem necessidade nenhuma. Tem gente que está sempre na ponta da tecnologia. É necessário estar na “crista da onda”? Por outro lado, há pessoas que deixam de comprar coisas essenciais para a casa, que deixam de cuidar da saúde da família para guardar o dinheiro ou aumentar o patrimônio. E, muitas vezes, se endividando com prestações a perder de vista. Tem gente que nem consulta a família para fazer certos gastos. Tem gente que gasta o salário com jogatina, com prostituição e adultério, com bebedeira sem conta, com churrascada desmedida para amigos, com drogas de toda qualidade. Tem gente que vive uma vida miserável para aplicar o dinheiro em rendimentos bancários. Mas não é capaz de partilhar um centavo com os mais pobres!

Isso sem falar da agiotagem que assassina milhares de famílias. Um pecado que brada aos céus: o sujeito tem dinheiro; vê o irmão na pior; empresta-lhe a juros exorbitantes; escraviza o pobre coitado que nunca ou quase nunca consegue pagar (Cf. Sl 15,5).

“A maneira sadia de lidar com o dinheiro é ganhá-lo de forma limpa, utilizá-lo com inteligência, fazê-lo frutificar com justiça e saber compartilhá-lo com os mais necessitados” (Pe. J. A. Pagola).

Não está na hora de colocarmos a mão na consciência e rezarmos um pouco mais nosso ser cristão? Aquele homem do evangelho voltou triste porque possuía muitos bens. Conclui-se que a posse de muitos bens não traz alegria para ninguém. A verdadeira alegria está no bom uso dos bens, do dinheiro. Quando sabemos partilhar, distribuir, comprar ou vender dentro de critérios honestos e a partir de um diálogo respeitoso e cristão dentro de nossa casa, estamos no caminho do verdadeiro discipulado de Jesus. Então experimentaremos a verdadeira alegria que brota de uma vida vivida em Deus, na construção do Reino de partilha, de paz e de justiça.

Penso ser oportuno lembrar também os milhões roubados dos cofres públicos pela corrupção; os desvios sem conta de dinheiro público para os bolsos de gestores e políticos sem consciência; os privilégios garantidos por legislação injusta como auxílio-moradia, auxílio-doença, auxílio-transporte, verba indenizatória para quem já ganha salários exorbitantes: a lei pode garantir, mas não significa que seja justo; as privatizações das empresas estatais, o desejo de alguns mandatários de tomar as reservas indígenas e quilombolas para repassá-las a empresários que não têm mais onde guardar dinheiro. A distância entre ricos e pobres tende a aumentar cada vez mais em nosso País. E pior: com o aval do ‘sufrágio universal’ (votos nas urnas). A estatística confirma que, nas últimas eleições, cresceu no Congresso Nacional o número de milionários. Eles irão propor ou votar projetos que favoreçam os mais pobres em detrimento de aumentarem seu patrimônio? Vamos pensar nisso.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN