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Preparados para o Dia do Senhor

aureliano, 15.11.24

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33º Domingo do Tempo Comum [17 de novembro 2024]

   [Mc 13,24-32]

Antes de comentarmos a mensagem do evangelho de hoje é preciso entender o contexto e gênero literário do relato. O evangelho de Marcos foi escrito por volta dos anos 70 d.C. Os judeus e os cristãos judaizantes estavam vivendo a tragédia da destruição de Jerusalém pelos romanos. Então Marcos escreve o evangelho, o primeiro a ser escrito, mencionando, numa linguagem própria, as tribulações por que passam os cristãos. Esta linguagem é o gênero literário apocalíptico. Uma forma própria de falar da presença de Deus em meio aos sofrimentos e tribulações. Não pretende falar de tragédia, mas da presença salvadora de Deus em meio aos acontecimentos trágicos. Uma Boa Nova nos momentos difíceis da vida: “Então verão o Filho do Homem vindo...” “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão”.

Outro elemento que precisa ser levado em conta nesta celebração é o de estarmos no final do Ano Litúrgico. A Igreja tem o costume de colocar textos que falam do fim, ou seja, textos escatológicos, nessa ocasião do ano, para ajudar os fiéis cristãos a olhar, com mais acuidade a própria vida, fazendo um exame de consciência. O fim do ano litúrgico nos lembra o fim/final da nossa existência terrena e o fim/finalidade de nossa vida.

Esclarecemos que o relato de hoje não quer dizer que o fim está próximo, como se tivesse data marcada, como algumas seitas e religiões pretendem propor. De jeito nenhum. Ninguém sabe quando será. O que importa é vigiar, viver de tal modo que nossa vida seja uma manifestação do juízo de Deus. Explico-me: nosso modo de viver deve denunciar o mal no mundo e propor um jeito novo de viver, uma nova Criação. Na verdade não se deve insistir em ‘fim do mundo’, mas na necessidade de criarmos um mundo novo ao nosso redor, onde as pessoas tenham paz, alegria; saibam se respeitar e conviver; tenham um espírito solidário; saibam partilhar o pão com generosidade e alegria. Fim de um mundo marcado pelo pecado e pelo mal e início de um mundo marcado pela graça e cuidados com a vida dos mais fragilizados.

A parábola da figueira quer nos ajudar a abrir os olhos da fé para enxergarmos mais longe: os sinais dos tempos. Deus continua falando nos acontecimentos à nossa volta. Ninguém precisa correr atrás de ‘revelação’ em sonhos, em momentos orantes, como quando alguém diz de repente: “Tive uma ‘revelação’: o Senhor me mostrou que você está com um encosto (ou alguma doença ou como queiram) na sua vida”. Isso é mentira, desejo de enganar, dominar e manipular os pobres inocentes em nome da religião. Ninguém precisa fechar os olhos para ter uma ‘revelação’. Pelo contrário, é preciso estar com os olhos cada vez mais abertos e atentos ao que acontece: “Aprendei, pois, da figueira...”. Então assumiremos a postura de cristãos que denunciam o mal e anunciam o bem.

Uma vez que a liturgia de hoje nos move a trabalhar na construção de “um novo céu e uma nova terra”, uma recriação do mundo, seria bom pensarmos um pouco no modo como lidamos com o meio ambiente, como exploramos os recursos da natureza. Os avanços da ciência e da técnica foram muito benéficos. Se por um lado trouxeram progresso, bem-estar, facilidades, conforto, por outro, desencadearam uma corrida frenética pelo lucro desmedido que destrói e arrasa a vida no planeta (p. ex.: o rompimento da barragem de dejetos de minério em Bento Rodrigues, Mariana/MG e em Brumadinho. Ou mesmo a proposta dos executivos liberais em eliminar as secretarias e ministérios que cuidam do meio ambiente). O que estamos fazendo, concretamente, para defender a vida, o meio ambiente, a saúde pública, os rios e as matas, a humanidade e os animais? Que destinação damos ao nosso lixo? Como utilizamos a água? Que cuidado temos tido com o uso da energia elétrica? Não é nenhuma virtude cristã diminuir o gasto somente por economia financeira. É preciso economizar por solidariedade com as pessoas e com a Criação. A crise hídrica pode nos ajudar a repensar muitos hábitos em relação ao uso da água e do meio ambiente.

O mundo não é um mero objeto de exploração humana. Nem o ser humano é algo jogado e abandonado no universo. Do ponto de vista da fé, há uma teleologia na Criação. Há uma harmonia no universo criado por Deus. O ser humano criado à imagem e semelhança do Criador, está aí para glorificar o Pai e servir aos irmãos. Um dia chegará seu fim. Um dia terá que morrer. Mas a morte é vivida como um mistério, e não como um absurdo. Ela encontra sua resposta na morte-ressurreição de Jesus, o Filho amado do Pai. Então o Filho de Deus torna-se o salvador e o protótipo de vida para o ser humano.

Retomemos os valores que contam: ainda que eu não tenha dinheiro para abastecer o meu carro, não estou isento de visitar meu irmão que sofre e precisa de mim. Ainda que eu me sinta ameaçado no meu cargo que me proporciona um bom salário, não estou dispensado de ser justo, honesto, verdadeiro. Ainda que não seja um farol, o cristão deve ser uma pequena luz, que mantém viva a esperança nesse mundo marcado pelas trevas da maldade. No dizer do autor da Carta a Diogneto (século II): “Numa palavra, o que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo. A alma está em todos os membros do corpo e os cristãos em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, não é, contudo, do corpo; também os cristãos, se habitam no mundo, não são do mundo. A alma invisível vela no corpo visível; também os cristãos sabe-se que estão neste mundo, mas a sua religião permanece invisível”.

* Dia mundial dos pobres

“A oração do pobre eleva-se até Deus” (Eclo 21,5). Esse é o lema do 8º Dia Mundial dos Pobres proposto pelo Papa. Segundo Francisco, é “uma iniciativa de evangelização, oração e partilha”. O santo Padre quer, com essa iniciativa, incentivar “uma crescente atenção às necessidades dos últimos, dos marginalizados e dos famintos”.

“O Dia Mundial dos Pobres tornou-se um compromisso na agenda de cada comunidade eclesial. É uma oportunidade pastoral que não deve ser subestimada, porque desafia cada fiel a escutar a oração dos pobres, tomando consciência da sua presença e das suas necessidades. É uma ocasião propícia para realizar iniciativas que ajudem concretamente os pobres, e também para reconhecer e apoiar os numerosos voluntários que se dedicam com paixão aos mais necessitados. Devemos agradecer ao Senhor pelas pessoas que se disponibilizam para escutar e apoiar os mais pobres: sacerdotes, pessoas consagradas e leigos que, com o seu testemunho, são a voz da resposta de Deus às orações daqueles que a Ele recorrem. Portanto, o silêncio quebra-se sempre que se acolhe e abraça um irmão necessitado. Os pobres têm ainda muito para ensinar, porque numa cultura que colocou a riqueza em primeiro lugar e que sacrifica muitas vezes a dignidade das pessoas no altar dos bens materiais, eles remam contra a corrente, tornando claro que o essencial da vida é outra coisa” (Papa Francisco).

Seria bom que cada fiel, cada família, cada comunidade realizasse um gesto concreto de cuidado e partilha para com os mais pobres. Há pobres de dinheiro, pobres de espírito, pobres de saúde, pobres de sentimento, pobres enlutados, pobres desamparados, pobres explorados. Pobres que sofrem o abandono, o preconceito, o desrespeito. Pobres que são xingados, humilhados, usados, desesperançados... Você conhece algum pobre? É amigo/próximo de algum? Partilha seu tempo, suas coisas, seus dons, sua vida com ele? Coloca-se à disposição para ajudá-lo nas dores dele?

A celebração da Jornada Mundial dos Pobres em tempos de desemprego e subemprego, o consequente aumento da miséria e da fome no mundo, intensificada pelas guerras internacionais e conflitos tribais, dá o que pensar! Quem não tem salário, quem não tem renda fixa, quem paga aluguel ou vive outras situações de desamparo, quem não é sustentado pelos cofres públicos, quem depende do SUS, está enfrentado situação muito difícil. Vamos rezar e pensar essa dura realidade dos pobres!

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

 

Que ninguém seja surpreendido

aureliano, 28.11.20

1º Domingo do Advento - B - 29 de novembro.jpg

1º Domingo do Advento [29 de novembro de 2020]

[Mc 13,33-37]

DEUS ENTRA EM NOSSA HISTÓRIA

O tempo litúrgico do Advento celebra a entrada de Nosso Senhor Jesus Cristo no mundo. É Deus entrando em nossa história para salvá-la, dar-lhe um sentido novo. O cristão é chamado a renovar em seu coração a esperança da salvação que nunca falha. A Igreja aproveita a oportunidade para ajudar seus fiéis a renovar as atitudes interiores de vigilância, de expectativa, de oração fervorosa e contínua, de abertura ao Senhor que quer “armar sua tenda no meio de nós” (cf. Jo 1,14). Ele quer continuar conosco (Emanuel), quer que lhe abramos o coração, quer que nos convertamos ao seu amor, quer que nossas atitudes sejam inspiradas nas palavras e ações de Jesus e de Maria de Nazaré.

Com o Advento, iniciamos o Ano Litúrgico. É tempo de renovar a esperança no Deus que virá, mas que já está no meio de nós: “já e ainda não – jam et nondum”. A vigilância recomendada por Jesus, hoje, é o modo como o reconhecemos no meio de nós. Aliás, o evangelho do domingo passado (Mt 25, 31-46) nos indicou o caminho por onde devemos trilhar para uma constante vigilância: o serviço generoso aos pequeninos do Reino.

O mercado se vale desta ocasião para vender, comprar, ganhar dinheiro. É preciso, porém, ter cuidado para não fazermos deste tempo uma ocasião somente para fazer festas, deixando em segundo plano aquela preocupação basilar de que falam as leituras da liturgia deste domingo: “É ele também que vos dará a perseverança em vosso procedimento irrepreensível, até ao fim, até ao dia de Nosso Senhor, Jesus Cristo” (1Cor 1,8). E ainda: “Vigiai, portando, porque não sabeis quando o dono da casa vem... Para que não vos suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo” (Mc 13,35-36).

Não quero, com isso, negar a importância da festa, do encontro familiar, do descanso, da dança, da música, das alegrias ao redor da mesa. O que deve, porém caracterizar nossas festas é a dimensão cristã destas festividades. Não perder o sentimento de solidariedade: não esbanjar, desperdiçar; não fechar o coração ao pobre e necessitado; buscar a reconciliação, o perdão, a celebração. Uma excelente oportunidade para reconciliar-se com um vizinho ou um familiar com quem se está brigado. São elementos que podem tornar mais cristãs as festas natalinas.

EVANGELHO DO DIA: “VIGIAR”

O acontecimento histórico, pano de fundo desse relato de Marcos, é a destruição de Jerusalém, nos anos 70, pelo exército romano. Foi um acontecimento terrível que provocou muito sofrimento, morte, destruição, sobretudo, do maior símbolo da fé judaica, o Templo. A comunidade de Marcos procurou tirar destes acontecimentos importante lição para a vida cristã: é preciso vigiar.

Ademais, havia no coração dos primeiros cristãos a convicção de que a parusia, isto é, a Segunda Vinda do Senhor, estava perto. Então conduziam a vida com este pensamento. E como a “volta” não acontecia, demorava, começaram a esmorecer na fidelidade ao Evangelho. Daí a ordem insistente: “Vigiai”. Ou seja, o cristão precisa viver em permanente estado de alerta para não se deixar perverter pelo mal que campeia no mundo.

Ainda mais: a vinda do Senhor não deve ser para o cristão motivo de medo, mas de alegre e confiante esperança. Essa expectativa da vinda gloriosa do Senhor, muito presente nas primeiras comunidades cristãs, deve nos levar a pensar no Cristo que inaugurou a presença do Reino no nosso meio, e que, uma vez concluída sua missão neste mundo, entregou-nos a tarefa de continuar (com ele) o que ele começou. Portanto é um trabalho, uma tarefa na qual devemos estar sempre acordados, atentos, vigilantes. É assumir como nossa a causa de Deus. Nossa ocupação neste mundo é trabalhar para que o Reino de Deus se estabeleça no mundo e nos corações. Não podemos dar tréguas, dar-nos por satisfeitos, acomodar-nos.

Há três situações que ameaçam a vigilância do cristão: a superficialidade da vida: falta de profundidade nas palavras e ações; a sensualidade: busca do prazer carnal com prejuízo da vida espiritual; a necessidade de bem-estar: preocupação excessiva com posses e poder.

Superficialidade: As relações tendem a ser inconsistentes; há muito jogo de interesse nas ditas ‘amizades’; mesmo as práticas religiosas estão marcadas pela superficialidade: diante de um desagrado, abandona-se ou troca-se de credo. Falta raiz, profundidade, falta convicção. Muitas relações se sustentam na base da troca, do dinheiro, do patrimônio material. Uma vez que alguma situação dessas começa a ruir, está desfeita a amizade, a parceria, o companheirismo. Isso sem falar daquelas pessoas de duas caras... É muito triste!

Sensualidade: Realidade humana interessante e, por vezes, necessária, marcada, no entanto, por um caráter ardiloso que transvia os corações vigilantes, pervertendo relações esponsais, familiares e comunitárias, trazendo grande prejuízo para a sociedade. É uma armadilha que prende a pessoa aos instintos egoístas. Um grau de sensualidade faz parte das relações, sobretudo das relações amorosas conjugais. Mas se a pessoa apostar nos jogos sensuais como substância da vida, vai se desviar do caminho da vida, do caminho de Jesus. Ela não é a única realidade que constitui o ser humano. Nem é o único meio de se estabelecer relação saudável.

Necessidades de bem-estar: Outra armadilha do mal que nos prende é o consumismo: compramos coisas de que não precisamos; gastamos o que não temos; fechamos os olhos às necessidades de nossos irmãos que vivem realidades miseráveis. O autocentramento fecha o ser humano em seu próprio mundo, tornando-o incapaz de abrir-se aos demais. Aos eternos insatisfeitos com a vida, é bom lembrar Santo Agostinho: “Fizeste-nos, Senhor, para ti. E o nosso coração andará inquieto enquanto não descansar em ti”.

A recomendação de Jesus para que estas armadilhas não nos surpreendam é o estado permanente de vigilância: estarmos acordados e atentos à vivência de nossa fé. Buscar o “único necessário” (cf. Lc 10,42).

A única forma de entregarmos a Ele um “relatório” completo de tudo o que fizemos é nunca faltarmos ao “serviço”. Viver cada dia como se fosse o último. Não adiar comprometimento com a comunidade e com a causa dos pobres. Não omitir. Não mentir. Não enganar.

A obra de Deus é resultado de mão dupla: Ele vem ao nosso encontro e nós vamos ao encontro d’Ele. A parte de Deus ele já a realizou em seu Filho Jesus. A nossa parte é a disposição diária de realizar a vontade d’Ele, cultivando o amor que ele veio nos ensinar. Procurando expressar em nossa atitude as atitudes de Jesus.

Vigiar é o contrário de adormecer, de desligar-se. Hoje em dia estamos plugados, conectados dia e noite nas redes sociais, mas, com muita frequência, totalmente desligados uns dos outros e de nossa relação com Deus, realidade última que nos constitui. Jesus quer dizer que vigiar é não se deixar seduzir pelas propostas de um mundo afastado de Deus, capitalista, consumista, hedonista, neoliberal. Não se pode desanimar diante dos desafios e dificuldades. Ligar-se a Deus, confiar n’Ele, acreditar no projeto de Jesus e tocar em frente. Assim, ninguém será surpreendido.

Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN