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aurelius

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Como você se relaciona com o dinheiro?

aureliano, 12.10.24

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28º Domingo do Tempo Comum [13 de outubro 2024]

   [Mc 10,17-30]

No evangelho do domingo passado refletimos sobre Jesus orientando a vida familiar. A relação conjugal não se fundamenta numa relação de dominação, mas de respeito, de corresponsabilidade, de ajuda mútua. Em síntese, marido e mulher são co-criadores com o Pai.

Neste domingo, prosseguindo a leitura do evangelho de Marcos, Jesus continua a instruir seus discípulos para que a vida deles seja um marco diferencial na sociedade e na história. O cristão precisa fazer a diferença. Agora Jesus ensina a se relacionar com os bens. Realidade muito próxima do casamento. A gente sabe que muitas crises no relacionamento conjugal brotam da relação e gestão dos bens, da casa, do dinheiro. Quantas brigas por conta de dívidas, por conta de diferença de salários, por conta de compra e venda! Quanta confusão, depois da separação, por causa de bens e de pensão! Quanta confusão e, por vezes, morte por causa de herança! Então vamos acompanhar a orientação de Jesus a respeito desse caminho que o discípulo deve fazer.

Esse moço que recorre a Jesus se preocupa com a vida eterna. Não lhe interessa tanto a vida presente uma vez que os bens já lhe estão garantidos. Primeiramente Jesus faz com que sua atenção se volte para o Pai e não tanto para Jesus: “Só Deus é bom”. Os mandamentos da Lei relativos ao próximo ele os tem observado. Notamos, porém, que os Dez Mandamentos não foram citados. Apenas alguns e mesmo assim naquela conotação negativa: “não”. Então lhe faltava a dimensão positiva da vida. Ele observava a Lei, mas não sabia partilhar. Não tinha gratuidade. Não tinha plena consciência e conhecimento do que estava fazendo. Observava a lei por costume e tradição. Como aqueles casos muito comuns entre nós: “Por que você quer batizar seu filho?” Ou “Por que você é católico?” A resposta normalmente ecoa: “Porque todo mundo batiza” Ou “Porque meu pai é católico”. Ou simplesmente: “Por que nasci numa tradição católica”. E por aí se vai. Uma fé sem fundamento, sem gratuidade, sem generosidade, sem conhecimento, sem razão, sem convicção e decisão livre e consciente.

Jesus quis ajudar aquele homem a dar um passo decisivo na vida. É algo que faz parte integrante da fé cristã: o desapego dos bens e o espírito de partilha. “Vai, vende tudo o que tens. Dá o dinheiro aos pobres. Depois vem e segue-me”. Não basta, pois, dividir os bens com os pobres. É preciso seguir a Jesus. O seguimento de Jesus é que caracteriza o cristão. Poder-se-iam distribuir os bens por vaidade. E nesse aspecto Paulo já alertara: “Ainda que eu desse todos os meus bens aos pobres; se não tivesse amor, isso de nada valeria” (1Cor 13,3).

No desenrolar do texto Jesus percebe a dificuldade de o rico entrar no Reino. Jesus não está falando de vida depois da morte, não. Ele está falando do Reino de Deus. A vida eterna começa aqui, com a erupção do Reino de Deus. Quem não se desapega, como aquele moço que não teve coragem de se desvencilhar dos bens, não pode entrar na vida de Deus. A vida eterna é a vida em Deus.

A salvação é dom de Deus: “Para Deus tudo é possível”. Ninguém compra a vida de Deus, repartindo seus bens, fazendo caridade etc. Deus nos salva de graça. Porém nossos gestos de bondade, de generosidade, de partilha, de perdão, de tolerância, de respeito, de solidariedade são nossa resposta à bondade de Deus que nos salva. Quem vive preso às suas coisas, fechado em si mesmo, indiferente ao sofrimento alheio ou, pior ainda, buscando sempre oportunidades para aumentar suas posses, defraudando os outros, extorquindo, sonegando impostos, deixando de cumprir com as obrigações sociais de seus funcionários, está cada vez mais longe do Reino de Deus, da salvação. Sua vida está atravancando a ação salvadora de Deus. É uma pedra de tropeço, um escândalo, que impede a vida de florescer. Mata a alegria e as esperanças das pessoas.

Na prática, cada um de nós podia dar uma olhadinha no modo como lida com os bens e posses. O que fazemos com o dinheiro? Onde o guardamos? Em que o empregamos? Com que finalidade? O que estamos comprando? Para que compramos? Tem gente que renova as mobílias todos os anos. Compra sem necessidade nenhuma. Tem gente que está sempre na ponta da tecnologia. É necessário estar na “crista da onda”? Por outro lado, há pessoas que deixam de comprar coisas essenciais para a casa, que deixam de cuidar da saúde da família para guardar o dinheiro ou aumentar o patrimônio. E, muitas vezes, se endividando com prestações a perder de vista. Tem gente que nem consulta a família para fazer certos gastos. Tem gente que gasta o salário com jogos de azar, com prostituição e adultério, com bebedeira sem conta, com churrascada desmedida para amigos, com drogas de toda qualidade. Tem gente que vive uma vida miserável para aplicar o dinheiro em rendimentos bancários. Mas não é capaz de partilhar um centavo com os mais pobres!

Isso sem falar da agiotagem que assassina milhares de famílias. Um pecado que brada aos céus: o sujeito tem dinheiro; vê o irmão na pior; empresta-lhe a juros exorbitantes; escraviza o pobre coitado que nunca ou quase nunca consegue pagar (Cf. Sl 15,5). E o que dizer daqueles que transferem sua fortuna para os “paraísos fiscais”, deixando os pobres brasileiros a “ver navios”? Pior: muitos destes tais se dizem cristãos!

“A maneira sadia de lidar com o dinheiro é ganhá-lo de forma limpa, utilizá-lo com inteligência, fazê-lo frutificar com justiça e saber compartilhá-lo com os mais necessitados” (Pe. J. A. Pagola). O acúmulo de bens é idolatria. O reino pessoal, a busca de si mesmo não garante lugar no Reino de Deus.

Não está na hora de colocarmos a mão na consciência e rezarmos um pouco mais nosso ser cristão? Aquele homem do evangelho voltou triste porque possuía muitos bens. Conclui-se que a posse de muitos bens não traz alegria para ninguém. A verdadeira alegria está no bom uso dos bens, do dinheiro. Quando sabemos partilhar, distribuir, comprar ou vender dentro de critérios honestos e a partir de um diálogo respeitoso e cristão dentro de nossa casa, estamos no caminho do verdadeiro discipulado de Jesus. Então experimentaremos a verdadeira alegria que brota de uma vida vivida em Deus, na construção do Reino de partilha, de paz e de justiça.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Jesus, o Pão que alimenta

aureliano, 06.08.21

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19º Domingo do Tempo Comum [08 de agosto de 2021]

   [Jo 6,41-51]

Continuamos refletindo o capítulo sexto do evangelho de João. Neste capítulo Jesus se apresenta como o “Pão da Vida”. Os judeus reagem a essa revelação de Jesus e, consequentemente, não se deixam “atrair” pelo Pai à fé no seu Filho querido.

Por que não se abrem à Boa Nova? Porque estão fechados em si mesmos. Têm medo de abandonar a estrutura fria, pétrea, ritualista que haviam criado. Uma espécie de redoma que os protege. O novo trazido por Jesus os ameaça. Exatamente porque mexe com as estruturas fixas e comodistas que haviam criado em torno da Lei e do Templo.

A mentalidade deles não comportava que a Encarnação do Mistério insondável de Deus se desse num homem simples, de Nazaré, filho de Maria e de José: “Não é ele o filho de José?”. Sem uma atitude de simplicidade, de abertura, de humildade, de entrega não é possível acreditar em Jesus. É preciso deixar-se “atrair pelo Pai”. A fé é dom de Deus e não constructo humano. É deixar-se tocar pelo “encontro com uma Pessoa, com um Mistério que dá novo horizonte e sentido à vida” (Bento XVI).

A vida eterna se alcança por meio dessa fé. E vida eterna não é simplesmente algo para além da morte nem continuação dessa vida. É a experiência de uma existência vivida em Deus já neste mundo. E que continua de modo novo e pleno na eternidade. Fé é adesão a Jesus Cristo. É o comprometimento com sua vida, seu ensinamento. Dá coragem de enfrentar o que ele enfrentou: “As forças da morte, a injustiça e a ganância do ter, presentes naqueles que impedem ao pobre viver”.

O profeta Elias, de quem fala a primeira leitura (1Rs 19,4-8), enfrentou essa realidade: defensor da fé de Israel, protetor dos pobres (a vinha de Nabot), profeta de Deus: foi perseguido. Foge com medo da perseguição e entra numa situação de dor, de angústia profunda, de desânimo, pois se sente sozinho, talvez por confiar muito nas próprias forças. Pede a morte. Mas o Senhor não o abandona. Dá-lhe o pão para que caminhe e busque em Deus a força para prosseguir sua missão.

A fé cristã é, pois, comprometedora. Ela nos coloca, por vezes, face a face com a morte. Possuir a vida eterna é lutar, desde já, para que todos tenham vida. Para que o Pão da
Vida esteja na mesa e no coração dos mais pobres. Comer do pão, que é o próprio Jesus presente na Eucaristia e na Palavra, garante vida eterna. O corpo de Jesus doado na Eucaristia mostra como ele se entrega, se doa. E quando comungamos (do Pão e/ou da Palavra) estamos dizendo que nos comprometemos com tudo o que Jesus fez e ensinou. Aquele “amém” pronunciado como resposta à palavra do ministro quando nos diz: “o Corpo de Cristo”, significa: “Eu creio”, “Eu me comprometo”, “Eu também quero doar minha vida”.

Comer o Pão da Vida significa nos comprometermos a doar também um pão de vida. Não nos é desconhecido que a própria religião pode prometer um pão de morte. Quanta gente sendo enganada por líderes religiosos prometendo prosperidade, cura, emprego, milagres! Fazendo campanha eleitoreira em nome da religião! É um pão de morte porque de desilusão, de fantasia, de enganação. Jesus promete um alimento que “perdura para a vida eterna”. Ele é o pão do céu: “Quem dele comer nunca morrerá”. Este Pão que alimenta e revigora, deve fazer brotar melhores condições de vida ao redor de quem dele participa.

Deixemo-nos atrair pelo Pai para que Jesus seja realmente nossa fonte de vida. Para que nossa vida seja marcada verdadeiramente por ele. Para que nossas decisões, nossas atitudes, nossos relacionamentos se inspirem nele. Para que busquemos, acima de tudo, o bem das pessoas e não usemos delas em proveito próprio. Foi isso que Jesus fez. É o que o cristão deve fazer.

Santo Agostinho dizia: "Dois amores construíram duas cidades: o amor a si mesmo, dizendo que queria contentar a Deus, construiu a cidade da Babilônia, isto é, aquela do mundo e da imoralidade; o amor a Deus, ainda que para contentar a si mesmo, construiu a cidade de Deus". Isso significa que o amor de si mesmo, o egoísmo, destrói a vida. O amor pelo próximo é construção de vida. É doação, é saída de si. Todo amor-doação é gerador de nova vida. Foi o que Jesus fez e pediu que fizéssemos: “Amai-vos como eu vos amei”.

*Neste dia em que celebramos o Dia dos Pais, pensemos um pouco na responsabilidade de ser pai: ser colaborador do ato criador de Deus Pai. O pai da terra é representante do Pai do céu. Deve, pois, amparar, zelar, educar, acompanhar a vida de seus filhos. Não basta colocar filho no mundo. É preciso formar para a vida. Pai não é aquele que gera, mas aquele que educa. Essa história de que basta dar “pensão alimentícia” é irresponsabilidade, falta de compromisso e de amor ao ser humano que tem direito a ter um pai que ama, que forma, que educa, que limita, que se doa. Pensemos e rezemos também pelos pais presidiários, desempregados, doentes, refugiados, impossibilitados de participar da vida dos filhos. Pensemos ainda nos filhos que não têm ou não tiveram a oportunidade de ter um pai presente, solícito, amoroso, que lhe dê firmeza e rumo para a vida. Há muita dor que precisa de alento, de solidariedade.

                Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Crer em Jesus significa comprometer-se com Ele

aureliano, 30.07.21

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18º Domingo do Tempo Comum [1º de agosto de 2021]

   [Jo 6,24-35]

Uma pergunta intrigante: Por que continua o interesse pela pessoa de Jesus mesmo depois de dois mil anos de sua vida em Nazaré? Por que seus ensinamentos continuam mexendo com os corações e as mentes de tanta gente?

Aproximando-nos do evangelho deste domingo (Jo 6, 24-35), quando Jesus, depois de alimentar uma multidão faminta, lhe diz: “Esforçai-vos pelo alimento que não se perde”, notamos aí que o pão material não preenche o vazio do coração humano. Este busca algo maior, mais consistente, permanente, que ultrapasse a fome de apenas consumir, de satisfação físico-psíquica.

Em primeiro lugar deve vir o pão material, é claro. Não é possível evangelizar alguém que passa fome, pois o primeiro sinal do evangelho é a promoção da vida: “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). Por isso Jesus multiplica os pães. Ou seja, move as pessoas a realizar a partilha daquilo que elas mesmas já têm: cinco pães e dois peixes. Nas mãos de um só, alimentava o individualismo humano. Nas mãos de Jesus, depois de dar graças, alimenta uma multidão. Tudo que é partilhado se multiplica. Tudo que é acumulado estraga e míngua (a vida própria e dos outros).

A resposta de Jesus a um povo que o procura por causa dos milagres, pode parecer, à primeira vista, um tanto dura e, até mesmo, sinal de desprezo pelos que saciara no dia anterior. Mas não se trata nem de menosprezo nem de indelicadeza nem de dureza. Jesus quis mostrar que o sinal realizado deveria servir de lição para os líderes do povo. Estes são os primeiros responsáveis por promover entre o povo a partilha e a solidariedade. Confiar em ‘salvador da pátria’ ou ‘herói nacional’ sempre foi desastroso. A História mostra isto. O líder deve ajudar o grupo a desenvolver suas próprias capacidades e seus próprios dons para que não falte a ninguém as condições necessárias à vida.

Porém, Jesus quer ajudar ainda o grupo a sair de uma dimensão materialista e mesquinha da vida. O relato mostra que o povo tem sede de algo mais. E que, além disso, não sabe caminhar sozinho. E pode, por conseguinte, entrar numa relação de dependência e comodismo.  Por isso Jesus recomenda realizar as obras de Deus que é “crer naquele que ele enviou”. E crer significa comprometer-se, acolher na esperança, investir todas as forças e energias na proposta do Reino que Jesus veio revelar, aderir à sua Pessoa. Significa assumir na própria vida as atitudes de Jesus. Ainda mais: fé cristã não é aderir ou cumprir uma série de regras e normas eclesiásticas e divinas.  Fé cristã é a busca permanente, cotidiana de conformar a própria vida com a vida de Jesus. É procurar ter as atitudes de Jesus: acolhida, perdão, compreensão, respeito, partilha, entrega.

Jesus percebe nossa fome e quer saciar-nos. Sabe que temos fome de justiça, de paz, de fraternidade, de perdão, de sentido de vida, de verdade. Jesus se apresenta como “o pão da vida”, aquele que alimenta, que “dá vida ao mundo”. É esse alimento que nos dá alento no sofrimento, nas tribulações, nas angústias, na hora da morte. É o pão que perdura para a vida eterna. Quem come deste pão, a vida de Jesus, nunca mais terá fome ou sede.

É por isso que a vida e a pessoa de Jesus, não obstante dois mil anos passados, continuam atraindo e provocando as pessoas. Ele é o pão verdadeiro. Há muitos alimentos por aí com aparência de ‘pão’, mas envenenados. Quanto mais a pessoa os consome, mais fome tem, mais vazia fica. Somente Jesus preenche o vazio do coração humano. Por isso aquela gente grita: “Senhor, dá-nos sempre deste pão”.

Com aquela multidão queremos também pedir ao Senhor que desperte em nós a preocupação com os que passam fome de pão e de paz, de alegria e de harmonia, de justiça e de fraternidade. Não pensemos apenas no nosso pão, na nossa mesa, na nossa casa, mas também nos que precisam de nossa colaboração para conseguir o pão. Esse é o sentido da Eucaristia que semanalmente celebramos: uma vez eucaristizados, nos tornamos eucaristia para os outros: pão tomado por Deus, partido e entregue para o povo: “Fazei isto em memória de mim”.

*Neste primeiro domingo de agosto celebramos o Dia do Padre. É oportunidade de agradecermos a Deus pelos padres que passaram por nossa vida, nos ajudaram, nos deram os sacramentos. Alguns já partiram desta vida. Outros continuam no meio de nós. É dia também de rezarmos e refletirmos sobre as vocações sacerdotais. O que você tem feito pelas vocações? Você ajuda, reza, apoia os vocacionados? Você ajuda a nós padres a sermos mais pastores, mais próximos, mais dedicados? Não trate o padre como ‘coitadinho’, não! Ele escolheu essa vocação atendendo ao chamado de Deus e da Igreja. Colocou-se livremente a serviço do evangelho. Precisa ser ajudado a viver com fidelidade e dedicação. E você, cristão leigo, deve ajudá-lo a ser um verdadeiro colaborador e servidor das comunidades, rezando por ele, fazendo a correção fraterna quando necessário, sendo colaborativo nos serviços e ministérios da comunidade! Ajude-nos a sermos mais pastores, mais misericordiosos, mais generosos, mais paternais. Ajude-nos a ser homens de Deus, santos.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

Deus vive e nos quer vivos

aureliano, 08.11.19

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32º Domingo do Tempo Comum [10 de novembro de 2019]

[Lc 20,27-38]

Coroamos as celebrações de Finados e de Todos os Santos com esse belíssimo texto para esse Domingo: nosso Deus não é um Deus dos mortos, mas dos vivos.

É necessário entender bem o relato de hoje. Para isso precisamos voltar alguns séculos na história e nos colocarmos dentro do contexto do tempo de Jesus. Precisamos entender a compreensão que se tinha de ressurreição. Para isso é preciso tecer algumas considerações:

O israelita estava convicto de três elementos fundantes na vida: viver em paz na sua própria terra, ter vida longa e deixar numerosa prole. Isso é que deixava feliz e realizado o crente de Israel.

A narrativa de Macabeus (século II a.C.) proclamada hoje (2Mc 7,1-14), quer responder a algumas perguntas que, certamente, pulsavam no coração do judeu fiel: “Se a realização da pessoa estava em viver em paz no própria terra, em ter longa vida e uma família numerosa, como ficaria a situação de quem não tivesse condições de experimentar tal realidade?”

A resposta a essa crise existencial está em acreditar na possibilidade de vida após a morte. Do contrário a vida perderia o sentido. De que valeria lutar por uma causa justa, empenhar-se por viver honestamente, manter-se fiel ao ensinamento de Deus, se tudo acabasse com a morte? Deus nos teria criado para viver a vida como uma “paixão inútil”?

Os saduceus, pertencentes à aristocracia sacerdotal, preocupados com a manutenção de seus privilégios, não acreditavam na ressurreição dos mortos porque não arriscavam a vida pra nada. Bastava-lhes a vida presente, sem se preocupar com ninguém. Viviam afogados na própria autossuficiência.

Então foi se formando no coração do israelita a fé na vida post-mortem. Ou seja, a morte não era a última palavra de Deus sobre a pessoa. É preciso ficar claro também que essa compreensão da vida após a morte não era a “sobrevivência da alma”, mas a subsistência do homem todo: alma e corpo. E não era uma continuação desta vida terrestre, mas uma vida nova transformada: ser humano plenificado por Deus e em Deus.

A pergunta dos saduceus tem a pretensão de contrariar a fé na ressurreição proclamada pelos fariseus e pelo próprio Jesus. Eles querem argumentar que a ressurreição contraria a Lei de Moisés. A resposta de Jesus vem esclarecer que o conceito que os saduceus têm de ressurreição é errôneo, pois esta não é repetição desta vida, nem está condicionada a leis psíquicas e biológicas, mas é uma realidade nova, divina, espiritual: a ressurreição não é “carnal”, mas “espiritual”, isto é, a pessoa é divinizada: “Semeado corpo psíquico, ressuscita corpo espiritual” (1Cor 15,44). Além disso, Jesus afirma que a própria Escritura fala desta vida: Abraão, Isaac e Jacó não estão mortos, mas vivos.

Bem. De tudo isso deve ficar claro para nossa fé que ressurreição não é prolongamento desta vida com suas dores e lágrimas, complicações como casar-se e descasar-se, comprar e vender, nem muito menos de prolongar a estrutura patriarcal de que se aproveitavam os homens ricos de então. Também não se trata de reencarnação, que seria como uma segunda chance, no entendimento de seus adeptos, e que, em última instância, esconde dentro de si o desejo de tirar da morte seu caráter de definitivo e de negar a Deus a misericórdia e o poder de dar gratuitamente a vida eterna aos seus filhos e filhas.

Na vida pós-morte aqueles que fizeram o bem irão para vida de Deus, viverão eternamente. Aqueles que optaram pelo mal serão excluídos da participação da vida divina, pois se fecharam em si mesmos e recusaram o amor benevolente do Pai manifestado em Jesus. A vida eterna é dom de Deus. Nossa tarefa é acolhê-la vivendo de tal modo que correspondamos a esse dom. O que faltar, a Graça supre abundantemente: “Onde avultou o pecado, a graça superabundou” (Rm 5,20).

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN